Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2202/16.9T8STR.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
ILICITUDE
CULPA
DANO
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO
INTERMEDIÁRIO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
De acordo com a jurisprudência uniformizada deste Supremo Tribunal de Justiça, estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o investidor deve ser indemnizado.
Decisão Texto Integral:
Autores: AA,

                BB,

                CC

                DD

Réu: Banco BIC Portugal, S.A.

I - Relatório

EE e AA instauraram a presente ação declarativa de condenação, com a forma comum de processo, contra o Banco BIC Portugal, S.A., pedindo que:

- O Réu seja condenado a pagar-lhes a quantia de 69.256,66 €, acrescida de juros de mora sobre o montante de 50.000 €, desde 1/6/2016, até integral pagamento.

Se assim não se entender, pedem que:

- Seja declarado nulo, por falta de forma, o invocado contrato de intermediação financeira e, em consequência, o Réu condenado a restituir aos autores a quantia de € 50.000.

- Seja declarado ineficaz, em relação aos Autores, a aplicação que o Réu tenha feito do montante de € 50.000

- O Réu seja condenado a restituir aos autores a quantia de € 50.000 e juros vencidos até 31.08.2016 no montante de € 4.256,66 e vincendos após 1.09.2016 até integral pagamento.

- O Réu seja condenado a pagar aos Autores a quantia de € 15.000 a título de danos morais.

Para fundamentarem tal pretensão alegaram, em resumo:

-  Ocorreu a fusão entre o BPN e o Banco BIC, tendo sido adotada e registada a firma “Banco BIC Português, S.A.”.

- Os Autores foram titulares, junto do BPN, da conta que identificam e, em 19.04.2006, o autor pretendia fazer um depósito a prazo, sem correr qualquer risco, por 6 meses, renovável e com uma taxa de juro satisfatória.

- O funcionário do Banco disse-lhe que tinha um produto rentável, que rendia 4,5% de juros ao ano e que podia levantar o dinheiro antes dos seis meses.

- O Autor assinou um impresso, encontrando-se convicto que estava a efetuar um depósito a prazo.

- Os Autores não sabem o que são obrigações e nada contrataram com a SLN.

- O BPN não forneceu informação sobre a relação que tinha com a SLN.

- O BPN violou os deveres de proteção e de informação, constituindo-se, assim, na obrigação de indemnizar os autores.

- Tal indemnização abrange o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, os valores entregues pelos autores e os juros de mora contados a partir da citação.

- A intermediação obrigava a contrato escrito, pelo que, não tendo sido observada essa forma, não poderá deixar de ser declarada a nulidade do contrato de intermediação financeira.

- Não lhes foi lido, explicado ou entregue contrato que contivesse cláusulas sobre subscrição de obrigações subordinadas SLN, prazo de resolução e outras cláusulas essenciais do contrato.

- Estão desapossados da quantia de € 50.000, que lhes devia ter sido entregue em 9.05.2016.

O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Em sede de exceção, arguiu a prescrição do direito dos autores.

Em termos de impugnação, negou os factos alegados pelos Autores, referindo que estes tiveram perfeito conhecimento do produto em causa, tendo-lhes sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez.

Alegou ainda que os Autores sabiam que não estavam a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente e que foram informados que a única forma dos mesmos obterem liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro.

Os Autores apresentaram articulado de resposta à matéria da exceção deduzida.

Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, constando da parte decisória da mesma :

Nestes termos, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência

I - Condena-se o R. a pagar à A.:

- A quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% ao ano, contados desde a citação e até integral pagamento;

- A quantia de € 2.500, a título de indemnização por danos não patrimoniais e

II - Absolve-se o mesmo do mais que era peticionado.

Desta decisão interpôs o Réu recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido, por acórdão, com um voto de vencido:

Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, assim, confirmar a decisão recorrida.

Inconformado, vem o Réu interpor recurso de revista deste Acórdão, com as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida conclui erradamente que o Banco-R. prestou informação falsa e omissa aos AA. a propósito da venda de Obrigações SLN 2006, por este instrumento financeiro não ser isento de risco – não ser tão seguro quanto um Depósito a Prazo - e por não ter capital garantido!

Todavia,

2. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso por não ser um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos, e por não ser previsível qualquer risco de liquidez porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2004) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão!

3. Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito correspondente à possibilidade de incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

4. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

5. E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial. Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.

Por outro lado,

6. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais,  retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma!

7. A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006! Pelo contrário,

8. Em 2006, a SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio!

9. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN, e sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco – risco de reembolso de um Depósito a Prazo!

10. Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

11. E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD)como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo.

12. É que se por um lado, à data, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta,

13. Por outro, nenhum cliente, e os AA. certamente, efectuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD.

14. Ou seja, a segurança que os AA., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais!

15. Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações – razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

16. A afirmação de que a aplicação era isenta de risco, se levada literalmente, apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz! É que essa afirmação implicaria que alguém acreditasse – como se fosse possível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco.

17. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! Tanto assim que os pressupostos de nacionalização do Banco, no Dec. Lei 62-A/2008 d e11 de Novembro são exactamente os previstos para insolvência do Banco - a SLN insolveu, é certo... mas o Banco também! E antes, muito antes!

18. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis – neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ já citados, de 6 de Junho de 2013 e de 12 de Janeiro de 2017.

19. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido - veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses.

20. Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

Acresce que,

21. Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

22. A menção do artº 312 nº 1 al. e) do CdVM aos “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição – essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação.

23. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

24. Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

25. Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento.

26. O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação!

27. A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!

28. Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

29. É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

30. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

31. O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa.

32. O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato.

33. Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido os AA.

34. A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artº 314º e 312º do CdVM.

Por outro lado,

35. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!

36. Todavia, além da demonstração da causalidade “mecânica” entre o imputado facto ilícito e o dano, importaria a demonstração de que aquele mesmo ilícito é, em geral, adequado à produção daquele dano - o que, neste caso ficou por demonstrar!

37. No caso, o Banco terá prestado um serviço de recepção e transmissão de ordens por conta de terceiros, pelo qual terá recebido ordem de subscrição de Obrigações e a terá encaminhado por forma a garantir a efectiva titularidade pretendida pelos seus clientes. O Banco Recorrido nada tem que ver com a emissão de títulos propriamente dita, mas apenas com a intermediação financeira que permitiu a respectiva subscrição! Já o dano dos Recorrentes corresponde à falta de reembolso, na respectiva data de vencimento, daquela emissão de obrigações, por parte da SLN.

38. Estamos, portanto, perante duas relações contratuais distintas – uma em que o Banco teria praticado o suposto ilícito, e outra onde os AA. sofreram o seu dano!

39. A formulação negativa da teoria da causalidade adequada faz sentido apenas e só para o incumprimento da prestação principal de um contrato - em que a causalidade entre o ilícito e o dano resulta da identidade entre o dano e a prestação incumprida. Neste cenário percebe-se que se diga que apenas a verificação de uma circunstância excepcional afastaria a relação causal. Todavia, o mesmo não se diga no caso do incumprimento de uma prestação acessória, como é o dever de informação num serviço de intermediação financeira de recepção de ordens, e muito menos no âmbito de uma relação contratual complexa em que o incumprimento de uma obrigação acessória de um contrato (de intermediação financeira) pode implicar um dano no âmbito de outro contrato (da emissão obrigacionista).

40. A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação), no que diz respeito ao nexo causalidade, está umbilicalmente ligada ao regime do erro.

41. Na verdade, aquele nexo de causalidade parte dos mesmos exatos termos em que existe a essencialidade do erro.

42. Ou seja, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão – nada disso foi aqui feito!

43. Não basta, portanto, que se diga que existia um risco acrescido na subscrição proposta... é, além do mais, preciso que se demonstre que se o investidor soubesse daquele concreto risco que existia e que ele desconhecia, ele nunca teria investido como fez!

44. No caso concreto, além de não demonstrar alegado ou provado aquele facto negativo, ainda nos atreveremos a dizer que o contrário é relativamente óbvio... ou seja, em 2006 (sim, porque o contexto é o de 2006), ninguém relevava a eventualidade de uma situação de insolvência de um Banco ou de uma sociedade dona de um Banco – e como esse cenário não era sequer concebível, nunca ninguém duvidaria em investir mesmo em dívida subordinada, só por ser subordinada!

Por fim, e em bom rigor,

45. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

46. Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.

47. Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil”.

Em 28.09.2020 proferiu a Conselheira Relatora a quem o recurso foi distribuído um despacho, ordenando a suspensão da instância, tendo em vista que se encontravam pendentes de decisão recursos de uniformização de jurisprudência com possível relevância para o caso dos autos.

Já no Supremo Tribunal de Justiça, foi aberto incidente de habilitação de herdeiros por falecimento de EE, co-autor e recorrido, em que foram habilitados, por decisão de 13.03.2023, já transitada em julgado, AA e BB, CC e DD como sucessores do falecido para com eles prosseguirem os termos da presente ação.


*

II – Cessação da suspensão da instância

Atendendo a que se verifica que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022 de 6 de dezembro de 2021 proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A [1], já transitado em julgado, se revela suficiente para a decisão a proferir neste recurso, declara-se cessada a suspensão da instância.


*

III – O objeto do recurso

Considerando as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo do acórdão recorrido, a questão a apreciar neste recurso resume-se a verificar se não estão verificados os requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade relativos à responsabilidade do Réu pela subscrição pelos primitos Autores das obrigações SLN Rendimento Mais 2006.


*

IV – Os factos

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1 - Os primitivos Autores foram titulares junto do “BPN” - Agência de ..., da conta n° ...01 e são titulares da conta com o mesmo número no R., agência de ....

2 - Era gestor de cliente dos primitivos Autores o funcionário do R. FF.

3 - Encontra-se depositada na carteira de títulos do primitivo Autor junto do Réu, uma obrigação “SLN Rendimento Mais 2006”

4 - A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” pagou os juros referentes às obrigações “SLN Rendimento Mais 2006” até Setembro de 2015.

5 - A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, S.A.”, atualmente denominada “Galilei, SGPS, S.A.” apresentou no Tribunal da Comarca de Lisboa, um processo especial de revitalização, o qual correu termos pela Ia Secção de Comércio - J..., com o número 22922/15...., tendo sido proferida sentença, declarando o encerrado o processo negociai, sem aprovação do Plano de Recuperação, o que determinou o encerramento do processo.

6 - Por Sentença proferida no dia 29/6/2016 na Ia Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa - J..., foi declarada a insolvência da “Galilei, SGPS, S.A.”.

7 - Em 19/4/2006, o primitivo Autor dirigiu-se à agência do “BPN”, em ... e o funcionário aludido em 2. propôs-lhe a aplicação da quantia de 50.000 € de que os primitivos Autores dispunham numa obrigação “SLN Rendimento Mais 2006”.

8 - O funcionário aludido em 2. disse ao primitivo Autor que a Obrigação “SLN Rendimento Mais 2006” se tratava de um produto com o capital garantido e que permitia a obtenção de 4,5% de juros ao ano, com vencimento a 10 anos e ainda que o primitivo Autor poderia ter obter o dinheiro aplicado antecipadamente através de endosso da Obrigação a terceiro.

9 - O funcionário declarou igualmente que o capital era garantido pela emitente, a qual era a dona do “BPN” e com rentabilidade assegurada.

10 - O funcionário do “BPN” declarou ainda ao primitivo Autor que a segurança que resultava de o capital ser garantido pela “SLN” era equivalente à que resultava de tal capital ser garantido pelo “BPN”.

11 - O primitivo Autor apôs a sua assinatura no documento cuja cópia consta de fls. 17, convicto que respeitava a um produto, em termos de segurança, semelhante a um depósito a prazo, que o respetivo capital se encontrava garantido pela emitente, a qual era a dona do “BPN”, que vencia juros semestralmente e que a subscrição da Obrigação permitiria uma maior rentabilidade que um Depósito a Prazo.

12 – Os primitivos Autores não têm conhecimento específico relativo às características das Obrigações “SLN Rendimento Mais 2006” e dedicam-se à exploração de um mini mercado.

13 - O funcionário aludido em 2. tinha conhecimento que o primitivo Autor pretendia que a aplicação não comportasse qualquer risco, que a recuperação dos valores fosse segura a 100% e que a mesma pudesse ser resgatada em qualquer altura.

14 - O funcionário referido em 2. tinha conhecimento que se o primitivo Autor soubesse que a obrigação “SLN Rendimento Mais 2006” se tratava de um produto em que o capital não se encontrava garantido não teria aceitado subscrever a mesma.

15 - A administração do “BPN” instruiu os seus funcionários para que se empenhassem em vender as obrigações aludidas em 3. e que dissessem aos clientes que era um produto sem qualquer risco e que permitia obter juros altos.

16 - Desde a data em que deixaram de receber os juros referentes à obrigação “SLN Rendimento Mais 2006”, os primitivos Autores vivem desassossegados, angustiados e com medo de perderem a quantia investida na Obrigação em causa.

17 – Os primitivos Autores, após a subscrição da obrigação, sempre receberam um extrato mensal, onde se encontrava a expressa menção de tal obrigação como integrando a sua carteira de títulos e nunca efetuaram qualquer reclamação.

18 - Desde a subscrição da obrigação, os primitivos Autores receberam, semestralmente e até 30/9/2015, a remuneração dos cupões da obrigação que o Autor subscreveu, com a indicação que os juros diziam respeito à referida obrigação.

19 – Os primitivos Autores tinham na sua carteira de títulos Fundos de Tesouraria.

20 - Aquando da subscrição da obrigação pelo primitivo Autor, a procura de tais obrigações superava a oferta.


*

V – O direito aplicável

Tal como a configurou o acórdão recorrido e ambas as partes nisso não discordam, a intervenção do BPN na subscrição pelo Autor marido das Obrigações SLN Rendimento Mais 2006 deve ser qualificada como uma atividade de intermediação financeira, sem prejuízo do facto de o Banco ser também uma instituição de crédito.

Enquanto intermediário financeiro, o BPN tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN Rendimento Mais 2006, executando a ordem de subscrição que lhe foi transmitida pelo Autor marido dessas obrigações emitidas por uma terceira entidade - a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. -, nos termos dos artigos 289.º, n.º 1, 290.º, n.º 1, al. b), e 293.°, n.º 1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira.

Os intermediários financeiros, têm por função promover a conciliação entre duas vontades de sentido oposto, mas convergente, fazendo com que as poupanças dos investidores sejam utilizadas na aquisição de produtos financeiros, conciliando a oferta e a procura de valores mobiliários no mercado. Sendo a intervenção dos intermediários financeiros relevante na formação da vontade dos investidores, a mesma deve obedecer a deveres que garantam a tomada de decisões de investimento informadas e previnam a ocorrência de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores.

Como se explica no AUJ n.º 8/2022 de 6 de dezembro de 2021 proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Mobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Assim, enquanto intermediário financeiro, nos termos dos artigos 289.º, n.° 1, al. a), e 290.º, n.º 1, al. c), do Código de Valores Mobiliários, o BPN estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do Código de Valores Mobiliários. Entre esses deveres encontra-se o dever de prestar informações que envolvam os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, sendo que a “extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente” (artigo 312.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código de Valores Mobiliários).

O incumprimento ou cumprimento defeituoso desse dever pode ter consequências. Na verdade, o artigo 314.º, n.º 1, do Código de Valores Mobiliários, estabelece que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, onde se integra o referido dever de informação.

Tendo em consideração as regras do ónus da prova constantes do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, e os pressupostos gerais da responsabilidade civil, a responsabilização de um intermediário financeiro pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do referido dever de informação, exige do cliente investidor a prova do incumprimento desse dever (ilicitude), presumindo-se a culpa do intermediário (artigo 314.º, n.º 2, do Código de Valores Mobiliários), dos prejuízos sofridos com o investimento efetuado na sequência da intermediação em causa e da existência de um nexo de causalidade entre o ato de investimento ruinoso e o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de informação por parte do intermediário.


Como consta do 1.º ponto do segmento uniformizador do referido AUJ:

No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

Com a presente ação os Autores pretendem que o Réu os indemnize do capital perdido na subscrição das obrigações SNL Rendimento Mais 2006, intermediadas pelo BPN, com fundamento em que este não informou devidamente dos riscos do investimento efetuado.

  O acórdão recorrido, confirmou a sentença proferida na 1.ª instância que julgou procedente a ação por se ter entendido que se encontravam preenchidos os requisitos da responsabilidade do intermediário prevista no artigo 314.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários.

Neste recurso, o Réu questiona que tenha incumprido o dever de informação e que exista um nexo de causalidade entre o alegado incumprimento e os prejuízos invocados.

Quanto ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação de informar o cliente investidor das caraterísticas das obrigações Rendimento Mais 2006 e do risco associado à subscrição desse produto financeiro provou-se o seguinte:

 - Em 19/4/2006, o primitivo Autor dirigiu-se à agência do “BPN”, em ... e o funcionário aludido em 2. propôs-lhe a aplicação da quantia de 50.000 € de que os primitivos Autores dispunham numa obrigação “SLN Rendimento Mais 2006”.

- O funcionário aludido em 2. disse ao primitivo Autor que a Obrigação “SLN Rendimento Mais 2006” se tratava de um produto com o capital garantido e que permitia a obtenção de 4,5% de juros ao ano, com vencimento a 10 anos e ainda que o primitivo Autor poderia ter obter o dinheiro aplicado antecipadamente através de endosso da Obrigação a terceiro.

- O funcionário declarou igualmente que o capital era garantido pela emitente, a qual era a dona do “BPN” e com rentabilidade assegurada.

- O funcionário do “BPN” declarou ainda ao primitivo Autor que a segurança que resultava de o capital ser garantido pela “SLN” era equivalente à que resultava de tal capital ser garantido pelo “BPN”.

Conforme consta da fundamentação do mesmo AUJ, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação.

Ora, o BPN ao informar o Autor marido que a subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2006 era um investimento com reembolso do capital garantido, prestou uma informação incorreta que não traduzia as reais caraterísticas do produto financeiro em causa, designadamente quanto à dimensão do risco que envolvia a subscrição das referidas obrigações, estando, por isso, suficientemente demonstrada a violação pelo BPN do dever de informação que sobre ele recaía, enquanto intermediário financeiro.

Além da demonstração da ilicitude do comportamento da antecessora do Réu, presumindo-se a sua culpa, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, para que se apure a responsabilidade desta pela perda do investimento efetuado pelos Autores na subscrição das obrigações SNL Rendimento Mais 2006, é também necessário provar a existência de um nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso do dever de informação e a perda dos valores investidos, ou seja, que a subscrição desse produto financeiro não teria ocorrido se o dever de informação tivesse sido escrupulosamente cumprido pelo BPN, na sua qualidade de intermediário financeiro.

Como consta dos pontos n.º 3 e 4 do segmento uniformizador do referido AUJ:

O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  

Ora, na presente ação provou-se que se o primitivo Autor soubesse que a obrigação “SLN Rendimento Mais 2006” se tratava de um produto em que o capital não se encontrava garantido não teria aceitado subscrever a mesma, pelo que se verifica a existência de um nexo de causalidade adequada entre o cumprimento defeituoso pelo BPN da obrigação de informar o Autor marido quando às reais caraterísticas das obrigações SLN Rendimento Mais 2006 e a perda do capital investido que resultou da decisão de subscrever aquelas obrigações.

Estando verificados os requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade questionados pelo Réu no recurso interposto, deve este ser julgado improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.


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Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelo Réu, confirmando-se o acórdão recorrido.


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Custas do recurso pelo Réu.

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Notifique.

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Lisboa, 25 de Maio de 2023

João Cura Mariano (relator por vencimento)

Fernando Baptista

Catarina Serra (com a seguinte declaração de voto de vencida)


I. Discordo da fundamentação e da decisão do presente Acórdão por entender que foi omitida pronúncia sobre uma questão que cabia apreciar no recurso – a questão do dano.


II. Entendo que cabia apreciar a questão do dano por quatro ordens de razão.


1.ª) A primeira razão prende-se com os deveres do tribunal.


Os lesados suscitam a questão do dano não só porque invocam o art. 563.º do CC (“a obrigação de indemnização existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido”), mas também, e sobretudo, porque impugnam expressa e autonomamente os requisitos “ilicitude”, “causalidade” e “dano”, dizendo:


“80. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.


81. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.


82. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.


83. E nada disto foi feito!”.


2.ª) A segunda é uma razão de coerência lógica.


Sendo a causalidade um nexo entre o facto e o dano, a aferição da causalidade não pode deixar de pressupor a aferição do dano.


3.º) A terceira é uma razão de coerência axiológica ou valorativa.


O AUJ 8/2022, determina, no n.º 4 do seu segmento uniformizador, que a indemnização seja calculada pelo interesse contratual negativo, dirigida à reconstituição da situação que existiria se ele não tivesse adquirido aquele produto financeiro (cfr. artigo 562.º do CC). Ora, uma indemnização calculada nestes termos não é compatível ou não é cumulável com a conservação, na esfera jurídica dos lesados, das obrigações (que não é absolutamente seguro que sejam, a final, destituídas de valor) e, sobretudo, dos juros remuneratórios das obrigações por eles efectivamente recebidos (cfr. facto provado 18).


Não se determinando a devolução das obrigações nem a dedução dos juros remuneratórios das obrigações recebidos pelos lesados a situação criada equivale à coexistência da indemnização pelo interesse contratual negativo e da indemnização pelo interesse contratual positivo, dirigida à reconstituição da situação que existiria se a informação prestada sobre o investimento em obrigações correspondesse à realidade.


4.ª) Por fim, mas não por último, impõe-se uma razão relacionada com o precípuo fim de realização da justiça.


A falta de pronúncia sobre a questão do dano dá origem ou, pelo menos, representa uma tolerância indevida para com situações de enriquecimento sem causa, vindo os lesados a receber uma indemnização a que não têm direito.


Sendo a indemnização (exclusivamente) pelo interesse contratual negativo a solução justa e adequada e havendo já um número considerável de decisões neste Supremo Tribunal que se pronunciaram nestes termos perante alegações de revista exactamente iguais, a falta de pronúncia sobre a questão do dano, além do mais, prejudica a uniformidade das decisões judiciais e o respeito pelo princípio da igualdade.


III. Por todas estas ordens de razão, no Projecto que apresentei como Relatora inicial e que foi vencido a fundamentação do Acórdão continuava nos seguintes termos:


Esclarecido que existe violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação e que esta violação foi condição sine qua non da conclusão do contrato, há que averiguar se esta conclusão do contrato foi causa de um dano patrimonial de valor correspondente ao fixado pelo Tribunal recorrido.


Deve entender-se que a questão é suscitada nas alegações de recurso, quando o recorrente alega que num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão – nada disso foi aqui feito! (cfr. conclusão 42).


O artigo 562.º do CC e ainda o artigo 563.º do CC [cuja violação é alegada pelo recorrente (cfr. conclusão 47)] consagram o princípio geral sobre a obrigação de indemnização, determinando que “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e ainda que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.


Como se viu, os autores alegaram (e provaram) que, se tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, não teriam subscrito o produto financeiro em causa (cfr. facto provado 14).


É, pois, admissível que pretendam que seja reconstituída a situação que existiria se não tivessem subscrito tal produto (indemnização pelo interesse contratual negativo).


Já não seria admissível que pretendessem que fosse reconstituída a situação que existiria se o tivessem subscrito e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento (indemnização pelo interesse contratual positivo).


Segue-se, neste ponto, o raciocínio formulado nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça proferidos em 5.06.2018, no Proc. 18331/16.6T8LSB.L1.S1, e em 2.02.2023, nos Proc. 438/19.0T8LRA.C1.S1, 2992/18.4T8STR.E1.S1, 5050/17.5T8LRA.C2.S1, 4081/17.0T8VIS.C1-A.S2, 30290/16.0T8LSB.L1.S1, 3196/16.6T8LRA.L1.S2 e 2208/16.8T8STR.E1.S2.


O sumário dos últimos arestos sintetiza, de forma clara, as ideias essenciais:


Estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o art. 562.º do Código Civil determina que deva ser reconstituída a situação que existiria se o investidor não tivesse adquirido o produto financeiro que lhe foi apresentado”.


Como bem se compreende, a regra de que a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não tivessem sido subscritas as obrigações SLN implicará, em primeiro lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor actual das obrigações da emitente adquiridas[2] e, em segundo lugar, que o valor do capital investido seja deduzido do valor dos juros pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos a título de remuneração de um depósito a prazo[3].


Sendo o dispositivo do Acórdão o seguinte:

Face ao exposto, concede-se provimento parcial ao recurso, revogando-se parcialmente o Acórdão recorrido nos seguintes termos:


A) Condena-se o réu / recorrente Banco BIC Português, S.A., a pagar aos autores / recorridos uma indemnização no valor a liquidar, devendo ter-se em consideração:


I. que os autores têm direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao valor do capital investido (50.000 euros), deduzido do valor actual da obrigação bem como do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo;


II. que o valor resultante da aplicação dos critérios enunciados em I. deve ser acrescida de juros à taxa legal a contar do momento em que o réu tenha sido citado para a presente acção até integral pagamento.


B) Confirma-se no mais o Acórdão recorrido.



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Custas pelo réu / recorrente e pelos autores / recorridos, na proporção do respectivo decaimento.


(Catarina Serra)


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[1] Publicado no Diário da República n.º 212/2002, Série I, de 13.11.2022.
[2] O investidor pode ficar com os títulos e pedir uma indemnização deduzida do seu valor actual, ou pode ficar sem os títulos, entregando-os ao BIC, e pedir uma indemnização que não seja deduzida de um valor que já não poderá receber.
[3] É esta a solução já propugnada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.06.2018 (Proc. 18331/16.6T8LSB.L1.S1), em que pode ler-se: “Apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano directo por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal (por não se verificar o pressuposto a que alude o art. 102.º do CCom) a contar das datas em que os mesmos dever-lhe-iam ter sido reembolsados (como sucederia se, efectivamente, tivesse sido contratado esse depósito); a essa importância devem ser deduzidos o valor das obrigações da emitente (apesar da insolvência desta) e o valor dos juros remuneratórios que foram por esta pagos, assim se limitando a medida da responsabilidade do recorrente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo recorrido”.