ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
669/07.5TBPTM-A.E1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/06/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR SERRA BAPTISTA

DESCRITORES FIANÇA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
OBJECTO INDETERMINAVEL
OBJECTO DETERMINÁVEL
NULIDADE

SUMÁRIO

1. O regime das cláusulas contratuais gerais DL 446/85, de 25 de Outubro) aplica-se, se caso disso for, à fiança.
2. Os ónus de comunicação e de informação (arts 5.º e 6.º do DL 446/85) são instrumentos paradigmáticos do direito à informação contido no art. 60.º, nº 1 da CRP, no âmbito contratual. Estando tal princípio também contido no art. 227.º do CC: constituindo o contrato uma convenção, um acordo, é óbvio, para que dele se possa falar, que aqueles que nele intervêm conheçam claramente os elementos sobre os quais manifestam o seu consentimento.
3. A ideia de fiança e de fiador está, desde há muito, no domínio do senso comum, sabendo qualquer pessoa que se é fiador de alguém é chamado a pagar quando esse alguém não cumpre a obrigação a que se vinculou.
Contendendo com as regras da boa fé, exigíveis aos contraentes, se o fiador, no momento de ser chamado a cumprir, tendo assinado o contrato (e seu clausulado) onde se obrigou, pudesse, sem mais, invocar a violação dos falados deveres para se eximir àqueles a que validamente se vinculou.
4. A prestação é indeterminada mas determinável, quando, embora não se sabendo, num momento anterior, qual o seu teor, exista, no entanto, um critério que possibilite determiná-la. Sendo a mesma, ao invés, indeterminada quando inexiste qualquer critério para proceder à sua determinação. Sendo, então, a obrigação nula.
5. A exigência da determinabilidade da prestação é, naturalmente, aplicável à fiança, não podendo alguém declarar-se fiador de todas as dívidas, incluindo as futuras, sem critério nem limite.
6. Pode, em princípio, admitir-se a nulidade parcial do contrato, nos termos do disposto no art. 292.º do CC, que consagra a presunção da divisibilidade do negócio.




DECISÃO TEXTO INTEGRAL       

                ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

                AA veio, por apenso aos autos de execução que lhe move a CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, deduzir oposição, requerendo a sua absolvição da instância ou, se assim não se entender, do pedido.

                Alegando, para tanto e em suma:

                Não deve à exequente a quantia que ela reclama.

                O contrato em apreço é de objecto indeterminável, sendo a fiança por si prestada indeterminada, pelo que não tem possibilidade de entender quais as quantias de que eventualmente será devedora. O que acarreta a respectiva nulidade.

                A cláusula do contrato que permite a capitalização dos juros moratórios (cláusula 8ª) é nula, por violar o disposto no art. 560.º do CC[1].

                Notificada a exequente, veio a mesma contestar, alegando, também em síntese, que a obrigação exequenda é perfeitamente determinável através dos critérios que constam do contrato celebrado, sendo a quantia reclamada a devida.

                Foi proferido o despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto.

                Realizado o julgamento, nas suas alegações de direito[2], fez a opoente juntar parecer subscrito pelo senhor Professor BB, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

                Foi proferida a sentença que julgou improcedente a oposição, absolvendo a exequente do respectivo pedido e determinando o prosseguimento da execução.

                Inconformada veio a opoente interpor, sem êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

                Ainda irresignada, veio pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

                                I - QUANTO AO TÍTULO

                A - O documento 2 junto pela exequente

                1ª - Nos termos do artigo 46°, n.º 1 do CPC, são títulos executivos os documentos particulares, assinado pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.

                2ª - Nos termos do artigo 19° do contrato, apresentado pelo exequente juntamente com o seu requerimento executivo como documento 1, os extractos das contas do empréstimo emitidos pela exequente CEMG são documentos suficientes para a determinação do montante em divida.

                3ª - Para o efeito a exequente juntou com o seu requerimento executivo, para além do contrato de financiamento propriamente dito, um extracto bancário, que foi apresentado como documento 2.

                4ª - Do extracto bancário, que se reporta ao período de 28/04/1997 a 3/05/1997, junto pela exequente com o requerimento executivo sob documento n.º 2, constata-se que:

                a) no dia 30/4/1997, com data valor de 18/04/1997, a exequente transferiu sob o título "hipotecas" para a conta da executada SCO a quantia total de 33000$00[3];

                b) Bem como se constata que o saldo da conta em 30/04/1997 é positivo (querendo isto dizer que havia dinheiro disponível) em 34.887.453$60.

                5ª - O extracto é um documento que demonstra apenas os movimentos e saldos bancários anteriores à data de vencimento da primeira prestação, que era em 18/10/1999.

                6ª - O documento n.º 2 da Exequente não faz qualquer prova da utilização do dinheiro pela executada SCO e, muito menos, que este está em divida.

                7ª Os documentos apresentados pela exequente, com o requerimento executivo não consubstanciam titulo executivo bastante, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 46° do CPC.

                B - Confissão da divida

                8ª - O douto Acórdão da Relação, ora recorrido, refere que a executada no ponto 5 do artigo 4° do contrato, se confessa devedora "à exequente do capital utilizado”.

                9ª - Tal interpretação é inaceitável, pois o artigo 4° do contrato tem que ser conjugado com os seus artigos 16° e 19°, bem como com os pontos 1 e 12 do artigo 17°, no que diz respeito à formula verbal utilizada no texto do contrato.

                10ª- Outro sentido não pode ser dada à expressão "capital utilizado", no ponto 5 do artigo 4° do contrato, que não seja o de a executada SCO se declarar devedora do capital a utilizar (e logo utilizado) nos termos do contrato.

                C - O contrato

                11ª- O contrato a que os autos se reportam não é um contrato de mútuo nem uma declaração de divida, mas sim um contrato de abertura de crédito.

                12ª- Se fosse uma declaração de dívida, era por si mesmo um título executivo, podendo ser executado sem necessidade qualquer outro documento complementar.

                13ª- O título executivo não é o contrato, mas é o contrato em conjunto com os extractos da conta, "parte integrante deste mesmo contrato", como se define no artigo 19° do contrato.

                14ª- Pelo que, o douto Acórdão ora recorrido viola o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 46° do CPC.

                II - APLICAÇÃO DO DL 446/85 de 25 de Outubro

                15ª- Dispõe o artigo 1.º do DL 446/85 de 25 de Outubro que as cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual, em que os destinatários se limitem a subscrever ou aceitar, bem como as cláusulas inseridas em contrato individualizados mas cujo conteúdo o destinatário não pode influenciar, regem-se pelo referido diploma legal.

                16ª- Por outro lado, resulta da melhor jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que o regime das cláusulas contratuais gerais é aplicável à fiança.

                17ª- No caso em apreço, foi dado como provado que o contrato "( ... ) foi feito tendo por base uma matriz fornecida pelo ICEP, que teve intervenção no processo negocial, matriz essa que era utilizada em todas as situações similares à do processo de financiamento a que a SCO se candidatou e que não era para ser alterada" (cfr ponto 9 da matéria de facto dada como provada na douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância).

                18ª- Claro fica assim que as cláusulas do referido contrato, incluindo a cláusula da fiança, eram cláusulas gerais, dado que não foram sequer negociadas com a sociedade SCO, nem com a ora recorrente, a quem nem sequer a exequente entregou a minuta do contrato.

                19ª- Pelo que, todo o contrato celebrado entre a exequente e a sociedade executada, incluindo a cláusula da prestação de fiança, está sujeita à disciplina do DL 446/85 de 25 de Outubro.

                20ª- Nos termos do artigo 5.º do DL 446/85 de 25 de Outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas aos aderentes, cabendo ao contratante que submeta a outrem o ónus da prova da comunicação adequada.

                21ª- Por sua vez, o artigo 8° do referido diploma legal estipula que se consideram excluídas dos contratos as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5°.

                22ª- No caso em apreço, foi dado como provado, que o Banco limitou-se a entregar o contrato aos sócios da SCO, para estes o analisarem e "o darem a conhecer às suas mulheres".

                23ª- Independentemente de não se ter provado que a executada era mulher de qualquer sócio da SCG, certo é que, não se provou que o marido da executada lhe tivesse dado a conhecer o contrato.

                24ª- Facto sem o qual não se pode concluir que esta teve conhecimento do contrato com a antecedência necessária para o estudar, analisar e deliberar aceitá-lo.

                25ª- Não tendo a exequente provado nos termos do artigo 5° DL 446/85, que tinha cumprido o dever de comunicação, prova que era da sua responsabilidade, sempre se terá que concluir que pela exclusão da c1áusula nos termos do artigo 8° do referido diploma legal, em relação á ora oponente.

                26ª- Pelo que, o douto acórdão ora recorrido viola o disposto nos artigos 5° e 8° do DL 446/85.

                III - NULIDADE DA FIANÇA;

                27ª- Nos termos do artigo 280° do Código Civil é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

                28ª- A questão da indeterminabilidade do objecto da fiança põe-se na parte final da respectiva cláusula quando os Quartos Outorgantes declaram que dão "desde já o seu acordo a quaisquer alterações ao contrato designadamente da taxa de juro, prazo, moratórias ou outras que venham a ser fixadas ou convencionadas”,

                29ª- Nos termos desta cláusula, o preenchimento dos termos da relação garantida é deixado nas mãos dos sujeitos intervenientes do contrato que emerge a relação garantida.

                30ª- Na cláusula em que se estipula e constitui a fiança, fecha-se a princípio, a porta à indeterminação da garantia, ao identificar com precisão a relação da qual emerge o crédito garantido; mas logo a seguir abre-se a janela à sua indeterminabilidade, porquanto é previsto um mecanismo de livre modificabilidade da relação garantida sem que o garante possa ter qualquer controlo sobre os limites das modificações, ficando assim à mercê das vontades do devedor e credor.

                31ª- Significa tudo isto que o artigo 16º é todo ele absolutamente nulo por contrariar expressamente o artigo 280.ºdo Código Civil, nulidade que determina a invalidade de todo o negócio (logo a invalidade da fiança), nos termos do artigo 292.º do Código Civil.

                32ª- Em todo o caso, ainda que assim não se admita, sempre se dirá que a al. h) do artigo 19° do DL 446/85 de 28 de Outubro dispõe que são relativamente proibidas as cláusulas que consagrem a favor de quem as predisponha, a faculdade de modificar as prestações sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas.

                33ª- Pelo que, o douto acórdão da Relação, ora recorrido, viola o disposto no artigo 280.º e 292.º do Código Civil, bem como o disposto no artigo 19.º do DL 446/85 de 25 de Outubro

                IV - INCUMPRIMENTO DO CONTRATO

                34ª- Tal como conforme ficou provado: "o contrato foi feito tendo por base uma matriz fornecida pelo ICEP, que teve intervenção no processo negocial, matriz essa que era utilizada em todas as situações similares à do processo do financiamento a que a SCO se candidatou e que não era para ser alterada"

                35ª- O Estado Português fornecia o crédito e concedia benefícios mediante a realização de determinados objectivos, competindo à entidade bancária que celebrava o contrato com o promotor a assunção de diversas obrigações, as atrás também já referidas.

                36ª- A CEMG quando assinou o contrato não assumiu a obrigação de fazer um financiamento à SCO, assumiu a obrigação de abrir uma conta corrente a favor desta e de verificar e controlar as despesas por esta feitas, para que depois de verificar a realização da despesa, a sua conformidade com o projecto, e que as aquisições tinham sido feitas a preço justo.

                37ª- O banco exequente, a CEMG, não só não provou, como era sua obrigação, que tinha exercido esse dever de controlo como, ao invés, ficou provado, e é a própria CEMG que o confessa e junta documento a comprová-lo, que entregou a totalidade do dinheiro à executada SCO no próprio dia da celebração do contrato (em Abril) e que só em Setembro é que esta, a SCO, enviou os documentos de despesas.

                38ª- Fica-se, assim, a saber - por confissão e prova documental - que a CEMG não cumpriu com a obrigação de controlo a que estava adstrita.

                Contra-alegou o recorrido, pugnando pela manutenção do acórdão proferido, sustentando não se dever conhecer da questão do incumprimento do contrato por banda da exequente, que não foi objecto do recurso de apelação antes interposto, nem foi suscitada junto do Tribunal de 1ª instância.

                Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                Vem dado como assente da Relação:

                1. Em 1997.04.18 foi celebrado entre a sociedade S.C.O. - Sociedade Comercial Óptica, Lda. e a exequente, no exercício da sua actividade de instituição de crédito, um contrato de empréstimo e de concessão de apoios financeiros no âmbito do Programa de Apoio à Modernização do Comércio (PROCOM), o qual se encontra junto aos autos sob a designação de doc. n.º 1 da execução.

                                2. Do mencionado contrato participou a exequente com o montante de PTE 33.000.000$00, contravalor de € 164.603,31, correspondendo PTE 23.612.000$00, contravalor de € 117.776,16, à parcela de capital comparticipada com bonificação de juros e PTE 9.388.000$00, contravalor de € 46.827,15, à parcela de capital não comparticipada (cfr. artigo 2.°, n.º 3), tendo a executada utilizado o empréstimo na sua totalidade.

                                3. A quantia de € 117.776,16 vencia juros à taxa de 8,1775% ao ano e a quantia de € 46.827,15 juros à taxa de 11,1775% ao ano (vd. artigo 5. °, n.º 1 a 3).

                                4. Os executados CC, DD, AA e EE constituíram-se e confessaram-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela referida S.C.O. - Sociedade Comercial Óptica, Lda. no âmbito do contrato indicado supra, renunciando expressamente ao beneficio da excussão prévia (cfr. artigo 16.°).

                                5. A executada obrigou-se a reembolsar o referido empréstimo em 8 prestações de capital, semestrais e sucessivas, no montante, cada, de PTE 4.125.000$00, contravalor de €20.575,41, vencendo-se a primeira prestação em 1999.10.18 (vd. artigo 10. °).

                                6. Mais se obrigou a executada ao pagamento semestral dos juros às indicadas taxas, no último dia útil de cada período de contagem de juros, vencendo-se os primeiros em 1997.10.18 (cfr. artigo 5.°, n.º 4).

                        7. Porém, a executada, apesar de diversas vezes interpelada pela exequente para o fazer, não pagou as prestações vencidas desde 2000.04.18, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 18.°, a exequente considerou resolvido o contrato e vencido o empréstimo.

                             8. Em virtude de amortizações efectuadas, o capital encontra-se reduzido, no que respeita à parcela comparticipada com bonificação de juros, a € 86.579,14 e, quanto à parcela de capital não comparticipada, a € 42.007,52.

                         9. O contrato foi feito tendo por base uma matriz fornecida pelo ICEP, que teve intervenção no processo negocial, matriz essa que era utilizada em todas as situações similares à do processo do financiamento a que a S.C.O. se candidatou e que não era para ser alterada.

                10. O artigo primeiro do documento 1 da exequente tem a seguinte redacção:

                "O projecto de investimento apresentado pelo "Promotor" (doravante designado por projecto) destina-se à realização de obras de remodelação e aquisição de equipamentos com expansão da actividade a um novo posto de venda, de acordo com o processo de candidatura que constitui o ANEXO I e que se considera para todos os efeitos parte integrante deste contrato, com as eventuais alterações que lhe tiverem sido introduzidas até à respectiva homologação.

                As aplicações do empréstimo terão de obedecer ao projecto aprovado pela "CEMG" e pelos Órgãos de Gestão previstos no artigo 28.º do Decreto-lei nº 184/94 de 1 de Julho, e homologado pelos Despachos atrás indicados, e qualquer modificação essencial do projecto ou variação dos montantes das aplicações só poderão ter lugar após autorização dos mesmos.

                O "PROMOTOR" aceita a fiscalização da realização do investimento pela" "CEMG ", pelo "ICEP ", pelo Gestor da Intervenção Operacional Comércio e Serviços ou por qualquer outra entidade por estes nomeada.

                Para o caso de projectos realizados nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, o "PROMOTOR" aceita, ainda, a fiscalização da realização do investimento pelos órgãos de gestão definidos em legislação específica.

                A fiscalização da realização do investimento poderá ser efectuada através de visitas ao local em que o mesmo se desenvolva ou através da verificação financeira e contabilística dos investimentos realizados. "

                                11. Os pontos 1 a 4, ambos inclusive, do artigo 4° do documento 1 têm a seguinte redacção:

                "O empréstimo será utilizado até 6 meses a contar da presente data.

                Em cada utilização do presente empréstimo, o "CEMG", observará, relativamente à parcela comparticipada com bonificação de juro e à parcela não comparticipada, a respectiva cobertura financeira global do projecto assegurado que cada utilização seja efectuada na proporção dos respectivos montantes no custo total do mesmo.

                As utilizações terão lugar mediante pedidos escritos de quem obrigue o "PROMOTOR" dirigidos à "CEMG" e acompanhados dos documentos justificativos das despesas efectuadas ou a efectuar, sem prejuízo de a "CEMG" poder reportar-se ao custos efectivo que atribua às referidas despesas de acordo com elementos em seu poder.

                A data limite indicada no número um pode ser prorrogada com o acordo por escrito das partes e após parecer. "

                12. Sendo que o ponto 5 do referido artigo diz "O PROMOTOR confessa-se desde já devedor à CEMG do capital utilizado".

                13. Por outro lado, o artigo 13° do documento 1 consigna, no seu n.º 1 que: "Serão movimentadas através da conta de depósitos à ordem aberta pelo "PROMOTOR" na Agência da "CEMG" indicada na introdução deste contrato, com o numero aí referenciado, os montantes das utilizações do empréstimo e todos os pagamentos que o "PROMOTOR" deva fazer à "CEMG" por força deste contrato, ficando a “CEMG" desde já autorizado a proceder a tal movimentação.

                14. Sendo que, na introdução de tal documento, na identificação dos terceiros outorgantes - a ora executada S. C. O. -, se refere ser a mesma "titular da conta de depósitos à ordem número 000000 aberta na Agência da CEMG de Monte Abraão. "

                15. Diz ainda o artigo 19° do documento junto pela exequente como documento 1 que "os extractos da conta do empréstimo emitidos pela "CEMG" serão documentos suficientes para a determinação do montante da dívida tendo em vista a exigência ou reclamação judicial ou extra judicial dos respectivos créditos em qualquer processo, considerando-se parte integrante deste contrato para todos os efeitos legais. "

                16. Ao atrás referido acresce que a executada S. C. O. "aceita a fiscalização da realização do investimento pela CEMG, pelo ICEP (Investimento, Comércio e Turismo de Portugal), pelo Gestor da Intervenção Operacional Comércio e Serviços, ou por qualquer outra entidade por estes nomeada" (tal consta do n.º 3 do artigo 1 ° do documento 1).

                17. A fls. 37 encontra-se dos autos de execução um documento denominado "Extracto de movimentos históricos", cujo teor aqui se dá por reproduzido.

                18. Por outro lado, no artigo 8.° do contrato junto como documento 1 da execução consigna-se que "a CEMG poderá, a todo o tempo, capitalizar os juros remuneratórios correspondentes a um período não inferior a três meses e juros moratórios correspondentes a um período não inferior a um ano, adicionando tais juros ao capital em dívida, passando aqueles a seguir o regime destes. "

                19. Fixa ainda o artigo 16.° do documento 1 da execução: "Em garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelo "PROMOTOR" no presente contrato derivados quer do empréstimo, quer da garantia prestada e relativos a capital, respectivos juros remuneratórios e moratórios e despesas judiciais e extra judiciais calculadas, os Quartos Outorgantes constituem-se perante a "CEMG" fiadores solidários entre si e principais pagadores do "PROMOTOR" renunciando todo o prazo, direito, beneficio ou excepção que possa anular ou restringir a fiança prestada e dando desde já o seu acordo a quaisquer alterações ao contrato designadamente da taxa de juro, prazo, moratórias ou outras que venham a ser fixadas ou convencionadas. "

                20. Tal como se pode aferir do documento junto aos autos sob o n.º 1, a ora oponente constituiu-se fiadora solidária e principal pagadora "Em garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelo "P ROMOTOR" no presente contrato derivado quer do empréstimo, quer da garantia prestada e relativos a capital, respectivos juros remuneratórios e moratórios e despesas judiciais e extra judiciais calculadas (…) e dando desde já o seu acordo a quaisquer alterações ao contrato designadamente da taxa de juro, prazo, moratórias ou outras que venham a ser que venham a ser fixadas ou convencionadas. ".

                21. O contrato de mútuo ora executado foi o culminar de um processo de candidatura a uma linha de crédito específica para empresas da área do comércio e que teve por objectivo a atribuição de apoios financeiros para a execução do projecto de investimento apresentado pela sociedade executada, aprovado por Despachos dos secretários de Estado do Comércio e Turismo e do Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional.      

                22. A executada /oponente assinou voluntariamente o contrato e o mesmo, dias antes de ser assinado, foi fornecido aos sócios da S.C.O. para o analisarem e o darem a conhecer às suas mulheres, disponibilizando-se os funcionários do exequente para esclarecer, se necessário junto do ICEP qualquer dúvida que existisse, sendo que nenhuma dúvida foi colocada.                

                23. As designações de conta à ordem a que se referem os números 0-00-00 000000000000 respeitam à mesma conta, apenas tendo ocorrido uma alteração nos números que a designavam, mantendo-se o segmento 2765.

São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

Podendo as mesmas, segundo a própria recorrente, resumir-se às seguintes:

1ª – A da inexistência de título executivo;

2ª – A da aplicação do DL 446/85, de 25 de Outubro (Cláusulas Contratuais Gerais) ao contrato celebrado;

3ª – A da nulidade da fiança;

4ª – A do incumprimento do contrato por banda do exequente.

Vejamos:

                O Supremo, como também é bem sabido, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos nas instâncias apurados, o regime jurídico que julgue adequado – art. 729.º, nº 1 do CPC.

                Não conhecendo de matéria de facto, salvo havendo ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – arts 729.º, nº 2 e 722.º, nº 2, ainda do mesmo diploma legal.

                Sendo, ainda certo, que, em sede de interpretação dos negócios jurídicos, constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias, o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, sendo matéria de direito a fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial, isto é, a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do CC[4].

                E que a Relação, sendo um tribunal de instância e não de revista, pode legitimamente, desde que se limite ao desenvolvimento da matéria de facto apurada, extrair ilações ou conclusões da matéria da mesma, o que igualmente constitui matéria de facto. Escapando tal conduta à censura deste STJ.

                Bem como que a qualificação dos negócios jurídicos feita pelas partes, não sendo decisiva, releva, enquanto um dos elementos a ter em conta, na fixação do seu conteúdo, e, por consequência, na sua qualificação pelo julgador. Se bem que mais importem as respectivas estipulações das partes do que a designação que estas lhes atribuam[5].

                Ora, foi dado à execução um documento particular, denominado de “Contrato de Empréstimo e de Concessão de Apoios Financeiros no âmbito do Programa de Apoio à Modernização do Comércio – PROCOM (artigo nº 31, nºs 1 e 4 do DL nº 189/94, de 1 de Julho)” subscrito, alem do mais, entre a executada, ora recorrente e a exequente, e um extracto de movimentos históricos nesta efectuados pela S.C.O., entre 28/4/1997 e 3/5/97.

                Tendo sido dado como provado pelas instâncias ter a exequente participado, no âmbito do aludido contrato, com o montante de 33.000.000$00, nas condições melhor referenciadas em 2. da matéria de facto elencada, tendo-se a executada S.C.O. obrigado a reembolsar o empréstimo em 8 prestações de capital, semestrais e sucessivas, a partir de 18/10/99. Não tendo pago as prestações vencidas desde 18/4/2000.

                Mais se tendo apurado que os extractos de conta do empréstimo emitidos pela CEMG serão documentos suficientes para a determinação do montante da dívida, considerando-se os mesmos parte integrante do contrato celebrado.

                Tendo a Relação concluído, nomeadamente do contrato e do extracto junto, que a sociedade executada veio efectivamente a utilizar a quantia mutuada de 33.000.000$00 na sua totalidade, que foi creditada na sua conta bancária no dia 18/4/97, data em que o contrato foi assinado. E que a executada, ora recorrente, se constitui e confessou fiadora solidária e principal pagadora da sociedade executada das obrigações que para esta resultassem do aludido contrato.

                Ora bem:

Estamos, in casu, perante a oposição a uma acção executiva, fundada num documento particular, assinado, alem do mais, pela executada/recorrente.

                                Toda a execução, como é bem sabido, tem por base um título executivo[6], pelo qual se determina o seu fim e limites – art. 45º, nº 1 do CPC.     

                De facto, para que possa ser pedida a realização coactiva de uma prestação, o dever de prestar respectivo tem de, desde logo, constar de um título, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere um grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva[7].

                Não bastando alegar a existência do título, sendo antes necessário exibi-lo, sendo sempre indispensável que ele tenha força executiva.               

                Cumprindo o título executivo uma função constitutiva, na medida em que atribui exequibilidade a uma pretensão, possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas impostas ao executado pelo Tribunal[8].

                A exequibilidade extrínseca da pretensão é, pois, conferida pela sua incorporação num título executivo, num documento que formaliza por via legal “a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida”.

                O título executivo é, assim, pressuposto ou condição geral de qualquer execução, sua condição necessária e suficiente. Não havendo acção executiva sem título.

                Os títulos executivos são os indicados na lei como tal (art. 46º do CPC), estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade – nullus titulus sine lege – sem possibilidade de quaisquer excepções criadas ex voluntate, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo[9]

Conferindo a al. c) do citado art. 46º exequibilidade aos documentos particulares assinados pelo devedor[10].

Exigindo-se, como requisito de fundo, para que tais documentos constituam título executivo, que os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, que sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída.

Encontrando-se, neste caso, o reconhecimento de dívida (art. 458.º do CC)[11].

Mas, será, então, que o documento dado à execução constitui título executivo?

A Relação, na sequência de igual entendimento da 1ª instância, considerou que assim era, não importando saber com rigor se estamos perante um contrato de mútuo ou de abertura de crédito.

Tendo a sociedade executada e também a fiadora ora recorrente assumido o encargo do pagamento da dívida que perante a instituição bancária exequente contraíram. E que, desde logo, por mero efeito do contrato e face ao crédito respectivo lançado no extracto bancário, parte integrante do contrato celebrado, dele se confessaram devedoras.

Pelo que, sem necessidade de mais, também dúvidas aqui não podem restar que o (s) documento (s) dado à execução, constitui, à partida, título executivo.

Não consubstanciando o mesmo, sempre se dirá, tendo em vista a matéria a seu propósito apurada, e no que tange à execução em apreço[12], propriamente uma obrigação futura, mas antes um crédito concedido, de imediato, no momento de celebração do contrato a que o documento respeita.

Resultando do próprio contrato e do extracto bancário a constituição, não futura, mas imediata de uma obrigação pecuniária. Tendo o banco entregue â sociedade a quantia de 33.000.000$00.

Sendo, assim, uma obrigação actual, à data do contrato.

Mas, diz, ainda a recorrente, haver um vício intrínseco no contrato sub judice, já que, estando o mesmo sujeito à disciplina do DL 446/85, de 25 de Outubro (Cláusulas Contratuais Gerais), não foi cumprido o dever de comunicação em relação à ora opoente/recorrente, pelo que se tem de se considerar excluída a cláusula da fiança.

Pois, acrescenta, ainda, provado ficou que o contrato em apreço teve por base uma matriz fornecida pelo ICEP, que teve intervenção no processo negocial, e que era utilizada em todas as situações similares (ponto 9 da matéria de facto elencada).

Sucedendo que a cláusula da fiança, sendo uma cláusula contratual geral, não foi negociada com a executada, nem a mesma teve acesso à minuta do contrato, para o conhecer, estudar e avaliar.

Na Relação, os senhores Juízes Desembargadores, considerando não ter ficado provado que a fiança só teria sido prestada no pressuposto de que a exequente teria de fazer o controlo dos montantes despendidos pela sociedade executada com a quantia mutuada e que a ora executada desconhecia o clausulado do contrato, que nem sequer lhe foi explicado (respostas negativas aos artigos 20.º e 34.º da petição de embargos) e sendo certo que a mesma assinou voluntariamente o contrato e que os funcionários da exequente se disponibilizaram para esclarecer quaisquer dúvidas, que não vieram a ser colocadas (ponto 22 dos factos apurados), acrescendo que, em seu entender, à fiança prestada pelo fiador não se aplica o regime específico estabelecido pelo citado DL 446/85, não sendo o mesmo aderente, entenderam não haver lugar a qualquer dever de comunicação ou de informação. Assumindo o fiador a obrigação de principal pagador (art. 640.º do CC), sucedendo que, quem presta a fiança não faz, ou não o deve fazer, sem a devida ponderação ou na pressuposição de que tal garantia nunca lhe poderá vir a ser exigida.

Não tendo, assim, de qualquer modo, sido violado o alegado dever de comunicação.

Ora, provado ficou, alem do mais, que o contrato em apreço foi o culminar de um processo de candidatura a uma linha de crédito específica para empresas da área do comércio e que teve por objectivo a atribuição de apoios financeiros para a execução de um projecto de investimento apresentado pela sociedade executada (ponto 21 da matéria de facto), tendo o mesmo sido feito com base numa matriz fornecida pelo ICEP, que era utilizada em todas as situações similares à do processo de financiamento a que a S.C.O. se candidatou e que não era para ser alterada (ponto 9 do mesmo elenco).

Sendo certo que o regime proteccionista estatuído no art. 5º do referido DL nº 446/85 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais) apenas abarca as cláusulas contratuais gerais, por regra excluídas do campo negocial discutido entre as partes, sendo, em princípio, insusceptíveis de modificação por banda do outro contraente. Já assim não sucedendo no que às cláusulas particulares diz respeito, designadamente no que concerne ao montante do financiamento, taxa de juros e plano de amortização.

Ocorrendo, no domínio da contratação baseada em condições negociais gerais, tipicamente, uma perturbação do equilíbrio negociatório, já que tais cláusulas aparecem como unilateralmente predispostas para uma série de contratos, acabando por integrar-se no contrato singular sem que a contraparte do utilizador tenha qualquer possibilidade de influir nos respectivos termos. Permitindo-se, assim, ao utilizador uma certa “posição de poder”, resultante do próprio modo da formação do contrato, que lhe permite perseverar num regulamento negocial próprio, independentemente da interiorizada concordância do seu parceiro negocial. Aceitando-se, por isso, uma intervenção fiscalizadora do contrato[13].

Bem se podendo entender que o contrato onde está inserta a vinculação por fiança por banda, entre outros, da ora opoente-recorrente se insere no âmbito das ditas cláusulas contratuais gerais, aplicando-se também, como contrato de adesão, e nessa medida, à fiança[14].

Necessário sendo, assim, em princípio, nos termos do mencionado art. 5.º, que as cláusulas contratuais gerais (não as particulares, negociadas entre as partes) sejam comunicadas na íntegra aos aderentes.

Cabendo ao contratante que submeta a outrem as ditas cláusulas contratuais gerais, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva – nº 3 do ora citado preceito legal.

É que, na realidade, nos termos de tal art. 5.º, há um ónus de comunicação na íntegra das cláusulas contratuais gerais aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, de modo adequado para o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência, cabendo tal prova ao contratante que as submete a outrem.

Com efeito, tal ónus de comunicação (bem como o de informação – art. 6.º do mesmo diploma legal) é instrumento paradigmático do direito à informação contido no art. 60.º, nº 1 da CRP, no âmbito contratual[15].

Estando já tal princípio também contido no art. 227.º do CC: constituindo o contrato uma convenção, um acordo, é óbvio que o mínimo exigível, para que dele se possa falar, é que aqueles que nele intervêm conheçam claramente os elementos sobre os quais manifestam o seu consentimento[16].

Exigindo-se, assim, que as condições gerais sejam integralmente comunicadas à contraparte, impondo-se, para alem disso, que tal comunicação se realize de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo pelo contraente que actue com a diligência comum[17].

Tendo vindo este Supremo Tribunal a afirmar que este dever de comunicação existe para possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo, exigindo-se dele, contudo, e para esse efeito, um comportamento diligente[18].

Sendo indubitável que o ónus da prova do cumprimento deste dever de comunicação cabe ao contratante que submete a outrem as ditas cláusulas.

Ora, do contrato em apreço, consta, na cláusula 16º, e alem do mais de que adiante se tratará, que “Em garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelo “PROMOTOR”[19]no presente contrato derivados quer do empréstimo, quer da garantia prestada e relativos ao capital, respectivos juros remuneratórios e moratórios e despesas judiciais e extrajudiciais calculadas, os Quartos Outorgantes[20]constituem-se perante a “CEMG” fiadores solidários entre si e principais pagadores do “PROMOTOR”, renunciando a todo o prazo, direito, benefício ou excepção que possa anular ou restringir a fiança prestada …”.

Tal cláusula, mesmo a considerar-se o negócio celebrado como contrato de adesão, não envolve qualquer complexidade.

Não se podendo aceitar que a ora recorrente não a tenha conhecido já que, também como quarta outorgante, subscreveu o contrato.

Não fazendo qualquer sentido a sua assinatura voluntária do contrato (cfr, ponto 2 da matéria de facto) - mesmo não tendo ficado provado ser a mesma casada com qualquer um dos sócios da S.C.O., sendo certo que nenhuma dúvida foi colocada – se acaso não conhecesse a cláusula que directamente lhe dizia respeito, atinente à fiança constituída.

Sendo certo que a mesma, no seu articulado de oposição afirma, sem o comprovar, que só conheceu a dita cláusula no momento em que subscreveu o contrato (cfr. art. 34.º).

Portando, conheceu a cláusula, só que, na sua versão tal ocorreu de modo não adequado.

Ora, como se diz no ac. deste STJ de 3/5/07, já atrás mencionado, a ideia de fiança e de fiador está, desde há muito, no domínio do senso comum, sabendo qualquer pessoa que se é fiador de alguém é chamado a pagar quando esse alguém não cumpre a obrigação a que se vinculou.

E, se não procurou saber das exactas condições em que também se obrigou, tal dever-se-á à sua irreflexão, não a podendo esgrimir contra quem se procurou acautelar contra eventual incumprimento do devedor.

Contendendo com as regras da boa fé, exigíveis aos contraentes, se o fiador, no momento de ser chamado a cumprir, tendo assinado voluntariamente o contrato onde se obrigou também, pudesse, sem mais, invocar a violação dos falados deveres para se eximir àqueles a que, pela sua assinatura, se vinculou,

E, assim, não constando do contrato cláusulas que envolvam um exigente conhecimento de conceitos técnico-jurídicos, ou uma complexa teia de direitos e deveres recíprocos a demandar exigente esforço interpretativo, o dever de comunicação e de informar não pode ser erigido em dogma para que, invocada a sua violação, o aderente se desvincule das obrigações assumidas[21].

Sendo certo que, tendo a ora recorrente usado da diligência que, face ao vínculo que assumiu, lhe era exigível, não podia ter deixado de bem compreender o alcance da assinatura que no documento voluntariamente apunha, aceitando o teor da cláusula que ora impugna.

Não nos encontramos, pois, mesmo a admitir-se o mencionado contrato de adesão, perante violação dos mencionados deveres, com exclusão, face à executada/embargante, da cláusula que a vincula como fiadora.

Não tendo, de igual modo, sido violado o dever de informação a que alude o art. 6.º do mesmo DL 446/85, que também visa garantir o conhecimento efectivo da devida comunicação, propondo-se assegurar a compreensão da mensagem que lhe está subjacente.

Complementando-se um e outro dever – o de comunicação e o de informação – por referência a um escopo comum – a eficaz apreensão da proposta contratual por parte do aderente[22].

Mas, prossigamos, analisando agora a questão da nulidade da fiança.

Pondo a recorrente a questão da indeterminabilidade do objecto da fiança na parte final da mencionada cláusula 16ª, quando os quartos outorgantes (fiadores) declaram que dão “desde já o seu acordo a quaisquer alterações ao contrato designadamente da taxa de juro, prazo, moratórias ou outras que venham a ser fixadas ou convencionadas”.

Pois, com ela, o preenchimento dos termos da relação garantida é deixado nas mãos dos intervenientes no contrato de que emerge a relação garantida, sendo certo que os garantes, mormente a recorrente, não têm possibilidade de controlar as alterações que, depois da sua assinatura, venham a ser acordadas entre a CEMG e a S.C.O.

E, por isso, nos termos do art. 280.º, nº 1 do CC, as garantias cujo objecto é indeterminável são nulas, já que o que o ordenamento jurídico quer impedir é que a concretização das prestações devidas por força da garantia seja remetida ao puro arbítrio de outrem.

Sendo, assim, nula toda a cláusula em apreço.

Sendo certo que, mesmo que tal nulidade fosse parcial, tal determinaria a invalidade de todo o negócio e, por isso, da fiança (art. 292.ºdo CC). Pois provado resulta dos autos que o contrato de abertura de crédito em questão, não teria sido celebrado entre a exequente e a S.C.O. sem a parte final da cláusula 16ª.

Sendo sempre, de qualquer forma, relativamente proibidas as cláusulas que consagrem a favor de quem as predisponha, a faculdade de modificar as prestações sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas.

Sustenta a recorrida a validade da fiança prestada por determinabilidade do seu objecto, tendo sido fixado, no momento da celebração do contrato dado à execução, o montante máximo pelo qual a fiança foi prestada, prazos de amortização, taxas de juro, etc. Que a ora recorrente bem conheceu.

Não tendo sido o contrato inicial objecto de qualquer alteração ou aditamento.

Os senhores Desembargadores, no acórdão recorrido, entendendo que estamos perante uma fiança omnibus, visando garantir, através de um terceiro, o fiador, o reembolso dos financiamentos e outros movimentos de capital feitos pelos bancos em benefício dos seus clientes, julgaram a mesma válida, por ser determinada e determinável no momento da sua constituição. Constando do contrato dado à execução o respectivo montante do crédito, o que logo afasta a indeterminabilidade do objecto da fiança (art. 628.º do CC). Estando o garante, no momento em que foi celebrado o contrato, em condições de saber aquilo que vai afiançar. Estando então determinado o montante do empréstimo, o prazo do mesmo e o número de prestações.

Tendo-se, assim, a ora recorrente vinculado validamente à garantia que prestou.

Vejamos:

O art. 280.º, nº 1 do CC considera nulo o negócio cujo objecto seja indeterminável.

Assim, o objecto do negócio pode ser indeterminado, se bem que, por força da lei, não possa ser indeterminável.

Sendo a prestação indeterminada mas determinável quando, embora não se sabendo, num momento anterior, qual o seu teor, exista, no entanto, um critério que possibilite determiná-la.

Sendo a mesma, ao invés, indeterminada e indeterminável quando inexiste qualquer critério para proceder à sua determinação. Sendo, então, a obrigação nula, nos termos do atrás citado preceito legal[23].

A prestação precisa, pois, de ser determinável, ou seja, concretizável no seu conteúdo, não impondo, contudo, a lei que ela seja determinada no momento da sua constituição, se bem que exigido seja que ela então seja determinável, que possa ser concretizada de harmonia com os critérios estipulados pelas partes ou fixados na lei (cfr., ainda art. 400.º do CC)[24].

Tais considerações e tendo em conta que se admite a fiança por débitos futuros (art. 628.º, nº 2 do CC) são aplicáveis a esta garantia das obrigações.

Com efeito, a atrás falada exigência da determinabilidade é aplicável à fiança: não pode alguém declarar-se fiador de todas as dívidas, incluindo as futuras, sem critério nem limite[25].

Sendo certo que, no comércio bancário, essa determinabilidade é ainda reforçada pela inviabilidade de “contratos bancários gerais” de conteúdo indeterminável[26] .

E que a fiança, a que se poderá chamar de fiança genérica ou fiança omnibus[27], tendo por objecto os direitos de crédito que visa garantir, tanto se pode referir a obrigações já constituídas como a obrigações futuras, caracterizando-se por apresentar um conteúdo genérico, muito amplo, com variável grau de determinabilidade, suscitando fortes dúvidas a conclusão acerca da sua validade, justamente por vincular quem a presta de forma quase ilimitada, ou, pelo menos, subsistindo dificuldades para a definição dos limites da determinabilidade do seu objecto[28].

Tendo este Supremo Tribunal de Justiça decidido, em uniformização de jurisprudência[29], que “é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.

Passando o problema da determinabilidade/indeterminabilidade do objecto de obrigações futuras pela interpretação do termo constitutivo da garantia.

Ora, in casu, verifica-se, sem dificuldade, que a fiança prestada, no momento da sua constituição, ficou com o seu objecto determinado.

Constituindo-se a ora recorrente, alem de outros (os quartos outorgantes), fiadora perante o CEMG das obrigações pecuniárias assumidas pela S.C.O. no contrato.

Sendo certo que, nos termos deste, a CEMG comparticiparia, como comparticipou, no financiamento em questão, até ao montante de 33.000.000$00, sendo 23.612.000$00 a parcela com bonificação de juros, sendo de 9.388.000$00 a parcela não comparticipada (artigo segundo, nº 5)[30].

Estando a taxa de juro e a eventual capitalização de juros descritas nos artigos quinto e oitavo, respectivamente, do referido contrato.

As consequências da mora estão contempladas no artigo sétimo.

As despesas e encargos estão contemplados no artigo nono.

As prestações, respectivo montante e início do vencimento estão descritas no artigo décimo.

Constando a garantia da CEMG ao ICEP e seu montante limite do artigo décimo quarto.

Sendo, assim, o objecto da fiança prestada, bem determinado, não incorrendo a mesma na pretendida nulidade.

Mas, diz a recorrente que a indeterminabilidade da fiança a seu tempo prestada está na parte final da dita cláusula, ou melhor, artigo décimo sexto, quando aí se diz que os fiadores “dão desde já o seu acordo a quaisquer alterações ao contrato designadamente da taxa de juro, prazo, moratórias ou outras que venham a ser fixadas ou convencionadas”.

Ora, não restarão dúvidas que esta parte da dita cláusula tornaria a fiança indeterminável, não permitindo a quem a presta avaliar no futuro o conteúdo da sua obrigação, conhecer os seus limites ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento.

Aqui, sim, poder-se-á concluir estarmos perante uma fiança com objecto indeterminável, sem conteúdo previsível no momento da sua estipulação.

Por isso, e nesta parte, nula.

Havendo que se admitir tal nulidade parcial, nos termos do disposto no art. 292.º do CC, que consagra a presunção da divisibilidade do negócio[31].

Não afectando, porem, tal nulidade o estatuído na outra parte da dita cláusula contratual, que, nela contempla a fiança bem determinável.

Não tendo a ora recorrente, a quem tal ónus incumbia[32], e para obter a anulação total da cláusula em apreço, provado que sem a parte viciada o negócio não teria sido concluído (parte final do art. 292.º).

Sendo certo, sempre se dirá, não ter havido quaisquer alterações ao contrato, não havendo notícia nos autos de tal parte da cláusula 16ª ter sido pelas partes utilizada.

Em nada relevando, assim, a nulidade ora em apreço.

Pelo que a mesma cláusula, na sua parte válida, responsabiliza a ora recorrente como garante da obrigação pela S.C.O. assumida.

Mas, a mesma recorrente vem ainda invocar, para se escusar ao cumprimento da garantia pessoal que prestou à satisfação do direito de crédito da exequente, o incumprimento do contrato por banda deste.

Não tendo, quanto a ela, o banco exequente provado que tinha exercido o dever de controlo da despesa feita pela S.C.O., para que, depois de verificar a realização da despesa, a sua conformidade com o projecto, que a mesma tinha sido feita a preço justo, no caso de entender que assim não sucedeu, fixar esse preço justo com base nos elementos de que disponha.

Sendo certo que a ora exequente entregou a totalidade do dinheiro à executada S.C.O. no dia da celebração do contrato (em Abril de 1997) e só em Setembro é que esta enviou os documentos de despesas.

Esta questão não é suscitada na alegação da oposição da ora recorrente.

Não fazendo o ora invocado incumprimento do contrato parte da sua causa de pedir.

Sendo apenas suscitada, crendo-se que “por influência” do parecer oportunamente junto, em via recursiva, onde, como é bem sabido, salvo se forem de conhecimento oficioso, não se devem conhecer questões novas.

Sendo certo que cada uma das partes suporta, em resultado do princípio dispositivo, um ónus de alegação, que não deixa de ser idêntico ao ónus de prova.

Sucedendo que a Relação, embora sem nada dizer a respeito, não conheceu de tal questão que nas conclusões do recurso de apelação foi, efectivamente, suscitada pela ora também recorrente.

Sem que esta tenha arguido a respectiva omissão de pronúncia.

Assim, a nulidade eventualmente cometida (art. 668.º, nº 1, al. d) do CPC)[33], sempre estará sanada (arts 201.º, nº 1, 202.º [a contrario], 203.º, nº 1, 205.º e 153.º, todos deste mesmo diploma legal).

Sempre se dizendo, contudo:

Não incumbe à recorrida provar que exerceu esse dever de controlo que por força do contrato assumiu, competindo tal ónus, como facto impeditivo do alegado direito, à ora recorrente que, de tal matéria de excepção, se quer aproveitar (art. 342.º do CC).

Tendo a recorrida provado, como alegou, que entregou a sua comparticipação à referida S.C.O., creditando na sua conta bancária a quantia contratualmente estipulada de 33.000.000$00.

Encontrando-se o capital em dívida reduzido, por força das amortizações efectuadas, no que respeita à parcela com bonificação de juros, a € 86 579,14 e à parcela de capital não comparticipada, a € 42 007,52.

Nada se tendo apurado sobre qualquer eventual irregularidade ou desconformidade na despesa feita pela dita S.C.O., que pudesse pôr em causa o financiamento em apreço, assim agravando, por exemplo, a posição dos garantes.

Nem se tendo provado, tão pouco, ter havido qualquer infidelidade da devedora S.C.O. à aplicação das verbas recebidas aos fins propostos.

Nem sequer que a fiadora, ora executada (ou até qualquer um dos outros), tivesse exigido, por banda do CEMG, ora exequente, o cumprimento do dever de acompanhamento da aplicação das quantias entregues. Ou a entregar.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 06 de Dezembro de 2011

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

_________________________


[1] Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem referência expressa.
[2] Que o senhor Juiz, com ressalva do parecer, não tomou em consideração face ao disposto nos arts 817.º, nº 2 e 790.º, nº 1, ambos do CPC.
[3] Quererá dizer “33.000.000$00”.
[4] Ac. do STJ de 31/3/2009 (Santos Bernardino), Pº 08B3886.
[5] Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, p. 65.
[6] Pode definir-se o título executivo, meio de demonstração do direito do exequente, perfilhando o ensinamento de Castro Mendes, como o documento que, por oferecer demonstração legalmente bastante da existência de um direito a uma prestação, pode, segundo a lei, servir de base à respectiva execução – Direito Processual Civil, vol. I, p. 333.
[7] Lebre de Freitas, A Acção Executiva, p. 26.
[8] Ac. do STJ de 4/5/99, Bol. 487, p. 242.

[9] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, p. 26 e Amâncio Ferreira, Curso do Processo de Execução, p. 21.
[10] Com a reforma do processo civil de 1995/96, foi alterada a redacção do art. 46º, al. c), a qual, anteriormente, previa que podiam servir de título executivo, alem de outros, as letras. Agora, prevêem-se na mesma alínea, de forma genérica, “Os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”. Dispensando assim o uso do processo declarativo de condenação quando não há verdadeira controvérsia sobre a existência de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável
[11] Lebre de Feitas e outros, CPC Anotado, vol. 1.º, p. 92.
[12] Na qual é pedido o pagamento da quantia “emprestada” e juros acordados.
[13] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directivas sobre Cláusulas Abusivas, p. 208.
[14] Neste mesmo sentido, acórdãos deste STJ de 12/1/2006 (Moitinho de Almeida), Pº 05B3756, de 3/5/2007 (Pires da Rosa), Pº 06B1650, de 11/9/2007 (Moreira Camilo), revista nº 2387/07-1ª secção, de 22/1/2008 (Silva Salazar), revista nº 4319/07-6ª secção e de 24/3/2011 (Granja da Fonseca), Pº 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, todos in www.dgsi.pt.

[15] José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, p. 64.
[16] Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, p. 209.
[17] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directivas sobre Cláusulas Abusivas, p. 60.
[18] Acs do STJ de  8/4/2010 (Lopes do Rego), Pº 18/4/2006 (Sebastião Póvoas), Pº 06A818 , in www.dgsi.pt e de 2/11/2004 (Afonso Correia), CJ  S Ano XII, T. III, p. 104.
[19] Designação dada no contrato à S.C.O. – Sociedade Comercial de Óptica, Lda”
[20] Entre eles se contando a ora embargante/opoente/recorrente
[21] Citado ac. de 13/5/2008.
[22] José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, p. 92 e 93.
[23] Menezes Cordeiro, CJ Ano XVII, T. 3, p. 61.
[24] A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 762 e P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 458.
[25] Vaz Serra, RLJ Ano 107.º, p. 259.
[26] Menezes Cordeiro, Bol. 357, p. 43.
[27] Sobre esta prática bancária, cfr. Manuel Januário da Costa Gomes, Estudos de Direito das Garantias, vol. I, p. 41.
[28] Acórdão nº 4/2001, de 23/1/2001, in DR I S.-A, de 8/3/2001.

[29] Citado acórdão UJ nº 4/2001.
[30] Sendo precisamente este o capital – a que acrescem juros – pedido na execução.
[31] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 627 e Carvalho Fernandes, anotação ao ac. do STJ de 29/11/89, RDES 1993, 196-238.
[32] Castro Mendes, Teoria Geral, III, p. 182.
[33] Crê-se que a Relação deveria ter explicitado as razões porque da questão não conheceu.