ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
43/09.9PAAMD.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/09/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR RAUL BORGES

DESCRITORES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO
RECURSO PENAL
ACORDÃO DA RELAÇÃO
CONDENAÇÃO
PENA DE PRISÃO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REJEIÇÃO DE RECURSO
IN DUBIO PRO REO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
PENA DE MULTA
PENA CUMPRIDA

SUMÁRIO
I - Com o acórdão da Relação, que conhece de facto e de direito – art. 428.º do CPP – fecha-se o ciclo da apreciação e fixação da matéria de facto, sendo certo que não foi suscitada a verificação de qualquer dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do art. 410.º, nem arguida qualquer nulidade prevista no art. 410.º, n.º 3, ou no art. 379.º, aqui invocável nos termos do art. 425.º, n.º 4, do CPP.
II - A crítica do julgamento de facto, a expressão de divergência do condenado/recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feita pelo colectivo recorrido, são de todo irrelevantes, de acordo com a jurisprudência há muito firmada, pois, ressalvada a hipóteses de prova vinculada, o STJ não pode considerá-las, sob pena de estar a invadir o campo de apreciação da matéria de facto, que o colectivo, ou a Relação quando reaprecia a prova, faz de harmonia com o art. 127.º do CPP.
III - A impossibilidade do STJ sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim, digamos, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. a), do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade.
IV- O princípio in dubio pro reo tem sido entendido sobre diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ, ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o STJ vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente da fundamentação da decisão de facto.
V - No caso de um acórdão final, de uma condenação proferida pelo Tribunal da Relação, em recurso, aplicando pena privativa de liberdade (quando o arguido na 1.ª instância havia sido absolvido), é a mesma recorrível, nos termos conjugados do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. b), e no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, este a contrario. O processo comportará um duplo grau de recurso, tendo o primeiro sido interposto pelo MP e em que o arguido poderia ter intervindo e o segundo a ser interposto pelo próprio arguido.
VI - Tendo sido impugnada a matéria de facto nos termos amplos consentidos pelo art. 412.º, n.º 3, do CPP, o poder de substituição da decisão recorrida abarca não só a modificação da matéria de facto impugnada, bem como a qualificação jurídica do novo acervo emergente da intervenção do tribunal de recurso, e ainda a escolha da espécie e fixação da medida da pena (e eventual decretamento de penas acessórias, se for o caso, ou pronúncia sobre o destino de bens apreendidos). Assim não será se a decisão em exame não contiver os elementos necessários para a determinação da medida da pena, cuja ausência se poderá explicar em virtude da decisão absolutória em 1.ª instância fazer esquecer essa indagação, conduzindo à verificação do vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.
VII - Nos casos em que a nova decisão modificativa de matéria de facto e subsequente qualificação venha a determinar fixação da pena em medida que não admita recurso, colocar-se-á a questão da necessidade da audição da defesa sobre a questão da culpabilidade e da determinação da sanção – arts. 368.º, 369.º e 371.º, aplicáveis em sede de recurso, ex vi do disposto no art. 424.º, n.º 2, do CPP – com a faculdade de se pronunciar sobre a possibilidade de vir a ser condenado.
VIII - Interposto recurso da decisão absolutória, o arguido inicialmente absolvido poderá sempre contraditar a argumentação na sua contramotivação. A partir da interposição do recurso o arguido absolvido fica ciente de que um dos desfechos possíveis será o da modificação da matéria de facto que poderá conduzir a preenchimento de crime e a eventual condenação.
IX - No caso, está assegurado um segundo grau de recurso, sendo reapreciada a pena fixada pela Relação.
X - O tráfico de estupefacientes é um crime de consequências gravíssimas para a sociedade. A quantia considerável de € 4660, um cheque de € 350 000 e nove embalagens com um total de 82,32 g de cocaína que o arguido detinha, são demonstrativos de que levava a cabo uma já notável capacidade de colocação de droga no “mercado”. Estamos perante uma actuação isolada, a detenção de estupefacientes no dia 05-12-2009. O dolo do arguido foi directo e intenso. O arguido tem 44 anos, sem antecedentes criminais. Assim, e ponderadas as razões de prevenção geral e de prevenção especial, entende-se adequada a pena de 5 anos e 6 meses de prisão fixada pela Relação.
XI - Não são de englobar em cúmulo jurídico penas de multa já extintas.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL

No âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, com o n.º 43/09.9PAAMD, da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, foram submetidos a julgamento:

1 - AA, casado, armador de ferro, nascido a 31-01-1965, natural de Cabo Verde, residente na ..................,....., Bairro da ........, Amadora, actualmente preso à ordem destes autos;

2 - BB, solteiro, pedreiro, nascido a 20-05-1967, natural de Cabo Verde, país da sua nacionalidade, residente na .................., n.º ..., Bairro da ........, Amadora;

 3 -CC, casado, pedreiro, nascido a 11-02-1969, natural de Cabo-Verde, residente na .................., n.º....., Bairro da ........, Amadora;

 4 - DD, solteiro, empresário, natural de Cabo Verde, nascido a 05-05-1976, residente na Rua ............... S......., Maranhão, n.º ....., ......, S. Marcos, Cacém;

5 - EE, solteira, copeira, natural de Cabo Verde, nascida a 22-10-1976, residente na .................., n.º ...., .... andar, ........, Amadora.

       Por acórdão do Colectivo da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, datado de 20-12-2010, constante de fls. 726 a 757, do 3.º volume, foi deliberado:

I – Absolver:

- Os arguidos BB,CC, DD e EE, da prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. no artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência às tabelas anexas I-A e I-B;

- O arguido BB, ainda da prática de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2, do Código Penal;

- A arguida EE, também pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, alínea a), 3.º, n.º 2, alíneas h) e q) e 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 17/2009, de 06-05;

II – Condenar:

- O arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. no artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de prisão de 4 anos e 6 meses;

- O arguido BB, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p) e v) e n.º 3, alínea a), 3.º, n.º 2, alínea q) e n.º 3 e 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 17/2009, de 06-05, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, no montante global de 500,00 €, que nos termos do artigo 80.º do Código Penal, desde logo foi considerada extinta;

- A arguida EE, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. nos artigos 21.º e 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, de 22-01, na pena de prisão de 2 anos e 10 meses, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período;

III - Declarar perdidos a favor do Estado (…)

IV - Ordenar a entrega ao arguido BB do numerário apreendido a fls. 15.

Inconformado com o assim deliberado no que respeita à absolvição do arguido BB quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, o Ministério Público interpôs recurso, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 794 a 817, do 4.º volume, suscitando reapreciação da prova gravada.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Abril de 2011, constante de fls. 871 a 889 verso, foi concedido provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público, tendo sido deliberado o seguinte:

«Considerar provado que:

--o arguido BB tinha em seu poder um saco em plástico de cor branca contendo várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando a quantia monetária de 4.660,00 €, como se refere na acusação, um cheque do BCP- Millenium, em nome de FF no valor de 350,00 €, e uns calções de ganga de cor azul que continham no bolso traseiro 9 embalagens de cocaína com o peso de 82,32g;

--o saco plástico com o dinheiro, balança e os calções com estupefaciente, estavam na parte exterior do imóvel situado no n...... da .................. pelo facto do arguido BB ao aperceber-se da presença da policia, se ter colocado em fuga através do terraço da residência para cima dos telhados e arremessado os artigos que de imediato foram apreendidos, tendo o próprio visado e possuidor, tentado esconder-se junto de uma das chaminés, no telhado;

Eliminando-se os pontos referidos da matéria não provada na sentença recorrida, e substituindo-se os pontos 10 e 11 da matéria provada na forma acabada de escrever.

Condenar o arguido BB, como autor material da prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.
Efectuando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas condenar o Arg. na pena única de cinco anos e seis meses de prisão e 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, o que perfaz o montante global de 500,00 €;
No mais confirmar o acórdão recorrido».

Inconformado com o deliberado pela Relação de Lisboa, o arguido BB interpõe recurso para o STJ, apresentando a motivação de fls. 900 a 923, e em original, de fls. 924 a 947, que remata com as seguintes conclusões (que – diga-se – são quase a reprodução integral da motivação apresentada), ora apresentadas em transcrição integral, incluindo realces, em negrito, itálico, e em sublinhado:       

1. A particular circunstância limitativa do poder de cognição do Tribunal de 2.ª instância supra referida e ainda a que decorre de se encontrar privado do contacto directo com a produção da prova, consubstanciam as razões fundamentais pelas quais é ponto pacífico na Jurisprudência e na Doutrina que a fixação da matéria provada e não provada, na sua globalidade cabe, por excelência ao Tribunal de 1.ª Instância.

2. Desta forma, afigura-se pacífica a conclusão de que a livre convicção Tribunal de 1.ª Instância há-de emergir da apreciação conjugada de toda a prova produzida, assente em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova e não apenas da apreciação de cada uma das provas apresentadas de per si, nomeadamente, não decorrerá apenas e em exclusivo da prova testemunhal de uma das testemunhas ouvidas, ainda que se tratando de um agente Policial. Assim procedeu o Tribunal de 1.ª Instância nos presentes autos.

3. Diferentemente, na peugada dos argumentos aduzidos pelo Recorrente MP, o Tribunal a quo alicerçou a posição assumida, segundo a qual o Tribunal de 1.ª Instância terá incorrido num erro de julgamento, na simples, individualizada e solitária análise de um único depoimento: o do Agente GG.

4. Retirando, cirurgicamente, daquele depoimento os excertos que permitiam suportar a sua tese, o MP logrou convencer os Venerandos Desembargadores da justeza daquela, porquanto, não só os retirou do seu devido contexto - do restante depoimento e das subsequentes insubsistências do mesmo quando confrontado com algumas das questões colocadas pelos demais intervenientes processuais - como não permitiu o confronto deste com outros depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento, nomeadamente dos demais arguidos que não tinham qualquer interesse na questão que particularmente afecta o ora Recorrente.

5. Obviamente que não pretendeu o Tribunal de 1.ª Instância pugnar por uma pretendida falsidade do depoimento do Agente ora em causa. De acordo com aquele Tribunal, a memória dos factos relatados não foi consistente. Não por que aquele agente estivesse intencionalmente a faltar à verdade mas porque, apesar de estar convencido de que era o arguido ora Recorrente que se encontrava no cimo do citado telhado e que terá supostamente atirado aquele saco em específico, esta convicção não lhe adveio, nem podia advir, com a segurança e certeza necessárias, do seu conhecimento directo, da sua visualização.

6. E porquê? Porque conforme esclarece, fundamentadamente, o Acórdão proferido em 1.ª Instância:

Prestou depoimento GG, agente de autoridade que interveio em apreensões que se referenciam nos autos, mas que pelo modo como ocorreu, nas precisões e concretizações que efectuou bem como na latitude de conhecimentos que lhe era possível transmitir, o tribunal não lhe pôde conferir consistência para infirmar a maioria do declarado pelos arguidos presentes em audiência.

Designadamente no que concerne ao arguido BB quando afirmou que o viu arremessar para o exterior do prédio umas calças e um saco branco, deduzindo-se daí além do mais que sempre não teria as melhores condições visuais (noite, pluviosidade, défice de iluminação, observação de um vulto, etc.) para o constatar e poder imputar a esse arguido com toda a certeza tal conduta.

7. E mais esclarece adiante:

Pelo exposto, também, esta prova documental conciliada com as declarações dos arguidos e depoimentos das testemunhas não permitiu criar a convicção do tribunal no sentido pleno proposto na douta acusação, chegando-se à verdade prático-jurídica nessa conformidade que servirá de suporte à decisão, numa ponderação prudente do conjunto da prova e dos nexos lógicos que se determinaram entre os seus elementos, concebida criticamente, conforme as regras da experiência fundamentadas no uso social (art° 127°, do CPP). "

8. Ou seja, embora não discorrendo detalhadamente sobre a questão, pretendeu o Tribunal de 1.ª Instância referir-se à circunstância de aquele Agente ter acabado por, confessadamente, admitir que:

«(6.54) “ vi o saco plástico a cair (e não a ser arremessado), vi o vulto lá em cima,  cá  de baixo  não  consegui ver na  cara  dele,   vi só a  camisola amarela...”»;

Bem como ao facto de ter ficado assente, conforme decorre do auto de fls. 93 e 94, que na altura das apreensões chovia bastante e era noite18, circunstâncias que o referido Agente também admitiu.

9. Confessadamente admitiu ainda, no decurso do seu depoimento, a instâncias do Meritíssimo Juiz Presidente, que o saco lhe pareceu ser branco, que a camisola do indivíduo que avistou no telhado parecia ser amarela e que o telhado onde avistou aquele correspondia a um segundo ou terceiro andar.

10. Não se vindo a conseguir excluir a possibilidade de acesso àquele por outras pessoas, envergando camisola amarela ou de outra qualquer cor, para além dos arguidos dos presentes autos, pelo que assumiu particular relevância a consistência ou não do depoimento do Agente GG que foi o único a declarar ter visto efectivamente alguém no telhado a arremessar algo

11. Resultou ainda dos restantes depoimentos e das citadas fotos dos autos que encontrando-se o Agente GG ao nível do chão, nunca teria um ângulo de visão que lhe possibilitasse a visualização adequada do referido telhado, que o próprio admitiu situar-se ao nível do segundo ou terceiro andar.

12. Mormente, nunca lhe seria possível, por uma questão de perspectiva, garantir se ali se encontrava, ou não, algum plástico que   pudesse consubstanciar ou refutar a tese apresentada pelo ora Recorrente segundo a qual se encontrava no telhado para o cobrir de forma a evitar infiltrações.

13. O retirar desta simples conclusão, sendo por demais evidente, decorre unicamente das regras de experiência comum.

14. Dada a dificuldade de entendimento das diversas e supra citadas questões, e na sequência do depoimento não totalmente esclarecedor dos Agentes chamados a depor pelo MP que o Juiz Presidente solicitou, a final, ao Arguido ora Recorrente que, com recurso às fotos dos autos lhe explicasse onde realmente se encontrava aquando da sua detenção, aproveitando este, mais uma vez, para explicar os motivos para tal.

15. É neste particular contexto que o Tribunal de 1.ª Instância refere:

As declarações do arguido BB também em regra foram apenas no sentido dos factos assentes e em consonância com as anteriores declarações, sendo certo, mais uma vez, que na sua conjugação com a demais prova, nomeadamente a oral, esta não teve as características necessárias para as infirmar. Ademais defendendo-se quanto à possibilidade designadamente do estupefaciente e do numerário encontrado pelos agentes de autoridade no exterior do prédio ter sido por si para aí arremessado, conforme tese da acusação, em termos que sem mais se não podem afastar, visto que é o próprio auto de fls. 93 e 94 a aludir a bastante pluviosidade no momento da diligência o que tornam mais críveis as circunstâncias por si invocadas. “

16. O Tribunal refere “...em consonância com as anteriores declarações...” pois o Arguido/Recorrente prestou esclarecimentos ao Tribunal não só no início da Audiência de Julgamento, uma vez que quis falar sobre os factos, mas também depois do depoimento do Agente GG e ainda no final daquela.

17. Os referidos esclarecimentos do Arguido mostraram-se necessários face à dúvidas sentidas pelo Tribunal de 1.ª instância as quais, confessadamente, não conseguiu ver supridas!

18. Ficou assim claro ao Tribunal que não podia deixar de admitir que outras pessoas pudessem ter acesso ao referido telhado, naquela ou em outras anteriores ocasiões, e que lá tivessem depositado os objectos encontrados pelos Agentes.

19. Motivo pelo qual não poderia o Tribunal de 1.ª Instância senão decidir da forma que o fez!

20. De molde a que nos termos do disposto pelo art.° 412.°, n.° 3 do CPP -impugnação ampla -, o Tribunal ora Recorrido pudesse sindicar a matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, haveria que, debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, concluir que as provas indicadas impunham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitiam, o que salvo melhor opinião, não ficou demonstrado.

21. “A censura quanto á forma de formação da convicção do Tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação de convicção. ”

22. Ora, o Tribunal recorrido não refere nenhuma destas circunstâncias. De modo diverso, pretende impor a sua convicção à daquele.

23. Olvida porventura este Tribunal que o Tribunal recorrido expressamente refere quanto à confrontação entre a tese apresentada pelo Arguido BB e a versão do Agente GG, que a sua convicção quanto à verdade dos factos resultou das declarações do primeiro “...com a demais prova, nomeadamente oral”.

24. Assim, deveria o Tribunal a quo ter reconhecido, face à fundamentação por aquele aduzida e aos princípios da oralidade e da imediação, que é o tribunal de 1.ª Instância que se encontra em melhores condições para fazer uma adequada apreciação da prova, porquanto:

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum.

25. E ainda:

O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.”

26. Ora, como se viu, o Acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância assenta em operações intelectuais válidas e justificadas, com respeito pelas normas processuais atinentes à prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum.

27. Em erro de Julgamento incorreu sim o Tribunal a quo porquanto pretendeu, isolando um único elemento de prova, analisando-o em exclusivo, cristalizando-o, daquele extrapolar conclusões que assumem proporções alegadamente idóneas à exclusão dos demais elementos de prova carreados aos autos, e à devida e conjugada apreciação com aqueles pelo Tribunal de 1.ª Instância!

28. Cremos ser de concluir que o Tribunal recorrido avocou para si uma competência que não é sua, porquanto não possuía todos os elementos necessários à justa ponderação da matéria em causa: a prova produzida no seu todo e na sua sede própria, absorvida em directo - na audiência de julgamento!

29. Por consequência, por tudo quanto ficou exposto, não pode senão conclui-se que o Tribunal recorrido, ao alterar indevidamente, fora dos casos em que tal seria admitido, a decisão do tribunal de 1.ª Instância quanto aos factos considerados provados, ao substituir-se àquele na apreciação da prova testemunhal, violou o Princípio da Livre Apreciação da Prova vertido no art.° 127.° do CPP e consequentemente o art.º 431.º do CPP e os princípios in dúbio pro reo, da oralidade e da imediação.

30. Questão diversa prende-se com a possibilidade de o Tribunal a quo, chegado que foi à conclusão ora em crise, proceder à determinação da pena e da sua concreta medida, a aplicar ao arguido.

31. Ainda que admitindo, o que por mera hipótese e cautela de patrocínio se considera, a condenação do Recorrente no crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21 do Dec. Lei 15/98, de 22 de Janeiro, por força da alteração da matéria de facto provada operada pelo Tribunal a quo, não poderia este, sem mais, ter passado à determinação da medida da pena concreta a aplicar ao arguido.

32. Procedendo daquela forma, afastou, no âmbito da determinação da sanção, a possibilidade de aplicação das normas contidas nos artigos 369.°, n.° 2 e 371.°, n.°s 1, 2 e 3 do CPP, impedindo o Arguido, no exercício dos seus direitos de defesa, participar na determinação da medida da sanção.

33. Pelo exposto, a determinação da sanção deve ser levada a cabo pelo Tribunal de 1.ª Instância, tendo em consideração os factos que se encontrem definidos e o crime que se entendeu imputar ao Arguido, observando-se o disposto nos supra citados artigos.

34. Apesar das conclusões aduzidas pelo Tribunal a quo quanto à determinação da medida da pena, não podemos senão constatar que as exigências de prevenção especial quanto ao ora Recorrente são efectivamente fracas:

- quer por não ter qualquer, aos 44 anos de idade, antecedentes criminais,

- quer por, conforme consta do seu relatório social, ter uma historia de vida pautada pelo trabalho e evidenciar capacidade para estabelecer formas de interacção.

35. Ora, considerando que a medida da pena deve ter em conta todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, não podem aquelas ser desconsideradas (Art.° 71.° CP), pelo que a pena a aplicar em concreto ao Recorrente em consequência da sua condenação pela prática do crime p. e p. nos termos do art.° 21.° do D.L. n.°15/93, de 22 de Janeiro, não deverá ser superior ao seu mínimo: 4 anos.

36. A tudo quanto ficou exposto acresce o facto de o Arguido se ter encontrado em prisão preventiva durante um ano à ordem do presente processo.

Pelo que, salvo melhor entendimento, a finalidade da pena, entendida no sentido pedagógico, tendo em vista que o agente não volte a delinquir, já foi cumprida.

37. Já no que diz respeito finalidade da pena entendida como sendo a reintegração do agente delituosa na sociedade, a ressocialização, melhor será servida pela mediante a aplicação ao ora Arguido de pena inferior a 5 anos, de molde a viabilizar a sua suspensão, nos termos do art.° 50.° do CP.

38. De tudo quanto ficou exposto, pese embora a forte necessidade de prevenção geral associada ao referido tipo de crime, estamos em crer que, não podendo a medida da pena exceder a medida da culpa do agente, sob pena de postergar o fundamento último de todas e qualquer punição criminal e que é a dignidade humana, não poderá o ora Arguido ser condenado em pena de peso superior àquele que lhe seria tendo em vista as necessidades de prevenção especial.

39. Assim, deve a decisão impugnada ser substituída por outra que determine:

a. A anulação do Acórdão impugnado, pugnando pela manutenção do Acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância, quer quanto aos factos considerados provados, quer quanto à consequente absolvição do ora Recorrente;

b. Assim não se entendendo, que a determinação da pena e da respectiva medida seja levada a cabo pelo Tribunal de 1.ª Instância, anulando-se o Acórdão ora impugnado neste particular aspecto;

c. A tal não ser entendido, a redução da medida da pena aplicada e que a execução da mesma seja, no quadro do art.°50.° do CP, suspensa.

        O Ministério Público respondeu, conforme fls. 955-7, opinando no sentido de o recurso ser julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.
********     

         A arguida EE, notificada da interposição do recurso deduzido pelo ora recorrente, veio, a fls. 989, dizer que, face à invocação da anulação do acórdão recorrido, nele impugnando o recorrente a matéria factual considerada provada, e pugnando pela sua absolvição, vinha, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 413.º do CPP, oferecer o merecimento dos autos em tudo o que no decorrer da ulterior tramitação da sindicação se mostrar favorável à sua defesa, aderindo à motivação e às conclusões ínsitas no recurso.

         O recurso foi admitido por despacho de fls. 992.

   A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer a fls. 1002-3, defendendo que o acórdão recorrido procedeu ao exame e avaliação da prova em virtude de a mesma ter sido impugnada nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP e ao modificar a matéria de facto o tribunal fê-lo no exercício do poder de reapreciação da prova e da modificação da decisão sobre a matéria de facto, conforme o disposto no artigo 431.º, al. b), do CPP, não merecendo qualquer censura.

Diz concordar com a integração jurídica, bem como com os fundamentos invocados no acórdão recorrido no sentido da imediata determinação da medida da pena, e não da remessa dos autos para esse efeito à primeira instância.

Acrescenta que a pena imposta não merece qualquer censura, mostrando-se equilibrada.

              Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.

         Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

         Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

         Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

                                                                                         

      Questões a decidir

      Atento o teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, que traduzem (no caso quase reproduzindo por completo o texto da motivação) as razões de divergência com o decidido, são três as questões a apreciar:

      I Questão – Violação do princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 127.º e consequentemente do artigo 431.º, do CPP, e dos princípios in dubio pro reo, da oralidade e da imediação – Conclusões 1.ª a 29.ª e 39.ª.a)

II Questão – Competência para fixação da espécie e medida da pena em caso em que em recurso de decisão absolutória de primeira instância o juízo substitutivo conduz a decisão condenatória – Conclusões 30.ª a 33.ª e 39.ª - b)

            III Questão – Medida da pena – Redução? - Suspensão da execução da pena? - Conclusões 34.ª a 38.ª e 39.ª.c)

Factos Provados

Vão enumerados os factos dados por provados na primeira instância, indo em letra de tipo reduzido os factos dados por provados que não respeitam de todo ao recorrente e em itálico os respeitantes ao recorrente - factos n.º s 10 e 11 - que vieram a ser substituídos na Relação, intercalando-se o que resultou da modificação.

 1) Os arguidos, designadamente durante o ano de 2009, residiam no Bairro da ........, Amadora, sendo que os arguidos AA, BB, CC e EE no prédio aí sito com o..... na ..................;

2) no dia 03.03.2009, pelas 19 horas e 40 minutos, nessa .................., encontravam-se os arguidos DD e BB, os quais estavam sentados junto a um muro, e, em circunstâncias e por motivos não concretamente apurados,  aperceberam-se da presença dos agentes da PSP e levantaram-se, do local se ausentando;

3) nas imediações esse local, em preciso sítio igualmente não concretamente apurado, por esses agentes de autoridade foi encontrado um maço de tabaco da marca “Marlboro”, o qual continha seis embalagens de cocaína (cloridrato), substância esta com o peso de 0,978 gramas, e quatro embalagens de heroína, substância esta com o peso 0,667 gramas;

4) nessa oportunidade de tempo e lugar os arguidos DD e BB traziam, respectivamente, o primeiro em local do corpo também não concretamente apurado, a quantia monetária de 89,22 €, fraccionada em várias notas e moedas, o segundo, no bolso das calças que trajava, de 18,30 €, fraccionada em notas e moedas;

5) no dia 15.12.2009, cerca das 23 horas e 25 minutos, no r/ch do citado prédio, onde o arguido AA morava, foram encontrados e apreendidos pelas autoridades policiais, pertença desse arguido, bens e numerário, conforme teor do auto de apreensão de fls. 87 a 92,  bem como, pertencente ao mesmo arguido, uma bolota, contendo no seu interior cocaína (cloridrato), substância esta com o peso de 14,584 gramas, que se destinava nomeadamente a ser vendida por esse arguido a terceiros, e uma bolota, esta que se encontrava vazia e apenas com alguns resíduos de cocaína;

6) nessa oportunidade de tempo, no 1º andar desse prédio, onde residia a arguida EE, foram encontrados e apreendidos no mesma diligência policial, bens e documentos, conforme o teor do mesmo auto, que lhe eram pertencentes, assim como, pertencentes também à mesma arguida, uma caixa de cor cinzenta com resíduos de cocaína contendo seu interior dez embalagens de cocaína (cloridrato), substância esta com o peso de 0,948 gramas, três embalagens de plástico contendo heroína, substância esta com o peso de 1,526 gramas, em ambos os casos que se destinavam a ser comercializados pela arguida com terceiros, uma faca e uma lâmina de barbear, tudo com resíduos de cocaína, vários pedaços de plástico recortados em forma de círculo próprios para acondicionar estupefaciente, uma faca com resíduos de cocaína e um cartão de crédito do IKEA em nome dessa arguida, contendo resíduos de heroína e cocaína;

7) nessa altura e local a mesma arguida detinha também uma embalagem spray com produto químico não concretamente apurado e 20 munições de calibre 7,65 mm em estado de deflagração igualmente não concretamente apurado, os quais foram também apreendidos em tal diligência policial;

8).....º andar do citado prédio, onde residiam os arguidos BB e CC, irmãos, foram encontrados e apreendidos na referida diligência policial, detidos pelo primeiro, uma arma de fogo semi-automática de marca Pietro Beretta de calibre.22, com respectivo carregador e 3 munições do mesmo calibre, sem numero de serie, por ter sido rasurado, conforme teor de fls. 395 que aqui se dá por reproduzido, o passaporte em nome de HH com o Nº 0000000, emitido a 13.03.2008, pelo Governo Civil de Lisboa, o passaporte em nome do arguido BB, emitido pela Republica de Cabo Verde em 10.02.1997, um telemóvel de marca Nokia, modelo 6288, de cor preta, com o IMEI 000000000000, para além de, que lhe pertenciam, quatro embalagens de produto fármaco denominado Redrate, duas delas abertas;

9) no auto de fls. 93/4, encontram-se apreendidos um saco em plástico de cor branca contendo várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu, no montante global de 4.660,00 €, um cheque do BCP-Millenium, em nome de II no valor de 350,00 €, uns calções de ganga de cor azul que continham no seu interior, no bolso traseiro, nove embalagens de cocaína (éter metílico do ácido), substância esta com o peso de 75,997 gramas, e, ainda, em conformidade com o teor do aludido primeiro auto, uma balança electrónica de precisão de marca Diamond, modelo 500;

10) o saco plástico com o dinheiro, balança, os calções e produto estupefaciente mencionados no nº 9 destes factos assentes estavam na parte exterior do referido imóvel, nomeadamente em cima de telhados do mesmo, e foram aí colocados por indivíduo cuja identidade não se apurou, em circunstâncias também não concretamente apuradas;

11) o arguido BB, nos momentos em que se realizaram as mencionadas apreensões, encontrava-se por motivos e circunstâncias não concretamente apuradas em telhado igualmente não concretamente apurado do dito prédio;

(Substituídos por:

“O arguido BB tinha em seu poder um saco em plástico de cor branca contendo várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando a quantia monetária de 4.660,00 €, como se refere na acusação, um cheque do BCP- Millenium, em nome de II no valor de 350,00 €, e uns calções de ganga de cor azul que continham no bolso traseiro 9 embalagens de cocaína com o peso de 82,32g;

“O saco plástico com o dinheiro, balança e os calções com estupefaciente, estavam na parte exterior do imóvel situado no nº.... da .................. pelo facto do arguido BB ao aperceber-se da presença da policia, se ter colocado em fuga através do terraço da residência para cima dos telhados e arremessado os artigos que de imediato foram apreendidos, tendo o próprio visado e possuidor, tentado esconder-se junto de uma das chaminés, no telhado)

12) o arguido AA, pelo menos, desde Abril de 2009, por dia, globalmente vendeu uma grama de cocaína a cerca de cinco consumidores de estupefacientes, sendo que a arguida EE no princípio do mês de Dezembro de 2009 vendeu-lhe por 400,00 € cerca de 5 gramas do mesmo produto estupefaciente; 

13) o arguido AA e EE conheciam a natureza estupefaciente da cocaína que detinham e comercializavam e a arguida também da heroína que detinha e comercializava;

14) mesmo assim, decidiram manter em seu poder as substâncias, acima discriminadas, a fim de obterem lucros económicos a que não tinham direito;

15) bem sabia o arguido BB, que nas circunstâncias atrás descritas, atentas as suas características, a detenção da pistola e munições, são proibidas por lei, não tendo justificação para as deter;

16) essa arma de fogo não era susceptível de ser registada ou legalizada a favor do arguido BB dado que o seu número de série foi rasurado;

17) os arguidos AA, BB e EE agiram de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram criminalmente punidas por lei;

18) segundo o relatório social de fls. 554 a 557, o arguido AA apenas frequentou o sistema de ensino até à antiga segunda classe, com 10 anos de idade começou por ajudar o seu pai, pedreiro, a par de efectuar tarefas agrícolas, e em cujas actividade esteve ligado na idade adulta, tem dez filhos, todos a residir em Cabo Verde e integrados no agregado das mães, aos 34 anos de idade, na busca de melhores condições de vida, decidiu emigrar para Portugal, sozinho e aqui começou por coabitar com pessoas e concidadãos em análoga situação e em diferentes locais, designadamente em Queluz e Sesimbra onde se localizavam os trabalhos ligados à área da construção civil, que manteve com carácter regular até meados de 2009, teve alguns consumos esporádicos de cocaína mas os quais considera já ultrapassados, em meados de 2006 fixou a sua residência na ........ e constituiu agregado com a sua actual companheira, na data dos factos, na situação de desemprego confrontava-se pelo decréscimo de receitas, é detentor dum enquadramento afectivo e marital gratificante, de apoio mútuo, evidencia postura organizada mas tendencialmente introvertida, tem visitas da companheira que lhe presta apoio e no seu agregado familiar surgia como um suporte afectivo e material importante;              

19) segundo o relatório social de fls. 544 a 548, o arguido BB, ao nível escolar concluiu o ensino básico, com 13 anos de idade, altura em que abandonou a frequência escolar e iniciou actividade laboral junto da progenitora, como trabalhador rural, manteve esta ocupação laboral até aos 19 anos, período em que vem para Portugal e fixa-se na Buraca, durante um ano, integrando o agregado familiar de uma irmã e iniciando a actividade de servente da construção civil, entre 1988 e 1995 trabalhou nessa área em França, na companhia de um cunhado, visitando frequentemente Portugal, em 1996 regressa a Portugal onde se fixa devido a dificuldades relativas à regularização da documentação e desde essa data, tem trabalhado de forma contínua, no nosso pais e em Espanha, em termos afectivos vive em união de facto com JJ, há cerca de 12 anos, possui um filho deste relacionamento, com 12 anos de idade, tendo ainda assumido a condução do processo educativo do enteado, actualmente com 19 anos de idade, possui uma imagem adequada no meio sócio-residencial, a sua condição económica foi descrita como deficitária, uma vez que se encontrava desempregado há sensivelmente quatro meses, contando o agregado familiar apenas com o vencimento da companheira, que trabalha como empregada de limpeza, pretende voltar a trabalhar em Espanha e evidencia capacidade para estabelecer formas de interacção social ajustadas embora revele lacunas, nomeadamente ao nível da autocrítica;

20) a arguida EE é de baixa condição económica e social;

21) ao arguido AA não são conhecidos antecedentes criminais;

22) ao arguido BB não são conhecidos antecedentes criminais;

23) a arguida EE tem os antecedentes criminais constantes de fls. 338 a 340 e 568 a 570.

   Na decisão de primeira instância foi dado como não provado, quanto ao arguido BB o seguinte:

      “O arguido BB tinha em seu poder um saco em plástico de cor branca contendo várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando a quantia monetária de 4.660,00 €, como se refere na acusação (…) e uns calções de ganga de cor azul com o estupefaciente igualmente referido a propósito nessa peça processual;

 O saco plástico com o dinheiro, balança e os calções com o estupefaciente, estavam na parte exterior do imóvel situado no n.º 2 da .................. pelo facto do arguido BB ao aperceber-se da presença da polícia, se ter colocado em fuga através do terraço da residência para cima dos telhados e arremessado os artigos que de imediato foram apreendidos, tendo o próprio visado e possuidor, tentado esconder-se junto de uma das chaminés, no telhado;”

Estes factos foram eliminados pelo acórdão recorrido – ver supra – do lote dos factos não provados.  

Apreciando.

I Questão -  Violação do princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 127.º e consequentemente do artigo 431.º do CPP, e dos princípios in dubio pro reo, da oralidade e da imediação.

  Insurge-se o recorrente ao longo das conclusões 1.ª a 29.ª contra a indevida alteração do acórdão da 1.ª instância quanto aos factos provados e consequentemente quanto ao dispositivo, exprimindo a final, na conclusão 39.ª a), a pretensão de manutenção daquele acórdão – absolutório no segmento em crise.

O recorrente defende que ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, o tribunal de primeira instância não poderia ter decidido senão da forma como o fez, não tendo incorrido em qualquer erro de julgamento.

Entende que o tribunal recorrido deveria ter reconhecido, face à fundamentação deduzida e aos princípios da oralidade e da imediação, que é o tribunal de 1.ª instância, que se encontra em melhores condições para fazer uma adequada apreciação da prova.

Em erro de julgamento incorreu o tribunal recorrido que violou o princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 127.º e os princípios in dubio pro reo, da oralidade e da imediação.    

      Vejamos.

Quanto a poderes de cognição do STJ estabelece o artigo 434.º do Código de Processo Penal que “Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”.

O recorrente Ministério Público impugnou a decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP.

Como resulta do disposto no artigo 431.º, alínea b), sem prejuízo de invocação de vícios decisórios e de nulidade, nos termos dos n.º s 2 e 3 do artigo 410.º, a decisão do tribunal de primeira instância sobre matéria de facto pode ser modificada se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º, como aqueles do CPP.

A Relação conheceu da matéria de facto nos termos amplos consentidos, mas também com os limites impostos, pelo artigo 412.º, n.º 3, do CPP, estando fora de consideração no âmbito dessa reapreciação os princípios da imediação e da oralidade.

Com o acórdão da Relação, que conhece de facto e de direito - artigo 428.º do CPP - fecha-se o ciclo da apreciação e fixação da matéria de facto, certo sendo que não foi suscitada a verificação de qualquer dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do artigo 410.º, nem arguida qualquer nulidade prevista no artigo 410.º n.º 3, ou no artigo 379.º, aqui invocável nos termos do artigo 425.º, n.º 4, do CPP.

No fundo, o que o recorrente pretende discutir é a apreciação da prova feita pela Relação, procurando impor o seu ponto de vista, que no caso passa pela manutenção da definição feita pela primeira instância, que concluiu pela ausência de culpabilidade e absolvição.

      O que na realidade o recorrente faz é manifestar a sua discordância com o decidido pela Relação ao nível do assentamento da facticidade agora dada como apurada, pretendendo discutir de novo a prova, suscitar a questão da sua valoração, impugnar a convicção adquirida pelos julgadores no tribunal de recurso sobre os factos pertinentes à configuração do crime de tráfico de estupefacientes, por que ora foi condenado, para tanto tendo substituído a matéria de facto assente, tendo como objectivo final a reposição da sua absolvição, olvidando por completo a regra da livre apreciação da prova ínsita no artigo 127.º do CPP, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

      O recorrente insurge-se contra a decisão da Relação, por discordar da matéria de facto assente, pretende esgrimir argumentos no campo da matéria de facto, não podendo recorrer com tais fundamentos para o Supremo Tribunal de Justiça, esquecendo que ao Supremo compete apenas o reexame da matéria de direito.

      Como inúmeras vezes tem sido frisado por este Supremo Tribunal, são totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.

      A arguição do recorrente reconduz-se a alegada errada valoração das provas – reduzidas – que foram reapreciadas pelo tribunal recorrido.

      No fundo, o recorrente expressa uma manifestação de divergência com o novo acervo fáctico adquirido pela Relação, pretendendo, afinal, discutir as provas. Pretende no fundo atacar o concreto desempenho do princípio da liberdade de apreciação ou da livre convicção dos julgadores da Relação estabelecido no citado artigo 127.º, defendendo a bondade e prevalência da deliberação de primeira instância, porque beneficiária da imediação e oralidade, mas olvidando que as suas pretensões se situam no plano da matéria de facto, que se não contém nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal.

      A crítica ao julgamento de facto, a expressão de divergência do condenado/recorrente relativamente ao acervo fáctico que foi fixado e ao modo como o foi, ou seja, as considerações por si tecidas quanto à análise, avaliação, ponderação e valoração das provas feitas pelo Colectivo recorrido, são de todo irrelevantes, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois, ressalvada a hipótese de prova vinculada, o Supremo Tribunal de Justiça não pode considerá-las, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto, que o Colectivo, ou a Relação quando reaprecia a prova, faz de harmonia com o artigo 127.º do Código de Processo Penal – acórdãos do STJ, de 18-10-1989, processo n.º 40266-3.ª, sumariado na AJ, n.º 2, pág. 8 e citado no acórdão de 19-09-1990, BMJ n.º 399, pág. 260 (não se verifica o erro notório na apreciação da prova se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida, sobrevalorizando as testemunhas de acusação e ignorando completamente as restantes testemunhas e mais prova); de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório) - cfr. acórdãos do STJ, de 19-01-2000, processo n.º 871/99-3.ª; de 06-12-2000, processo n.º 733/00; de 29-06-94, processo n.º 45530, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258; de 10-07-1996, processo n.º 48675, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 229 (maxime, 243).

      Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal:     

      de 01-10-1997, processo n.º 627/97, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (Assessoria), II volume, n.º 14, pág. 121 - “O Colectivo e o Júri apreciam a prova segundo a sua convicção livremente formada, tratando-se de matéria subtraída ao controlo do STJ (arts. 127.º e 433.º do CPP)”;

      de 01-10-1997, processo n.º 876/97-3.ª, ibidem, pág. 122 - “O erro na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”; no mesmo sentido e do mesmo relator acórdão de 8-10-1997, processo n.º 874/97, ibidem, pág. 134 e de 24-03-1999, processo n.º 176/99, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 249;

       de 02-10-1997, processo n.º 628/97, ibidem n.º 14, pág. 128 - “O art. 127.º do CPP estabelece o princípio da livre apreciação da prova, pelo que o STJ não pode, enquanto tribunal de recurso, exercer qualquer actividade sindicante sobre tal matéria, excepto no caso da prova vinculada”;

      de 06-11-1997, processo n.º 666/97, Sumários Assessoria, volume II, n.ºs 15 e 16, pág. 156 - “A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo Tribunal a quo é irrelevante, pois o STJ não pode considerá-la, sob pena de estar a invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do CPP (salvo na hipótese de prova vinculada)”;

      de 06-11-1997, processo n.º 519/97-3.ª, ibidem, pág. 157 - “A apreciação da prova pelo tribunal produzida em audiência segundo as regras da experiência comum e a sua livre convicção, como manda o art. 127.º, do CPP, escapa aos poderes de cognição do STJ”;

     de 06-11-1997, processo n.º122/97, ibidem, pág. 158 - “O vício de erro notório na apreciação da prova não existe quando o recorrente se limita a por em causa a valoração das provas produzidas, esquecendo que o STJ não tem acesso a elas e não pode sindicar a valoração que delas fez o colectivo em sua livre convicção e segundo as regras da experiência”;

     de 4-12-1997, processo n.º 1018/97-3.ª, ibidem, pág. 199 - “O erro na apreciação ou valoração da prova produzida no julgamento e desde que não seja prova vinculada ou tarifada, escapa à censura do STJ”;

     de 18-12-1997, processo n.º 47325-3.ª, ibidem, pág. 216 – “A simples discordância no domínio da prova, entre a análise feita por um arguido sobre o que em seu entender deveria ter ficado provado, e o que o colectivo considerou ter-se efectivamente provado, não tem o menor relevo como fundamento de recurso para este Supremo Tribunal, que não pode apreciar nem discutir ou alterar a matéria de facto apurada pela primeira instância”;

     de 18-12-1997, processo n.º 701/97-3.ª, ibidem, pág. 220 – “A convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso”; 

     de 18-12-1997, processo n.º 930/97, ibidem, pág. 220 e BMJ n.º 472, pág. 185 - “É irrelevante a alegação de que o colectivo fez errada interpretação das provas e deu como provados factos que não se provaram; o Supremo não pode entrar na discussão da valoração das provas cujo conhecimento lhe está subtraído”.

      Como esclareceu o acórdão de 21-05-1992, BMJ n.º 417, pág. 404 “O STJ, como tribunal de revista, não dispõe de poderes de crítica ou censura sobre o concreto desempenho do princípio da livre apreciação da prova exercitada pelo tribunal a quo”, e por seu turno, o acórdão de 25-03-1998, processo n.º 53/98, BMJ n.º 475, pág. 502, esclareceu que “O STJ não pode sindicar a valorização das provas feita pelo Colectivo em termos de o criticar por não ter sido dada prevalência a uma em detrimento de outra” - cfr. acórdão de 11-02-1998, processo n.º 1323/97-3.ª,  BMJ n.º 474, pág. 309, e mais recentemente, o acórdão de 08-02-2006, processo n.º 98/06-3ª, no sentido de que “a deficiente apreciação da prova produzida é matéria que escapa aos poderes do STJ”.

      Fazendo aplicação destes princípios, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 05-12-2007, processo n.º 3406/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07; de 04-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 27-05-2009, processo n.º 484/09; de 27-05-2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1 e de 28-09-2011, processo n.º 172/07.3GDEVR.E2.S2, todos por nós relatados.

      Daqui resulta que se revelam processualmente inoportunas, impertinentes e irrelevantes as considerações contidas nas conclusões 1.ª a 29.ª.

       A impossibilidade deste Supremo Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim, digamos, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 352/98, de 12-05-1998, in BMJ n.º 477, pág. 18 e n.º 165/99, de 10-03-1999, in DR-II Série, de 28-02-2000 e BMJ n.º 485, pág. 93.

      Estabelece o artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, na versão actual, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência.

      Como se referia no acórdão do STJ de 30-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 355, é de rejeitar o recurso por manifesta improcedência quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e a livre apreciação do tribunal.

     De igual sorte o acórdão de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278: “Apresenta-se como manifestamente improcedente, e, portanto, deve ser rejeitado, o recurso cuja fundamentação se circunscreve à interpretação da prova que se diz ter sido produzida em audiência, indicando-se os factos que deveriam ter sido considerados provados, em vez dos que foram dados por provados”.

      Como se extrai do acórdão de 8-10-1997, processo n.º 897/97-3.ª, Sumários da Assessoria 1997, n.º 14, pág. 132, “Na ausência de qualquer prova vinculada, é insindicável pelo STJ a convicção formada pelo tribunal a quo, sendo por isso de rejeitar, por manifestamente improcedente, o recurso em que o recorrente pretende fazer vingar a sua convicção”.

      Segundo o acórdão de 9-10-1997, processo n.º 623/97-3.ª, ibidem, n.º 14, pág. 137 “É manifestamente improcedente, e por isso de rejeitar, o recurso no qual o recorrente aponta os vícios referidos nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, baseando os mesmos na circunstância de valorar de forma diferente as declarações prestadas pelas testemunhas de acusação e defesa, da valoração feita pelo tribunal”.

     Diz-se no acórdão de 27-11-1997, processo n.º 1130/97-3.ª, ibidem, pág. 186 “É manifesta a improcedência do recurso, e por isso de rejeitar, quando o recorrente não concorda com a maneira como o colectivo valorou o conjunto das provas e fixou a matéria de facto, fazendo dessas provas uma leitura e avaliação diferentes”.

     No mesmo sentido, o acórdão de 27-11-1997, processo n.º 291/97, 3.ª, ibidem, pág. 188 “É manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente quando este se limita a discordar do processo lógico usado pelo Colectivo para formar a sua convicção. O recurso é de rejeitar por manifestamente improcedente”.

     O acórdão de 19-05-2004, proferido no processo n.º 904/04 - 3.ª pronunciou-se nestes termos: «A recorrente apenas suscita questões relativamente à matéria de facto, discute depoimentos e o modo como a prova foi apreciada, designando como erro notório na apreciação da prova apenas a circunstância de a conclusão probatória do tribunal da Relação ser diversa daquela que, na sua apreciação, deveria ter sido a decisão sobre os factos.

      Ora, nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do art. 410.º do CPP.

     Sendo tal apreciação, por oficiosa, apenas do critério do Supremo Tribunal, quando considere que há motivos para conhecer dos referidos vícios, a invocação destes não pode constituir fundamento de recurso.

     E, de qualquer modo, também não vem invocado no recurso qualquer fundamento que se possa integrar em alguma das categorias que a lei de processo enuncia no referido artigo 410.º, n.º 2, do CPP.

    Discutindo apenas matéria de facto, o recurso é, assim, manifestamente improcedente, e deve ser rejeitado, como determina o art. 420.º, n.º 1 do CPP».

     Como se extrai do acórdão do STJ, de 22-11-2006, processo n.º 4084/06 – 3.ª, “A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida”. (sublinhado nosso).

     Ou, quando, através de uma avaliação sumária dos fundamentos do recurso, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que o mesmo será claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis – assim, acórdãos de 17-10-1996, processo n.º 633/96; de 06-05-1998, processo n.º 113/98; de 05-04-2000, processo n.º 47/00.

     Podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-05-2008, processo n.º 678/08; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 4-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08 e de 14-07-2010, processo n.º 149/07.JELSB.E1.S1, todos por nós relatados.

    Em suma, estamos perante recurso que neste segmento se apresenta como manifestamente improcedente, sendo, pois, de rejeitar.

Da violação do princípio in dubio pro reo

         O princípio in dubio pro reo tem sido entendido sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ (por todos, acórdão de 18-12-1997, processo n.º 930/97, BMJ n.º 472, pág. 185), ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o Supremo vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente da fundamentação da decisão de facto – acórdão de 29-11-2006, processo n.º 2796/06-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 235 (239).

     Contrariamente à posição de Figueiredo Dias, expressa in Direito Processual Penal, volume I, pág. 217, que defende que o princípio se assume como um princípio geral de processo penal, não forçosamente circunscrito a facetas factuais, podendo a sua violação conformar também uma autêntica questão de direito plenamente cabível dentro dos poderes de cognição do STJ, a jurisprudência maioritária tem repudiado a invocação do princípio em sede de interpretação ou de subsunção de um facto à lei, não valendo para dúvidas nessas matérias.

     Nesse sentido pronunciaram-se, i. a.,  os  acórdãos de 06-12-2006, processo n.º 3520/06-3.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3105/06-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08, supra citado, onde se refere que «O princípio vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito; aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto» e no acórdão de 30-04-2008, processo n.º 3331/07-3.ª, diz-se que «O princípio in dubio pro reo não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance destas, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, uma vez que este tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto – sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa».

     A eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida “patentemente insuperável” e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista.

     Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do artigo 127.º do CPP, que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista – neste sentido acórdãos de 20-06-1990, BMJ n.º 398, pág. 431; de 04-07-1991, BMJ n.º 409, pág. 522; de 14-04-1994, processo n.º 46318, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 265; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 06-03-1996, CJSTJ 1996, tomo 2 (sic), pág. 165;de 02-05-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 177; de 25-02-1999, BMJ n.º 484, pág. 288; de 15-06-2000, processo n.º 92/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 226 e BMJ n.º 498, pág. 148; de 02-05-2002, processo n.º 599/02-5.ª; de 23-01-2003, processo n.º 4627/02-5.ª; de 15-10-2003, processo n.º 1882/03-3.ª; de 27-05-2004, processo n.º 766/04-5,ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209 (a alegada violação do princípio só poderá ser sindicada se ela resultar claramente dos textos das decisões recorridas); de 21-10-2004, processo n.º 3247/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 198 (com recensão de jurisprudência sobre o tema e em concreto sobre a temática das conclusões que as instâncias retiram da matéria de facto e o recurso às presunções naturais); de 12-07-2005, processo n.º 2315/05-5.ª; de 07-12-2005, processo n.º 2963/05-3.ª; de16-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 182; de 20-02-2008, processo n.º 4553/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 210/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 243; de 09-04-2008 processo n.º 429/08-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª; de 15-07-2008, processo n.º 1787/08-5.ª. 

     Noutra perspectiva, o STJ poderá sindicar a aplicação do princípio, quando a dúvida resultar evidente do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal tendo ficado em estado de dúvida, decidiu contra o arguido – cfr. acórdãos de 30-10-2001, processo n.º 2630/01-3.ª; de 06-12-2002, processo n.º 2707/02-5.ª; de 08-07-2004, processo n.º 1121/04-5.ª, SASTJ, n.º 83; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3137/06-5.ª; de 18-01-2007, processo n.º 4465/06-5.ª; de 21-06-2007, processo n.º 1581707-5.ª; de 13-02-2008, processo n.º 4200/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 823/08-3.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08-3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1218/08-3.ª; de 29-05-2008, processo n.º 827/08-5.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3.ª; de 16-10-2008, processo n.º 4725/07-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª; de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5.ª; de 05-02-2009, processo n.º 2381/08-5.ª (A apreciação pelo Supremo da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio). 

     Na perspectiva, mais concreta - e que data de finais da década de 90 do século passado - de análise do princípio in dubio pro reo, como figura próxima do vício decisório - erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea c), do CPP -, e, pois, da sua sindicabilidade pelo Supremo Tribunal, podem ver-se os acórdãos de 15-04-1998, processo n.º 285/98-3.ª, in BMJ n.º 476, pág. 82; de 22-04-1998, processo n.º 120/98-3.ª, BMJ n.º 476, pág. 272; de 04-11-1998, processo n.º 1415/97-3.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 201 e BMJ n.º 481, pág. 265, com extensa informação acerca do princípio em causa e da livre apreciação da prova; de 27-01-1999, no processo nº 1369/98-3.ª, in BMJ n.º 483, pág. 140; de 24-03-1999, processo n.º 176/99-3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247, todos do mesmo relator, Exmo. Conselheiro Leonardo Dias, em que a tónica do entendimento sufragado nos citados arestos é o seguinte: “o erro na apreciação da prova só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, se extrair, por forma mais do que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido”; e ainda os acórdãos de 20-10-1999, processo n.º 1475/98 -3.ª, in BMJ n.º 490, pág. 64 (em que aquele relator intervém como adjunto); de 04-10-2006, processo n.º 812/2006-3.ª; de 11-04-2007, processo n.º 3193/06-3.ª.

         Da análise do texto do acórdão ora impugnado não se retira que o Tribunal recorrido tenha dado como provados os factos que como tal especificou, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles, nomeadamente, a detenção pelo recorrente da droga em causa e, por outro lado, do mesmo texto, conjugado com as regras da experiência comum, não ressalta, de modo algum, que outra, como a defendida pelo recorrente, devia ter sido a decisão sobre a matéria de facto, maxime, por se dever considerar irrazoável, temerária, inverosímil ou arbitrária a proferida pelo Tribunal da Relação; não resulta que perante uma dúvida sobre a prova, tenha optado por uma solução desfavorável ao arguido, decorrendo antes que a instância recorrida não ficou na dúvida em relação a qualquer dos dois novos factos dados por provados. 

     Esta invocação, de resto, não tem autonomia relativamente à discordância manifestada pelo arguido em relação à nova matéria de facto, situando-se na mesma linha da invocação de violação do artigo 127.º do CPP.

     Na verdade, a pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais do que uma diversa perspectiva de colocar exactamente a mesma questão relativamente ao julgamento da matéria de facto, procurando o recorrente contrariar a convicção do tribunal recorrido no sentido da detenção do estupefaciente.

     O acórdão recorrido não denota dúvida irredutível, da sua leitura se vendo não persistir qualquer dúvida razoável sobre os factos, por isso não tendo fundamento fazer apelo ao princípio, que supõe a existência de uma dúvida. Pelo contrário, decorre da sua leitura uma tomada de posição firme e estribada nas provas produzidas e não indicando ter-se decidido contra o recorrente.

     Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastada a invocação de violação do princípio in dubio pro reo, sendo de ter por assente definitivamente a matéria de facto apurada.

Improcede, pois, esta arguição, aqui também se mostrando manifestamente infundada a impugnação nesta parte, sendo de rejeitar o recurso nesta parte - artigo 420.º, n.º 1, alínea a),  do CPP.

II Questão - Competência para fixação da espécie e medida da pena em caso em que em recurso de decisão absolutória de primeira instância o juízo substitutivo conduz a decisão condenatória

Esta questão é colocada pelo recorrente nas conclusões 30.ª a 33.ª, defendendo que o tribunal recorrido após ter alterado a matéria de facto não podia, sem mais, ter passado à determinação da pena e sua medida concreta, impedindo-o de, no exercício dos seus direitos de defesa, participar na determinação da medida da sanção.

Defende que o processo deveria ser remetido à primeira instância para determinação da sanção, com observância do disposto nos artigos 369.º e 371.º do CPP.

Sobre esta questão pronunciou-se o acórdão recorrido, a fls. 885 e verso, nos termos seguintes:

      «Assim, impõe-se agora proceder à determinação da medida da pena concreta a aplicar ao arguido, e, assim sendo, importa, antes de tudo o mais, questionar sobre se caberá a este Tribunal proceder a tal determinação.     

    Ao que sabemos, a jurisprudência dos tribunais superiores, sobre tal matéria, não é unânime.

    No acórdão a que atrás fizémos referência, no qual participámos como adjunto- Acórdão do TRL, de 21/1/2010, Processo 98/05.5JELSB.L1-9, relatado pelo Exmo. Desembargador Abrunhosa de Carvalho, in www.dgsi.pt. “ No sentido que perfilhamos, cf. a declaração de voto subscrita pelo Sr. Desembargador Ernesto Nascimento, junta ao Ac. do TRP de 05/03/2008, processo 0746465, in www.dgsi.pt, donde citamos: “O direito ao recurso em Processo Penal tem que ser entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição e, não, perspectivado, como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da 1ª decisão condenatória, ainda que proferida em via de recurso. Este entendimento não colide com o estatuído no artigo 32º, nº 1 da Constituição da República, pois que a apreciação do caso por 2 tribunais de grau distinto é de molde a tutelar de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.”

    Como exemplo de posição diversa: “quando haja motivo para condenar em 2ª instância, após ter existido absolvição em 1ª instância, a devolução a este último tribunal para, em audiência complementar, proceder à determinação da medida concreta da pena a aplicar (artigos 369.º a 371.º, do CPP, e artigo 71.º, do C. Penal) - Acórdão do TRP, de 5/3/2008, Processo 0746287, relatado pelo Exmo. Desembargador Custódio Silva, in www.dgsi.pt.

    Como se antevê, propendemos para a primeira posição e pelas razões apontadas no supra mencionado acórdão que também subscrevemos.

    Assim, ao tribunal ad quem, ao reexaminar a causa, tal como lhe assiste a faculdade de passar de uma decisão condenatória para uma decisão absolutória, assistir-lhe-á a de passar de uma decisão absolutória para uma decisão condenatória e, neste último caso, dispondo dos necessários elementos, fixar a espécie e medida da pena».

Analisando.

Em primeiro lugar, há que dizer que, em função da concreta pena de prisão aplicada, é admissível recurso do acórdão recorrido para este Supremo Tribunal.

Não se trata no caso de uma decisão condenatória proferida por um tribunal colectivo ou do júri, a aplicar pena de prisão superior a cinco anos (artigo 432.º, n.º 1, alínea c) do CPP).

Mas tratando-se de um acórdão final, de uma condenação proferida (se bem que em primeira via) pelo Tribunal da Relação, em recurso, aplicando pena privativa de liberdade, é a mesma recorrível, nos termos conjugados do disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea b) e no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, este “a contrario”.

Sendo assim, tem-se por adquirido que o processo comportará um duplo grau de recurso, tendo o primeiro sido interposto pelo M.º P.º e em que o arguido poderia ter intervindo e o segundo a ser interposto pelo próprio arguido.  

      Tendo sido impugnada a matéria de facto nos termos amplos consentidos pelo artigo 412.º, n.º 3, do CPP, o poder de substituição da decisão recorrida abarca não só a modificação da matéria de facto impugnada, bem como a qualificação jurídica do novo acervo emergente da intervenção do tribunal de recurso, e ainda a escolha da espécie e fixação da medida da pena (e eventual decretamento de penas acessórias, se for o caso, ou pronúncia sobre o destino de bens apreendidos).

    Assim não será, obviamente, se a decisão em exame não contiver os elementos necessários para a determinação da medida da pena, cuja ausência se poderá explicar em virtude da decisão absolutória fazer esquecer essa indagação, conduzindo à verificação do vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.

    (Note-se no concreto a ausência total de pressupostos fácticos para eventual declaração de perda a favor do Estado do dinheiro detido pelo arguido, no montante de € 4 660,00, bem como da quantia apreendida a fls. 15 - € 18,30 - que o acórdão da primeira instância mandou entregar ao arguido, em passo do dispositivo que não foi revogado, certo sendo que a nova facticidade apurada nenhuma ligação directa estabelece entre a droga e o numerário, que se encontravam no saco).

    Nos casos em que a nova decisão modificativa de matéria de facto e subsequente qualificação venha a determinar fixação da pena em medida que não admita recurso, colocar-se-á a questão da necessidade da audição da defesa sobre a questão da culpabilidade e da determinação da sanção - artigos 368.º, 369.º e 371.º, aplicáveis em sede de recurso, ex vi do disposto no artigo 424.º, n.º 2, do CPP - com a faculdade de se pronunciar sobre a possibilidade de vir a ser condenado.

    A não ser assim, estar-se-á perante, não exactamente uma decisão surpresa, mas  algo de novo, a que o arguido deverá ser ouvido.

    Interposto recurso da decisão absolutória, o arguido inicialmente absolvido poderá sempre contraditar a argumentação na sua contramotivação. (No caso concreto, o ora recorrente abdicou dessa sua comparticipação).

    A partir da interposição do recurso o arguido absolvido fica ciente - para mais face a uma impugnação de matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, como no caso ocorreu - de que  um dos desfechos possíveis será o da modificação da matéria de facto que poderá conduzir a preenchimento de crime e a eventual condenação.

    Mas se assim é, não se tratando de autêntica surpresa, parece-nos que o tribunal de recurso, na iminência da revogação da decisão absolutória e da sua substituição por uma efectiva condenação, deverá dar voz ao arguido para se pronunciar, o que deverá ser feito em audiência.

    Aliás, note-se, que basta que se verifique uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida, ou uma eventual modificação da qualificação jurídica não conhecida do arguido, para que se imponha a sua notificação para se pronunciar – artigo 424.º, n.º 3, do CPP.

    O acórdão da Relação do Porto de 09-06-2010, proferido no processo n.º 86/08.0GAVCD, dá conta de caso em que o arguido, enquanto recorrido, foi expressamente notificado para a possibilidade de requerer a audiência de julgamento, bem como de aí estar presente, tendo-lhe ainda sido concedida a faculdade de se pronunciar sobre a possibilidade de vir a ser condenado, tendo o mesmo usado daquelas faculdades e, por isso, se realizado, na sua presença, a audiência de julgamento na Relação.

    No caso presente assegurado está o triplo grau de jurisdição.

    Não faria sentido agora remeter o processo para a primeira instância; supondo que aí se aplicasse, por exemplo, a pena de prisão de 5 anos, estaria o arguido impedido de recorrer para o STJ como agora acontece.

    De qualquer modo sempre se dirá que o acórdão da Relação de Lisboa, proferido em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.

    De acordo com a primeira parte do n.º 1 do artigo 2.º do Protocolo n.º 7 anexo à Convenção para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais “Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação”.

    Diz, porém, o n.º 2 que “Esse direito pode ser objecto de excepção em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em 1.ª instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição”.

    O Tribunal Constitucional tem sido chamado a decidir da constitucionalidade quanto à perspectiva de violação do direito ao recurso, a propósito das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, concretamente se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um triplo grau de jurisdição, sendo a resposta maioritariamente no sentido negativo - acórdãos n.º s 189/01, 215/01, 336/01, 369/01, 435/01, 451/03, 495/03, 102/04, 640/04.

    O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.

    A apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas – neste sentido, o acórdão n.º 49/2003, de 29-01, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003, versando sobre caso de acórdão condenatório que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.

    A solução quanto a irrecorribilidade não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da CRP pela 4.ª Revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.

    O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.

    Como se dizia no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26-01-2006, processo n.º 954/05, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006, seguindo o citado acórdão n.º 49/2003, “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”, no mesmo sentido se pronunciando, entre vários outros, o acórdão n.º 390/2004, de 02-06-2004, processo n.º 651/03 (2.ª Secção), publicado in DR, II Série, de 07-07-2004; acórdão n.º 2/2006, de 03-01-2006, in DR, II Série, de 13-02-2006 (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); acórdão nº 64/2006, de 24-01-2006, tirado em Plenário (face à contradição das soluções dos acórdãos n.º 628/2005 e 640/2004), no processo n.º 707/2005, publicado in DR, II Série, de 19-05-2006 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes (a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal); e acórdão n.º 140/2006 (2.ª Secção), de 21-02-2006, publicado no DR, II Série, de 22-05-2006.

    No nosso caso, como se viu, está assegurado um segundo grau de recurso, sendo reapreciada a pena fixada pela Relação, improcedendo a pretensão do recorrente.

          III Questão - Medida da pena - Redução? 

    No caso presente está em causa a pretensão de redução da medida da pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes, de modo a ser aplicada uma pena concreta, susceptível de ser suspensa na execução.
    Vejamos.
    O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punível com uma pena de prisão de 4 a 12 anos.

    Trata-se de crime que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio” enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo.

    Isto mesmo era expressamente referido no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, adoptada em Viena, na conferência realizada entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro desse ano, que “sucedeu” a outros instrumentos, por onde passam as orientações políticas prosseguidas ao nível da União Europeia, como a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, concluída em Nova Iorque, em 31 de Março de 1961 (Convenção Única sobre Entorpecentes, reconhecendo que «a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e económico para a humanidade», e a necessidade de uma actuação conjunta e universal, exigindo uma cooperação internacional), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 435/70, de 12/09, publicado no BMJ n.º 200, págs. 348 e ss. e ratificada em 30-12-1971, modificada pelo Protocolo de 1972, e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, feita em Viena, em 21 de Fevereiro de 1971, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 10/79, de 30-01 e ratificada por Portugal, em 24 de Abril de 1979, estando em causa nestas convenções assegurar o controlo de um mercado lícito de drogas.

    É a partir desta Convenção que surgirá o Decreto-Lei n.º 430/83, de 13-12.

    Com a referida Convenção de 1988, aprovada na sequência do despacho do Ministro da Justiça n.º 132/90, de 5-12-1990, publicado no DR, II Série, n.º 7, de 09-01, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991, pretende-se controlar o acesso aos chamados «precursores», colmatar as lacunas das convenções anteriores e, sobretudo, reforçar o combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, sendo a razão determinante do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

    Aí se pode ler que “ … o tráfico ilícito de estupefacientes … representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas … com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes …nos diversos grupos sociais …; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem à organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar … os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; … reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; … reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; …”.

    Trata-se, pois, de um problema universal que, obviamente, atinge também o nosso País.

    No plano interno, releva neste domínio a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 22 de Abril de 1999, publicada in Diário da República, I Série - B, n.º 122/99, de 26 de Maio, e em edição da «Presidência do Conselho de Ministros – Programa de Prevenção da Toxicodependência – Projecto Vida», com o depósito legal 140101/99 e com prefácio do então Ministro Adjunto do Primeiro Ministro.

    Partindo do reconhecimento da dimensão planetária do problema da droga, que em termos de tratamento jurídico a nível internacional data desde 1912, com a Convenção da Haia, ou Convenção Internacional sobre o Ópio, elaborada na sequência da primeira conferência internacional sobre drogas ocorrida em Xangai, em 1909, assentando em oito princípios estruturantes, a saber: 1 – Princípio da cooperação internacional; 2 – Princípio da prevenção; 3 – Princípio humanista; 4 – Princípio do pragmatismo; 5 – Princípio da segurança; 6 - Princípio da coordenação e da racionalização de meios; 7 - Princípio da subsidiariedade; e 8 - Princípio da participação, sublinhando a estratégia da cooperação internacional, estabeleceu o documento como um dos seus objectivos principais o reforço do combate ao tráfico, como opção estratégica fundamental para o nosso País, a partir de seis objectivos gerais e de treze opções estratégicas individualizadas – cfr. págs. 45 a 47 da referida edição.

    A produção, tráfego e consumo de certas substâncias consideradas como prejudiciais à saúde física e moral dos indivíduos passou a ser punida após a publicação do Decreto n.º 12210, de 24 de Agosto de 1926.

    A este diploma, seguiram-se os Decretos-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, n.º 430/83, de 13 de Dezembro e n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

                                      

      Dentro da moldura cabível no caso concreto funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

     No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

      Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.

      A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.

      Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

      Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.

     Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.

    Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

    A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

            Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25 «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».

Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

            Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

            Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

            O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

            Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

            Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

            Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale  de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que  considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social”  - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».

Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   

            A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de  09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª.

Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.°, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss..

Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

            O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

        O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

      Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

        Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.»

      Revertendo ao caso concreto.

   Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que teve em vista os parâmetros legais a observar.

   O tráfico de estupefacientes é um crime de consequências gravíssimas para a sociedade e por isso, o legislador o sancionou com penas pesadas.

   O Tribunal da Relação de Lisboa, após considerar-se competente para a fixação da pena, desde logo, pronunciou-se sobre a medida da pena, a fls. 885 verso a 888 verso, nos seguintes termos:

   «Assim, iremos de seguida fixar a pena aplicável ao crime praticado pelo arguido BB.

   No caso, as exigências de prevenção especial de socialização são, no caso do arguido bastante mais significativas, quando considerado que agiu com dolo directo e evidencia uma actividade delituosa reveladora de algum peso, atenta a quantidade de cocaína e, num contexto que revela já tendência para uma “organização”, patente na simulação do produto e demais utensílios de preparação do produto para a venda, bem como da elevada quantia monetária que detinha. Embora não tenha registo de antecedentes criminais no nosso País, consta do relatório social que: …em termos afectivos vive em união de facto com JJ, há cerca de 12 anos, possui um filho deste relacionamento, com 12 anos de idade, tendo ainda assumido a condução do processo educativo do enteado, actualmente com 19 anos de idade, possui uma imagem adequada no meio sócio-residencial, a sua condição económica foi descrita como deficitária, uma vez que se encontrava desempregado há sensivelmente quatro meses, contando o agregado familiar apenas com o vencimento da companheira, que trabalha como empregada de limpeza, pretende voltar a trabalhar em Espanha e evidencia capacidade para estabelecer formas de interacção social ajustadas embora revele lacunas, nomeadamente ao nível da autocrítica”.

   Temos de concluir pela indicação da forte necessidade das exigências da prevenção especial.
   Também, fortes são as necessidades de prevenção geral dado o aumento da venda de estupefacientes, colocando os virtuais toxicodependentes, sua saúde, vida e liberdade em causa.

   “As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade – Ac STJ 25-02-2009.”

   No caso do crime de tráfico de estupefacientes, é já um lugar comum dizer que as exigências da prevenção geral são astronómicas. Na sequência do que atrás dissemos, estamos perante um crime que não só destroi lentamente os consumidores do produto em causa, como ainda os transforma em agentes de uma criminalidade difusa e imparável contra o património, e mesmo contra a vida humana. Basta pensar que mesmo um pequeno “dealer” de bairro que venda heroína e cocaína a v.g. duas centenas de toxicodependentes, está a contribuir decisivamente para que estes permaneçam “agarrados” ao vício, e se suposermos, apenas para efeitos de argumentação, que metade deles tem rendimentos do seu trabalho que lhes permitam sustentar o vício de forma lícita, ficamos com uma centena de indivíduos à solta nas ruas em busca de património alheio, e sem qualquer limite ético sobre os meios a utilizar para o conseguir obter.

   A quantia considerável de 4.660,00€, um cheque de 350,00€; 82,32 gr de cocaína que o arguido BB detinha, são demonstrativos de que levava a cabo uma já notável capacidade de colocação de droga no “mercado”. (…)

   Reportando-nos ao caso concreto, as exigências de prevenção especial de socialização são, no caso, significativas. Acresce que o arguido está integrado no seio da família. Resumindo, o grau de culpa, - dolo na forma directa - é elevado – assim como o grau de ilicitude que resulta da quantidade dos produtos e forma de organizaçação da sua venda.
   As razões de prevenção geral são prementes uma vez que continua a aumentar o tráfico de estupefaiecntes, colocando os virtuais toxicodependentes, sua saúde, vida e liberdade em causa, a segurança e tranquilidade da sociedade. (…)».
**********                   

   Vejamos se, no caso em apreço, é de manter ou reduzir a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes, cometido pelo recorrente.

   Sendo um dos fins da pena a tutela dos bens jurídicos nos termos do artigo 40.º do Código Penal, há que olhar ao bem jurídico em causa neste tipo de crime.
   No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstracto, noutra perspectiva, estamos face a um crime pluriofensivo.
   Com efeito, o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública - pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo - ver acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 06-11-1991, in DR, II Série, n.º 78, de 02-04-1992 e BMJ n.º  411, pág. 56 (seguido de perto pelo acórdão do TC n.º 441/94, de 07-06-1994, in DR, II Série, nº 249, de 27-10-1994), onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia” – cfr. ainda sobre o tema, a propósito do concurso - real - do crime de tráfico e de associação criminosa, seguindo o citado acórdão n.º 426/91, o acórdão do mesmo Tribunal, n.º 102/99, de 10-02-1999, processo n.º 1103/98-3.ª secção, publicado in DR, II Série, n.º 77, de 01-04-1999, pág. 4843 e no BMJ n.º 484, pág. 119.  
   Já no preâmbulo da supra referida Convenção Única de 1961 Sobre os Estupefacientes se referia a preocupação com a saúde física e moral da humanidade, reconhecendo a toxicomania como um grave mal para o indivíduo, constituindo um perigo social e económico para a humanidade.
   No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, referia-se terem-se presentes os perigos que o consumo de estupefacientes comportava para a saúde física e moral dos indivíduos e a sua não rara interpenetração com fenómenos de delinquência.
   E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13-12, que efectuou a adaptação do direito interno ao constante daquela Convenção de 1961 e da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, fazia-se referência a um relatório recente de um organismo especializado das Nações Unidas, onde se dizia: “A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos cri Provimento parcial mes e violências que origina e na erosão de valores que provoca”.
   E no mesmo exórdio assinalava-se ainda, que “Na verdade, também pelo lado do consumo, isto é, da prática cada vez mais frequente de delitos por consumidores de droga, se vem notando outro elo de ligação com a criminalidade em geral”.

    Quanto ao modo de actuação do recorrente há a considerar que estamos perante uma actuação isolada, a detenção de estupefaciente no dia 5-12-2009.

   No que respeita à natureza e qualidade do produto estupefaciente em causa, o produto detido pelo arguido era cocaína. 

   Trata-se de substância que se encontra prevista na Tabela I-B, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, considerada droga dura, com elevado grau de danosidade, sendo, pois, a qualidade da substância transportada reveladora de considerável ilicitude dentro daquelas que caracterizam o tipo legal.

   Na verdade, sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e dai extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.

   Por outro lado, de acordo com Relatório de 11-05-1992, aprovado pela Comissão de Inquérito, criada por decisão do Parlamento Europeu de 24-01-1991, sobre a proliferação, nos países da Comunidade Europeia, do crime organizado ligado ao tráfico de droga, in Sub Judice, n.º 3, 1992, pág. 95, a heroína é classificada como droga ultra dura e a cocaína como droga dura.

   Sobre a distinção entre drogas leves e duras refere a citada Estratégia Nacional de 1999, a págs. 88: «É hoje evidente que as drogas não são todas iguais nos seus efeitos para a saúde e nas consequências sociais do seu consumo (…), devendo ter-se em atenção o grau de perigosidade inerente ao consumo das diferentes drogas, sem prejuízo do reconhecimento e divulgação dos efeito nefastos de todas as drogas».
     Será de atender ainda à quantidade de cocaína apreendida ao recorrente, o que releva para aferição de uma visão global do facto, pela perigosidade que envolve, no caso atingindo nove embalagens, com o peso de 82, 32 gramas.

     O dolo do arguido foi directo e intenso, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

     A matéria de facto dada por provada não estabelece uma relação directa entre a posse da droga e do dinheiro, relação que só surge na discussão da medida da pena, havendo que atender ao facto de o arguido se encontrar desempregado há quatro meses.

     A ter em conta as condições pessoais e sócio-económicas do recorrente, narradas no ponto de factos provados n.º 19 e devidamente ponderadas e valoradas no acórdão recorrido, sendo de realçar a idade à data dos factos – 42 anos – contando actualmente 44 anos, sem antecedentes criminais (facto provado n.º 22), tendo levado uma vida dedicada ao trabalho, num percurso de vida com filho de 12 anos e em que assumiu a condução de processo educativo do enteado de 19 anos. 

        As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração -  que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública - e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.

     Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno do tráfico de droga, que a juzante gera outro tipo de criminalidade, mas inteiramente relacionada com esta, senão mesmo por ela determinada, pois é das leis do mercado que os bens têm um preço de aquisição e quando escasseia o meio para sua obtenção muitas poderão ser as formas de alcançar o necessário e imprescindível poder aquisitivo, em vista da satisfação das necessidades geradas pela toxicodependência e como é sabido uma dessas formas mais comum é a prática de roubos, havendo que dar satisfação ao sentimento de justiça da comunidade.

     Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

  Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.   

     Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos. 

     As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.

  Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

     Ponderados todos os factores cremos não se justificar intervenção correctiva, mantendo-se a pena aplicada, o que afasta quadro de suspensão da execução da pena.

     Quanto à pena única.

      O acórdão recorrido cumulou com a pena de prisão fixada a pena de multa aplicada pelo crime de detenção de arma proibida.

      Justificou a opção nestes termos:

       «Decorre do disposto nos artigos 77 -3 do C.P. que no caso de concurso de penas de prisão e multa (de diferente natureza, portanto) será aplicada uma pena única, cujas parcelas mantém a natureza daquelas».

       E no dispositivo avançou:
«Efectuando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas condenar o Arg. na pena única de cinco anos e seis meses de prisão e 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, o que perfaz o montante global de 500,00 €».

       Acontece que tal pena de multa já havia sido declarada extinta no acórdão da primeira instância, não tendo de integrar qualquer cúmulo.

       Segundo o acórdão de 08-10-2008, processo n.º 2490/08-3.ª, a modificação legislativa operada no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, em 2007, foi no sentido de incluir no cúmulo jurídico as penas já cumpridas, descontando-se na pena única o respectivo cumprimento, mas não as penas prescritas ou extintas.

      Não são de englobar no cúmulo jurídico as penas de multa já extintas.

      Em tais casos não há qualquer desconto a efectuar na pena única, como ocorre com as penas de prisão cumpridas (cfr. acórdão de 26-10-2011, processo n.º 312/05.7GAEPS.S2).

Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em revogar a condenação na pena única, na medida em que engloba a pena de multa já extinta e, no mais, manter a decisão recorrida, julgando improcedente o recurso interposto pelo arguido BB.

            Sem custas. 

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 9 de Novembro de 2011

Raul Borges (Relator)
Henriques Gaspar