ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
8559-06.2TBBRG.G1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 10/27/2011
SECÇÃO 2ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR TAVARES DE PAIVA

DESCRITORES CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
CONTRATO DE COOPERAÇÃO
CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
CONTRATO INOMINADO
CONTRATO ATÍPICO
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO DE AGÊNCIA
ANALOGIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
LIBERDADE CONDICIONAL
LIBERDADE DE FORMA
PROVA DOCUMENTAL
PROVA TESTEMUNHAL
ACÓRDÃO RECORRIDO
MATÉRIA DE FACTO
ERRO DE JULGAMENTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SUMÁRIO
I - O contrato de concessão comercial – modalidade dos contratos de cooperação comercial, mormente na vertente de contratos de distribuição – é um contrato inominado, consensual e atípico.
II - Enquanto contrato atípico a sua disciplina deverá fazer-se, na parte não contemplada expressamente pela estipulação das partes, por analogia com as regras dos contratos mais próximos, designadamente, em matéria de cessação do contrato, as do contrato de agência, regulado pelo DL n.º 178/86, de 03-07.
III - Vigorando a liberdade de forma em matéria de validade da declaração comercial (art. 219.º do CC), é necessário averiguar, em cada caso, se a norma admite aplicação analógica, o que implica ponderar se a sua ratio se aplica a um concessionário.
IV - Num contrato de concessão comercial em que a autora (concessionária) se obriga em seu nome e por conta própria a distribuir e vender produtos da ré (concedente), e em que resultou provado que a autora sempre vendeu na mesma área produtos de empresas concorrentes da ré, não se mostra adequado, para provar que a ré se obrigou perante a autora garantir-lhe o “exclusivo” da distribuição dos seus produtos, o regime de forma escrita do agente exclusivo a que alude o art. 4.º do DL n.º 178/86, de 3-7.
V - Tendo o acórdão da Relação considerado inadmissível, para prova de tal exclusividade, a prova testemunhal (que não reapreciou) exigindo acordo escrito – por invocação do disposto no art. 393.º, n.º 1, do CC – verifica-se o vício de erro no julgamento do facto por incorrecta aplicação de critérios legalmente definidos relativamente à sua admissibilidade ou ao seu valor.
VI - No âmbito do recurso de revista cabe nos poderes de intervenção do STJ o conhecimento do vício referido em V, que se integra nos casos previstos nos art.os 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do CPC.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL  

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I-Relatório

   AA Ldª intentou no Tribunal Judicial da comarca de Braga a presente acção declarativa com processo ordinário contra BB, SA pedindo a sua condenação no pagamento das quantias de € 48.162,18 e de € 178.952, 97 , a título de indemnização pelo incumprimento do prazo de pré-aviso na denúncia de um contrato de concessão comercial que vigorou entre ambas e de indemnização de clientela, respectivamente , ambas acrescidas de juros de mora, contados à taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

                  A Ré contestou, excepcionando a incompetência territorial do Tribunal, impugnando a factualidade alegada pela A, pugnando em conformidade pela improcedência da presente acção e ainda em via reconvencional pela condenação da A a pagar-lhe a quantia de € 216.147,14 emergente de fornecimentos efectuados, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 9,25% e 9,83 % ( art. 102º do Cod. Com.) desde as datas de vencimentos das correspondentes facturas até efectivo e integral pagamento.

                  A autora replicou, reconhecendo o crédito reclamado pela Ré, mas invocando o direito de retenção sobre os valões em dívida, até que lhe seja paga a peticionada indemnização de clientela e sustentando por via desse direito, não está em mora e, consequentemente poderá ainda beneficiar, mediante a competente dedução do “desconto financeiro ou de pronto pagamento” que era praticado pela Ré no âmbito do relacionamento comercial que com ela manteve e que liquida em €1.953,87.

      Deduziu ainda ampliação do pedido inicialmente formulado, pugnando pela condenação da Ré a pagar-lhe a remuneração de Maio de 2006 no montante de € 2.465,11 correspondente ao somatório do “ investimento à força de vendas “ “rappel” e “diferenças de preços” referentes a esse mês e que se venciam no mês seguinte, nos montantes de €1.604,00, €377,27 e € 483,84 respectivamente.

      A Ré treplicou nos termos constantes de fls. 329 e 330.

      Foi proferido despacho saneador, decidindo pela competência do Tribunal e validade da instância e do processado, organizando-se de seguida a matéria de facto assente e a base instrutória que sofreu reclamação da autora no tocante ao quesito 42º, que foi deferida na acta de 17.06.2006.

      Procedeu-se a julgamento e após a decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e a reconvenção e em consequência condenou a Ré a pagar à A a quantia de € 184.973,11, acrescida de juros de mora contados á taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde a data da citação  relativamente á quantia de € 182.508,80  e desde 1 de Julho de 2006 relativamente à quantia de € 2.465,11 até efectivo e integral pagamento e a A a pagar á Ré a quantia de  €203. 201,88 igualmente acrescida de juros de mora, contados á taxa supletiva aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde a data da satisfação da indemnização arbitrada á A até efectivo e integral pagamento.

      A Ré não se conformou com esta decisão e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, que através do Acórdão inserido a fls.791 a 833 revogou parcialmente aquela sentença e absolveu a Ré dos pedidos formulados na acção, mantendo a condenação da autora no pedido reconvencional, acrescida de indemnização pela mora.

      A Autora não se conformou e interpões recurso de revista para este Supremo Tribunal.

            A A nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

I-A questão nevrálgica do presente recurso centra-se na insustentável ligeireza do juízo analógico do Tribunal a quo, que destrói todo o raciocínio jurídico da decisão do Tribunal de l.ª Instância com a perturbadora asserção de que a norma excepcional de forma prevista no art. 4.º do DL 178/86, relativa ao acordo de exclusividade, se aplica analogicamente ao contrato de concessão, pelo que inexistindo qualquer escrito entre as partes nesse sentido, a exclusividade não poderia ter sido provada com base em prova testemunhal e, por isso, também o contrato não havia cessado por denúncia da Recorrida que àquela cláusula não estava, por essa via formal, vinculada.

II.        Consabidamente, o 11.º do Código Civil reveste de uma rigidez intransigente, não deixando margens interpretativas - quer resultantes do seu elemento literal, histórico, ou teleológico -, nem permitindo quaisquer derrogações, à prescrição de que as normas excepcionais não comportam analogia - cfr., em especial, Inocêncio Galvão Teles, Contrato Promessa, In CJ, Ano X -1985, Tomo 1, p. 39.

III.       Ora, considerando que a regra é a da consensualidade da declaração, e que portanto a norma geral é a prevista no citado artigo 219.9, as exigências formais são consideradas normas excepcionais - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Ed., anotação ao art. 219.º, p. 210; neste sentido, veja-se ainda, entre a relevante doutrino, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pp. 49 e 141; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geraldo Direito Civil, Ed. Actualizada, p. 432; Rui de Alarcão, A Forma dos Negócios Jurídicos, in BMJ, n.º 86, Maio 1959, p. 178, Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geraldo Direito Civil, 5ª Ed., p. 704 e Contratos Atípicos, p. 464.

IV.       Deste modo, da conjugação do artigo 11.º do Código Civil e do carácter excepcional das normas que impõem exigências de forma, resulta que tais normas não têm, portanto, aplicação analógica.

V.        Nem tão pouco o Direito moderno - com declarada vocação para a realização de Justiça e da grande pressão sobre a forma - autorizava o processo analógico, quer por questões de segurança e certeza no tráfico jurídico, quer por questões materiais que se assumem actualisticamente sobrepostas a concepções primitivas de bajulação da forma.

VI.       Em suma, se o contrato não for qualificável como de algum tipo legal, nenhum dos preceitos que exija uma forma legal estatuída a propósito de um tipo legal lhe será (por impossibilidade de juízo analógico) aplicável. Valendo para todas as estipulações da contrato atípico da concessão comercial o princípio da consensualidade - veja-se a título de exemplo icástico, o tratamento dado aos contratos atípicos de utilização de lojas em centro comercial -, que obviamente, afasta qualquer exigência de forma para a exclusividade.

VII.      Acresce que, a obrigação de forma prevista no n.º 4 do DL 178/86, sendo manifestamente exagerada, não procede de qualquer raciocínio lógico, mas de um contexto meramente circunstancial, donde qualquer tentativa, por mero exercício jurídico, de transportar as suas razões para o exterior do próprio tipo contratual da agência, seria um processo falhado que não confere o mínimo de cientificidade e tratamento racionai ou lógico.

VIII. De resto, a "exclusividade" da concessão comercial, situando-se - quer antes quer depois do DL 118/93 que alterou o art. 4.º do DL 178/86 - no âmbito dos elementos acidentais, não esteve sujeita às vicissitudes político sociais e comerciais operadas na agência, passando à margem das suas rupturas formais.

IX.       Sem prescindir, a considerar-se que a exigência formal do art. 4.º do DL 178/86 era aplicável à convenção de exclusividade celebrada entre a Recorrente e a Recorrida, estaríamos no âmbito de uma nulidade por falta de forma dessa convenção (art. 220.º do Código Civil), o que não significa que a convenção não tenha existido como negócio, podendo e devendo admitir-se a prova da sua existência - cfr. Ac. do STJ de 27-06-2006, processo n.º 06A1744, in www.dgsi.pt.

X.        E, considerando a confiança das partes na validade da exclusividade, seguida da actuação oportunista da Recorrida na alegação da sua nulidade, deverá, com recurso ao abuso de direito, paralisar-se a invocação de falta de forma.

XI.       De qualquer das formas, o citado art. 4.º apenas exige forma para os acordos em que o principal fica impedido de usar outros agentes. Não contemplando, assim, a situação concreta em que o principal fica, ele próprio, impedido de vender directamente numa zona atribuída ao agente.

XII.      Por isso, o facto provado 7, sempre teria de conter o seguinte conteúdo mínimo: Em contrapartida, a Ré obrigou-se perante a A. a garantir-lhe a distribuição dos seus produtos na área geográfica que lhe foi atribuída, com excepção das vendas efectuadas às grandes superfícies comerciais, retalhistas ou grossistas, e às cadeias organizadas e centrais de compras de pequenos e médios estabelecimentos  comerciais,   abstendo-se   de   vender directamente  os  seus produtos na citada área, obrigando-se ainda a vender à A. os seus produtos em conformidade com a tabela de preços e promoções da "BB" em vigor e a conceder-lhe diversos descontos e incentivos, a saber: "fee" ou "Desconto Comercial", "Rappei", "Investimento é Força de Vendas", "Abono de Transporte", "Clientes Especiais/Escolas"e "Desconto Financeiro".

XIII.    Resulta, portanto, do precedente que o caminho trilhado pelo Tribunal de 1.ª Instância, no sentido de que o contrato cessou por denúncia da Recorrida se mantém plenamente válido.

XIV.    Com efeito, do teor da carta da Recorrida datada de 8 de Maio de 2006, retira-se que a Recorrida não mais quis estar adstrita à cláusula de exclusividade - ou à obrigação de não vender pessoal e directamente na zona da Recorrente. Embora pretendo manter uma relação contratual, a sua vontade foi de desvincular-se, de forma impositiva, da obrigação de exclusividade, tanto que, materialmente, tinha deixado de a cumprir, ao proceder às vendas directas.

XV. Tendo o contrato sido celebrado por tempo indeterminado a Recorrida podia a todo o tempo denunciá-lo. Assim, a declaração expressa da Recorrida dirigida à modificação do contrato coenvolve uma declaração tácita de denúncia: o contrato extinguia-se excepto se a Recorrente aceitasse a sua modificação. Por outras palavras, uma das partes denuncia o contrato sob condição de a outra parte não aceitar (rejeitar) a modificação proposta. A hipótese configura, pois, uma denúncia-modificação.

XVI. Face ao art. 859.5 do Código Civil e à carta da Recorrida de 8 de Maio, aquela "denúncia-modificação" enquadra-se na modalidade de "denúncia salvo modificação", isto é, na denúncia declarada sob condição suspensiva do destinatário rejeitara proposta.

XVII. Pelo que tendo a Recorrente manifestado, através da carta datada de 29 de Maio de 2006 e recebida pela Recorrida a 1 de Junho de 2006, a sua vontade em rejeitar a modificação contratual que lhe era imposta pela Recorrida, conclui-se que a denúncia da Recorrida produziu os seus efeitos naquela data de 1 Junho de 2006. Mantendo-se totalmente válida a decisão de l.s Instância, especificamente, o direito à indemnização de clientela, a falta de pré-aviso, e o direito à retenção.

XVIII. Sem prescindir, a não se considerar que na carta da Recorrida de fls. 18 a que alude o facto provado 21 existe uma declaração de denúncia-modificativa, então deverá - no âmbito dos poderes do Tribunal ad quem em aplicar livremente o direito aos factos - ser interpretado que na carta da Recorrente a que alude o facto provado 22 existiu uma válida resolução do contrato.

XIX.    É que, em termos de boa fé e no que respeita à concretização das regras de comportamentos devidos peias partes, relevam com especial interesse os "deveres acessórios" que desempenham uma função auxiliar de realização positiva do fim contratual e são essenciais ao correcto processamento da relação em que a prestação se integra.

XX.     No que ora importa, os deveres acessórios de lealdade vinculam as partes a abster-se, no quadro do contrato, de comportamentos que possam falsear o seu objectivo, desequilibrar o jogo das prestações dele emergentes ou perturbar a harmonia do seu sistema interno.

XXI. Daqui resulta que o concedente, enquanto vigorar o contrato de concessão, não pode, evidentemente, aproveitar-se, deslealmente, de todo o trabalho desenvolvido pelo concessionário de prospecção e fidelização de clientela, e aproveitar-se, deslealmente, da informação privilegiada cedida peio concessionário que serve interesses comuns, para passar a vender, directa e deslealmente, aos clientes do concessionário.

XXII. Tal constituiria um inadmissível comportamento desleal. Quer porque desvirtuaria por completo o objecto do negócio - o concessionário deixaria de ter a função de distribuir aos seus próprios clientes -, quer porque levava ao total desequilíbrio das prestações - o concessionário pelo trabalho que desempenhava de angariação e fidelização, deixava de auferir os legítimos e expectáveis incentivos e descontos que constituíam a base da sua contrapartida pelo trabalho desenvolvido.

XXIII.  Dos factos provados 19, 20, 21, 23, ou seja, da circunstância da Recorrida ter passado a vender directamente aos clientes da Recorrente, resulta assim inequivocamente demonstrada uma séria violação ao correspondente dever acessório de lealdade, consubstanciado na obrigação de não venda directa aos clientes da Recorrente - que além de ter posto em causa o próprio fim do contrato de concessão, também, indubitavelmente, era susceptível de abalar toda a confiança que suportava a relação de cooperação entre as partes.

XXIV. A carta da Recorrente de 29 de Maio de 2006, manifestando uma vontade expressa de extinção contratual, motivada no incumprimento da Recorrida, conforma, pois, uma resolução contratual.

XXV.   Mantendo-se em consequência válidos - na perspectiva da resolução - os pressupostos do direito à indemnização de clientela e do direito à retenção da Recorrente, previstos e justificados na sentença do Tribunal de l.ª Instância.

TERMOS EM QUE:

1 - Deve revogar-se a decisão do Tribunal a quo e repor-se a douta sentença proferida pelo Tribunal de l.ª Instância; ou sem prescindir,

2 - Deve revogar-se a decisão do Tribunal a quo, condenando-se a Recorrida ao pagamento da quantia de 125.000,00€, a título de indemnização de clientela, acrescida de juros comerciais contados desde a citação, bem como ao pagamento da quantia -totalmente esquecida pelo Tribunal a quo - de 2.465,11€ correspondente aos descontos e incentivos referentes a compras efectuadas em Maio de 2006, acrescida de juros comerciais contados desde 1 de Julho de 2006; reconhecendo-se ainda o direito de retenção da Recorrente e que , em consequência, a quantia a pagar pela Recorrente à Recorrida apenas vence juros desde a data de satisfação da indemnização de clientela à Recorrente.

 A Ré apresentou contra-alegações concluindo que este Supremo não pode reapreciar ao exame do facto nº7 dada como assente e  que não existem indícios de que a recorrida tenha concedido á recorrente ( autora) a concessão do direito exclusivo a seu favor  e  que a  missiva dirigida pela recorrida  em 8.05.86 não pode ter a interpretação que a recorrente lhe dá  como “ denúncia modificativa”, pugnando  no final das suas conclusões  pela confirmação do Acórdão recorrido negando a revista.

 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

 II- Fundamentação:

  As instâncias deram como provados os seguintes factos

    1 - A A. dedica-se ao comércio por grosso de bebidas e produtos alimentares – alínea A) da mat. facto assente;

2 - A Ré dedica-se à produção e comercialização de sumos, águas e bebidas afins – alínea B) da mat. facto assente;

3 - A A. e a Ré mantiveram um relacionamento comercial no período compreendido entre, pelo menos, Janeiro de 2001 e Maio de 2006, no âmbito do qual esta forneceu àquela diversos artigos da marca “BB” e águas “F...”, designadamente os discriminados nas facturas números …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …., nos montantes de €18.295,87, €15.874,32, €10.938,57, €17.692,58, €20.624,61, €19.225,17, €3.495,49, €5.771,70, €17.155,56, €12.327,63, €17.273,42, €17.273,42, €15.458,29 e €16.893,74, respectivamente, emitidas em 10.3.2006, 21.3.2006, 22.3.2006, 23.3.2006, 28.3.2006, 4.4.2006, 11.4.2006, 18.4.2006, 28.4.2006, 12.5.2006, 15.5.2006, 31.5.2006, 31.5.2006 e 31.5.2006, também respectivamente – alínea C) da mat. facto assente, corrigindo-se o manifesto lapso de que a mesma enferma ao reportar o inicio do relacionamento entre A. e R. a Janeiro de 2000 e não, como vem alegado pela A. e admitido pela Ré, a Janeiro de 2001;

4 - A Ré emitiu e enviou à A. as notas de crédito números … e …, nos montantes de €532,18 e €2.612,44, vencidas em 30.4.2006 e 30.9.2006, respectivamente – alínea D) da mat. facto assente;

5 - Por acordo verbal efectuado em Novembro de 2000 e cujo inicio de vigência foi diferido para o dia 1 de Janeiro de 2001, a A. obrigou-se, em seu nome e por conta própria, a distribuir e vender produtos da Ré, designados por sumos “BB”, das sub-familias “C…”, “L…”, “F…”, “V…” e “Z…”, bem como águas “F...”, na área dos concelhos de Braga, Amares, Vila Verde, Póvoa de Lanhoso, Guimarães e Fafe e junto de hotéis, restaurantes, cafés e estabelecimentos comerciais de venda a retalho aí existentes, designados por “H…”, vinculando-se a efectuar o máximo possível de compras de produtos da Ré e de os revender, de modo a cobrir as necessidades de mercado na citada área geográfica, cumprindo os objectivos comerciais traçados pela Ré em termos de preço de venda, apresentação do produto no mercado, acções promocionais e, genericamente, tudo o que estivesse relacionado com os clientes e consumidores das suas marcas e produtos, seguindo as directrizes da Ré quanto à execução das campanhas promocionais por ela programadas, designadamente mediante a afixação nos locais de venda dos materiais publicitários que a mesma lhe fornecia e divulgando e esclarecendo, junto dos clientes, todas as campanhas, promoções e novos lançamentos de produtos “BB” – resp. às bases 1ª a 4ª;

6 - Competia-lhe ainda adoptar as orientações da Ré quanto às formas de penetração no mercado e à actividade a desenvolver junto de determinados segmentos de mercado e clientes estratégicos, bem como proceder a um permanente levantamento do mercado, entabulando negociações com potenciais clientes, providenciar, junto dos clientes, pela adequada exposição dos produtos, manter nos seus armazéns um stock mínimo de produtos da Ré, ter permanente disponibilidade de meios humanos, equipamentos e materiais para levar a cabo as suas atribuições, utilizar veículos com capacidade adequada para o efeito e informar a A., sempre que para tal solicitada, sobre os desenvolvimentos do processo de distribuição dos produtos, nomeadamente sobre as vendas efectuadas, stocks disponíveis em armazém e movimentos contabilísticos e sobre a listagem dos clientes, com a respectiva identificação e os consumos correspondentes – resp. às bases 5ª a 11ª;

7 - Em contrapartida, a Ré obrigou-se perante a A. a garantir-lhe “o exclusivo” da distribuição dos seus produtos na área geográfica que lhe foi atribuída, com excepção das vendas efectuadas às grandes superfícies comerciais, retalhistas ou grossistas, e às cadeias organizadas e centrais de compras de pequenos e médios estabelecimentos comerciais, abstendo-se de, por si ou por intermédio de outrem, vender os seus produtos na citada área, obrigando-se ainda a vender à A. os seus produtos em conformidade com a tabela de preços e promoções da “BB” em vigor e a conceder-lhe diversos descontos e incentivos, a saber: “Fee” ou “Desconto Comercial”, “Rappel”, “Investimento à Força de Vendas”, “Abono de Transporte”, “Clientes Especiais/Escolas” e “Desconto Financeiro” – resp. às bases 12ª a 15º;

8 - No inicio de 2003, a Ré adoptou um novo modelo de organização da sua cadeia de distribuição e que consistia na criação de um novo tipo de distribuidores, denominados “distribuidores estratégicos”, os quais, subsistindo os distribuidores tradicionais do canal “H…”, assumiriam a função de intermediar as relações entre eles e a Ré, competindo-lhes, além da distribuição que já faziam junto dos seus clientes, fornecer os produtos da Ré aos restantes distribuidores – resp. às bases 16ª a 18ª;

9 - Nesse novo modelo foram criados 11 distribuidores estratégicos para a cobertura integral do território nacional e 41 distribuidores tradicionais – resp. à base 19ª;

10 - Porque apresentasse bons resultados comerciais, a A. foi nomeada distribuidor estratégico e a sua área geográfica foi alargada aos concelhos de Barcelos, Vieira do Minho e Terras de Bouro – resp. às bases 20ª e 21ª;

11 - Entre 1 de Janeiro de 2001 e inícios de Abril de 2006, a A. mudou para instalações mais amplas e adquiriu veículos para fazer face às necessidades decorrentes da distribuição dos produtos da Ré – resp. à base 22ª;

12 - Paralelamente, fez ainda um exaustivo trabalho de prospecção de mercado, difundindo os produtos da Ré entre todos os clientes “H…” e estabelecimentos de venda a retalho existentes na respectiva área geográfica, cumprindo todas as orientações da Ré quanto à apresentação e preço de venda dos produtos, divulgando junto dos clientes as promoções e campanhas lançadas pela Ré e cumprindo as orientações desta relativamente a clientes estratégicos, nomeadamente estabelecimentos de ensino pré-escolar, básico, secundário e universitário – resp. às bases 23ª a 26ª;

13 - Forneceu sempre à Ré as listagens de clientes e informações que esta lhe solicitou – resp. à base 27ª;

14 - E seguiu as instruções recebidas da Ré para atingir os objectivos de vendas desta – resp. à base 28ª;

15 - Introduziu na sua área exclusiva vários produtos lançados pela Ré com uma nova imagem, bem como novos produtos entretanto criados pela Ré, nomeadamente o “BB P…”, o “I… T..”, o “I.. J…” e o “F... S..”, de acordo com a discriminação efectuada no artigo 46º da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido – resp. às bases 29ª e 30ª; 

16 - Conseguiu conquistar 2.700 novos clientes que, de forma habitual, passaram a adquirir produtos da Ré – resp. à base 31ª;

17 - A actividade desenvolvida pela A. contribuiu para um acréscimo de mais de 100% do volume de vendas da Ré na área geográfica que lhe estava adstrita, realizando nos anos de 2001 a 2005 e nos primeiros cinco meses de 2006 negócios no valor de €886.844,20, €535.251,37, €1.174.466,86, €1.422.419,54, €1.102.740,25 e €332.718,11, respectivamente - – resp. às bases 32ª e 33ª;

18 - Durante esse período a A. recebeu da Ré, em descontos e outros incentivos, quantias equivalentes à aplicação de uma percentagem de 20,86% ao volume de negócios de produtos “BB” por si realizado – resp. à base 34ª;

19 - A partir do início do mês de Abril de 2006, a Ré começou a contactar os clientes da área exclusiva da A e a vender-lhes directamente os seus produtos, beneficiando do esforço da A. na implantação dos novos produtos lançados durante o citado lapso de tempo e na consolidação das vendas dos existentes à data do seu inicio, bem como do aumento considerável de exposição e visibilidade e do fluxo constante de vendas dos produtos por ela conseguidos e da informação obtida pela A. sobre os comportamentos de mercado na zona, o que lhe permite alcançar quotas progressivas de escoamento dos seus produtos – resp. às bases 35ª a 39ª;

20 - Por carta registada com aviso de recepção datada de 2 de Maio de 2006, a A. instou a Ré a esclarecer se correspondia ou não à verdade que a mesma estaria a contactar clientes por si angariados e a vender-lhes produtos cuja distribuição lhe estava cometida e, no caso afirmativo, se tal consubstanciava uma resolução do contrato de distribuição exclusiva celebrado – alínea E) da mat. facto assente;

21 - A Ré respondeu à A. através da missiva inserta a fls. 18, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde, além do mais, refutava a existência de qualquer contrato de distribuição exclusiva entre ambas – alínea F) da mat. facto assente;

22 - Por carta registada com aviso de recepção datada de 29 de Maio de 2006, a A. comunicou à Ré que, em função da posição assumida por esta na carta antecedente, considerava resolvido o contrato celebrado e que não prescindia da indemnização de clientela que, por virtude dele, lhe era devida – alínea G) da mat. facto assente;

23 - O termo do relacionamento comercial que mantinha com a Ré privou a A. de auferir os descontos e incentivos que esta lhe concedia em função das vendas efectuadas e de usufruir dos benefícios que o aumento do volume de negócios na zona lhe proporcionaria – resp. às bases 40ª e 41º;

24 - As compras efectuadas pela A. à Ré durante o mês de Maio de 2006, tituladas pelas facturas números …, …, …, … e …, referidas em C), conferiam-lhe, nos termos do acordo efectuado entre ambas, direito a descontos e incentivos no valor de €2.465,11, dos quais €1.604,00 correspondiam a “Investimento à Força de Vendas”, €377,27 a “Rappel” e €483,84 a “Diferenças de Preços” – resp. à base 42ª;

25 - Esses descontos e incentivos eram creditados à A. no mês posterior àquele a que diziam respeito – resp. à base 44ª;

26 - Não obstante as datas nelas apostas como datas de vencimento, a A. não estava vinculada a pagar as facturas emitidas pela Ré, incluindo as referidas na alínea C) da matéria de facto assente, nessas datas, mas antes nas datas que casuisticamente ambas iam estabelecendo, por regra dentro dos três meses subsequentes às respectivas datas de emissão – resp. às bases 45ª e 46ª;

27 - Esse sistema vigorou ao longo de todo o relacionamento mantido entre A. e Ré, de tal modo que aquela sempre beneficiou de um desconto, designado por “desconto financeiro” ou “desconto de pronto pagamento”, que esta efectuava quando as facturas eram pagas atempadamente – resp. à base 47ª;

28 - Por carta registada com aviso de recepção datada de 6 de Outubro de 2006, a Ré instou a A. a proceder ao pagamento da quantia de €205.155,75, emergente de fornecimentos por si efectuados e cujo prazo de pagamento já se encontrava esgotado – alínea H) da mat. facto assente.

29- A autora sempre vendeu nessa área produtos de empresas concorrentes da ré , designadamente da “ U…” e da P….

 30. A autora deixou de pagar à ré os fornecimentos de produtos adquiridos a partir de 10.3.2006 (facturas a fls. 81 e segs.).

31º - E, depois de acumular a dívida titulada pelas facturas a que se refere a al. C) da matéria de facto assente, deixou de fazer encomendas à ré.

 Apreciando:

Como é sabido, é pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, salvo as questões de conhecimento oficioso.

  No presente recurso surge-nos como questão fulcral a dirimir, saber  se a norma do art. 4º do DL nº 178/86 de 3/7 ( referente ao contrato de agência))  que prevê a existência de acordo escrito das partes para a concessão do direito exclusivo a favor do agente , se aplica analogicamente ao contrato de concessão / distribuição ou, se para  este contrato basta a prova testemunhal conjugada com outros meios probatórios   para ser provada a exclusividade

            A 1ª instância baseando-se na prova testemunhal deu como provado o quesito atinente a tal matéria, resposta que não mereceu acolhimento por parte do Tribunal da Relação , que invocando o disposto no  citado art. 4º do citado DL 187/86 de 3/7 considerou  que também para o contrato de concessão / distribuição a cláusula de exclusividade deve ser reduzida a escrito, não sendo admissível para esse efeito a prova testemunhal invocando para esse efeito o disposto no art. 393 nº1 do C. Civil.

            Vejamos, antes de mais, o que vem provado sobre o contrato em apreço:

            As instâncias em função do que foi provado concluíram que entre a A e Ré foi celebrado um contrato de concessão comercial.

            Para essa conclusão tiveram seguramente como base os seguintes factos:

            Por acordo verbal efectuado em Novembro de 2000 e cujo início de vigência foi diferido para o dia 1 de Janeiro de 2001, a A obrigou-se, em seu nome e por conta própria , a distribuir e vender produtos da Ré , designados por sumos “ BB” das sub- famílias “ C…”, “L…”, “V…” e “ Z..” , bem como águas “ F...” na área dos concelhos de Braga, Amares, Vila  Verde , Póvoa do Lanhoso, Guimarães e Fafe  e junto de hotéis , restaurantes , cafés e estabelecimentos comerciais de venda a retalho aí existentes , designados por “ H…” , vinculando-se a efectuar o máximo possível de compras de produtos da Ré e de os revender , de modo a cobrir as necessidades de mercado na citada área geográfica , cumprindo os objectivos comerciais traçados pela Ré em termos de preço de venda , apresentação do produto  no mercado, acções promocionais por ela programadas , designadamente mediante a afixação nos locais de venda dos materiais publicitários que a mesma lhe fornecia e divulgando e esclarecendo junto dos clientes , todas as campanhas , promoções e novos lançamentos de produtos  “BB” - cfr. respostas aos ats. 1º a 4º da base instrutória;

            Competia-lhe ainda adoptar as orientações da Ré quanto às formas de penetração no mercado e à actividade a desenvolver junto de determinados segmentos de mercado e clientes estratégicos, bem como  proceder a um permanente levantamento do mercado entabulando negociações com potenciais clientes , providenciar , junto dos clientes , pela adequada exposição dos produtos , manter nos seus armazéns um stock mínimo de produtos da Ré, ter permanentemente disponibilidade de meios humanos, equipamentos e materiais para levar a cabo as suas  atribuições , utilizar veículos com capacidade adequada para o efeito e informar a A sempre que para tal solicitada, sobre os desenvolvimentos do processo de distribuição dos produtos , nomeadamente sobre as vendas efectuadas , stocks , disponíveis em armazém e movimentos contabilísticos e sobre a listagem dos clientes, com a respectiva identificação e os consumos correspondentes – cfr. respostas aos artigos 5º a 11 da BI;

            A respeito da cláusula de exclusividade, como acima se referiu, verificou-se  divergências nas instâncias enquanto a 1ª instância deu como provado a  obrigação da parte da Ré em garantir  à A a “ exclusividade “  da distribuição dos seus produtos na área geográfica que lhe havia sido atribuída, a Relação não deu como provada essa garantia de exclusividade ( cfr. sentença da 1 ª instância e Acórdão recorrido).

            As partes qualificaram o contrato em apreço como de concessão comercial que, como é sabido, é um contrato atípico e inominado, modalidade dos contratos de cooperação  comercial, mormente, na vertente de contratos de distribuição.

            Trata-se de um contrato consensual, na medida em que a “ validade da declaração negocial, não depende de observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir.”( cfr. art. 219 do C. Civil ).

            Acerca do regime de concessão  Menezes  Cordeiro in “ Manual  de Direito Comercial  2007, pag. 678 refere:

O contrato de concessão não tem base legal directa. Estamos perante uma figura assente na autonomia privada. À partida, trata-se de um contrato que não está sujeito a qualquer forma solene. Pode ser meramente verbal ou pode resultar de condutas concludentes .

            Para além disso, o seu regime resultará, antes de mais, da interpretação e da integração do texto que tenha sido subscrito pelas partes.

            No que as partes tenham deixado em aberto, haverá que recorrer à analogia. O  Direito comparado há muito estabelece neste domínio, o recurso ao regime da agência”.

            Engrácia Nunes  in  “  Direito dos Contratos  Comerciais” – Almedina – Setembro de 2009 .na pag. 447 refere “ Antes de mais , o contrato de concessão comercial constitui um contrato- quadro ( “ Rahmenvertrag” “ contrat-quadre”) no sentido em que visa criar e disciplinar uma relação jurídica de colaboração estável e duradoura entre as partes , cuja execução se traduz na celebração futura entre estas de sucessivos contratos de compra e venda”.

            Também António Pinto Monteiro in “ Contrato de Agência , 4ª ed. , 2000, pag. 49  diz que “ É a concessão um contrato-quadro ( “ Rahmenvertrag” “ contrat-cadre”) que faz surgir entre as partes uma relação obrigacional complexa , por força do qual uma delas , o concedente, se obriga a vender à outra, o concessionário, e esta a compra-lhe , para revenda, determinada quota de bens, aceitando certas obrigações (mormente no que concerne à sua organização , à política comercial e  à assistência a prestar aos clientes ) e sujeitando-se a um certo controlo  de fiscalização do concedente.

            Como contrato- quadro , o contrato de concessão comercial funda uma relação de entre as partes, pelos quais o concedente vende ao concessionário , para revenda, nos termos previamente fixados, os bens que este se obrigou a distribuir”.

            Abílio Neto in Código Comercial e Contratos Comerciais Anotado Setembro /2008 pag. 583  escreve:

O contrato de concessão comercial tem como elementos caracterizadores :(a) o carácter duradouro do contrato ( a estabilidade do vínculo); (b) actuação autónoma do concessionário , em nome próprio e por conta própria ( tansferindo - se o risco do produtor para o distribuidor); (c) objecto imediato: bens  produzidos ou distribuídos pelo concedente ;(d) obrigação do concedente celebrar, no futuro sucessivos contratos de venda ( o dever de venda dos produtos a cargo do concedente ) ; € obrigação do concessionário de celebrar - no futuro - sucessivos contratos de compra ( o dever de aquisição impendente sobre o concessionário) ; ( j) o dever de revenda por parte do concessionário dos produtos que constituem o objecto do contrato, na zona geográfica ou humana a que o mesmo se refere ; (g) obrigação do concessionário orientar a sua actividade empresarial em função das finalidades do contrato e do concedente fornecer ao concessionário os meios necessários ao exercício da sua actividade ; (h) exclusividade (na maioria dos casos)( Maria Helena Brito “ O contrato d e Concessão”  pags. 179 a 184 ;  José Alberto Coelho Vieira “ O contrato de Concessão Comercial “ AAFDL , 1991, pag. 15) 

            Feito este percurso a respeito do enquadramento do contrato concessão comercial, a questão principal que nos é colocado é respeitante à aplicação analógica da citada norma do ar. 4º do Dl 178/86 relativamente   à forma da cláusula da exclusividade.

            O Acórdão recorrido recorrendo à analogia e estendendo a exigência de “ acordo escrito” para a exclusividade para o contrato de concessão comercial  concluiu que “ inexistindo qualquer escrito em que as partes tenham convencionado o direito da autora revender em exclusivo a marca BB , na área geográfica e segmento de mercado em que efectuava a distribuição do produto, é nula a resposta dada ao quesito 12º , por ter assentado na prova testemunhal , que no caso é inadmissível  ex vi do art. 393 nº1 do CC .

            E foi com base neste entendimento  em sede de impugnação da matéria de facto relativamente ao quesito 12º, que questionava a “ exclusividade”, que   o Acórdão recorrido não reapreciou a prova testemunhal ( cfr. Acórdão na pag. 818) invocando, para o efeito, o nº1 do art. 393 do C. Civil. 

            Como resulta do art. 217 do C. Civil:

1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita; é expressa, quando feito por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, revelam.

2.  O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração  se deduza”

            Em matéria de validade da declaração negocial vale o princípio da liberdade de forma  consagrado no art. 219 do C. Civil, segundo o qual “ a validade  da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir “.

            Daqui resulta que as exigências de forma, são excepcionais.

            O Acórdão recorrendo ao art. 4º do DL 178/86 de 3/7 relativo ao contrato de agência que exige “acordo escrito das partes a concessão do direito exclusivo a favor da agente” aplicou  analogicamente este preceito ao contrato de concessão comercial , aqui em causa e alterou a matéria de facto que vinha fixada da 1ª instância, expurgando o facto elencado sob o nº 7   da expressão “ o exclusivo” da distribuição dos produtos da Ré na área geográfica.

            E pergunta-se, num contrato  de concessão comercial , como o dos presentes autos, poder-se-á , para efeitos de prova de “cláusula de exclusividade “  recorrer ao disposto no art. 4º do citado Dl 178/86   relativo ao contrato de agência, que  a respeito   do agente exclusivo, depende de “acordo escrito das partes a concessão do direito exclusivo.”

            A respeito da aplicação analógica do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial /distribuição , António Pinto Monteiro  in Contratos de Distribuição Comercial   refere:

É metodologicamente correcto, perante um contrato legalmente atípico, atender às regras dos contratos mais próximos, às regras daqueles contratos que tenham a sua disciplina fixada na lei e possam aplicar-se aos contratos de concessão e de “ franching” por analogia .

 Ora, a este respeito, como temos dito, de há muito entendemos ser o contrato de agência aquele cujo regime se mostra mais vocacionado, à partida, para se aplicar ao contrato de concessão.

É significativo que o preâmbulo do Decreto-Lei nº 178/86 dê expressamente conta da posição que põe em relevo «a necessidade de se lhe aplicar, por analogia – quando e na medida em que ela se verifique-o regime de agência, sobretudo em matéria de cessão do contrato . ( cfr. Preâmbulo , nº4 , último parágrafo). É esta a posição que a jurisprudência vem adoptando e se tornou dominante também na doutrina. Tal como no direito comparado.

            E ainda sobre a questão o citado Autor in ob. cit   pag. 67 e segs. “ É  claro que o concessionário , do mesmo modo que o franquiado mas ao contrário do agente , é um comerciante que” grosso modo” compra para revenda e actua por conta e em nome próprio . Mas isso não obsta a que, no plano interno, no plano das suas relações com o concedente ( ou com o franquiador) o concessionário ( ou o franquiado)actue de modo muito semelhante ao agente e cumpra a mesma função económica social deste”.

            Ora, do que se trata é de saber se a esta relação poderá aplicar-se o regime do contrato de agência.

            E acrescenta o  Autor “ é necessário averiguar , em cada caso, se a norma que se pretende aplicar permite uma aplicação analógica , o que implica ponderar se a sua ratio se adequa a um concessionário ( ou a um franquiado) … . Ter-se-á que a averiguar também , relativamente à norma cuja aplicação se pretende , se a analogia é possível, se a ratio legis é compatível ou se adequa a um concessionário ( ou franquiado) .Pois bem pode acontecer que o concessionário tenha tido funções muito semelhantes e uma actuação equiparável à de um agente mas, apesar disso, não possa beneficiar em concreto , da aplicação de determinada norma da lei da agência, por essa norma não se ajustar ao contrato de concessão ( ou de franquia) . Assim , parece que o concessionário não poderá reclamar a comissão prevista para o agente exclusivo no caso de violação do direito deste – tal como , de resto, nos parece difícil compatibilizar as normas sobre a comissão de agente com a actividade do concessionário , que compra para revenda , consistindo o seu benefício no lucro obtém.

 Já as normas sobre a cessação do contrato de agência nos parece perfeita mente adequados à concessão e ao “franchising”, sendo no entanto muito discutida a aplicação das normas sobre a indemnização de clientela”.

    Significa que, segundo o citado Autor, a referida aplicação analógica do regime do contrato de agência implica averiguar cada caso e neste particular, se a norma em questão se ajusta ao caso dos autos. É também  este o entendimento que, aqui, se perfilha .

            Ora, em termos do próprio contrato de concessão vem provado que “ por acordo verbal efectuado em Novembro de 2000 e cujo início de vigência foi diferido para o dia 1 de Janeiro de 2001, a A obrigou-se , em seu nome e por conta própria , a distribuir e vender produtos da Ré, designados por sumos BB… na área dos concelhos de Braga , Amares, Vila Verde, Póvoa Lanhoso, Guimarães e Fafe e junto de hotéis, restaurantes e cafés e estabelecimentos comerciais de venda a retalho aí existentes designados por “ H…” vinculando-se a efectuar o máximo possível de compras de produtos da Ré e de os revender , de modo a cobrir as necessidades de mercado na citada área geográfica, cumprindo os objectivos comerciais traçados pela Ré  em termos de preço de venda , apresentação do produto no mercado, acções promocionais e genericamente tudo o que estivesse relacionado com os clientes e consumidores das suas marcas e produtos , seguindo as directrizes da Ré .

            Ora o art.1º nº1 do Decreto-Lei nº 178/86 de 3/7 define o contrato de agência como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes “ .

            E  a existência do agente exclusivo no art. 4º do citado DL  “ depende de acordo escrito das partes a concessão  do direito de exclusivo a favor do agente”.

            Ora, fazendo o confronto destas normas com o contrato de concessão comercial que liga a Autora e a Ré, o contrato de agência surge-nos, aqui, manifestamente desajustado e desadequada e desapropriado à realidade negocial das partes aqui em questão.

            Na verdade a Autora obrigou-se em seu nome e por conta própria, a distribuir e vender produtos da Ré ,  o que  reconheça-se não se ajusta ao contrato de agência  que vem  definido no citado art. 1º nº1 do DL 178/86.

            E sendo assim , não se mostra adequado para provar que a Ré se obrigou perante a autora a garantir-lhe “ o exclusivo” da distribuição dos seus produtos , recorrer analogicamente ao  art. 4º do citado diploma ( referente a agente exclusivo) exigindo para o contrato em apreço nos autos  acordo escrito, tanto mais que vem provado que a autora sempre vendeu nessa área produtos de empresas concorrentes da Ré, designadamente da “ U…” e da “P…”.

            Isto para dizer que não se pode exigir em termos de forma (declaração negocial) para o contrato de concessão comercial dos presentes autos, o mesmo regime do agente exclusivo a que alude  o art. 4º do DL 178/86.

            E , por isso , atento o contexto negocial em que se desenvolve o contrato de concessão comercial celebrado pelas partes, (  na verdade, a actuação - comportamento contratual da autora - não  apresentava qualquer semelhança com o comportamento de um “ agente exclusivo”)   não era necessário “ acordo escrito” para se provar  “que a Ré garantiu à A  a exclusividade da distribuição dos seus produtos na área geográfica que lhe foi atribuída”.

  E, por isso, não se podia desvalorizar a prova testemunhal a ponto de o Acórdão recorrido não a reapreciar, por entender, à luz do citado art. 4ºdo DL 178/86  (analogicamente aplicado)  a mesma inadmissível, nos termos do art. 393 nº1 do CC.

Segundo o nº2 do art. 722 do CPC “ o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

            Houve, no caso em apreço, por parte do Acórdão recorrido ofensa ao direito probatório, quando não reapreciou a prova testemunhal.

            Como é sabido, neste domínio a intervenção do STJ está limitada aos casos  previstos no nº2 do art.722 e no nº2 do art. 729 do CPC ou seja a situações em que o erro no julgamento do facto resulta, não de uma  desajustada ponderação de provas produzidas , à luz do princípio da livre apreciação ( art. 655do CPC) , mas de uma incorrecta aplicação de critérios legalmente definidos relativamente à sua admissibilidade ou ao seu valor ( cfr. Ac. STJ de 21.11.2006,31/5/2007,26.06.2008 disponíveis in www.dgsi.pt como processos nº 06B2641,07B1333 e 07B335).

 Significa que tendo o tribunal ofendido “ uma disposição expressa da lei certa espécie de prova para existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” para que na revista , o STJ possa corrigir qualquer “ erro na apreciação de provas ou na “ fixação dos factos materiais da causa”.

            É o que se passa com a decisão do Acórdão recorrido, que se enquadra precisamente  na excepção referenciada no citado nº2 do art. 722 do CPC, quando não admitiu para a matéria dos quesitos 12º e 13º a prova testemunhal , exigindo para esse efeito  “ acordo escrito” .

            Em face do exposto, impõe-se que o processo volte ao Tribunal da Relação para aí  se reapreciar toda a prova produzida ( inclusive testemunhal)  relativamente aos apontados quesitos relacionados com os factos elencados sob o nº7.

 III Decisão:

            Nesta conformidade e considerando o exposto, concedendo revista, ordena-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação afim de aí ser reapreciada  toda a prova produzida ( inclusive ) testemunhal relativamente aos quesitos 12º e 13º e relacionados com os factos elencados sob o nº7.

            Custas pelo vencido a final

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Outubro de 2011

Tavares de Paiva (Relator)

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva