ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
469/09.8JELSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/02/2011
SECÇÃO 3ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL RECURSO PENAL
DECISÃO NEGADO PROVIMENTO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MAIA COSTA

DESCRITORES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ILICITUDE

SUMÁRIO




I - Após a revisão do CPP realizada pela Lei 59/98, de 25-08, os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP deverão ser impugnados perante a Relação, que decide, sobre essa matéria, em última instância, sem prejuízo, embora, de o STJ conhecer dos mesmos, mas apenas oficiosamente.
II - Considerando que, no caso vertente:
- a ilicitude dos factos é elevadíssima, pois trata-se de uma importação de cannabis da África do Sul, por via marítima, tendo como destino Inglaterra, com uma dimensão invulgar, pois a quantidade de estupefaciente transportada foi de 4976 kg;
- o modo de execução foi extremamente sofisticado, pois a droga foi acondicionada em contentores que continham azulejos, de forma a iludir a vigilância policial;
- o recorrente foi o organizador do transporte, utilizando os seus conhecimentos na África do Sul, onde vivia, conduzindo toda a operação até ao desembarque, desalfandegamento e armazenamento do estupefaciente em Portugal, até à intervenção da polícia;
- foi o recorrente quem contratou os co-arguidos como colaboradores para a execução do plano, tendo ido a Amsterdão obter financiamento para a operação de transporte da droga, o que demonstra as suas ligações aos meios de comercialização internacional de estupefacientes;
- o recorrente desempenhou, pois, um papel central, primacial, no planeamento e na execução do plano criminoso, agindo com dolo muito intenso;
- o recorrente já tem uma condenação por tráfico de estupefacientes na África do Sul, do ano de 2006;
numa ponderação global dos factos, da culpa, da prevenção e dos demais critérios constantes do art. 71.º do CP, e tendo em conta a moldura penal (de 4 a 12 anos de prisão), considera-se inteiramente adequada a pena fixada nas instâncias (8 anos e 6 meses de prisão).
III - Com efeito, o recorrente invoca a menor danosidade da cannabis relativamente a outras drogas. Sendo tal facto inequívoco, certo é que a elevadíssima quantidade de estupefaciente importado “compensa”, negativamente, essa menor lesividade do estupefaciente em causa.
IV - Só no plano das consequências a ilicitude é menor, já que todo o estupefaciente foi apreendido. Contudo, nenhuma contribuição deu o recorrente para tal, de forma que a relevância desse facto é mínima em termos atenuativos.
V - E há que acentuar, em termos de finalidades das penas, as fortes exigências de prevenção geral, que não é preciso enfatizar, e também de prevenção especial, dada a anterior condenação do recorrente por crime idêntico.





DECISÃO TEXTO INTEGRAL

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. RELATÓRIO

AA, com os sinais dos autos, foi condenado, por acórdão de 28.1.2011, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 8 anos e 6 meses de prisão.[1]

            Tendo o arguido interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, este, por acórdão de 29.6.2011, confirmou integralmente a decisão recorrida.

            Do acórdão da Relação recorre agora o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo desta forma a sua motivação:

1º O recorrente interpôs recurso do acordo condenatório que em primeira instância o condenou numa pena de 8 anos e 6 meses por um crime de tráfico de estupefacientes pp. pelo art° 21 do dec-lei 15/93 de 22/01.

2º O recorrente impugnou quer a matéria de facto quer a matéria de direito.

3º Nenhuma das suas conclusões mereceu acolhimento no tribunal "a quo" pelo que o recurso foi indeferido na sua totalidade.

4º Entende o recorrente, salvo o devido respeito, que razão lhe assiste quanto às suas posições, sendo certo que, pese fixada a matéria de facto, sempre poderão V°s Exas, em função da possibilidade de revista alargada, sindicá-la.

5º O tribunal "a quo" manteve que o tribunal de 1ª Instância, avaliando a prova produzida, decidiu bem em não ouvir o agente policial indicado como testemunha.

6º Mais defende que da análise da prova produzida não se colhe sequer um começo de colaboração relevante do arguido com as autoridades da África do Sul, nem sequer que o mesmo tivesse praticado os factos sob coacção ou por medo, bastando atentar no teor das intercepções telefónicas.

7° Ora era exactamente para esclarecer estas questões que a testemunha servia, acrescendo-se por outro lado que não havendo registo de conversas entre o recorrente e os elementos sul-africanos que o determinaram à traficância, não pode evidenciar-se obviamente o seu medo e coacção sobre ele exercida.

8º Diga-se contudo que já através da sentença junta aos autos se podia verificar que o recorrente colaborava com as autoridades da África do Sul.

9º Aliás o arguido já na sua contestação fazia menção à testemunha da polícia da África do Sul e só o facto de estar detido impediu que pudesse fornecer os seus dados desta mais cedo.

10° Andou bem o Tribunal ao indeferir o pedido de audição desta testemunha? Pensamos que não.

11º Por um lado porque o arguido não seria suficientemente louco para indicar uma testemunha da polícia cujo depoimento fosse inócuo.

12° Por outro, porque era inclusive ao tribunal, face ao desacompanhamento de qualquer outro elemento probatório da tese do arguido, que cumpria atento o princípio da investigação a que está vinculado (art° 340 do CPP) e que violou, ordenar e proceder à sua inquirição logo que disso teve notícia.

13° Procedendo como procedeu, não investigando como lhe competia, afastando o depoimento do arguido no que refere a ter sido coagido e ameaçado, bem como à colaboração com as autoridades sul-africanas que verbalizou, o tribunal caiu no vício da insuficiência da matéria dada com provada, violando assim o disposto no art° 410 n° 2 do CPP.

14° Admitindo sem conceder não merecer provimento as anteriores conclusões do arguido e à cautela sempre se reafirmará que a pena imposta ao arguido é demasiada pesada.

15° Continua a entender-se não se ter feita correcta apreciação dos factos dados como provados nos artigos 144 a 151, o arrependimento do arguido e a sua confissão dos factos dados como provados.

16° Devia ainda ter sido melhor sopesado estarmos perante uma droga leve (aceite inclusive como medicamento em alguns estados da USA), que foi totalmente apreendida não podendo por isso causar malefício à saúde.

17° Violou-se assim o disposto no art° 71 e 72 do CP, pelo que uma pena não superior a 6 anos seria a justa e adequada.

O Ministério Público respondeu, extraindo-se da sua resposta as seguintes passagens:

A. QUESTÃO PRÉVIA

A absoluta falta de motivação

Uma primeira questão urge desde logo colocar, qual seja a da verificação de uma causa de rejeição do recurso interposto - é que o arguido AA não suscita ao Venerando Supremo Tribunal quaisquer questões que não tenha já colocado e sido objecto de conhecimento e decisão no Tribunal da Relação.

É o que facilmente se constata, se cotejados o recurso interposto para a Relação e agora para o STJ, verificando-se que o recorrente se limitou a "ressuscitar", reeditando, questões cuja apreciação colocara já quando impugnou o acórdão proferido na 1ª Instância, através do recurso por si interposto para o Tribunal da Relação.

Nessa medida, o presente recurso em nada poderá vir a infirmar o Acórdão da Relação pela singela razão de que não o visou, antes constituindo uma repristinação de inconformismo do decidido na 1ª Instância, frustrando a "motivação” agora apresentada os objectivos que a lei quis atingir com a minuciosa regulamentação legalmente estabelecida, que conduz à existência de absoluta "falta" de motivação.

Com efeito, por força do art. 411º, n° 3 do C.P.P., o requerimento de recurso é sempre motivado, sob pena da sua não admissão, sendo que, na motivação, se enunciam os fundamentos e, nas conclusões, o recorrente deve resumir as razões do pedido, tudo de harmonia com o estabelecido no art. 412º, n° 1 do C.P.P.

"A motivação materializa-se na demonstração da razão que assiste à parte recorrente, ou seja, na justificação do ponto de vista que se quer fazer vingar em oposição ao decidido" servindo a mesma para apontar ao Tribunal "ad quem" o que o recorrente considera ter sido mal julgado, com um pedido de reavaliação àquele último endereçado, mediante a apresentação de uma proposta de correcção do decidido - o que manifestamente a peça processual apresentada não satisfaz. (…)

É que, limitando-se a recorrente a reeditar a motivação do recurso que interpusera para a Relação, sem que algo mais tenha acrescentado no sentido de infirmar a fundamentação que, sobre a matéria, consta do acórdão recorrido - que, sublinhe-se, é justamente o proferido pela Relação e não, obviamente, a decisão proferida em 1ª instância -, tal equivale a falta de motivação, já que "é como se o acórdão agora so6 recurso não existisse nos autos". (…)

Em conclusão: impõe-se a rejeição do recurso por "falta de motivação", nos termos dos arts. 414º, n° 2, 420°, n° 1 al. b) e 417°, n° 6 al. b) do C.P.P., o que deve ser decidido por "Decisão sumária".

B. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO

Admitindo, porém - sem conceder, embora - não ser esse o entendimento seguido, passaremos a pronunciarmo-nos sobre a questão suscitada no recurso interposto, a qual se reconduz, conforme acima se referiu já à justeza e adequação da medida concreta da pena imposta ao arguido (de 8 anos e 6 meses de prisão).

Dir-se-á, antes de mais, louvarmo-nos na decisão proferida por este Tribunal da Relação, a qual, julgando improcedente o recurso do arguido, secundou o entendimento seguido na 1ª instância - o que equivale a aceitar a sua justeza e legalidade. Daí que, para não incorrer em repetições, dir-se-á, singelamente, que a decisão recorrida, cumprindo a lei e perfilando-se ao lado do que vem sendo entendido pela Jurisprudência, decidiu bem.

Desde logo, é de reconhecer a inexistência de quaisquer actos demonstrativos de arrependimento sincero por parte daquele, a quem não se conhece qualquer iniciativa reveladora de vontade séria de reparar ou minorar o mal do crime, mormente confessando integralmente os factos e colaborando com as autoridades na identificação dos demais responsáveis na actividade ilícita detectada, a qual não configura, de modo algum, um acto impensado e isolado, nem se vislumbra que, ao ser detectada a sua conduta ilícita, o recorrente imediatamente procurasse, por todos os meios ao seu alcance, actos demonstrativos da desconformidade de tais actos com a sua personalidade, assumindo atitude activa que levasse o Tribunal a convencer-se que uma pena mais próxima do limite mínimo abstractamente previsto constituiria suficiente punição do seu agente, a tal não se opondo quaisquer exigências de prevenção especial.

Tal como profusamente analisado na decisão proferida em 1ª Instância, com detalhe e correcção jurídica, a conduta do arguido/recorrente preencheu inequivocamente o ilícito por cuja prática se mostra condenado, mostrando-se inteiramente ajustada a subsumpção jurídica efectuada, sendo a pena de prisão imposta justa e adequada à prossecução dos fins punitivos, face à culpa do recorrente e à gravidade do crime, não pecando por excessividade e não tendo violado os preceitos legais convocáveis em matéria de fixação do "quantum" das penas, mormente os arts. 40° e 71° do Código Penal.

A crescente frequência com que este tipo de ilícito vem sendo praticado, com recurso a meios cada vez mais dissimulados e sofisticados de fazer passar a droga de um país para outro, não raras vezes contando com a conivência de elementos que têm por missão a perseguição dos prevaricadores e a contribuição para a sua punição e consequente almejada eliminação deste autêntico flagelo assim proporcionando a impunidade de todos os elos da cadeia de importação e de distribuição do produto - com a inegável danosidade social e humana que advém de tal actividade -, exige que se lance um olhar atento sobre esta realidade e se encare com maior censurabilidade este tipo de condutas, na certeza de que assim o impõem irrenunciáveis interesses de defesa social. (…)

Que dizer então, quando o próprio agente do ilícito não é primário, tendo cometido os factos no decurso do período de suspensão de uma outra pena de prisão imposta pela prática de factos idênticos na África do Sul e assume, na actividade delituosa apurada de transporte transnacional de estupefacientes, um papel de topo da hierarquia, incumbido consequentemente da missão de recepção em Portugal do produto estupefaciente proveniente da África do Sul e de preparação de toda a logística de armazenamento e subsequente exportação do produto para Inglaterra, seu destino final? Seguramente que as exigências de prevenção geral e especial sobressaem com maior visibilidade, o que, por constituir uma evidência, dispensa quaisquer esforços argumentativos.

Em síntese conclusiva, referiremos que não poderá deixar de entender-se não suportar a condenação de que o recorrente foi alvo qualquer juízo de censura com base em pretensa severidade da pena de prisão imposta - que temos por inexistente - e em invocada desvalorização - que temos por não demonstrada - de atenuantes, em vista das finalidades da punição que assim sairiam inequivocamente comprometidas, não suportando estas maior compressão da pena de prisão imposta, que se revela inteiramente adequada à ilicitude do facto e à culpa do agente.

Cabe realçar que, ainda que se não registassem concretamente intensas exigências de prevenção especial, as finalidades da punição (designadamente, as exigências de prevenção geral) não poderiam ser adequadamente realizadas pela imposição de pena menos severa, atento o forte juízo de censura de que cada vez mais é merecedora a actividade do tráfico de drogas, por determinar a disseminação por significativas camadas da população de produtos geradores de elevados índices de erosão social e de irreversíveis danos na saúde dos respectivos consumidores, com devastadoras consequências na população, pelo que nenhum reparo pode ser dirigido à decisão recorrida, ao concluir pela improcedência do recurso.

Em resumo: para não ocorrer em inútil repetição de tudo quanto referido foi na decisão proferida em 1ª Instância (e que o acórdão recorrido inteiramente acolheu, assim reconhecendo àquela qualidade e rigor jurídico), falece por inteiro razão ao recorrente quanto à formulada pretensão de imposição de pena menos severa, por não serem, de modo algum, convocáveis atenuantes capazes de ditarem tal, levando à conclusão que dessa forma se satisfariam, de modo adequado, as prementes exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

IV. Em conclusão, caso não se entenda verificar-se absoluta falta de motivação do interposto recurso - geradora da sua rejeição, nos termos dos arts. 414º, n° 2, 420°, n°1, al. b) e 417°, n° 6 al. b) do C.P.P. -, será de considerar não ser merecedor de reparo o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, por justa e adequada se perfilar a pena imposta ao arguido, com respeito pelos critérios legais atendíveis, devendo o mesmo consequentemente ser, na íntegra, mantido.

Neste Supremo Tribunal, o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

(…)

                2 - Do mérito do recurso:

                2.1 Emitindo parecer, como nos cumpre, cabe dizer que a magistrada do Ministério Público junto da Relação, na resposta ao recurso já rebateu, com a pertinência devida, os fundamentos esgrimidos pelo recorrente na sua motivação, sendo que, no que diz respeito à medida concreta da pena aplicada, a clareza e suficiência da argumentação ali desenvolvida, bem como dos argumentos e elementos (nomeadamente factuais e normativos) aduzidos – que inteiramente secundamos –, nos dispensa, porque de todo desnecessário e redundante, do aditamento de mais desenvolvidos considerandos em defesa do decidido.

Apenas nos permitimos por isso o aditamento de duas, breves, notas para dizer ainda o seguinte: 

2.1.1 – A primeira nota para, quanto ao recurso em matéria de facto, enfatizar tão só que o objecto do recurso de revista tem de circunscrever-se, como é por demais sabido, apenas a questões de direito. As questões de facto são decididas definitivamente pelos Tribunais da Relação.

Pelo que, e pelo menos neste segmento, cremos que o recurso não pode deixar de ter-se por manifestamente improcedente. Isto porque, como repetida e uniformemente vem sendo dito por este Supremo Tribunal, a discussão sobre este tipo de questões fica definitivamente encerrada com o recurso interposto para o Tribunal da Relação e a decisão que, aí, sobre elas recaiu. O STJ é um tribunal de revista e não mais uma instância a acrescentar às duas de que o recorrente já dispôs para discutir tais matérias.

É este, de resto, o sentido da jurisprudência contida, entre outros, no Acórdão do STJ de 19-05-2004, proferido no Recurso n.º 904/04/3.ª, cuja pronúncia pode sintetizar-se nos termos seguintes: «A recorrente apenas suscita questões relativamente à matéria de facto, discute depoimentos e o modo como a prova foi apreciada, designando como erro notório na apreciação da prova apenas a circunstância de a conclusão probatória do tribunal da Relação ser diversa daquela que, na sua apreciação, deveria ter sido a decisão sobre os factos.

Ora, nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo da apreciação oficiosa dos vícios do art. 410.º do CPP.

 Sendo tal apreciação, por oficiosa, apenas do critério do Supremo Tribunal, quando considere que há motivos para conhecer dos referidos vícios, a invocação destes não pode constituir fundamento de recurso.

E, de qualquer modo, também não vem invocado no recurso qualquer fundamento que se possa integrar em alguma das categorias que a lei de processo enuncia no referido artigo 410.°, n.° 2, do CPP.

Discutindo apenas matéria de facto, o recurso é, assim, manifestamente improcedente, e deve ser rejeitado, como determina o art. 420, n.º 1 do CPP».

Ademais, e “ex abundanti”, deve ainda enfatizar-se que, como uniforme e reiteradamente vem sendo afirmado pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nem os vícios do art. 410.º do CPP podem constituir, por si só, fundamento autónomo de impugnação de decisões das Relações em recurso para este STJ. Assim se decidiu por exemplo, entre outros, no Acórdão de 4-12-08, publicado na CJ (STJ), 2008, Tomo III, pág. 239, em cujo sumário pode ler-se a este propósito que «após a reforma do CPP de 1998, que pôs termo ao recurso de “revista alargada” para o STJ, criando em sua substituição um recurso em matéria de facto para a Relação, os vícios indicados no n.º 2 do art. 410.º do CPP deverão ser impugnados junto da Relação, que decide nessa matéria em última instância, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos mesmos pelo STJ, quando detectados, nos termos do art. 434.º do CPP».

No mesmo sentido apontou, mais recentemente, o Acórdão deste STJ de 7-04-2010, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se que, citamos, «I - Não incumbe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410º nº 2 do CPP, como fundamento de recurso, invocados pelos recorrentes, uma vez que o conhecimento de tais vícios sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do tribunal da Relação. (artºs 427º e 428º nº 1 do CPP). II - Em recurso penal interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, há que conjugar a norma do artº 410º nº 1 do CPP [Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida] com o artº 434º do mesmo diploma: Sem prejuízo do disposto no artigo 410º nºs 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito. III - O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece dos vícios, previstos nas alíneas do nº 2 do art. 410º do CPP, oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artº 434º do CPP). IV - O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, ou duplo grau de recurso, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária».

Por outro lado, e quanto à também suscitada questão da violação do princípio “in dubio pro reo”, cabe apenas sublinhar que, como reiterada e pacificamente vem sendo afirmado neste Supremo Tribunal, sendo tal princípio atinente à produção da prova, o STJ apenas poderá pronunciar-se pela sua violação quando, com base nos elementos constantes dos autos, nomeadamente a matéria de facto e sua fundamentação, e guiando-se pelas regras da experiência comum, for visível e inequívoco que, perante as dúvidas razoáveis que a prova suscite, o tribunal decidiu contra o arguido. O que, convenhamos, não é manifestamente o caso.

Pelo que, e também à luz da apontada jurisprudência, o recurso interposto, pelo menos na parte em que com o mesmo o recorrente visa convocar o reexame da matéria de facto apurada pelas instâncias, não poderá, cremos, deixar de ser liminarmente rejeitado porque manifestamente improcedente.

2.1.2 – A segunda nota para, a propósito da medida da pena, sublinhar apenas que nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, desde logo pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que, em geral, os consubstanciam. São conhecidas as muito graves consequências do consumo de estupefacientes, não só ao nível da saúde dos consumidores, como também no plano da desinserção social e familiar que lhe anda quase sempre associada.

É certo que à medida da tutela dos bens jurídicos não pode deixar alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades de acção. O que significa que, como é bom de ver, as exigências de prevenção geral não têm a mesma medida em todos os casos.

Tendo pois em conta, na enunciada perspectiva, os critérios legais ao caso convocáveis e os parâmetros utilizados pelas instâncias na graduação da medida concreta da pena aplicada – 8 anos e 6 meses de prisão [numa moldura de 4 a 12 anos] –, estamos em crer que não foi excessivamente empolada, pelas mesmas instâncias, a dimensão da actividade de tráfico empreendida pelo arguido. Note-se aliás que por exemplo no Acórdão da 5.ª Secção deste STJ, datado do passado dia 15-09-2011 e proferido no âmbito do Processo n.º 1578/09.9JAPRT.P1.S1, foi aplicada uma pena de 7 anos de prisão, num caso em que a dimensão da ilicitude se nos afigura bem menos relevante, por ali estar envolvido transporte de “haxixe” de quantidade significativamente inferior àquela que ora está em equação nestes autos.

3 – TERMOS EM QUE, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, se emite parecer no sentido de que:

3.1 – É de rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente, na parte em que o recorrente convoca a reapreciação da matéria de facto fixada pelas instâncias;

3.2 – É de confirmar, quanto ao mais, o veredicto condenatório proferido.

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente respondeu, dizendo:

1. O recorrente como se pode melhor verificar das suas conclusões, não discute matéria de facto.

2. Apenas abre a porta a que o tribunal “ad quem” possa, se assim o entender, verificar de eventuais vícios na decisão, estribadas no disposto nas alíneas do nº 2 do art. 410º n° 3 do CPP.

3. Se tal porta se considerar fechada, sempre o tribunal deverá conhecer da medida da pena aplicada.

4. Dá o Senhor Procurador-Geral Adjunto como exemplo o processo nº 1578/09.9JAPRT.P1.S1 para justificar a manutenção da medida da pena aplicada.

5. Ora, salvo o do respeito, cada caso é um caso, que pode diferir desde a motivação que levou à traficância, passando pela atitude assumida durante o julgamento.

6. O acervo de elementos carreados para o processo em termos de factos dados como provados, fora outros que infelizmente não se lograram exibir em audiência, mas espelhados durante o julgamento, permitem verificar que a pena aplicada é exagerada.

7. Como se escreveu, estamos perante uma droga (leve) que começa a merecer hoje uma apreciação diferente, mormente pela sua aplicação medicinal.

8. Nestes termos mantemos o teor do recurso já apresentado nos seus precisos termos.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Impugna o arguido o acórdão recorrido em dois pontos: insuficiência da matéria de facto, determinante da nulidade da decisão, nos termos do art. 410º, nº 2, do CPP; medida da pena, que considera demasiado pesada.

Insuficiência da matéria de facto

Alega o recorrente que o tribunal recorrido incorreu no vício de insuficiência da matéria de facto, na medida em que manteve a decisão da 1ª Instância, que incorrera no mesmo vício, violando o princípio da investigação, previsto no art. 340º do CPP.

Acontece que, conforme entendimento uniforme deste Supremo Tribunal, após a revisão do CPP realizada pela Lei nº59/98, de 25-8, os vícios do nº 2 do art. 410º do CPP deverão ser impugnados perante a Relação, que decide, sobre essa matéria, em última instância, sem prejuízo, embora, de o Supremo Tribunal conhecer dos mesmos, mas apenas oficiosamente.

Na verdade, com a introdução do recurso em matéria de facto no processo penal, efectuada por aquela revisão do CPP, deixou de ter sentido falar do recurso para o Supremo como sendo de “revista alargada”, recurso esse que só se justificava como ampliação do recurso de revista (exclusivamente de direito) precisamente por ser o Supremo Tribunal, antes da revisão do CPP de 1998, o competente para o julgamento de todos os recursos do tribunal colectivo, e não ser admissível o recurso da matéria de facto.

A partir do momento em que tal recurso passou a existir, sendo a Relação o tribunal competente para o julgar, passou também a Relação a ser o tribunal competente para apreciar os vícios da matéria de facto referidos no art. 410º, nº 2, do CPP.

Consequentemente, não se conhece do alegado vício de insuficiência da matéria de facto.

Medida da pena

Considera o recorrente que a pena aplicada é demasiado pesada, não tendo atendido ao arrependimento e à confissão e também ao facto de o estupefaciente em causa se tratar de uma droga leve.

Requer, em conclusão, que a pena seja reduzida para medida não superior a 6 anos de prisão.

Antes de mais, importa conhecer a matéria de facto, que é a seguinte:

1. No início do mês de Novembro de 2009, o arguido AA recebeu, em território nacional, uma elevada quantidade de produto estupefaciente, que foi transportada em contentores desde a África do Sul, e que tinha Inglaterra como destino final.

        2. Para o efeito de receber em Portugal o estupefaciente e preparar toda a logística de armazenamento e subsequente exportação do produto, o arguido AA contactou o arguido BB, a quem, em troca de contrapartida monetária, solicitou colaboração.

        3. No exercício das suas tarefas, o arguido BB utilizou o telemóvel com o cartão nº91....

        4. O arguido AA, nos contactos que estabeleceu, usou o nome de “C...M...” e, por seu turno, o arguido BB utilizou os pseudónimos “L...M...”, “L... S...”, “L... C...” e/ou “J... F...”, com o intuito de não revelarem a sua real identidade e dificultar o seu reconhecimento.

        5. No dia 4 de Novembro de 2009, após a análise rotineira de risco de mercadorias, efectuada pela “DGAIEC - Alfândega Marítima de Lisboa”, foram detectadas no interior de um contentor, com o MOFU 077252/9, proveniente de Joanesburgo, África do Sul, 11 paletes, contendo cada 12 caixas de cartão, nas quais vinha dissimulada grande quantidade de produto estupefaciente.

        6. Designadamente cannabis (FLS/SUMID), repartida da seguinte forma:

        - em 6 sacos de ráfia, com o peso bruto de 125723,600 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 222,200 gramas e o remanescente o peso bruto de 1255500,00 gramas, e dentro de um saco de plástico mais cannabis com o peso líquido de 223,600 gramas, tudo com um grau de pureza de 8,4 gramas dando para a elaboração de 211215 gramas;

        - em 121 sacos de ráfia, com o peso bruto de 3090681,200 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 978,800 gramas e o remanescente o peso bruto de 3089700,000 gramas, e dentro de um saco de plástico mais cannabis com o peso líquido de 981,200 gramas, tudo com um grau de pureza de 3,2%, dando para a elaboração de 1978036 doses.

        7. Nesse contentor, proveniente da África do Sul, com o nº MOFU 077252/9, estava descrito que apenas continha bens pessoais de CC.

        8. O contentor vinha em nome de CC, identificado como indivíduo de nacionalidade portuguesa, emigrante na África do Sul, que regressava definitivamente a Portugal, trazendo toda a sua mobília e haveres pessoais.

        9. O despachante do contentor na África do Sul foi a empresa “D... Enterprises”, propriedade de EE.

        10. E as 11 paletes onde estava dissimulado o estupefaciente, vinham para C...M..., de Lisboa, que é, afinal, o arguido AA.

        11. Entretanto, para prepararem o recebimento e desalfandegamento da mercadoria, os arguidos estabeleceram diversos contactos telefónicos com terceiros.

        12. No dia 6 de Novembro de 2009 ocorreu uma tentativa de chamada para o número 91-..., pertencente ao arguido BB, que estava desligado, e em que no voice mail é dito o nome de “L... M...”.

        13. No dia 9 de Novembro de 2009, o despachante alfandegário recebe, pelas 16h00, uma chamada do nº 21-..., de “C...M...” (o arguido AA), perguntando quando é que a mercadoria estava disponível.

        14. O nº 21-... pertence a um posto público, sito na Estrada de Benfica, em Lisboa.

        15. No dia 10 de Novembro de 2009, o arguido AA, identificando-se como “C...M...”, telefona novamente para o despachante, informando que para efeitos de tributação, a mercadoria constante das 11 paletes, e que era um mostruário de azulejos, está avaliada em 6.600 euros, estando disponível para pagar os impostos relativos à mesma.

        16. Para posteriores contactos, o arguido AA forneceu o nº de telemóvel 91-....

        17. Ainda no dia 11 de Novembro de 2009, o arguido BB efectua uma chamada a partir do nº 91-..., para DD, funcionário da firma “A... L...”, identificando-se como “L... C...”.

        18. O arguido BB pergunta se pode passar no dia seguinte e deixar três paletes, ao que DD respondeu positivamente e, no caso de tal acontecer de manhã, teria que ser até ao meio-dia.

        19. No dia 12 de Novembro de 2009, BB recebe uma chamada do funcionário da empresa de “Transportes ... Lda.”, de nome FF, que o questiona sobre o local do carregamento da mercadoria, dizendo que o mandaram estar ao pé das bombas da GALP em Camarate para carregar umas coisas.

        20. O arguido BB responde que não é ao pé das bombas da GALP e que a hora combinada era por volta das 10h30, acordando para junto do armazém da “A...”, já que “…nós temos de ir um bocadinho mais para a frente”.

        21. Por volta das 11h00 da manhã do dia 12/11/2009, o arguido BB estava junto da firma “A...L...”, no Bairro do Grilo, na Estrada Militar.

        22. Entrou nas instalações da firma a viatura com a matrícula 44-46-DN, com as inscrições “Transportes ..., Lda”, que se dirigiu para um dos cais de carga.

        23. Aproximou-se, de imediato, desta viatura o arguido BB, que assumiu o controlo da entrega da mercadoria, três paletes, uma vez que seria o responsável da mesma.

        24. Após a entrega da mercadoria, o arguido BB entrou para a sua viatura “Citroen C3” comercial, de cor cinzenta, com a matrícula ...-CN-....

        25. Dirigiu-se para Alvide, Cascais, onde teve um encontro com o arguido AA, relatando como tinha ocorrido a entrega e acondicionamento de paletes.

        26. Pelas 12h15, dirigiram-se ambos em direcção ao supermercado “Lidl” de Alvide, imobilizando a viatura matrícula ...-CN-..., frente a esta superfície comercial.

        27. O arguido AA foi para o seu jeep Land Rover Freelander, de cor cinzenta, com a matrícula ...-OL, abandonando ambos o local.

        28. Nesse mesmo dia 12/11/2009, procedeu-se à apreensão nas instalações da firma “A... L...” (sem que os arguidos se apercebessem de tal), da carga de mercadoria que compunha as três paletes.

        29. No recibo referente às três paletes, consta o nome de “C...M...” como destinatário e expedidor, contendo aquelas parquet-azulejos, com o peso bruto aproximado de 2.400 quilogramas.

        30. Todavia as três paletes continham cannabis (FLS/SUMID), dissimulada no interior de azulejos, perfazendo um total de 914 placas rectangulares com o peso bruto de 915746,100 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 1943,270 gramas e o remanescente o peso bruto de 913800,000 gramas, e dentro de um saco de plástico mais cannabis com o peso líquido de 1946,100 gramas.

        31. Tudo com um grau de pureza de 4,5% que daria para a elaboração de 824171 doses individuais.

        32. Pelas 11h50, a DGAIEC liga para o “C...M...”, para o telemóvel 91-..., indicado pelo arguido AA, informando-o do procedimento a desenvolver para o desalfandegamento da mercadoria do contentor.

33. O arguido AA, pelas 16h44, através do telemóvel 91-..., identificando-se como “C...M...”, liga ao despachante GG, a fim de este tratar dos procedimentos burocráticos para levantar as 11 paletes.

        34. Como aquele lhe solicita nome, morada e número de contribuinte, o arguido diz que será o seu sócio a tratar de tudo, mesmo dos pagamentos junto da alfândega, uma vez que ele não está em Portugal.

        35. No dia 16 de Novembro de 2009, os arguidos BB e AA voltam a encontrar-se na zona de Alvide, em Cascais, estando estacionadas as viaturas de ambos, lado a lado, na Rua das Fontaínhas.

        36. Pelas 15h15, estes dois entraram na viatura Land Rover e vão até à Rua de Braga, em Cascais.

        37. Local onde, apesar de ambos serem possuidores de telemóveis, o arguido BB, por duas vezes, efectuou duas chamadas a partir de cabines telefónicas públicas com os nºs. 21-... e 21-....

        38. Efectuadas as chamadas telefónicas, voltou posteriormente, ao interior da viatura, onde se manteve sempre o arguido AA.

        39. O número de telefone, marcado no posto público com o nº 21-..., pelo arguido BB, ocorreu pelas 15h30, para o nº 21-..., e foi para HH, funcionária do despachante alfandegário, a quem aquele lhe perguntou o que era preciso para desalfandegar as 11 paletes.

        40. Entretanto, o arguido AA, pelas 15h10, e sempre usando o nome “C...M...”, contacta telefonicamente II, funcionário do transitário “A...”, perguntando se as 11 paletes tinham sido inspeccionadas pela Alfândega.

41. Após o fim do encontro, o arguido AA veio a estacionar o seu veículo em frente à vivenda, com o nº ... da Rua ..., em Alvide, abrindo a porta desta com uma chave que trazia consigo e entrando na sua residência.

        42. A 18 de Novembro de 2009, o arguido AA saiu da sua residência, sita no nº... da Rua de ..., no Bairro de ..., em Cascais, transportando consigo uma mala tipo “trolley”, que coloca na bagageira da sua viatura.

        43. Foi para o Aeroporto Internacional de Lisboa, onde efectuou check-in no balcão 28 para o voo da KLM Royal Dutch Airlines das 15h45, com destino a Amsterdão, e regresso agendado para o dia 20/11/2009.

        44. O arguido BB saiu da sua casa pelas 11h00 e deslocou-se ao Núcleo Empresarial de Loures, entrando num armazém cuja fracção é identificada pela letra B, na companhia de um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que conduzia um Citroen Berlingo de cor verde, com a matrícula ...-JP.

        45. Posteriormente, e sempre a ser o indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, referido em 43, a conduzir a viatura Citroen Berlingo, deslocam-se para o Bairro do Grilo, na Estrada Militar, junto à “A... L...”, onde a viatura se vem a imobilizar junto a uma garagem com o nº 30-B (local de onde saíram as três paletes e o saco de plástico, no dia 12 de Novembro de 2009, para o transitário “A...”, contendo a cannabis referida em 30).

        46. O arguido BB abre o portão, entrando a Berlingo para o seu interior.

        47. Pelas 15h17, deste mesmo dia 18/11/2009, o arguido BB, identificando-se como “L... S...”, efectua uma chamada a partir do seu telemóvel 91-..., para a empresa “A... L...”, tendo sido atendido pelo funcionário DD.

        48. O arguido perguntou se a sua encomenda chegou (se as três paletes tinham chegado a Londres), ao que o DD diz que não foi possível por problemas de logística, nada lhe tendo dito por não ter o seu telefone.

        49. Pouco tempo depois deste telefonema, o arguido BB sai do Núcleo Empresarial de Loures, ao volante do seu Citroen C3, e vai à empresa “A... L...”, sita no Bairro do Grilo, em Camarate, onde deixa o seu contacto telefónico.

        50. A 20 de Novembro de 2009, o arguido BB vai para o aeroporto de Lisboa, para a zona das chegadas, ao volante do seu Citroen C3 que parqueia, dirigindo-se para o interior do aeroporto.

        51. Encontra-se com o AA, que regressava de Amsterdão, em posse de dinheiro para adiantamento do pagamento de transporte de estupefacientes, dirigindo-se ambos para o Citroen C3.

        52. Iniciam a marcha, seguindo para Sassoeiros, Oeiras, onde parqueiam a viatura na Rua Ilha do Faial, onde se encontra a viatura Land Rover Freelancer do arguido AA.

        53. Saem do C3 onde ficam a conversar, efectuando chamadas telefónicas.

        54. Pelas 16h16, o arguido BB dirige-se para o Núcleo Empresarial de Loures, para o armazém identificado como fracção “B”, onde faz entrega de um contentor de entulho que se encontrava dentro do armazém, à firma “...”.

        55. A 23 de Novembro de 2009, cerca das 12h36, os dois arguidos BB e AA encontravam-se no centro de Loures, junto à Av. da República, dentro da viatura Land Rover, Freelander, matrícula ...-OL.

        56. Estacionaram e saíram, entrando na Papelaria ..., de onde enviaram um fax em nome de C...M..., com os dados de identificação do arguido JJ, que iria regularizar a situação na alfândega.

        57. Foi esse que foi enviado para o despachante alfandegário e ao cuidado de HH e no qual se fazia menção a “JJ, Av. de Santa Marta, nº 39, 9º dto, 2605, contribuinte nº ...”.

        58. Poucos minutos depois regressam e BB vai para a sua viatura, o Citroen C3.

        59. Dirigiram-se, cada um no seu veículo, para a Estrada Militar, Bairro do Grilo, Camarate, onde vêm a parquear os seus automóveis.

        60. O arguido BB estaciona em frente à garagem com o nº 30 B e o AA um pouco mais à frente, e entraram na referida garagem, onde estava o produto estupefaciente dissimulado, fechando a porta.

        61. Pelas 15h00, após terem almoçado, separam-se.

        62. O arguido BB conduz o seu veículo até ao “Loures Shopping” e entra para aquela superfície comercial.

        63. À saída da mesma traz um saco da Vodafone com um telemóvel que se encontrava fechado, indo posteriormente, entregá-lo em Casal Cambra, ao arguido JJ.

        64. Durante a tarde, pelas 16h51, o arguido BB, fazendo-se passar por JJ, liga ao despachante, falando com GG, solicitando o nº da dra. da Alfândega (a funcionária HH) e fornece o nº 91-... para contacto.

        65. Trata-se do nº de telemóvel que acabara de comprar e que entregou a JJ.

        66. Pelas 17h06 chega a casa do arguido JJ, ..., em Casal de Cambra, e entrega-lhe o novo telemóvel com o nº 91-2631515.

        67. No dia 24 de Novembro de 2009, os arguidos BB e AA, este último carregando uma pasta azul, encontram-se pelas 13h15, no Martim Moniz, entrando os dois para a viatura Citroen C3, do primeiro.

        68. A viatura inicia a marcha e dá a volta ao Martim Moniz, vindo a imobilizar-se, logo depois, na Rua da Palma, tendo o arguido AA saído da mesma sem pasta.

        69. Pasta que continha 1.900,00 euros, que o arguido AA entregou ao arguido BB para pagamento dos impostos junto da DGAIEC- Alfândega Marítima de Lisboa.

        70. De seguida, o arguido BB vai buscar o arguido JJ a casa e almoçam juntos.

        71. Dirigem-se para a Alfândega, sendo o Citroen C3, estacionado na Rua Cintura do Porto de Lisboa.

        72. Sai o arguido JJ que se dirige, de imediato, à Alfândega, onde entra.

        73. O arguido BB mantém-se no interior da viatura.

        74. O arguido JJ, após pagar os impostos, referentes ao desalfandegamento das 11 paletes, regressa à viatura e arranca em direcção a sua casa.

        75. Como contrapartida de se ter deslocado à Alfândega e aí ter procedido ao pagamento dos impostos, referentes ao desalfandegamento das 11 paletes, o arguido JJ iria receber a quantia de 3 mil euros dos co-arguidos.

        76. No dia 24 de Novembro de 2009, foram abordados pela autoridade policial, os arguidos AA e BB.

        77. Ao arguido AA foi apreendido:

- a quantia monetária de € 25.680 euros, que é parte de 30.000 euros que foi buscar a Amsterdão, no dia 18.11.2009, como adiantamento do transporte de estupefaciente;

- um pedaço de papel manuscrito dirigido a HH, de C...M..., onde este tinha o nome, morada e número de contribuinte de JJ, papel este que coincide com o fax enviado pelo arguido para a Alfândega, quando estava em Loures, com o arguido BB, no dia 23/11;

- um telemóvel de marca NOKIA, a que corresponde o nº 91-...;

- dois papéis manuscritos, onde se podem ver importâncias com a indicação “PAY” (pagamento) no valor de vários milhares de euros;

- um cartão de visita com o nome ...;

- um pedaço de papel com todos os dados (morada, nº de contribuinte) do arguido BB .

78- Dentro da viatura LAND ROVER foi apreendido:

- um telemóvel de marca Nokia, a que corresponde o nº 91-..., e que foi unicamente utilizado para manter contactos com GG e a Alfândega Marítima de Lisboa;

- uma folha da CGD – Pagamentos Internacionais, onde consta uma transferência de 40.000 euros para um banco sul-africano;

- um extracto da CGD onde se verificam depósitos avultados, chegando aos 40.000 euros em cerca de 15 dias (entre 12/10/2009 e 3/11/2009);

- três chaves que abrem a garagem/armazém situada na Quinta do Grilo, nº 30 B, Camarate, onde estava acondicionada cannabis.

        79. Na residência do arguido AA, situada na Rua ..., em Cascais foi apreendido:

- um papel manuscrito com o nome do arguido BB;

-código de reserva respeitante à viagem que o mesmo efectuou no dia 18/11/2009, a Amsterdão;

-um passaporte português, emitido pelo Consulado de Joanesburgo, em nome do arguido.

        80. Ao arguido BB foi apreendido:

- quatro telemóveis, todos ligados, sendo que um tinha o cartão nº 91-... e outro tinha o cartão nº 93-...;

- vários papéis manuscritos com referência às paletes, transporte, armazéns, transitários e valores monetários;

- chaves que abriram a garagem/armazém situada na Quinta do Grilo, nº 30-B, Camarate, onde estava a cannabis;

- um papel manuscrito onde consta o nome, morada, contacto telefónico do destinatário da droga, em Londres, folha esta que tem as mesmas indicações que o arguido deixou na firma transportadora;

- factura/recibo de um porta paletes manual, que foi apreendido na garagem/armazém nº 30B;

- três folhas A4 respeitantes a dois transportes de mercadoria para a África do Sul – Lisboa, e outro de Lisboa para Londres, constando o nome de C...M... em duas;

- cinco cartões SIM de operadoras estrangeiras, sendo, pelo menos, quatro deles ingleses, o que não deixa de ser relevante, já que o estupefaciente tinha esse destino (o arguido tinha um total de 10 cartões SIM – 5 nos telemóveis, mais cinco prontos a utilizar);

- vários papéis manuscritos com o nome de HH (despachante) e C...M...;

- factura/recibo em nome de “L... C...2 (nome usado pelo arguido), e referente à compra de dois telemóveis, no “Loures Shopping”, no dia 23/11;

- um papel manuscrito com o nome de JJ, morada e NIF;

- um pedaço de papel com o nº 91-... (telemóvel do arguido AA), com o nome “C...” (referente ao nome falso utilizado por este arguido).

        81. Na residência do arguido BB, situada na Rua..., foi apreendido:

- vários papéis manuscritos com referência a D. HH (despachante) e “C...M...”;

- Factura/recibo, emitida em nome de “L... C...” (identidade falsa utilizada habitualmente pelo arguido BB) referente à compra de dois telemóveis no Loures Shopping, no dia 23 de Novembro, sendo o telemóvel de marca “SAMSUNG”, modelo E1120 cinza, com o nº 91-...,o que foi fornecido ao arguido JJ para os seus contactos com a Alfândega e despachante.

        82. Dentro da viatura Citroen C3, foi apreendido:

        - documentos da DGAIEC respeitantes ao pagamento de taxas e direitos aduaneiros, efectuado no dia 24 de Novembro, pelo arguido JJ;

- uma argola com duas chaves, que pertencem a abriam a garagem/armazém, sita na Quinta do Grilo, nº 30-B, Camarate, onde estava dissimulada a cannabis:

- uma argola com seis chaves, pertencentes ao armazém, situado no Núcleo Empresarial de Loures, de onde saiu o contentor com cannabis;

       - um papel manuscrito onde consta o nome, morada e contacto telefónico do destinatário do estupefaciente em Londres, folha essa com as mesmas indicações que o arguido tinha deixado na firma “A...L...”;

- contrato de arrendamento comercial do armazém sito na Quinta das Carrafochas, Santo Antão do Tojal, sendo de 1.550 euros mensais;

- documento – factura e recibo – de um porta-paletes manual novo (esse porta-paletes foi encontrado e apreendido na garagem/armazém nº 30B, em Camarate);.

- três folhas A4, respeitantes a dois transportes de mercadoria da África do Sul para Lisboa, e outro de Lisboa para Londres, retendo-se ainda o nome de “C... da M...” em duas dessas facturas.

83. No dia 25/11/2009, pelas 12h30m, no armazém sito na Estrada Militar, nº 30-B, Fetais, Camarate, de que os arguidos AA e BB têm as chaves, e que foram nessa ocasião utilizadas para abrir as portas, foram encontradas mais três paletes, que tinham dissimuladas no seu interior cannabis (FLS/SUM), fraccionada do seguinte modo:

-792 placas com o peso bruto de 785594,200 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 1989,092 gramas e o remanescente o peso bruto de 783600,000 gramas, e dentro de um saco de plástico mais cannabis, com o peso líquido de 1994,200 gramas, com o grau de pureza de 3,2%, que daria para a elaboração de 502780 doses;

-281 placas com o peso bruto de 63338,400 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 430,903 gramas, e o remanescente o peso bruto de 62900,000 gramas, e dentro de um saco plástico mais cannabis, com o peso líquido de 438,400 gramas, com grau de pureza de 8,4%, que daria para a elaboração de 106408 doses.

84. Foram, ainda, apreendidas duas máquinas de vácuo (permite embalar o estupefaciente, disfarçando o odor) e ainda um porta-paletes manual.

85. Efectuado exame lofoscópico nas paletes, porta paletes e máquinas de vácuo, foram detectadas as impressões digitais do arguido AA.

86. No dia 30 de Novembro de 2009, na residência do arguido JJ estava:

        - o telemóvel comprado pelo arguido BB, da marca SAMSUNG, modelo E1120, com o IMEI ..., a que corresponde o nº 91..., bem como o respectivo cartão SIM e postal RSF da VODAFONE.

- duas folhas A4, onde constam notas manuscritas relativas aos procedimentos que o arguido deve seguir para o contacto com a Alfândega Marítima de Lisboa, a indicação do nº de telemóvel 91-..., do arguido AA – que é referido mais uma vez, como “C...M...” - , referência ao facto que deve ligar de cabine, o nome de “sinito”, alcunha do arguido BB, associado a dois números de telemóvel – 91-... e 91-....

87. O armazém nº 30-B pertence a LL que verbalmente o arrendou ao arguido BB, numa data que não se logrou apurar com inteiro rigor, mas compreendida entre os inícios do mês de Maio e finais do mês de Julho de 2009, tendo-lhe entregue, para o efeito, três chaves telescópicas que se destinavam a abrir o portão.

88. O arguido BB apresentou-se sempre a LL como “L... S...”.

89. No início de Abril de 2009, o arguido BB contactou DD, agente transitário da empresa “A... L...”, identificando-se como “J... F...”.

90. Após esse contacto, no dia 8 de Abril de 2009, o arguido BB entregou nas instalações da empresa “A...” uma palete com duas portas e caixas de azulejos, num total de 7 volumes e 400 quilogramas.

91. A mercadoria destinava-se ao seu cunhado, tendo sido indicado como destinatário da carga MM, residente na 39 Rectory Court - 58 Woodhouse Road –London E11 3ND, telemóvel ....

92. Em Julho de 2009, o arguido BB deslocou-se novamente à “A...”, com uma nova carga com 300 quilogramas, em tudo semelhante à primeira e com o mesmo destinatário.

93. E, finalmente, em Novembro de 2009, foi contactado pelo arguido BB para realizar mais um transporte para Londres, tratando-se desta feita de material para construção civil.

94. Embora desta feita o arguido BB se tenha identificado como “L... S...”, tendo dado o seu contacto telefónico, o nº 91-....

95. O destinatário era o mesmo das outras vezes.

96. O arguido AA conhecia perfeitamente a natureza e características da cannabis, produto estupefaciente, e os arguidos JJ e BB, não conhecendo a qualidade concreta do produto estupefaciente, sabiam tratar-se o mesmo de uma das drogas mencionadas nas tabelas I a III anexas ao DL nº 15/93.

97. A cannabis transportada desde a África do Sul, em contentores, tinha sido obtida, na sequência do previamente acordado entre o arguido AA e outros indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar.

98. Em Portugal, o arguido AA, depois de receber a cannabis, destinava-a, na sequência do previamente acordado com os referidos indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, à exportação para Inglaterra, visando a obtenção de vantagens económicas que não lhe eram devidas.

99. Todas as quantias monetárias apreendidas, bem como os objectos, documentação, telemóveis e veículos automóveis foram utilizados pelos arguidos nos contactos mantidos com vista a obterem e transportarem os estupefacientes que comercializavam.

100. A quantia monetária apreendida ao arguido AA, a que é feita referência em 77., é fruto da comercialização de cannabis.

101. Os arguidos actuaram nos moldes descritos, em comunhão de esforços e união de vontades, destinados à prática do crime de tráfico de estupefacientes, com a finalidade comum de obterem benefícios económicos que sabiam não lhes serem devidos.

102. Todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram criminalmente punidas por lei.

(…)       

139. O arguido AA é natural de Celorico da Beira, sendo o mais novo de uma fratria de oito irmãos.

140. Com a idade de 8 meses, emigrou para Moçambique, aí tendo permanecido até aos 21 anos de idade, altura em que optou por emigrar sozinho para a África do Sul, com o intuito de melhorar as suas condições de vida.

141. As circunstâncias do falecimento do progenitor do arguido, numa altura em que este era, ainda, criança, provocaram alterações na dinâmica intra-familiar, com o agravamento das dificuldades económicas, existindo entre todos os elementos estritos laços afectivos e de entreajuda, o que se mantém até ao presente.

142. O percurso escolar do arguido AA, iniciado em idade normal, decorreu de forma regular até à conclusão do 12.° ano de escolaridade, aos 18 anos.

143. Em paralelo, com a idade de 14 anos, o arguido iniciou actividade profissional no sector de mecânica automóvel, por forma a contribuir para a subsistência do agregado.

144. A instabilidade decorrente da guerra da independência de Moçambique motivou a desintegração do agregado de origem, com separação de todos os irmãos, e regresso a Portugal da progenitora do arguido no ano de 1977.

145. A irregularidade laboral na área de mecânica, motivada pela escassez da oferta, levou-o a optar por exercer actividade na construção civil, a partir de 1980, actividade que foi mantendo, intercaladamente, até ao ano de 2006, altura em que foi convidado para tomar conta de um armazém.

146. No ano de 1975, o arguido encetou relacionamento afectivo com uma cidadã sul-africana, tendo contraído matrimónio três anos mais tarde, tendo, dessa relação, nascido duas filhas, actualmente com as idades de 32 e de 26 anos, respectivamente.

147. Em período prévio à sua actual reclusão, o arguido vivia com a esposa e uma das filhas, em Joanesburgo, encontrando-se desempregado há cerca de 4 anos.

148. A sua situação laboral alterou-se nos últimos 6 meses anteriores à sua detenção, ao ter sido convidado para tomar conta de um armazém, situado em Joanesburgo.

149. No ano de 2006, na África do Sul, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, acrescida de uma pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 5 anos, sob condição de, durante o período de suspensão, não ser condenado por actos análogos.

150. No âmbito do processo que levou à condenação do arguido nas penas referidas em 149., o arguido admitiu a sua conduta criminosa e cooperou com o Estado sul-africano, ao revelar não só as suas próprias acções criminosas, mas também as de outros intervenientes principais.

151. O arguido AA não tem antecedentes averbados no respectivo registo criminal português.

Nos termos do nº 1 do art. 71º do CP, a pena concreta é fixada em função da culpa e das exigências de prevenção. E acrescenta o nº 2 que o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, militem a favor ou contra o agente, indicando, exemplificativamente, o grau de ilicitude do facto, especialmente o modo de execução do mesmo e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados pelo agente na prática do crime e as suas motivações; as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime, a falta de preparação para manter conduta lícita.

No caso em apreciação é incontestável que a ilicitude é elevadíssima. Na verdade, trata-se de uma importação de cannabis da África do Sul, por via marítima, tendo como destino a Inglaterra, com uma dimensão invulgar, pois a quantidade de estupefaciente transportada foi de 4.976 kg.

O modo de execução foi extremamente sofisticado, pois a droga foi acondicionada em contentores que continham azulejos, de forma a iludir a vigilância policial.

O recorrente foi o organizador do transporte, utilizando os seus conhecimentos na África do Sul, onde vivia, conduzindo toda a operação de desembarque, desalfandegamento e armazenamento do estupefaciente em Portugal, até à intervenção da polícia. Contratou os co-arguidos como colaboradores para a execução do plano. Foi a Amsterdão obter financiamento para a operação de transporta da droga, o que demonstra as suas ligações aos meios da comercialização internacional de estupefacientes.

Desempenhou, pois, o recorrente um papel central, primacial, no planeamento e na execução do plano criminoso, agindo com dolo muito intenso.

Agrava ainda a responsabilidade do recorrente o facto de ele já ter uma condenação por tráfico de estupefacientes na África do Sul, em 2006.

Invoca ele, em seu favor, as atenuantes do arrependimento e da confissão.

Contudo, na matéria de facto nenhuma referência é feita a essa matéria.

Invoca também a menor danosidade da cannabis relativamente a outras drogas. Sendo tal facto inequívoco, certo é que a elevadíssima quantidade de estupefaciente importado “compensa”, negativamente, essa menor lesividade do estupefaciente em causa.

Só no plano das consequências a ilicitude é menor, já que todo o estupefaciente foi apreendido. Contudo, nenhuma contribuição deu o recorrente para tal, de forma que a relevância desse facto é mínima em termos atenuativos.

Por fim, há que acentuar, em termos de finalidades das penas, as fortes exigências de prevenção geral, que não é preciso enfatizar, e também de prevenção especial, dada a anterior condenação do recorrente por crime idêntico.

Numa ponderação global dos factos, da culpa e da prevenção, e tendo em conta a moldura penal (de 4 a 12 anos de prisão), considera-se inteiramente adequada a pena fixada nas instâncias (8 anos de 6 meses de prisão), a qual, sem ultrapassar a medida da culpa, satisfaz as exigências preventivas.

III. DECISÃO

Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.

Vai o recorrente condenado em 8 (oito) UC de taxa de justiça, nos termos do art. 8º do Regulamento das Custas Processuais.

                                   Lisboa, 2 de Novembro de 2011


Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
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[1] Foram ainda condenados os arguidos JJ e BB, ambos pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, o primeiro na pena de 5 anos de prisão, suspensa com regime de prova, o segundo na pena de 6 anos de prisão.