ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
817/07.5TTBRG.P1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/16/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GONÇALVES ROCHA

DESCRITORES ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
QUEDA EM ALTURA

SUMÁRIO I - No domínio de vigência da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, a responsabilidade agravada do empregador tem dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da empregadora ou a não observação, por esta, das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho; a diferença entre os referidos fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo.

II - Compete aos beneficiários do direito a esta reparação especial (quando a solicitem) ou à seguradora, quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância, por parte daquele, de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

III - Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade para a responsabilizar, de forma agravada, pela reparação do acidente, sendo, ainda, necessária, a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.

IV - A mera prova que, nos momentos que precederam o acidente, o sócio gerente da entidade empregadora ordenou ao sinistrado que arrumasse as ferramentas utilizadas na limpeza do telhado – ordem que o sinistrado cumpriu – e que o sinistrado pegou numa mangueira e percorreu o telhado a pé, vindo a cair pelo espaço existente entre o telhado do bloco C, onde decorriam os trabalhos, e o telhado de outro edifício que lhe é contíguo, é insuficiente para que se afirme, por um lado, a violação, pela empregadora, de qualquer norma de segurança, e, por outro, a existência de nexo de causalidade entre a alegada inobservância dessa norma e a produção do acidente.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

         Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

AA veio intentar uma acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra

“BB – Companhia de Seguros, S.A.” e

”CC S. M., L.da”, com sede em Midões, concelho de Barcelos, pedindo a condenação das rés, na medida das respectivas responsabilidades e em função da transferência parcial da responsabilidade duma para a outra, no pagamento das seguintes quantias:

uma pensão anual e vitalícia no montante de 3.328,50€;

4.836,14€ respeitantes ao pagamento de subsídio por morte;

3.224€ de despesas com o funeral;

e ainda compensações no valor de 50.000€ (perda do direito à vida) e 20.000€ (danos morais da viúva).

Alegou para tanto que é viúva do sinistrado DD, que foi vítima dum acidente quando se encontrava a trabalhar por conta da 2ª R, cuja responsabilidade emergente de acidentes de trabalho estava transferida para a 1ª R, tendo o acidente consistido em ter sido vítima duma queda quando se encontrava em cima do telhado de um edifício sito em Cabeceiras de Basto, sem protecção colectiva nem individual, de que lhe resultaram lesões que foram a causa directa e necessária da sua morte.

            As RR foram citadas, tendo a entidade empregadora apresentado a sua defesa, alegando que, aquando do acidente, os trabalhos na obra já haviam sido concluídos, estando apenas a ser efectuada a limpeza de alguns detritos existentes no local, motivo por que já tinha sido retirada quer a protecção colectiva, quer a protecção individual.

Contestou também a ré seguradora referindo que o sinistrado não cumpriu a ordem que lhe havia sido endereçada pela patronal (de arrumar as ferramentas existentes no local), antes tendo pegado numa mangueira e percorrido a cobertura até ao seu final, de onde veio a cair.

A autora respondeu à contestação apresentada pela ré patronal, mantendo o alegado na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, de que ninguém reclamou.

E tendo-se procedido a audiência de discussão e julgamento, foi proferido despacho com as respostas à base instrutória, despacho que também não foi objecto de reclamação.

E proferida sentença decidiu-se:

“1.- Condenar ambas as rés a pagar à autora a pensão anual e vitalícia de 3.328,56€, a qual é devida a partir de 01 de Setembro de 2007 (dia seguinte ao do falecimento do sinistrado), pensão que será suportada na proporção de 1.858,92€ para a seguradora e de 1.469,64€ para a patronal e que será paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, no domicílio da autora/beneficiária, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, bem como o subsídio de férias e de Natal, no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Maio e Novembro de cada ano, respectivamente.

Mais se condenou as RR na actualização desta pensão, conforme previsto pelo n.º 1 do art. 6º do DL nº 142/99 de 30/04, ou seja, nos termos em que o forem as pensões do regime da segurança social, pelo que, e em conformidade com as Portarias n.º 74/08 de 24/01 (2,4%) e n.º 166/09 de 16/02 (2,9%), foi esta actualizada nos seguintes termos:

- para 3.408,45€, a partir de 01/01/08; e

- para 3.507,30€, a partir de 01/01/09.

2.- Condenar as mesmas rés a pagarem à autora 4.836€ a título de subsídio de morte, na proporção das respectivas responsabilidades;

3. Condenar as rés a pagarem o montante que se vier a apurar como sendo o correspondente às despesas com o funeral do sinistrado, a quem provar tê-lo suportado;

3. Tudo acrescido de juros de mora desde o dia seguinte ao da morte do sinistrado e até integral e efectivo pagamento.

            4. No mais, vão as rés absolvidas”.

           
Inconformada, a seguradora interpôs recurso de apelação, mas a Relação do Porto negou provimento ao recurso, mantendo a sentença apelada.
Novamente inconformada traz-nos a Seguradora a presente revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1.         O douto acórdão do Tribunal da Relação, confirmou na íntegra a douta sentença proferida pela primeira instância que, considerou que a violação das regras de segurança não foi causal do acidente em apreço.

2.         Salvo todo o devido respeito, as instâncias recorridas efectuaram uma errada interpretação e aplicação da lei.

3.         Encontram-se enumerados e provados todos os factos necessários à aplicação articulada dos artigos 6º, 18° e 37° da Lei 100/97, de 13 de Setembro (Neste sentido, veja-se, "Factos Provados" pontos 4 a 17 da sentença da primeira instância).

4.         Ao contrário do que vem aludido no douto acórdão recorrido, ficou amplamente provado que o acidente ocorreu por causa da violação das regras de segurança.

5.         Tendo também ficado provado (dentro dos limites do possível e do razoável) as "... reais causas do acidente...".

6.         A causa do acidente foi a queda do sinistrado provocada pela força da gravidade não contrariada pela falta de implementação de qualquer sistema de segurança individual ou colectiva.

7.         É isto que decorre das regras normais da experiência comum, sendo um facto notório e não carecendo de mais prova do que a produzida nos autos (n° 1, art° 514° do Cód. Proc. Civil).

8.         Encontrando-se portanto totalmente provados os factos necessários a assegurar o nexo causal, conforme este vem previsto no artigo 563° do Cód. Civil.

9.         Impor, como pretendem as instâncias recorridas, uma prova mais concreta do que esta (para a verificação do nexo causal entre o acidente e a inobservância das regras de segurança) é impor a prova impossível.

10.       Não se entende então como pretendem as decisões recorridas, considerar que não se apurou, em concreto, a causa do acidente, quando ficou provado que o sinistrado, quando se encontrava no telhado a proceder à limpeza de detritos e com uma mangueira na mão caiu ao chão de uma altura de cerca de 10 metros.

11.      Por se tratar de uma situação em tudo idêntica à presente, citamos aqui algumas passagens, absolutamente esclarecedoras, do Acórdão de 26 de Janeiro de 2006 (STJ, TI, p. 247):

"... 3 Do nexo de causalidade

Nas instâncias  entendeu-se  que   o   acidente   tinha   ocorrido   devido   à inexistência de qualquer protecção na varanda.

A tal respeito, na sentença da 1ª instância escreveu-se o seguinte:

"Apesar de não ter ficado provado o que constava do quesito sexto da base instrutória (que tenha falseado" um pé ao autor na extremidade da dita varanda) nem que o demandante andasse a limpar o pavimento da varanda (cfr. resposta ao quesito segundo da mesma base instrutória), a verdade é que existem duas certezas: a primeira é a de que o autor caiu quando andava a proceder à limpeza daquela; a segunda é a de que a mesma não possuía qualquer protecção lateral no seu exterior, nomeadamente guarda‑corpos.

Perante estes dois factos irrefutáveis e tendo em atenção que os Tribunais decidem em função do que se apresenta como lógico e normal para o comum dos cidadãos colocados num contexto espacio-temporal idêntico ao da situação "sub juditio", pensamos também não poderem subsistir dúvidas quanto à verificação do nexo de causalidade adequada entre a referida inobservância (culposa) das regras de segurança e a queda sofrida pelo demandante, pois se a varanda estivesse vedada pelo menos com os mencionados guarda-corpos (...) não teria o autor caído da mesma, de uma altura, repete-se, de cerca de 6,50 metros."

(...)

"Todavia, era lícito às instâncias, lançando mão do mecanismo das presunções judiciais, extrair ilações da factualidade que foi dada como provada. Efectivamente, o disposto nos arts. 349° e 351° do CC permite que o julgador se sirva de um facto conhecido para firmar um outro desconhecido, desde que este facto pudesse ser provado por testemunhas. Tal mecanismo inspira-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica e nos próprios dados da intuição humana e traduz-se num juízo de valor formulado sobre os factos provados e as ilações assim tiradas não envolvem a interpretação de qualquer norma jurídica.,"

12.       Pecaram, pois, as decisões ora questionadas pela errada interpretação dos art.°s 342°, n° l, 563° do Cód. Civil, e dos art.°s 6° e 18° da Lei 100/97, de 12 de Setembro. E, ainda, pela ausência de aplicação dos art°s. 349°, 351° do Cód. Civil, do art° 514° do Cód. Proc. Civil e 37° da Lei 100/97.

            Pede-se assim que a decisão recorrida seja parcialmente revogada e substituída por outra que imponha a aplicação "in casu” do previsto no n° 2, do art° 37° da Lei 100/97, sendo a ora recorrente considerada, apenas, subsidiariamente responsável pelas prestações normais e apenas na proporção (fixada na sentença recorrida) relativa ao montante salarial efectivamente transferido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

E corridos os vistos legais cumpre decidir.

2----

Para tanto, temos de atender à seguinte factualidade:

1) O sinistrado nasceu a 15 de Janeiro de 1948 e faleceu a 31 de Agosto de 2007, no estado de casado com a aqui autora, que nasceu a 17/04/53;

2) O sinistrado havia sido admitido ao serviço da 2ª Ré no dia 2 de Julho de 2007, para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções inerentes à categoria profissional de ajudante de serralheiro, mediante a retribuição anual de 11.095,20€ - (713€ x 14 + 4,60€ x 22 x 11).

3) À data do acidente, o sinistrado trabalhava para a ré patronal 8h diárias e durante, pelo menos, 3 dias por semana.

4) No dia 31 de Agosto de 2007, pelas 18 horas, o sinistrado encontrava-se a trabalhar no telhado do denominado “Edifício ...”, no Bloco C, sito na Rua ..., freguesia de Refojos, Cabeceiras de Basto, no qual a ré levava a cabo trabalhos de substituição dos caneles por chapas isotérmicas, incluindo todos os remates nas laterais e nas chaminés.

5) Tal telhado era, e é, composto por duas partes separadas por um desnível com uma altura de cerca de 1,5 metros.

            6) O acesso ao mesmo era efectuado através de um alçapão, localizado numa das extremidades da primeira parte do telhado e num pequeno murete lateral, com cerca de 1,5 metros, que ladeavam um dos lados do telhado. A primeira parte do telhado tem cerca de 27m de comprimento e 10,20m de largura e a segunda parte tem cerca de 18m de comprimento e 10,20m de largura (sendo que o sinistrado se encontrava na 2ª parte).

            7) A sua periferia tem uma pequena platibanda, com alturas variáveis ente 20cm e 40cm.

            8) Entre o telhado do Bloco C, onde decorriam os trabalhos, e o telhado de um outro edifício que lhe é contíguo, existia uma distância de cerca de 2,5m, tendo o sinistrado caído pelo espaço existente entre estes dois telhados.

9) A altura do telhado referido no facto anterior não era inferior a 10m, nem superior a 12m.

            10) De tal queda resultaram para o sinistrado lesões que foram causa directa e necessária da sua morte.

11) Considerado não escrito pela Relação.

            12) Considerado não escrito pela Relação

13) Na obra, apenas faltava colocar tampos metálicos em algumas chaminés, bem como concluir a limpeza do local.

14) Aquando do acidente, para além do sinistrado, encontravam-se igualmente no telhado o seu colega EE e o sócio-gerente da ré patronal FF, estando todos a proceder à limpeza de detritos aí existentes.

15) Nos momentos que precederam o acidente, o sócio-gerente da ré patronal havia ordenado ao sinistrado que arrumasse as ferramentas utilizadas na limpeza do telhado, ordem essa que pelo mesmo foi cumprida.

16) O sinistrado pegou numa mangueira existente sobre a cobertura, tendo então percorrido esta última a pé, vindo a cair nos moldes descritos no ponto 8 da presente factualidade provada.

17) Aquando da visita inspectiva efectuada pela ACT foram suspensos os trabalhos na obra aqui em causa.

18) Com a morte do sinistrado, a autora sofreu e continua a sofrer grande dor, desgosto, angústia e ansiedade.

19) O sinistrado era uma pessoa saudável e robusta.

            20) Sendo ainda uma pessoa voluntariosa, dinâmica e com grande capacidade empreendedora para o trabalho.

            21) Era uma pessoa amada pela mulher, filhos, demais familiares e amigos, muito alegre e com vontade de viver.

22) Entre o sinistrado e a autora existia uma forte relação de afectividade e cumplicidade.

            23) Antes da morte do sinistrado, a autora era uma pessoa alegre, enérgica, dinâmica, com vontade de viver.

            24) Após a morte do mesmo, a autora passou a viver sozinha, tendo ainda perdido a alegria de viver e toda a energia e dinamismo que a caracterizavam.

25) Em consequência do falecimento do sinistrado, a autora teve de aumentar as doses de medicação que já tomava para dormir.

26) Uma vez por semana, o sinistrado e a sua mulher, aqui autora, exerciam a actividade de feirantes por conta própria.

            27) Com referência ao acidente dos autos corre termos pelo Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto o Inquérito com o Processo n.º 266/07.5 GACBC, tendo ainda a ACT elaborado o inquérito cujo relatório se encontra junto aos autos de fls. 66 a 102.

28) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, a ré patronal tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a ré seguradora pela remuneração anual ilíquida de 6.196,40€ (403€ x 14 + 50,40€ x 11).

3---

E decidindo:
                               A única questão a apreciar neste recurso consiste em determinar se, face aos factos apurados, se pode concluir que o acidente que vitimou o sinistrado ocorreu por violação das regras de segurança pela entidade empregadora, daí resultando que a recorrente seja considerada, apenas, subsidiariamente responsável pelas prestações normais e na proporção relativa ao montante salarial para si efectivamente transferido.
Por outro lado, e atenta a data do acidente que ocorreu em 31 de Agosto de 2007, o quadro normativo aplicável é o que emerge da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, (a seguir designada por LAT), cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro.
Na verdade, e apesar do acidente se ter verificado após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto[1], não se aplica o regime jurídico consagrado neste diploma legal, pois a sua aplicação ficou dependente de legislação especial, conforme se colhe dos artigos 3.º, n.º 2, e 21.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 99/2003 e que nunca chegou a vigorar quanto a esta matéria.

Definido o regime legal aplicável, pretende a recorrente que se deve aplicar “in casu” o disposto nos artigos 18º e 37º, nº 2 da LAT, pugnando assim, para que seja considerada apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais e na proporção do montante salarial para si transferido.

Resulta efectivamente do n.º 2 deste artigo 37.º que, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei.

Por seu turno, decorre do n.º 1 daquele artigo 18.º que, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-‑se-ão do seguinte modo:

nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte, serão iguais à retribuição;

nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.

Resulta assim do exposto que, no domínio da vigência da Lei 100/97, esta responsabilidade agravada do empregador tinha dois fundamentos autónomos:

um comportamento culposo da sua parte (nº 1);

a não observação pelo empregador das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho (nº 2).

E tal como se ponderou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Abril de 2007, processo n.º 4473/06 – 4.ª secção, a diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo.

De qualquer maneira, competirá aos beneficiários do direito a esta reparação especial (quando a solicitem), ou à seguradora quando pretenda ver desonerada a sua responsabilidade, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.

Todavia e conforme é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade, para a responsabilizar, de forma agravada, pelas consequências do acidente, pois torna-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente, vendo-se neste sentido o acórdão de 11/6/2011, processo nº 1530/04.0TTCBR.C1.S1, desta 4ª secção, disponível em www.dgsi.pt.

Ora, perante a factualidade apurada, concluiu a decisão recorrida que “… não está verificada em concreto a violação de regras de segurança, mas mesmo que assim se não entenda, a seguradora não provou, como lhe competia, o nexo causal entre a violação das regras de segurança e o acidente, não sendo lícito recorrer às presunções judiciais para afirmar esse facto…”

Contrapõe a recorrente que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança no trabalho, pois a queda do sinistrado, provocada pela força da gravidade, não foi contrariada pela implementação de qualquer sistema de segurança individual ou colectiva que a impedisse.

Pondo-se nestes termos a questão a decidir no recurso, vejamos então o que se apurou.

3.1---

Resulta da factualidade apurada que o sinistrado se encontrava a trabalhar num telhado, composto por duas partes separadas por um desnível com uma altura de cerca de 1,5 metros, tendo a primeira parte do telhado cerca de 27m de comprimento e 10,20m de largura e a segunda parte tem cerca de 18m de comprimento e 10,20m de largura.

Era nesta 2ª parte do telhado que o sinistrado se encontrava.

A periferia do telhado tem uma pequena platibanda, com alturas variáveis entre 20cm e 40cm.

E entre o telhado onde decorriam os trabalhos e o telhado de um outro edifício que lhe é contíguo, existia uma distância de cerca de 2,5m, tendo o sinistrado caído pelo espaço existente entre estes dois telhados, duma altura não inferior a 10m, nem superior a 12m.

Por outro lado, na obra apenas faltava colocar tampos metálicos em algumas chaminés e concluir a limpeza do local.

Além disso, apurou-se ainda que nos momentos que precederam o acidente, o sócio-gerente da ré patronal havia ordenado ao sinistrado que arrumasse as ferramentas utilizadas na limpeza do telhado, tendo este cumprido essa ordem.

No entanto, o sinistrado pegou numa mangueira existente sobre a cobertura, tendo então percorrido esta última a pé, vindo a cair pelo espaço que havia entre o edifício onde estava a trabalhar e o edifício que lhe está ao lado, que tinha uma distância de cerca de 2,5m, conforme já se disse.

Perante este quadro será de concluir que o acidente resultou da violação das regras de segurança impostas ao empregador pelo trabalho que se estava a efectuar?

Ora, antes de mais temos de dizer que a seguradora nem sequer indica a concreta regra de segurança que foi efectivamente violada pela entidade patronal e que terá dado causa ao acidente, ponto que era fundamental à procedência da sua pretensão, pois só através do apuramento da norma de segurança concretamente infringida é que se poderá aferir se a sua inobservância foi susceptível de configurar um manifesto e evidente nexo de causalidade entre essa violação e a ocorrência do sinistro.

De qualquer modo, atendendo a que se tratou duma queda dum telhado, ainda que se apele ao disposto no artigo 44º do RSTCC (Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto nº 41.821, de 11/8/1958), que versa sobre procedimentos de segurança em trabalhos que decorram em cima de telhados e sobre os meios de segurança que nesse âmbito devem ser utilizados[2], dispositivo para que remete o artigo 29º do Dec.-Lei nº 273/2003 de 29/10[3] e também o art.º 11º da Portaria nº 101/96, há que reconhecer, todavia, que a previsão do referido art.º 44º não tem directa aplicação no caso dos autos, pois não estão provados quaisquer factos que indiciem que o telhado onde ocorreu o acidente oferecesse particular perigo em função da sua inclinação, da natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito das condições atmosféricas[4].

É certo que o artigo 11º desta Portaria[5] nos diz no seu nº 1 que, “sempre que haja riscos de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil”.

No entanto, apurou-se que os trabalhos na obra onde ocorreu o acidente estavam quase concluídos, faltando apenas colocar tampos metálicos em algumas chaminés e concluir a limpeza do local, não resultando daqui uma evidente necessidade de adoptar medidas contra quedas em altura, tanto mais que não se sabe onde ficavam as chaminés, nem onde estavam a ser realizadas as limpezas, ponto que era importante para se aferir da necessidade de adopção das medidas de protecção contra quedas em altura.

Por outro lado, tratando-se dum telhado amplo, tendo na parte onde se encontrava o sinistrado cerca de 18m de comprimento por 10,20m de largura, não se tem necessariamente que concluir que qualquer trabalho que fosse feito no telhado estaria sujeito ao risco de queda em altura, sendo por isso fundamental que a recorrente alegasse factos donde se pudesse concluir pela sua necessidade de implementação.

            Ora, sabendo-se apenas que nos momentos que precederam o acidente o sócio gerente da ré patronal havia ordenado ao sinistrado que arrumasse as ferramentas utilizadas na limpeza do telhado, ordem que cumpriu; e sabendo-se ainda que o sinistrado, apesar de ter cumprido essa ordem, pegou numa mangueira e percorrendo o telhado a pé, veio a cair pelo espaço existente entre o telhado do Bloco C, onde decorriam os trabalhos e o telhado de um outro edifício que lhe é contíguo, não podemos concluir que o acidente tenha resultado da violação da dita regra de segurança no trabalho, por falta de prova do nexo de causalidade entre a alegada inobservância das regras de segurança e a produção do acidente.

Na verdade é necessário conhecer a dinâmica do acidente para se poder concluir por esse nexo de causalidade, competindo a sua prova a quem pretende beneficiar da responsabilização da entidade patronal, conforme doutrina do acórdão deste Supremo Tribunal de 25.11.2010, proferido no processo 55/07.7TTLMG.P1.

Assim, como não se sabe a razão da queda, não podemos concluir que o acidente se tenha verificado por esta falta de protecção, ponto que era fundamental para a procedência da pretensão da recorrente.

Contrapõe a recorrente que a situação é em tudo idêntica à do acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Janeiro de 2006, CJS, 247/1, mas esta argumentação improcede.

Efectivamente, a situação julgada no acórdão diz respeito a uma queda duma varanda, enquanto o presente caso se refere à queda dum telhado.

Por outro lado, a periferia do telhado estava provida duma platibanda, que embora com altura variável ente 20cm e 40cm, já constituía um sinal de alerta da aproximação do fim do telhado, o que não acontecia na varanda que não tinha qualquer tipo de protecção.

Argumenta ainda a recorrente que o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 349° e 351° do Cód. Civil, mas esta argumentação também improcede.

Efectivamente, resulta do artigo 349º que presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, meio de prova que só é admitido nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º) e que inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana[6], traduzem-se em juízos de valor formulados perante os factos provados, pelo que se referem ao julgamento da matéria de facto, conforme se concluiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 7/4/2011, processo nº 1180/07.0TTPNF.P1.S1.

Ora, a recorrente não impugna a matéria de facto.

De qualquer modo, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça extrair ilações da matéria de facto, mas sim aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, conforme resulta dos artigos 729º, nº 1 do CPC e 87º, nº 2 do CPT.

Por tudo o exposto e improcedendo todas as conclusões da recorrente, resta-nos confirmar o julgado.

4---

Termos em que se acorda em negar a revista.

          

Custas a cargo da recorrente.         

Lisboa, 16 de Novembro de 2011       

Gonçalves Rocha (Relator)

Sampaio Gomes

Pereira Rodrigues

________________________

[1] Entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003, conforme resulta do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003.
[2]             Artº 44º
            ‘No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão especiais medidas de segurança, tais como, a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
                § 1º. As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão afixadas solidamente
                § 2º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhe permitam prender-se a um ponto resistente da construção.’  

[3]    Diploma que procedeu à revisão da regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho em estaleiros temporários ou móveis, constante do Dec.-Lei nº 155/95, de 1/7, mantendo as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho estabelecidas pela Directiva nº 92/57/CEE, do Conselho, de 24/6.

[4] Neste sentido os acórdãos do STJ de 18/4/2007, proferido no processo nº 52/2007 e de 25.11.2010, proferido no processo 710/04.3TUGMR.P1.S1, ambos desta 4ª Secção, www.dgsi.pt.

[5]    Art.º 11º


      Quedas em altura

      1. Sempre que haja riscos de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.

      2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável.

[6] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, I volume, 1967, pgª 228.