ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
19/08.3TVLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 11/15/2011
SECÇÃO 6.ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR MARQUES PEREIRA

DESCRITORES DESPORTO
CONTRATO DE MANDATO
CONTRATO DESPORTIVO
EMPRESÁRIO DESPORTIVO
FALTA DE REGISTO
NORMA IMPERATIVA
NULIDADE DO CONTRATO
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-4-2006, CJ ACÓRDÃOS STJ ANO XIV, TOMO II, P. 44 E SS.;
-DE 27-9-2007, CJ ACÓRDÃOS STJ, ANO XV, TOMO III, P. 64;
-DE 19-02-2008, PROCESSO N.º 07A4529, EM WWW.DGSI.PT .

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 14-10-2008, PROC. 7929/08, ACIMA CITADO


SUMÁRIO I - Os empresários desportivos que pretendem exercer a actividade de intermediários desportivos na contratação de praticantes desportivos, devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade e, nas federações desportivas onde existam competições de carácter profissional, igualmente junto da respectiva liga.

II - Essa obrigação legal impende sobre os empresários desportivos, seja quando os seus serviços são requisitados pelos jogadores, seja quando são requisitados pelos clubes/sociedades desportivas.

III - O contrato celebrado entre um empresário desportivo, não inscrito no registo, e uma sociedade desportiva, nos termos do qual, o primeiro se obriga, simplesmente, a prestar à segunda os seus serviços na negociação da contratação de um determinado jogador de futebol, mediante uma remuneração a pagar pela mesma sociedade desportiva, por celebrado contra disposição legal de carácter imperativo, deve considerar-se nulo.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, Agentes Desportivos, Lda., com sede na Rua A... N..., n.º ... -A, Quinta do L..., Lisboa, propôs procedimento de injunção, sob o n.º 140.655 (com a data de entrada de 08/10/2007, na Secretaria Geral de Injunções de Lisboa), contra Os BB - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, com sede no Estádio do R..., Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia total de € 202.684,00 sendo € 200.000,00 a título de capital, € 1.916,00 a título de juros vencidos, desde 20-8-2007 até 8-10-2007, além de € 768,00, de taxa de justiça, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento.
Alegou ter celebrado com a Ré um protocolo de acordo, mediante o qual esta se comprometeu a liquidar-lhe a quantia correspondente a 10% do valor líquido que viesse a receber pela cedência definitiva do jogador CC a um terceiro clube ou sociedade desportiva.
Que realizada a cedência, a Ré recebeu já € 2.000.000,00 parte do valor total. No entanto, interpelada, a Ré ainda não liquidou a percentagem de 10% desse valor, a que se vinculou.
A essa quantia percentual em divida, de € 200.000,00, acresce o montante de juros vencidos de € 1.916,00 e dos juros vincendos até integral pagamento.

A Ré deduziu oposição, concluindo, no essencial, que:
Deve a excepção de nulidade do contrato outorgado entre as partes, ser julgada procedente por provada, absolvendo-se a Sociedade Requerida do pedido;
Para o caso de assim não se entender, deve:
1) Ordenar-se a extracção de certidão do requerimento de injunção apresentado, bem como desta contestação e da certidão comercial da requerente, com vista à sua remessa aos Serviços do Ministério Público, a fim de ser intentada a inevitável acção de declaração de nulidade do contrato de sociedade da requerente, a sua anulação e a entrada da sociedade em liquidação, nos termos e com os efeitos previstos nos arts. 44, n.º 2, 52, n.º 1 e 3 e 165, todos do Código das sociedades Comerciais;
2)Determinar-se a suspensão dos presentes autos, nos termos dos arts. 97 e 279, n.º 1 e 2, a qual deverá vigorar até ser proferida sentença definitiva quanto á nulidade do contrato de sociedade da requerente, em virtude da procedência dessa acção poder implicar a ineficácia dos negócios celebrados pela requerente e, inclusive, do negócio “sub judice”, constituindo, por isso, questão prejudicial ao prosseguimento desta acção;
E)Sendo que na hipótese de nenhuma das excepções proceder e, por hipótese, se vier a reconhecer que a sociedade requerente teria o estatuto de “empresário desportivo”, deverá sempre ser julgada procedente a excepção de incompetência deste Tribunal, por preterição do Tribunal Arbitral, acordado nos termos dos art. 61 e 74 dos Estatutos da FPF, 22, n.º 1 do Regulamento relativo aos Agentes de Jogadores, ao abrigo do disposto no art. 209, n.º 2 da constituição da Republica portuguesa e Lei 31/86, de 29 de Agosto, absolvendo-se a Requerida da instância;
F)No entanto, por mero absurdo, caso assim não se entenda, sempre deverá a ser reconhecida a inexigibilidade da quantia reclamada, julgando-se a presente acção não provada e improcedente, absolvendo-se a Requerida Os BB, sociedade desportiva de Futebol, sociedade desportiva de futebol SAD do pedido.

Remetidos à distribuição, os autos prosseguiram como acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário (sendo distribuído às Varas Cíveis de Lisboa).

A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções alegadas na contestação.
Requereu a ampliação do pedido, pedindo a condenação da Ré a pagar mais a quantia de € 75.000,00 acrescida de juros vencidos desde 31-12-2007, até integral pagamento, à taxa de 11,2% ao ano, nos termos do Aviso n.º 2152/2008 da DGT, publicado no DR de 28/01/2008, alegando para esse efeito que o Atlético O... pagou entretanto à Ré, pela transferência do jogador D..., a quantia de € 750.000,00.
Pediu, ainda, a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e indemnização a fixar pelo tribunal.

A Ré treplicou.

A Autora apresentou novo requerimento de ampliação do pedido, pedindo a condenação da Ré a pagar mais € 75.000, acrescida essa quantia de juros vencidos desde 01-07-2008, até integral pagamento, à taxa de 11,07 % ao ano, nos termos do Aviso n.º 1995/2008, publicado no DR, de 14 de Julho de 2008, alegando para o efeito que em 1 de Julho de 2008 se venceu uma nova prestação, tendo a Ré recebido a última tranche, também no montante de € 750.000, pelo que o crédito da Autora sobre a Ré acresceu em € 75.000,00.

A Autora propôs contra a Ré outro procedimento de injunção, com o n.º 141.148, com a mesma data de entrada na Secretaria Geral de Injunções de Lisboa (08/10/2007), pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 5.608,87, sendo € 4.969,87 a título de capital e € 543,00, a título de juros vencidos, desde 14-3-2006 até 8- 10-2007, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento.
Alegou ter celebrado com a Ré um protocolo de acordo, mediante o qual, a Ré entregou à Autora duas letras que esta aceitou, para titular duas prestações pecuniárias que a Ré se obrigou a pagar à Autora. Os encargos bancários resultantes do desconto bancário de uma das letras ficaram a cargo da Ré conforme estipulado na cláusula 1.ª, n.º 4 do referido acordo.
Que apesar interpelada para o pagamento dessas despesas, e tendo emitido as respectivas facturas (desde 14-3-2006 até 24-4-2007), a Ré não pagou a quantia em dívida.

A Ré deduziu oposição, por excepção e por impugnação, em termos idênticos à oposição apresentada no processo principal.
Deduziu ainda reconvenção, pedindo a condenação da Autora a reembolsar a Ré no valor de € 92.500, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.
Alegou que no âmbito do mencionado acordo celebrado em 7-1-2006 a Ré entregou à Autora a quantia de € 92.500,00.
Sendo o contrato em causa, de que emerge a obrigação de pagamento da quantia reclamada e das letras de câmbio, nulo, a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

Foi determinada a apensação aos autos da acção n.º 156/08.4YXLSB, que corria termos pelo 8.º Juízo Cível de Lisboa, 3.ª secção, que passou a constituir o apenso A.

Admitiu-se o pedido reconvencional;
Indeferiu-se o pedido de suspensão da instância formulado pela Ré;
Ordenou-se a extracção de certidão das peças processuais indicadas a fls. 19 e a respectiva remessa aos serviços do Ministério Público, como foi requerido na oposição.
Efectuou-se a selecção da matéria de facto.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

Proferiu-se sentença, na qual, após se declarar improcedente a excepção dilatória da incompetência do tribunal, por preterição de tribunal arbitral necessário, se julgou a acção procedente, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia:
a) de € 350.000, a título de capital (200.000,00 + 75.000,00 + 75.000,00);
b) correspondente aos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia de € 200.000,00 referida na alínea anterior, às sucessivas taxas supletivas legais previstas para os juros civis, contados desde 20 de Agosto de 2007 até integral pagamento;
c) correspondente aos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia de € 75.000, referida na alínea a), às sucessivas taxas supletivas legais previstas para os juros civis, contados desde a notificação da réplica até integral pagamento;
d) correspondente aos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia de € 75.000, referida na alínea a., às sucessivas taxas supletivas legais previstas para os juros civis, contados desde a notificação do requerimento de fls. 175 até integral pagamento;
e) de € 4.969,87, a título de despesas com o desconto bancário de uma letra;
f) correspondente aos juros de mora, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia de € 4.969,87 referida na al. e), contados desde a citação até integral pagamento.
Julgou-se improcedente a reconvenção, absolvendo-se a Autora do pedido reconvencional.
Entendeu-se não haver elementos para condenar a Ré, como litigante de má fé.

A Ré apelou de tal sentença para a Relação de Lisboa, que, após confirmar a decisão da 1.ª instância quanto à improcedência da excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral necessário, na procedência da apelação, revogou a sentença recorrida, declarando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido.
Não se pronunciou o acórdão da Relação sobre a decisão de absolvição da Autora do pedido reconvencional (não incluída no objecto do recurso, como resulta, tacitamente, das conclusões da alegação da recorrente).

Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, apresentando, na sua alegação, as seguintes conclusões:
A) Contrariando o sentido da decisão de 1.ª instância, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou, no acórdão recorrido, que o contrato [denominado pelas partes por "protocolo de acordo' celebrado entre a A. e a R. é nulo e, para além disso, entendeu que o art. 1.° da base instrutória contém matéria conclusiva, razão pela qual o suprimiu da base instrutória;
B) O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que o protocolo de acordo é nulo em razão de a Autora não se encontrar registada como empresária desportiva na Federação Portuguesa de Futebol e, portanto, estava-lhe vedada a prestação de serviços objecto de tal contrato;
C) Na sentença de 1.ª Instância considerara-se que as partes reconheciam a existência de um acordo "relativo aos serviços prestados pela segunda contraente [autora] à primeira [ré] relativos à contratação de CC; ... profissionalmente conhecido por ''D...”; nos termos do qual «como contrapartida pelos serviços prestados pela segunda contraente na negociação da contratação do Jogador pela Primeira Contraente; a primeira contraente compromete-se a pagar à segunda contraente a quantia global ilíquida de € 92.500/00 (noventa e dois mil e quinhentos euros)”, valor que foi pago nos termos e prazos definidos na cláusula 1.ª, pontos 1 e 2;
D) Para além disso, no mesmo protocolo de acordo, as partes previram que "Para além da quantia supracitada, a Primeira Contraente compromete-se a pagar à Segunda Contraente a quantia correspondente a 10% do valor líquido que venha a receber pela cedência definitiva dos direitos ... »;
E) Considerou a sentença de 1.ª instância que o protocolo de acordo não refere que a Autora se tivesse proposto ou que tivesse intermediado ou representado o aludido jogador, sendo certo que o contrato em causa apenas previu, de forma genérica, “a prestação de serviços pela autora na negociação da contratação de um desportista profissional mas não que fosse a autora a intermediar a contratação daquele desportista pela Ré ou que tenha intervindo naquela contratação em nome e por conta do referido desportista”;
F) Neste sentido, concluiu que "estamos perante um contrato inominado de prestação de serviços desportivos, modelado por usos sociais atendíveis, em que a autora interveio enquanto gestora da carreira do jogador de futebol;
G) A Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, define empresário desportivo como “a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos sendo que, nos termos do n.º 1 do art.° 22, “só podem exercer a actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes";
H) A Lei n.º 28/98 aplica-se aos contratos celebrados entre os empresários desportivos e os praticantes desportivos razão pela qual o protocolo de acordo não se encontra abrangido pelo âmbito de aplicação de tal diploma, o qual se circunscreve aos contratos de mandato celebrados directamente com o praticante desportivo, não lhe estando, assim, vedada a possibilidade de prestar serviços a um clube de futebol ou sociedade desportiva, ainda que estes estejam relacionados com a contratação de atletas;
I) Considerou-se no acórdão recorrido que é "claro que a remuneração prevista na aludida cláusula se funda/ não na titularidade dos invocados direitos/ mas na prestação de serviços relativos à negociação de contratos desportivos - ou seja/ de acordo com a supracitada definição legal na actividade/ para a qual aquela se não mostrava habilitada/ de empresário desportivo/; concluindo pela invalidade do c1ausulado em análise e consequente inexistência das obrigações do mesmo emergentes;
J) O facto de a remuneração da Autora decorrer da prestação de serviços relacionados com um contrato de natureza desportiva não significa que tal contrato tenha relevância nos termos e para os efeitos da Lei n.º 28/98, que trata dos contratos de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva;
K) O mero facto de um contrato ter natureza desportiva, caso não consista num contrato de trabalho do praticante desportivo ou num contrato de formação desportiva, não determina, desde logo, que passe a estar abrangido pela Lei n.º 28/98 e, por conseguinte, que não possa ser negociado por qualquer pessoa singular ou colectiva, ainda que não seja empresária desportiva;
L) Para poder celebrar o protocolo de acordo que se encontra junto aos autos, a Autora não carecia de ser empresária desportiva nem de, para tanto, estar licenciada;
M) A Lei n.º 28/98 visa proteger os praticantes desportivos e não os clubes ou as sociedades anónimas desportivas;
N) A declaração de nulidade do protocolo de acordo celebrado entre a Autora e a Ré, com referência à Lei n.º 28/98, carece de base legal;
O) Bem se decidiu na sentença de 1.ª instância que considerou que a Lei n.º 28/98 confina a sua aplicação aos contratos celebrados entre os empresários desportivos e os praticantes desportivos, razão pela qual o contrato junto aos autos não tem objecto contrário à lei.
P) Existem expressões que, mesmo que tenham conotação jurídica, se banalizam de tal forma na comunidade que passam a ser compreendidas e utilizadas com normalidade;
Q) O vocábulo "direitos desportivos" quando reportado a um determinado atleta é, hoje em dia, compreendido pela generalidade dos cidadãos;
R) Qualquer homem médio sabe que um clube, ou qualquer outra entidade, ser titular dos direitos desportivos de um jogador significa ser dono do seu passe com tudo o que isso implica;
S) Devendo ser revogada a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que considerou que o art° 1° da base instrutória que refere que "a Autora era titular dos direitos desportivos do atleta D..., à data do acordo referido em A)" integra apenas matéria de direito;
T) Mesmo que se entenda que o protocolo de acordo se encontra sujeito à disciplina da Lei n.º 28/98, a invocação da nulidade do contrato tem a natureza de excepção peremptória, por consistir na invocação de um facto impeditivo do efeito jurídico da pretensão da Autora;
U) O ónus de prova dos factos impeditivos pertence à parte contra quem é invocada a existência de um determinado direito, ou seja, do facto constitutivo;
V) Competia à Ré alegar e provar que os serviços prestados pela Autora o foram no exercício da actividade de empresária desportiva, o que manifestamente não aconteceu;
W) A conclusão extraída pelo tribunal recorrido apenas poderia ser retirada de factos que, tendo sido alegados e provados, nos reconduzissem a semelhante conclusão,
X) Pelo que, com todo o respeito, a decisão recorrida fez uma errada interpretação da Lei n.º 28/98, devendo, por isso, ser revogada por outra nos termos acima sustentados e que, em rigor, deveria seguir o sentido da decisão da 1.ª instância.

A Ré contra-alegou, concluindo:
A) O Tribunal da Relação de Lisboa entendeu dar provimento ao recurso apresentado pela Ré, decidindo-se pela declaração de nulidade do “protocolo de acordo”;
B)Assim, entendeu o mesmo absolver a Ré de todos os pedidos, julgando improcedente a acção;
C) Decidiu nos termos do referido acórdão, que a nulidade do “protocolo de acordo” se devia ao facto de a Autora não possuir licença, nem se encontrar registada como empresária desportiva, e ainda assim ter praticado actos que apenas competem a estas entidades;
D) Sendo considerado nulo o contrato, consequentemente seriam nulas todas as cláusulas nele constantes, nomeadamente, as remuneratórias, logo tornando inexigíveis as obrigações aí estabelecidas, conforme dispõe o artigo n.º 23°/4 da Lei n.º 28/98, bem como face às consequências previstas nos artigos 285°, 286° e 289° do Código Civil, acrescendo ainda o facto de versar sobre actividade legalmente vedada à Autora na data dos factos, pelo que cabe também aqui aplicação dos artigos 280°/1 e 294° do mesmo Código;
E) O douto acórdão recorrido entendeu que o artigo 1 ° da base instrutória, onde se pode ler “a Autora era titular dos direitos desportivos do atleta D..., à data do acordo referido em A, integra apenas matéria de direito;
F) Ao que acresce ainda que se afigura contrário à Lei, nomeadamente ao disposto no artigo 2° da Lei n.º 28/98, pois a remuneração reclamada tem como fundamento não os direitos desportivos (que aliás não poderia deter, uma vez que apenas os Clubes ou Sociedades Desportivas podem deter os referidos direitos, entendendo­se que os mesmos se referem a direitos de participação e representação desportiva), mas a prestação de serviços relativos à negociação de contratos desportivos, ou seja:
G) Intervindo com empresário desportivo, que de acordo com o conceito previsto no artigo 2° alínea d) da Lei n.º 28/98, será "a pessoa singular ou colectiva, que estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos";
H) Ora, como anteriormente se referiu, à data dos factos, a Recorrente não possuía a referida licença, pelo que praticava actos para os quais não se mostrava legalmente habilitada;
I) A Recorrente interveio no "protocolo de acordo" com dupla qualidade, a de representante do jogador "D..." e de intermediária na contratação do referido jogador pela Recorrida;
J) Enquanto intermediário dir-se-á que a Recorrente prestou serviços, que culminaram na celebração do contrato de trabalho desportivo entre a Recorrida e o jogador "D...";
K) Como representante do jogador, resulta a mesma dos factos provados, nomeadamente do número 8, onde se pode verificar que entre o jogador e a Recorrente existia um contrato de representação, e que pertenceria à Recorrente o direito único e exclusivo de proceder à gestão da carreira do jogador "D...", enunciando os actos nos quais está admitida a sua participação; sendo que os mesmos consubstanciam actos próprios de um empresário desportivo.
L) O "protocolo de acordo" celebrado deve ser subsumido à aplicação da Lei n.º 28/98, tal como correctamente conclui o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão recorrido.
M) A intervenção da Recorrente nas negociações do referido acordo foi efectuada na qualidade de empresária desportiva e não de detentora de direitos desportivos, conforme resulta dos factos provados, nomeadamente o ponto n.º 1 dos mesmos, onde se poderá ler que "como contrapartida pelos serviços prestados pela segunda contraente na negociação do Jogador pela Primeira Contraente". Logo: a remuneração seria a remuneração devida pela representação ou intermediação da Recorrente no contrato celebrado entre a Recorrida e o Jogador "D...".
N) A Recorrente não pode ser detentora de direitos desportivos, uma vez que apenas os Clubes e Sociedades Desportivas podem deter os referidos direitos, entendendo-se que os mesmos se referem a direitos de participação e representação desportiva;
O) A recorrente não podia, à data, praticar actos de empresário desportivo, pois não estava legalmente licenciada ou registada para tal;
P) O “protocolo de acordo” é nulo, não sendo devida qualquer quantia à recorrente, conforme conclui correctamente o Tribunal da Relação de Lisboa.

Foram colhidos os vistos legais.

Matéria de facto dada como provada:
1) No dia 7 de Janeiro de 2006, Os BB, sociedade desportiva de futebol, SAD, por um lado eAA Agentes Desportivos, Lda, por outro, declararam por escrito que intitularam de “Protocolo de Acordo”, nos termos do qual: “(…)
“Os BB” – sociedade desportiva de Futebol, SAD, Pessoa Colectiva n.º ---------, com sede no Estádio do R... em Lisboa, adiante designado por primeira contraente, e por outro AA Agentes desportivos Lda., contribuinte fiscal n.º ----------, com sede na Rua A... N..., n.º ... A, Quinta do L..., Lumiar - Lisboa, representado pelo seu sócio gerente EE, portador do Bilhete de Identidade n.o -------, emitido em 20.01.2004 do Arquivo de Lisboa, adiante designado por segunda contraente,
É celebrado o presente protocolo de acordo relativo aos serviços prestados pela segunda contraente à primeira, relativos à contratação de CC, portador do Bilhete de Identidade n.º -------, emitido a 21.04.05 pelo arquivo de Lisboa, contribuinte fiscal n.º ---------, residente no Bairro do Z..., Rua das M..., lote ..., ....º Esq., A..., profissionalmente conhecido por "D..." e adiante designado neste contrato simplesmente por Jogador, que se regerá pelas cláusulas seguintes:
Primeira
1. Como contrapartida pelos serviços prestados pela segunda contraente na negociação da contratação do Jogador pela Primeira Contraente, a primeira contraente compromete-se a pagar à segunda contraente a quantia global ilíquida de € 92.500,00 (noventa e dois mil e quinhentos euros).
2. A quantia atrás referida inclui já I. V.A. à taxa legal de 21% e será paga, mediante a prévia entrega da respectiva factura, nos seguintes prazos: - € 42.500,00, em 28 de Fevereiro de 2006;
- € 50.000,00, em 31 de Julho de 2006;
3. Com a assinatura deste acordo a primeira contraente entregou à segunda duas letras de Câmbio aceites por si destinadas a titular as duas prestações referidas no numero anterior, com as datas de vencimento atrás enunciadas - cujas cópias se anexam.
4. Os encargos bancários resultantes do desconto bancário da Letra com vencimento em 28 de Fevereiro de 2006 correrão por conta da Primeira Contraente, ficando as despesas bancárias de Letra com vencimento em 31 de Julho de 2006 da exclusiva conta e responsabilidade da Segunda Contraente.
5. Para além da quantia supra citada, a Primeira Contraente compromete-se a pagar à Segunda Contraente a quantia correspondente a 10% do valor líquido que venha a receber pela cedência definitiva dos direitos de representação desportiva do jogador a esse terceiro clube ou sociedade desportiva.
Segunda
Toda e qualquer indemnização pela formação, valorização ou transacção dos direitos de representação desportiva do jogador que venha a ser reclamada por quaisquer terceiros Clubes ou quaisquer outras entidades individuais ou colectivas será da exclusiva conta e responsabilidade da Segunda Contraente, obrigando-se esta a suportar as mesmas, bem como a reembolsar a Primeira Contraente de todas as quantias que eventualmente esta venha a despender a esse título.
Terceira
1. As partes acordam em sujeitar a validade do presente acordo à certificação por parte dos serviços médicos da "Os BB" - S.A.D., e do centro de Medicina Desportiva de Lisboa de que o Jogador reúne todas as condições de saúde físicas indispensáveis para a prática do Futebol.
2. Caso o parecer dos serviços médicos supracitados for em sentido contrário, a primeira contraente poderá resolver unilateralmente este acordo, mediante declaração que fará por escrito à Segunda Contraente, sem que daí resulte a obrigação de a indemnizar seja a que título for, devendo esta devolver, imediatamente, todas as quantias entretanto já pagas e designada mente as Letras de Câmbio mencionadas soba o n. o 3 da cláusula primeira.
Lisboa 7 de Janeiro de 2006 ( ... )".
2) A Ré vendeu os direitos desportivos do Jogador D... (CC) ao Clube Atlético O..., pelo montante de € 3.500.000,00, que seriam e foram efectivamente pagos, nos seguintes termos:
€ 1.200.000,00, na data de assinatura do acordo celebrado em 16/08/2007;
€ 800.000,00, em 20/07/2007;
€ 750.000,00 em 31/12/2007, e
€ 750.000,00 em 01/07/2008,
3) A Autora encontra-se registralmente inscrita na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa, com a matrícula n.º ----------, sendo o seu objecto contratação e representação e gestão de atletas, management de atletas; organização de eventos desportivos; comercio de artigos, equipamento e vestuário desportivo.
4) Com data de 20 de Agosto de 2007, a A. enviou à R. uma carta, nos termos da qual: "( ... )
Assunto: Percentagem devida à sociedade "AA - Agentes Desportivos, Lda. pela transferência do Jogador CC (D...)
Exmos. Senhores, Contacto V. Exas. na qualidade de representante legal da sociedade "AA - Agentes Desportivos, Lda. e no âmbito do assunto identificado em epígrafe.
Como é do conhecimento de V. Exs, até porque existe um acordo escrito nesse sentido, a minha empresa é detentora de 10% do valor líquido total da transferência do jogador CC (D...).
Ora, não obstante o referido jogador ter sido transferido para o clube espanhol C A O... e V. Exs. já terem recebido uma parte da quantia total, até à presente data a minha empresa não recebeu qualquer contacto por parte de V.Ex8s. no sentido de regularizarem o pagamento devido.
Assim, e na expectativa da resolução célere e extra judicial desta questão, aguardarei por um contacto de V. Exs. com o intuito de procederem ao pagamento da referida quantia percentual.
Sem outro assunto de momento, subscrevo-me (…)
EE".
5) A Ré entregou à Autora a quantia de € 92.500,00, referido em A).
6. A Autora suportou o montante de € 4.969,87, relativamente ao desconto bancário da letra, no montante de 42.500,00, referida em A).
7. (…) ponto eliminado pela Relação.
8. Em escrito datado de 29 de Outubro de 2005, a Autora e CC, aí identificados, respectivamente, como "Primeiro Outorgante", "D..." e "Segundo Outorgante", declararam "( ... ) Cláusula Primeira (Duração) O presente contrato será válido pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, com início na data da sua assinatura. Cláusula Segunda (Objecto) 1. Pelo presente contrato o Segundo Outorgante confere à Primeira Outorgante o direito único e exclusivo, para colaborar na gestão da sua carreira, nomeadamente em assuntos relacionados com a sua actividade profissional de Jogador de futebol (contratos de trabalho desportivos e eventuais transferências de um Clube para outro), e assuntos relacionadas com contratos comerciais de promoção e publicidade relacionados com o direito à imagem do Jogador.
9. Na época 2005/2006, quando o futebolista D... representava o "E... P...", não recebeu salários daquele clube.

Delimitado o recurso pelas conclusões da alegação da recorrente (sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso do tribunal, sobre as quais não tenha recaído decisão com trânsito em julgado), cumpre apreciar e decidir.

Quanto à matéria de facto:
A Recorrente critica a eliminação, pela Relação, do ponto n.º 1 da base instrutória (a que se respondeu afirmativamente) do seguinte teor: “A Autora era titular dos direitos desportivos do atleta D..., à data do acordo referido em A)?”:
Na sua opinião, a frase “ser titular dos direitos desportivos de um jogador”, é compreensível pela generalidade das pessoas, com o significado de ser titular do passe de um jogador.
Pelo que, o ponto n.º 1 da base instrutória não devia ter sido suprimido.
Mas, salvo o devido respeito, não tem razão.
Sabe-se que ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, não compete fazer censura sobre o juízo probatório formulado pelas instâncias.
Cabe-lhe, porém, vigiar o cumprimento das normas jurídicas que permitem a formulação de tal juízo probatório.
Assim, como se entendeu no Ac. do STJ de 21-10-2008, de que foi Relator o Ex.m.º Conselheiro Urbano Dias, publicado em www.dgsi.pt, “cabe nos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça decidir se uma resposta a um quesito deve ser considerada como não escrita por o mesmo versar sobre questão de direito” (Sumário).
Ora, a nosso ver, a expressão “direitos desportivos” tem, realmente, carácter conclusivo (não encerra um facto, mas uma simples conclusão de direito.). [1]
Devendo, por isso, ter-se como não escrita a resposta dada ao ponto 1 da base instrutora (v. art. 646, n.º 4 do CPC).

Quanto à matéria de direito:
A questão essencial, em debate, no presente recurso, é a da validade ou invalidade do contrato celebrado entre as partes (o “Protocolo de Acordo, datado de 7 de Janeiro de 2006, mencionado no ponto n.º 1 dos factos provados), em face do disposto no art. 23, n.º 4 da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho. [2]

É pacífico, entre as partes, que, à data do contrato em causa, a Autora não se encontrava inscrita no registo, a que se refere o art. 23, n.º 1 e 2 da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho.

A controvérsia existe, no entanto, quanto a saber se o contrato celebrado entre as partes se inscreve no âmbito do art. 23, da citada Lei n.º 28/98.

Na óptica da Relação, a obrigação de pagamento das quantias peticionadas, nomeadamente, da correspondente a 10% do valor líquido que a Ré viesse a receber pela cedência dos direitos de representação desportiva do jogador de futebol “D...”, constitui a contrapartida dos serviços prestados pela Autora na contratação do mesmo jogador, enquadrando-se esses serviços na actividade típica do empresário desportivo.
Pelo que, concluiu pela invalidade do contrato em causa.

Na óptica da Autora, que se revê na fundamentação da decisão da 1.ª instância, não resulta do “Protocolo de Acordo”, que a Autora se propunha ou que tenha intermediado ou representado o aludido jogador, sendo que o contrato apenas previu, de forma genérica, “a prestação de serviços pela autora na negociação da contratação de um desportista profissional mas não fosse a autora a intermediar a contratação daquele desportista pela Ré ou que tenha intervindo naquela contratação em nome e por conta do referido desportista”.
No caso, estar-se-á “perante um contrato inominado de prestação de serviços desportivos, modelado por usos sociais atendíveis, em que a autora interveio enquanto gestora da carreira do jogador de futebol”.
O contrato em causa (entre a Autora e uma sociedade desportiva) não está abrangido pela Lei n.º 28/98, que se refere tão só aos contratos de mandato celebrados directamente com o praticante desportivo.
Para o celebrar, a Autora não carecia de estar licenciada.
Pelo que, improcederia a nulidade do contrato invocada pela Ré.

Vejamos.
A regulamentação legal da actividade do empresário desportivo (o “terceiro homem”, na expressão de João Leal Amado) encontra-se essencialmente prevista na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho (diploma que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho desportivo e do contrato de formação desportiva), aplicável ao caso dos autos (dada a data da realização do contrato).
Aí se define empresário desportivo como “a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos” (art. 2, al. d). [3]
No seu Capítulo IV – “Dos Empresários Desportivos” constam as seguintes disposições:
Artigo 22 (Exercício da actividade de empresário desportivo)
“1-Só podem exercer a actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes.
2-A pessoa que exerça a actividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual”.
Artigo 23 (Registo dos empresários desportivos)
“1- Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade, que, para este efeito, deve dispor de um registo organizado e actualizado.
2-Nas federações desportivas onde existam competições de carácter profissional o registo a que se refere o número anterior será igualmente efectuado junto da respectiva liga.
3- O registo a que se refere o número anterior é constituído por um modelo de identificação do empresário, cujas características serão definidas por regulamento federativo.
4-Os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo referido no presente artigo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam a respectiva remuneração pela prestação desses serviços, são considerados inexistentes”.
Artigo 24 (Remuneração da actividade de empresário)
1-As pessoas singulares ou colectivas que exerçam a actividade de intermediários, ocasional ou permanentemente, só podem, ser remuneradas pela parte que representam.
2-Salvo acordo em contrário, que deverá constar de cláusula escrita no contrato inicial, o montante máximo recebido pelo empresário é fixado em 5% do montante global do contrato”.
Artigo 25 (Limitações ao exercício da actividade de empresário)
“Sem prejuízo de outras limitações estabelecidas em regulamentos federativos nacionais ou internacionais, ficam inibidos de exercer a actividade de empresários desportivos as seguintes entidades:
a) As sociedades desportivas;
b) Os clubes;
c) Os dirigentes desportivos;
d) Os titulares de cargos em órgãos das sociedades desportivas;
e) Os treinadores, praticantes, árbitros, médicos e massagistas”. [4]

Como é sabido, em matéria de interpretação da declaração negocial, a nossa lei consagra, no art. 236, n.º 1 do CC, a chamada teoria da impressão do destinatário, ao estatuir que:
“A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Acerca das circunstâncias atendíveis para a interpretação, referem-se, na doutrina, entre outras, “os termos do negócio, os interesses nele compreendidos e o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares, as relações negociais precedentes das partes, os usos do declarante e os da prática que possam interessar”. [5]

Em nosso entender, perante a letra do “Protocolo de Acordo” – v. ponto n.º 1) dos factos provados (é celebrado o presente protocolo de acordo relativo aos serviços prestados pela segunda outorgante à primeira, relativos à contratação de…
Como contrapartida pelos serviços prestados pela segunda contraente na negociação da contratação do jogador pela primeira contraente, …
Para além da quantia supra citada, a primeira contraente compromete-se a pagar á segunda contraente a quantia correspondente a 10% do valor liquido que venha a receber pela cedência definitiva dos direitos de representação desportiva do jogador a que esse terceiro clube ou sociedade desportiva…), no contexto do negócio – v. ponto n.º 2) (a Ré vendeu os “direitos desportivos” do jogador… ao Clube…) [6] e ponto n.º 3) (em escrito datado de 29 de Outubro de 2005, a Autora e CC, aí identificados, respectivamente, como "Primeiro Outorgante", "D..." e "Segundo Outorgante", declararam "( ... ) Cláusula Primeira (Duração) O presente contrato será válido pelo período de 24 (vinte e quatro) meses, com início na data da sua assinatura. Cláusula Segunda (Objecto) 1. Pelo presente contrato o Segundo Outorgante confere à Primeira Outorgante o direito único e exclusivo, para colaborar na gestação da sua carreira, nomeadamente em assuntos relacionados com a sua actividade profissional de Jogador de futebol (contratos de trabalho desportivos e eventuais transferências de um Clube para outro), e assuntos relacionadas com contratos comerciais de promoção e publicidade relacionados com o direito à imagem do Jogador), a Relação interpretou correctamente o contrato em causa.
Um declaratário normal, colocado perante o texto contratual em causa, não deixaria de concluir que no mesmo se consubstancia um acordo de vontades, pelo qual, a Autora/empresária se obriga a prestar à Ré/sociedade desportiva os seus serviços na negociação da contratação do jogador “D...”, e a segunda a pagar á primeira por esses serviços a remuneração fixada no contrato.
Segundo nos parece, a Autora figura, no contrato em análise, como empresário/intermediário desportivo, na celebração de um contrato desportivo, concretamente, de um contrato de trabalho desportivo de um determinado jogador com uma determinada sociedade desportiva (actividade própria de empresário desportivo, dada a definição legal constante do art. 2, al. d) da Lei n.º 28/98).

É, assim, inegável, que o contrato em causa se inscreve no âmbito do disposto no art. 23, n.º 1 e 2 da Lei n.º 28/98. Pretendendo exercer a actividade de intermediário na contratação de um praticante desportivo (jogador de futebol), a Autora estava obrigada a registar-se como empresário desportivo junto da federação desportiva da respectiva modalidade e igualmente junto da respectiva liga.

Sendo certo que, tal obrigação legal impende sobre os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos, seja como agentes de jogadores, seja como agentes de clubes/sociedades desportivas (como sucede, no “Protocolo de Acordo” em análise nos autos). [7]

A nossa lei sancionou os contratos, que qualificou de mandato, [8] celebrados com empresários desportivos que não se encontrem inscritos no registo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam a remuneração pela prestação desses serviços (parece-nos, aqui, que a lei se quer referir aos serviços prestados pelos empresários desportivos no exercício da sua actividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos), com o vício da inexistência (art. 23, n.º 4 da Lei n.º 28/98). [9]

Estaremos, no caso concreto, perante um verdadeiro contrato de mandato, de acordo com a definição legal constante do art. 1157 do Código Civil, “como o contrato pelo qual alguém se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra”?
Como já se viu, o “protocolo de acordo” em apreço, refere-se aos serviços prestados pela segunda contraente á primeira, relativos à contratação de…
Como contrapartida pelos serviços prestados na negociação da contratação do Jogador pela primeira contraente, a primeira contraente compromete-se a pagar á segunda contraente a quantia…
A nosso ver, a referência genérica aos serviços que a Autora se obrigou a prestar no quadro da negociação da contratação do jogador, não é de molde a permitir uma conclusão segura quanto à existência de um verdadeiro contrato de mandato.

Pode bem o contrato em causa ser qualificado como um contrato de prestação de serviços (cfr. art. 1154 do Código Civil) atípico.[9]

Todavia, independentemente da qualificação jurídica, que, em rigor, lhe deva ser atribuída, o contrato sub judice, por se tratar de um negócio jurídico celebrado contra disposição legal de carácter imperativo (realizado com empresário desportivo, não inscrito no registo, contra o disposto no art. 23, n.º 1 e 2 da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho), sempre deve considerar-se nulo (art. 294, do Código Civil).

Procede, por conseguinte, a excepção da invalidade do contrato, invocada pela Ré na sua contestação.

Improcedendo a revista.

Em suma:
I - Os empresários desportivos que pretendam exercer a actividade de intermediários desportivos na contratação de praticantes desportivos, devem registar-se como tal junto da federação desportiva da respectiva modalidade e, nas federações desportivas onde existam competições de carácter profissional, igualmente junto da respectiva liga.
II - Essa obrigação legal impende sobre os empresários desportivos, seja quando os seus serviços são requisitados pelos jogadores, seja quando são requisitados pelos clubes/sociedades desportivas.
III - O contrato celebrado entre um empresário desportivo, não inscrito no registo, e uma sociedade desportiva, nos termos do qual, o primeiro se obriga, simplesmente, a prestar à segunda os seus serviços na negociação da contratação de um determinado jogador de futebol, mediante uma remuneração a pagar pela mesma sociedade desportiva, por celebrado contra disposição legal de carácter imperativo, deve considerar-se nulo.


Decisão:
Nos termos e com os fundamentos expostos, nega-se a revista.
Custas, no Supremo e nas instâncias, a cargo da Autora.



Lisboa, 15 de Novembro de 2011.

Marques Pereira (Relator)

Azevedo Ramos

Silva Salazar

_______________________________

 [1] Encontramos a expressão “direitos desportivos”, ou melhor, “direitos desportivos exclusivos”, no art. 16 da Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, no âmbito do regime jurídico das “federações desportivas”.

Como se entendeu no acórdão recorrido, não se baseando o pedido da Autora na titularidade do passe do jogador (mas antes no incumprimento do “protocolo de acordo” junto aos autos, pelo qual, a Autora se comprometeu a prestar os seus serviços na negociação da contratação pela Ré, do jogador “Dady”), a formulação do mencionado ponto de facto tão pouco se afigura como necessária  para a decisão do pleito.
[2] À data da celebração do contrato, já vigorava a Lei de Bases do Desporto (Lei n.º 30/2004, de 21/07), a que se sucedeu, entretanto, a actual Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16/01), no art. 37 de uma e de outra, se fazendo referência ao empresário desportivo.
O regime jurídico essencial do empresário desportivo continua, no entanto, plasmado na citada Lei n.º 28/98.
               
[3] No art. 37, n.º 1 da Lei de Bases do Desporto, “consideram-se empresários desportivos as pessoas singulares ou colectivas que, estando devidamente credenciadas, exerçam a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos”.
A redacção deste preceito, semelhante á constante do art. 2, al. d) da Lei n.º 28/98, levou José Manuel Meirim, na sua obra Lei de Bases Anotada, p. 86, a escrever que fica-se assim sem saber o que se deve entender por contratos desportivos (são só os de contrato de trabalho e de contrato de formação desportiva, tal como definidos na lei, ou serão outros mais’).
A dúvida parece ter ficado resolvida, com a actual Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, em cuja art. 37, n.º 1 se afirma que: “São empresários desportivos, para efeitos do disposto na presente lei, as pessoas singulares ou colectivas que, estando devidamente credenciadas, exerçam a actividade de representação ou intermediação, ocasiona ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos de formação desportiva, de trabalho desportivo ou relativos a direitos de imagem”.
[4] Referindo-se às disposições acima citadas, escreve-se no Ac. da RL de 14.10.2008, Proc. 7929/08, publicado, com Anotação, em Cadernos de Direito Privado, 30, p. 42 e s., que: “Com tal regime pretendeu o legislador introduzir no meio desportivo índices mais elevados de ética profissional quando se trate de representar qualquer das partes envolvidas em contratos desportivos (clubes ou atletas), designadamente em contratos de trabalho, de formação desportiva ou de transferência de jogadores. Procurou-se também, como refere Leal Amado, Vinculação versus Liberdade, p. 75, alcançar um melhor equilíbrio contratual nos contratos desportivos a realizar pelos clubes ou pelos atletas”.

[5] Vaz Serra, RLJ, Ano 111, p. 220.
Conforme é entendimento largamente dominante, “constitui matéria de direito, sindicável pelo Supremo, determinar se na interpretação das declarações foram observados os critérios legais impostos pelos arts. 236 e 238 do Código Civil, para efeito da definição do sentido que há-de vincular as partes, face aos factos concretamente averiguados pelas instâncias” (Ac do STJ de 27 de Setembro de 2007, CJ Acs STJ, Ano XV, Tomo III, p. 64, ponto V do respectivo Sumário).
No mesmo sentido, o Ac. do STJ de 19-02-2008, Processo n.º 07ª4529, em www.dgsi.pt, com este Sumário:
“1.Por constituir matéria de facto, é da exclusiva competência das instâncias – e insusceptível, por isso, de constituir objecto de recurso de revista – o apuramento do sentido que as partes quiseram atribuir à exteriorização da sua vontade contratual.
2.Já a determinação do alcance que um declaratário normal, colocado na posição de declaratário real, atribuiria à exteriorização da vontade contratual, é matéria de direito, e passível, por isso, de recurso para o STJ”.

[6] O ponto de facto em causa refere-se, naturalmente, à cedência do jogador ao Clube Atlético O... (v. arts 19 e 20 da Lei n.º 28/98)
[7] No acordo a que se refere o ponto n.º 8 dos factos provados, a Autora figura, já, como agente do jogador.
[8] É muito controvertida, em vários ordenamentos jurídicos europeus, a qualificação jurídica dos chamados contratos do empresário desportivo.
Para a dificuldade de tal qualificação jurídica contribui sobremaneira a grande diversidade de funções actualmente desempenhadas pelos empresários desportivos.
Sobre a matéria, v. “Relações contratuais estabelecidas entre o desportista profissional e o empresário desportivo”, I Congresso do Direito do Desporto, Memórias, p. 193 e ss. e “A profissão de empresário desportivo – uma lei simplista para uma actividade complexa?”, Desporto & Direito, 2, p. 251 e ss., ambos os estudos, de André Dinis de Carvalho.
[9] É discutível a qualificação legal do vício em causa, que constituirá, talvez, mais correctamente, um caso de nulidade contratual. Neste sentido, o Ac. da RL de 14.10.2008, Proc. 7929/08, acima citado.

[10] Sobre a figura do empresário desportivo, vide, ainda, entre outros, João Leal Amado, Vinculação versus Liberdade, o processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo, p. 487 e ss; Desporto & Direito, 1, p. 159 e ss., Anotação de André Dinis de Carvalho ao Ac. do STJ de 23 de Abril de 2002 (Recurso n.º 844-A/029; Desporto & Direito 2, p. 251 e ss.; Ac do STJ de 18 de Abril de 2006, CJ Acs STJ Ano XIV, Tomo II, p. 44 e ss.