Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22/08.3JALRA-K.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: REVISÃO
PROVA PROIBIDA
REQUESITOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O recurso extraordinário de revisão tem consagração constitucional – art. 29.º, n.º 6, da C.R.P. - e encontra-se previsto no art. 449.º e ss. do C.P.P.

II. Tem uma larga tradição histórica, no nosso direito, encontrando-se já referenciado nas Ordenações Afonsinas.

III. É constituído por duas fases: a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do STJ; a segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.

IV. Na esteira de jurisprudência consolidada do STJ, o fundamento da revisão, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art. 449.º, exige a verificação de dois requisitos cumulativos: condenação com base em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, do C.P.P.; e superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida.  Ou seja, a revisão, com este fundamento, só será atendível se o requerente provar que só depois da condenação teve conhecimento da prova proibida.

V. Ora, no caso sub judice, o recorrente já havia suscitado como fundamento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora a inconstitucionalidade do acórdão da primeira instância, por alegada violação do disposto nos arts. 126.º e 164.º, do C.P.P., 20.º e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, por ter valorado tais declarações escritas do arguido …, tendo tal fundamento sido julgado improcedente por acórdão proferido por aquele Tribunal, em 06/06/2017, e, em consequência, decidido não se tratar de um meio de prova proibido, atento o disposto nos arts. 126.º e 164.º do C.P.P.

Nessa conformidade, é bem evidente que a descoberta da proibição de prova alegada pelo recorrente não é posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda, pelo que não pode constituir fundamento para o recurso de revisão, nos termos do citado art.º 449.º, n.º 1, al. e), do C.P.P.

VI. Termos em que, se acorda em negar a revisão solicitada, por manifesta falta de fundamento.

Decisão Texto Integral:

       Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. O arguido/condenado AA veio, através do seu ilustre mandatário, interpor, em 08/03/2023, o presente recurso de revisão, nos termos do disposto no art. 449.º n.º 1 e), do C.P.P., passando-se a transcrever, na íntegra, a respetiva motivação, uma vez que dela não constam conclusões:

1 - Foi o Arguido, ora Requerente, julgado e condenado, nos presentes autos, por douto Acórdão proferido em 03-09-2014, pela prática, em coautoria material, na forma consumada, e em concurso real, de 1 (um) crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º e 218º, n.º 2, al. a), do Código Penal, 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, als. e), b), c), d) e e) e 3 do Código Penal, 1 (um) crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena única de 12 (doze) anos de prisão, posteriormente reduzido para 10 (dez) anos de prisão, a que corresponde(m) a(s) pena(s) parcelar(es) de: 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto ao crime de associação criminosa; 6 (seis) anos, quanto ao crime de burla qualificada; 2 (dois) anos, quanto ao crime de falsificação de documento e 8 (oito) anos, quanto ao crime de branqueamento.

SUCEDE QUE

2 - O Tribunal para condenar o Requerente considerou como provado que, o mesmo, conjuntamente com um determinado grupo de indivíduos (coarguidos, melhor identificados nos presentes autos) deliberaram organizar-se com demais pessoas, no sentido de ludibriar empresas e agentes económicos, ligadas ao comércio/setor por grosso de combustíveis fósseis, a fim de obterem avultados proveitos económicos,

3 - Sendo que, o objetivo, segundo o douto Acórdão Condenatório, adviria através do fornecimentos e venda de produtos petrolíferos comercializados por empresas do setor, que seriam controladas e geridas por membros de uma alegada associação composta pelo ora Requerente, na qual este exerceu e praticou atos de gestão de empresas através de terceiros; sendo que, posteriormente, aqueles produtos seriam vendidos a entidades terceiras, de forma a que os proveitos fossem dissimulados com subsequentes vendas.

4 - Ainda, segundo o douto acórdão condenatório, tal objetivo sempre sobreviria acompanhado de uma imagem de mercado através de firmas petrolíferas, explorada através de postos de abastecimento e revenda, ao qual se cumularia uma imagem de garantia e idoneidade, através da prestação e entrega de garantias bancárias e cheques pós-datados.

ENTÃO VEJAMOS

A) PRIMEIRAMENTE, COMO QUESTÃO PRÉVIA:

5 - Com a devida vénia, e demais consideração por entendimento diverso, entende, o Requerente, que atento o que consta dos presentes autos, surgem uma nulidade que, a nosso ver, se afigura como inultrapassável e insanável, e resulta do facto de a douta Acusação Pública, de forma e em momento algum, ter sido notificada ao mandatário do Arguido, aqui Signatário, conforme resulta das regras gerais sobre as notificações presentes no art. 113.º, n.º 10 e art. 283.º, n.º 6 ambos do C. P. Penal, sendo certo que, o mesmo arguiu, em tempo oportuno e sempre pugnou, especificadamente, para que a mesma, lhe fosse notificada, a fim de, também, em tempo oportuno, pudesse preparar e apresentar a competente defesa, tudo como melhor consta dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos.

6 - E, pese embora tenha sido junta aos autos a competente procuração forense em sede de Inquérito para efeitos de representação, de forma surpreendente e injustificada, o Tribunal “a quo”, ao arrepio das regras gerais, optou por nomear ao aqui Requerente uma Ilustre Defensora Oficiosa, não reconhecida, e nem aceite pelo requerente – disse sempre teve consciência o Tribunal, não obstante, se manteve “formalmente” na demais tramitação processual, sem que no entanto, e de forma alguma, o Requerente a visualizasse (com o devido respeito e mérito profissional que sempre lhe equaciona) como sua Defensora, até porque, a mesma, pouco ou nada fez, em sua defesa.

7- Aliás, a vontade do Requerente, desde sempre por sua livre e iniciativa vontade, foi a de constituir Mandatário para efeitos de representação e exercício dos demais direitos de defesa processual, como foi, do qual sempre era necessário que, verificado a nota de notificação do Despacho de Acusação Pública, é pressuposto e trâmite processual obrigatório que, um tal Despacho de Acusação fosse notificado ao Defensor constituído e livremente mandatado pelo Arguido,

8 - O que in casu, não sucedera.

9 - Veja-se que, ao inexistir uma qualquer notificação de um tal Despacho de Acusação ao mandatário do Arguido, ao mesmo foi lhe vedado todo e qualquer tipo de possibilidade de exercício do direito de Defesa sob a forma Contestação, com indicação de prova e apresentação de rol de testemunhas.

10 - Ora, nos presentes autos, ao manter-se uma tal nomeação, sempre se verificou um ato de inação do ponto de vista de exercício do direito de contraditório, pois que, tomado o conhecimento por parte da Ilustre Defensora Oficiosa do teor do douto Acórdão condenatório, pacificamente, nada mais fez, nem tão pouco estabeleceu contacto com o Arguido,

11 - Daí que, o aqui Signatário tenha apresentado os respetivos autos de recurso, reclamação e intervenção nas subsequentes diligências e atos processuais,

12 - Pelo que, sempre entende o Requerente, pelas razões supra expostas e suscitadas em sede de questão prévia, ocorrera nos presentes autos, uma violação injustificada e desproporcional do princípio da relação de confiança estabelecida entre o Mandatário e o Constituinte, pois, conforme resulta do Estatuto da Ordem dos Advogados Portugueses, o artigo 88.º n.º 1 prevê que “O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem.”,

13 - Indispensabilidade essa que, não é apenas um mero enunciado de regras de conduta, é muito mais que isso, é o exercício e o assegurar de uma função ética e social relevante, do qual se impõe ao profissional uma moral irrepreensível e uma incontestável tutela da Justiça e defesa dos Direitos Humanos, pelo que entende o Requerente que o ato de constituição de Advogado/Mandatário é crucial e inultrapassável.

14 - Ora, e com base no disposto no art. 2.2 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus, na base da relação de confiança e lealdade entre Mandatário e Constituinte emerge uma integridade moral, que sempre deve prevalecer em todos os momentos processuais – veja-se a título de exemplo, o fundamento ético-jurídico do segredo profissional.

15 - Assim, e em respeito pelo disposto nos arts. 32.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e 61.º, n.º 1, al. e) do C. P. Penal, é direito do Arguido constituir mandatário para o efeito, podendo em diversos atos processuais (como sucedeu nos presentes autos) fazer-se acompanhar por Defensor – vide al. f), do n.º 1 do art. 61.º do C. P. Penal –, onde, tal “faculdade” é um direito inultrapassável, que jamais poderá ser afastado com base num determinado trânsito em julgado ou decisão irrecorrível.

16 - Frise-se, na sequência do que se vem de alegar, que o Requerente, sempre afirmou e reafirmou que a sobredita Defensora Oficiosa não era tida por si, como a sua respetiva e efetiva Mandatária, pugnando que a douta Acusação Pública, fosse notificada a quem, o mesmo desde sempre, confiou a sua defesa, ou seja o aqui Signatário.

17 - Assim, uma tal questão prévia sempre deverá ser analisada e objetivamente estudada, na medida em que sempre estaremos perante uma nulidade que, de todo o modo violou a sobredita defesa concreta, capaz e eficaz por parte do Requerente, quanto à matéria em apreciação nos presentes autos, sob pena de violação do disposto nos arts. 20.º, n.º 1 e 2, 32.º, n.ºs 1, 2, 3 da Constituição da República Portuguesa; arts. 61.º, n.º 1, als. e) e f), 62.º, n.ºs 1 e 2 (advogado constituído, não nomeado); e ainda, arts. 88.º, n.º 1, 89.º, 98.º, 100.º, n.º 1, als. a), b) e c) e 108, todos do Estatuto da Ordem dos Advogados.

B) REVISÃO PROPRIAMENTE DITA,

18 - Mui recentemente, analisada crítica e objetivamente a decisão condenatória, o ora Requerente denotou avultas incorreções, lacunas e inaptidões que sobrevém, do douto Acórdão Condenatório, nomeadamente que, os factos de que serviram de fundamentação para a condenação averbada pelo crime de associação criminosa, advém de provas/meios de prova documental que nunca poderiam ter sido considerados, ou pelo menos valorados, ainda que de forma indireta e pouco relevante.

19 - Bem como, malogradamente, da decisão condenatória sofrida pelo Requerente, advém e permanecem graves dúvidas sobre a “justiça” da condenação, uma vez que, e pelos motivos que infra melhor se explanarão sempre se verifica uma contrariedade de raciocínio e entendimento jurídico expostas pelo Digno e próprio Ministério Público quanto aos pressupostos/inobservância do crime de burla qualificada, o que é contrário à fundamentação e demais motivação exposta no douto Acórdão Condenatório.

SENÃO VEJAMOS

20 - Dos identificados pontos 1., 2. e 3. da matéria de facto dada como provada, são descritos os moldes e demais termos que integram e agregam os pressupostos descritivos de uma sobredita associação criminosa, que segundo o entendimento do Tribunal a quo, os Arguidos entre si e conjuntamente com demais pessoas, deliberaram constituir e integrar, onde estabeleceram determinados fins e objetivos, e delinearam tarefas pré-definidas.

21 - Sucede que, e ainda que tal questão tenha sido debatida em instâncias superiores, salvo o devido respeito, inexistem quaisquer dúvidas que, face a toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência, bem como, a avultada prova documental que permitiu equacionar um raciocínio crítico em sede de douta Acusação, a génese pelo qual o Tribunal a quo exacerbou o seu entendimento, adveio dos “escritos” juntos aos presentes autos pelo também Arguido, BB.

22 - Certo é que, ainda que tenham sido juntos por livre iniciativa desse Arguido em fase de inquérito, isso per si não permite, nem nunca poderia ter permitido, uma valoração livre, discricionária e injustificável com deturpação pelo desígnio princípio da livre apreciação da prova pelo Tribunal a quo, quanto ao crime plasmado no art. 299.º do C. Penal.

23 - Isto porque, se por um lado de forma exaustiva, e como bem impõe o art. 374, n.º 2 do C.P. Penal, o douto Acórdão Condenatório na sua avultada fundamentação e motivação, expôs os conceitos críticos e apreciativos como valorou os meios de prova produzidos em julgamento, e que foram juntos ao processo, a fim de afirmar ou infirmar o que advém da douta Acusação, é certo que, no que respeita aos pontos 1., 2., e 3 da matéria de facto provada isso não ocorreu, do qual sempre emerge uma nulidade insuprível.

24 - É, por conseguinte, nestes precisos pontos que assenta um dos “vícios” ab initio do Acórdão Condenatório:

ENTÃO VEJAMOS

25 - O douto Acórdão refere que, pelo ano de 2007, os Arguidos supra identificados, conjuntamente com os demais Arguidos nos presentes autos, decidiram organizar-se entre si, no sentido de ludibriarem empresas ligadas ao comércio por grossos de combustíveis, criando para esse efeito uma organização ou grupo de pessoas e firmas – pois bem, permita-se-nos questionar, então, como adveio este facto ao conhecimento do Tribunal? – quando e salvo o devido respeito, face a toda a prova produzida, tal não resulta dos inúmeros depoimentos produzidos em audiência de julgamento.

26 - Donde, a fundamentação apresentada em sede de Acórdão, quanto ao crime de associação criminosa, é equívoca e ambígua, pois, advém das declarações escritas por um tal Arguido BB, tendo o Tribunal a quo alicerçado e descrito o seu entendimento com palavras e sinónimos da “fábula” redigida pelo próprio Arguido, e que surgiram vertidas na Acusação dos presentes autos,

27 - Escritos estes que, salvo melhor opinião, nunca poderiam ser objeto de qualquer valoração pelo Tribunal a quo, uma vez que se tratam de declarações juntas em sede inquérito pelo próprio Arguido, que à data dos factos encontrava-se longe do seu domicílio (no Brasil), envolvido num panorama de condições exteriores e fatores motivacionais que o próprio julgador sempre desconhece – sem prescindir, da sobredita “autoincriminação” – sendo certo que, o mesmo, recusou-se, em sede de audiência, a autorizar a leitura das mesmas.

28 - Isto posto, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Acórdão condenatório é tido como nulo, em conformidade com o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 379 do CPP, uma vez que não contém as menções referidas no n.º 2 do art.º 374º daquele código máxime, nem tão pouco executou um exame crítico das provas que beneficiaram a formação da convicção do julgador,

29 - Ora, entende o Requerente que estaremos perante um cenário de uma certa (ir)razoabilidade, onde, em nenhum ponto da douta fundamentação que sempre se revela como extensa, se indica qual a documentação existente nos processos apensos que serviram para fundamentar a decisão recorrida, e sem prejuízo, emerge uma incompletude a despeito das aludidas razões do qual se valorou determinada prova em detrimento de outra – vide, o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 11 de março de 2009, proferido no Proc. 4/05.7TAACN.C1 e disponível em www.dgsi.pt, “o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.

ALÉM DO MAIS

30 - Dir-se-á que, quanto à factualidade que o Tribunal a quo considerou provada, nada é referido em termos de prova (testemunhal ou documental) que suporte uma tal afirmação, a par de que, tais escritos, presentes a fls. 2240 a fls. 2246 não tenham sido produzidos em sede de julgamento, surgindo, por consequência, os mesmos, desconexadamente, de forma ilegítima e injustificada interligados e presos à motivação e convicção do Tribunal a quo,

31 - Assim, se nos afigurando como dúbio e incerto que, a fundamentação da alegada associação criminosa, como resulta do Acórdão Condenatório, advenha meramente do facto de um determinado número de pessoas, suster ou estabelecer uma relação de amizade, cordialidade ou confiança básica entre si.

32 - E em que alguns deles são familiares “diretos” ou estabelecem uma relação de certa proximidade/confiança e cordialidade.

33 - Deste modo, afigura-se como infundado e pouco lógico que, Instâncias Superiores imiscuam o que surge como evidente, ou seja, o facto de a fundamentação do Acórdão Recorrido ser elaborado, única e exclusivamente em declarações escritas de um Arguido.

34 - Declarações estas que, atento o princípio da admissibilidade de prova, conforme o disposto nos arts. 126.º e 164.º, do C. P. Penal sempre se questionará as caraterísticas de isenção, verdade material e independência, bem como as razões infundamentadas, por que uma determinada prova foi valorada em detrimento de outra.

35 - Malogradamente, in casu, o regime aplicável é aquele que resulta da redação do artigo 357º do CPP, anterior à entrada em vigor da Lei 20/2013, de 21 de Fevereiro, que veio alterar profundamente um tal regime, onde, e após tal alteração, as declarações de arguido só poderiam vir a ser reproduzidas ou lidas em audiência, se tivessem sido anteriormente prestadas com assistência de defensor, e perante autoridade judiciária em conformidade com o disposto na alínea b9, do n.º 4 do art. 141.º do C. P. Penal, o que não sucedeu nos presentes autos.

36 - Quanto ao vertido no item anterior, “cum data venia”, permita-se uma breve referência do entendimento do Ilustre Professor Dr. Paulo de Sousa Mendes, em A questão do aproveitamento probatório das declarações processuais do arguido anteriores ao julgamento – «O sistema nacional autonomiza a prova que tem como fonte o arguido relativamente à prova testemunhal em sentido amplo. No estatuto do arguido como fonte de prova processual ressaltam duas marcas distintivas: (1) a proteção do arguido contra a autoincriminação, ainda que voluntária, e (2) a responsabilização do juiz pela estratégia e interrogatório do arguido»,

37 - Diga-se, ainda, que pese embora, as declarações processuais de um Arguido, prestadas antes da fase de audiência de discussão e julgamento, constituírem de sobremaneira um instituto processual de exercício de defesa, antes de um eventual Despacho de Acusação ou Arquivamento, e do qual cumpridas todas as formalidades legais, nada obsta a que possam servir, complementarmente, como meio de prova para efeitos de investigação e de informação estratégica dos sujeitos processuais.

38 - Refira-se, porém, que à luz da lei n.º 48/2007, tendo em conta a data dos factos, a reprodução em audiência de anteriores declarações processuais de Arguido, apenas seria admissível, ou por sua própria solicitação, ou quando, tivessem sido prestadas perante juiz, e ocorressem contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.

39 - Ora, e pese embora, o douto Acórdão recorrido tente menorizar o exercício valorativo que procedeu, na realidade, aos depoimentos escritos do Arguido BB, a verdade é na base condenatória e da factualidade tida como provada, considerou ser essa a sua base de convicção crítica e objetiva.

40 - É qie – frise-se – que, à exceção de tais declarações, nenhum outro meio de prova – seja de natureza documental ou testemunhal -permitira, ainda que de forma indireta, consignar e compreende que um determinado conjunto de indivíduos, de forma estruturada e com divisão de tarefas/contrapartidas entre si, deliberou reunir-se para efeitos de constituição de uma qualquer “associação criminosa” com vista à prática de crimes.

41 - Efectivamente, a génese investigatória e de mecanismo processual de obtenção de prova, advém do conjunto de declarações escritas/escritos juntos aos presentes autos pelo Arguido BB.

42 - Sendo certo que, e caso assim não sucedesse, sempre dos presentes auto se conclui que inexistem nos mesmos, uma qualquer outra prova, ou sequer indício, de que os Arguidos, em 2007, tenham alguma vez alguma reunido e concertado formar uma tal “organização criminosa”.

43 - Assim sendo, da prova produzida, em audiência de discussão e julgamento, e melhor descrita no douto Acórdão, sempre entende o Requerente que, a propósito do crime associação criminosa, nunca se reuniram os pressupostos legalmente admissíveis para se concluir pela prática dos aqui Arguidos de um tal ilícito.

44 - Na medida em que, é tido como insuficiente e infrutífero – a fim de “justificar” o preenchimento dos elementos objetivos que substanciam a associação criminosa –, que da prova testemunhal resulte, que um determinado número de indivíduos “conhecidos” entre si, e que por algumas vezes estiveram presentes perante algumas das testemunhas, tenham negociado entre si, quaisquer vendas de produtos petrolíferos; ou aliciado no fornecimento de tal produto tenham tido por objetivo praticar crimes, quando, e per fim, se tenha verificado um incumprimento por parte desses sujeitos “compradores” a nível do pagamento do valor acordado e das obrigações que resultaram de um tal negócio.

45 - Cumpre referir a este respeito, que o Tribunal a quo tentou, por um lado, desvalorizar tais escritos em sede de “apreciação crítica da prova”, admitindo no entanto, embora de forma algo encapotada – salvo o devido respeito pelo juízo crítico e livre apreciação da prova exacerbada pelo julgador – que procedeu à sua valoração in fine.

46 - A verdade é que, após a análise, mais profunda deste acórdão, designadamente, com respeito à motivação do mesmo, constata-se que não é possível compreender e alcançar a lógica do raciocínio seguido pelo Tribunal e as razões da sua convicção.

47 - Na verdade, entende-se que não basta formular “conclusões”, sendo ainda necessário e imprescindível, que o Tribunal a quo demonstre por que forma e com base em que raciocínio conclui aquilo que reduziu a escrito.

48- Mas, o que o Tribunal a quo, enviusadamente fez, nos presentes autos, foi interpretar toda a prova colhida no processo, em consonância com a tese constante dos “escritos” juntos aos pelo arguido BB, com base nos quais – e só nestes – não efetuando uma interpretação legal, correta e, até, isenta dos factos que lhe foram apresentados, ao invés, desvalorizando toda a demais prova, que apontava, claramente, para a circunstância de todos os sujeitos processuais nestes autos, não terem praticado quaisquer factos ilícitos.

49 - Diremos, por consequência, que na fundamentação da douta decisão, posta em crise, muito embora sem o admitir, de toda a prova prestada pela defesa, dos documentos juntos aos autos em sede de inquérito e instrução, e os demais depoimentos das próprias testemunhas arroladas pela douta Acusação, não foram tidas em consideração, os pontos essenciais que, nos presentes autos, sempre demonstram que inexiste prova inequívoca, certa e objetiva que testemunhe ou assevere, que quaisquer vendas de produtos petrolíferos ou aliciamento no fornecimento e aquisição de tais produtos, tenha tido por objetivo a prática de crimes.

50 - De uma tal decisão condenatória, sempre entende, o aqui Requerente, que ficou efetivamente por fundamentar qual, e o tipo de valoração, efetuado da prova produzida – a este respeito, veja-se o douto entendimento do Egrégio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 680/98, onde, «A fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respetivos destinatários e da comunidade jurídica em geral».

51 - Sendo certo que, da própria prova produzida em julgamento, nunca se reuniram os pressupostos legalmente admissíveis para se concluir pela prática dos aqui Arguidos, do crime de associação criminosa.

52 - E diga-se, em abono da verdade, que a prova testemunhal, produzida em julgamento, relativamente às questões concretas sobre «o elemento organizativo; o elemento de estabilidade associativa; o elemento da finalidade criminosa» - Cfr. douto Acórdão do S.T.J., de 13-02-1992, proferido no âmbito do Proc. 042233, e disponível in www.dgsi.pt) (negrito e sublinhado nosso) – nada souberam disseram, ou acrescentaram.

53 - Acresce que, e como ainda não bastasse, é por demais evidente que, no ponto 2.4. do douto Acórdão Condenatório resulta, novamente, a total valoração pelo Tribunal a quo de uns tais escritos, pois, repare-se no seguinte: «Era uma vez um Reino encantado e próspero, onde todos trabalhavam e viviam muito felizes. Sucede que um vilão usurpou o trono, apoderou-se das chaves do castelo, saqueou o tesouro e fugiu para uma terra distante, levando o valioso espólio e deixando enormes dívidas! Fim».

54 - Deste ponto, sempre resulta o elevado subjetivismo que advém do Acórdão Condenatório, bem como, é evidente a inquestionável nulidade por violação do disposto nos arts. 126.º, 127.º, e 164.º do C. P. Penal, sem prejuízo do disposto no arts. 20.º e 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa,

55 - Sendo que, face à ausência de provas, o douto Acórdão quanto a este ilícito, optou sempre por presumir, infundamentadamente, factos penais e incriminatórios, sem aduzir qualquer outra razão científica para tal, sem prejuízo de que, em sede da matéria de facto, o Acórdão optou por não enumerar os documentos contantes dos autos que pudessem conexionar-se com os elementos objetivos do crime de associação criminosa, pelo que terá de concluir-se, que uma tal decisão é tida como incerta e infundamentada,

56 - Conforme Doutrina e Jurisprudência maioritária, para este tipo legal de crime sempre se exige que um qualquer encontra de vontades, de todo e qualquer membro do putativo “grupo”, dê origem a uma realidade autónoma, e que seja superior às vontades e interesses dos seus membros, de per si, e diferente dessa vontade individual, o que não sucedeu nos presentes autos.

57 - Verificando-se, destarte, a inobservância cumulativa dos elementos objetivos que compõe o ilícito da associação criminosa, uma vez que “a mera vontade coletiva”, e a consecutiva “distribuição de funções” por cada um dos intervenientes, por si só, não são suficientes para se concluir, inequivocamente, pela existência de uma organização criminosa, sem prejuízo da sobredita e exigível “realidade autónoma”.

58 - Desta forma, o Tribunal a quo, assentou o seu raciocínio crítico e objetivo de condenação numa “fabulação” advinda e inquinada, já da fase de inquérito, onde e de forma injustificada, fundamentou a existência de uma associação criminosa com base em trechos infundados e com total ausência de prova, recorrendo a métodos de “descrição plural” e meras presunções.

59 - Nesta conformidade, sempre se considera que incorre o douto Acórdão Condenatório numa manifesta e clara violação do princípio da livre apreciação da prova (vide art. 127.º do C. P. Penal), bem como desrespeita o disposto no art. 126.º do C. P. Penal quanto aos métodos proibidos de prova, nulidade esta que sempre deverá ser apreciada e exposta para todos os devidos e legais efeitos.

60 - Sem prejuízo de que, verificada a aludida nulidade, os restantes crimes, pelos quais os Arguidos foram condenados, sempre se terão por inobservados, atento o crime precedente da associação criminosa.

POR ÚLTIMO

61 - Do referido douto Acórdão Condenatório e da decisão advinda do Tribunal Relação de Évora, sempre resultam manifestas incongruências, inverdades, e ausência dos elementos típicos que compõe os ilícitos pelo qual o Arguido foi condenado, e neste ponto e por razões de matéria de Direito, alude-se à subsunção dos factos quanto ao crime de burla (qualificada).

62 - Conforme advém do entendimento do Digno e Ilustre Procurador Geral-Adjunto, junto do Venerando Tribunal da Relação de Évora, em Resposta ao Recurso (20 de outubro de 2017), as sobreditas vendas de combustíveis a entidades terceiras, não integrariam no tipo de crime em questão, já que são atos que extravasam o respetivo âmbito de tal ilícito, pelo que não são passíveis de imputação penal.

63- Pelo que, e sem prejuízo que, a denominada “astúcia” que compõe o crime de burla, enquanto meio enganoso destinado à prática de atos por quem é lesado a fim de constituir-se um prejuízo patrimonial, encontra-se inobservados nas alegadas condutas que se imputam aos Arguidos.

64 - Pois que, «quanto ao aproveito e transformação de firmas que já existiam no mercado há vários anos (…)», a sobredita aquisição de sociedades não traduz por si só, a denominada astúcia, nem é suscetível de induzir em erro quem quer que seja.

65 - Bem como, resultou da alentada prova produzida em julgamento que, foram os próprios vendedores de combustíveis, seja os lesados, que exigiram da sociedade em questão, a entrega dos sobreditos cheques pós-datados a fim de efetivar com garantias o fornecimento dos combustíveis.

66 - Dito doutra forma: nunca se tem por verificada uma atuação positiva por parte do Arguido – nem tão pouco, por parte dos restantes Arguidos nos presentes autos –, no aliciamento das vítimas com as entregas de cheques, porquanto se conclui que a deslocação de qualquer esfera patrimonial para outrem, resultou da celebração livre e consciente de negócio, discutido, preparado e realizado por agentes económicos, com inclusive consciência do eventual risco por incumprimento do pagamento do preço, cfr. decorre das regras da experiência comercial e negocial,

67 - Pelo que, a fim de justificar a condenação por um qualquer crime de burla qualificada, nunca poderia o Tribunal a quo ter-se socorrido de uma espécie de astúcia “geral e plural” de todos os alegados intervenientes, sem ter sido feita qualquer prova que permitisse ao Tribunal imputar a autoria de tais factos – “astúcia, aliciamento e engano” – ao aqui Arguido.

68 - Sem prescindir que, é o próprio Tribunal a quo que reconhece, a inexistência de elementos probatórios que permitissem imputar a cada um dos Arguidos, o ilícito-tipo da burla qualificada – «não ter logrado provar quem emitiu as garantias».

69 - Subsequentemente, e por identidade de raciocínio lógico quanto ao que aqui acaba de se expor, relativamente à forma agravada do crime de falsificação de documento ou contrafação de documento no n.º 3 do art. 256.º, em nenhum ponto dos Acórdãos proferidos seja na 1.ª instância, seja em Instância Superior, «é representada a possibilidade, mais do que evidente, de que pelo menos os arguidos que não tinham poderes de gestão e determinação sobre a firma “P...”, mormente os Recorrentes (aqui Arguidos), não tinham qualquer conhecimento, prévio ou posterior, da existência de tais garantias bancárias.»

70 - Pelo que, sempre considera o Arguido que, quanto a este crime, também, encontram-se inobservados os elementos que compõe tal ilícito, já o douto Acórdão que aqui se coloca em crime, admite de forma expressa e clara, não ter logrado provar quem teria procedidos à emissão e entrega das referidas garantias bancárias, tendo sobrevindo um recurso a uma presunção.

PER FIM,

71 - Sem conceder de tudo o supra exposto, sempre se alude que, encontra-se ainda em apreciação pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, a suscitada questão de extinção do procedimento criminal, por efeito da prescrição, quanto ao crime de falsificação ou contrafação de documento, pelo qual o Arguido, ora Requerente foi condenado.

72 - Em qualquer dos casos e sem prescindir, sempre se considerando decorrido o prazo máximo legal de prescrição previsto no art. 121.º, n.º 3 do C. P. Penal, quanto a tal ilícito, o que então a ser reconhecido, imporá o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas aos restantes crimes, e resultará na proliferação de novo acórdão, onde se fixa uma nova pena única, sempre perspetivando a possibilidade de suspensão de tal pena “nova”.

73 - Atento tudo o exposto, sempre se requer que seja admitida e autorizada a presente Revisão, por não se encontrarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos, quanto aos factos criminosos pelos quais o Requerente foi condenados nos presentes autos.

74 - Mais requer, a V. Ex.ª, por questões de celeridade e economia processual, a junção aos autos da Certidão já constante dos autos, com o código de acesso: RB9U-YTLG-XB1Q-LCOB, com nota de trânsito em julgado do Acórdão proferido, em sede de 1ª Instância, no dia 03-09-2014, pelo Tribunal Coletivo do Círculo Judicial de Tomar, transitado em julgado em 29-04-2022, e ainda do douto Acórdão nr. º 321/2022 proferido pelo Egrégio Tribunal Constitucional, em 28 de Abril de 2022 nos autos de recurso nr. º 652/21, vindos do Supremo Tribunal de Justiça.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, e com o sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., requer-se seja admitida e autorizada a Revisão do Acórdão Condenatório proferido nos presentes autos, nos termos e efeitos do disposto na alínea e) do n.º 1, do art.º 449.º do C. P. Penal – sem prejuízo, da análise crítica e objetiva da questão prévia aqui suscitada –, em razão da existência de meios de prova que, per si, suscitam grandes e sérias dúvidas, salvo o devido respeito, quanto à decidida condenação do Requerente.

Indica ainda, como meios de prova, três testemunhas, devidamente identificadas.

2. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, em 20/03/2023, defendendo, em síntese, que não se verificam os fundamentos da admissibilidade do recurso em causa, devendo ser negada a revisão solicitada.

3. O Senhor Juiz do Juízo Central Criminal ... -J... deu, em 09/05/2023, a informação a que alude o art. 454.º, do C.P.P. (Transcrição):

Exm.ºs Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça

Cumpre proferir informação sobre o mérito do pedido (cfr. art.º 454.º do CPP).

O arguido AA veio, nos termos do art.º 449.º do Código de Processo Penal, apresentar recurso extraordinário de revisão do Acórdão proferido nos presentes autos, oportunamente transitado em julgado, que o condenou como autor material de: 1 (um) crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; 1 (um) crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo art.º 256.º, n.ºs 1, alíneas a), b), c), d), e), e 3, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punível pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, da Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Indica como meios de prova a inquirição de 5 testemunhas que arrola.

Alega, no essencial, como questão prévia a não notificação do seu mandatário do despacho de acusação, e a nomeação de uma Defensora Oficiosa, ao arrepio das regras gerais.

No que respeita à revisão propriamente dita, sustenta que a decisão condenatória denota avultadas incorreções, lacunas e inaptidões que lhe sobrevém, nomeadamente que os factos que serviram para fundamentar a sua condenação por crime de associação criminosa, advém de provas/meios de prova documental que nunca poderiam ter sido considerados, ou pelo menos valorados.

Bem como, sustenta que a sua condenação advém de graves dúvidas sobre a sua “justiça”, as quais permanecem.

De seguida identifica o recorrente vários pontos da matéria de facto dada como provada que integram e agregam os pressupostos descritos de uma associação criminosa.

Mais diz que inexistem quaisquer dúvidas que, face a toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência, bem como, a avultada prova documental, e que esteve na génese da sua condenação, o Tribunal a quo exacerbou o seu entendimento, que também adveio dos “escritos” juntos aos autos pelo também arguido BB.

Considera que relativamente aos pontos que identificou como provados não se verificou fundamentação e motivação, conforme impõe o art.º 374º, n.º 2, do CPP, pelo que, emerge uma nulidade insuprível.

Diz ainda que em nenhum ponto da fundamentação da decisão condenatória se indica qual a documentação existente nos processos apensos que serviram para a fundamentar.

Por sua vez, sustenta que quanto à factualidade dada como provada (testemunhal e documental), nada é referido em termos de prova que suporte uma tal afirmação, a par de que, tais escritos (fls. 2240 a 2246), não tenham sido produzidos em sede de julgamento.

Assim, coloca em causa a fundamentação da alegada associação criminosa, e considera como infundado e pouco lógico, o facto da fundamentação do acórdão recorrido ter sido elaborada, única e exclusivamente, em declarações escritas de um arguido, declarações estas que, atento o disposto nos artigos 126º e 164º, do CPP, sempre se questionará as características de isenção, verdade material e independência.

Por sua vez, considera que a génese investigatória de mecanismo processual de obtenção de prova, advém do conjunto de declarações escritas/escritos juntos aos autos pelo arguido BB.

Por outro lado, sustenta que do acórdão condenatório e da decisão do Tribunal da Relação de Évora, sempre resultam manifestas incongruências, inverdades e ausência dos elementos típicos que compõem os ilícitos pelo qual foi condenado, aludindo-se à subsunção dos factos quanto ao crime de burla qualificada.

Menciona ainda que se encontra em apreciação pelo Tribunal da Relação de Évora a suscitada questão da extinção do procedimento criminal, por efeito da prescrição.

Por tudo o que motivou, requer que seja admitida e autorizada a Revisão do Acórdão condenatório, nos termos do art.º 449º, n.º 1, alínea e), do CPP.

Dado o contraditório ao M.P., o mesmo defende a sua improcedência na sua douta resposta de 20-03-2023 [Ref.ª ...60] e, desde já se diga, com a nossa concordância.

Senão vejamos:

Em primeiro lugar, cumpre mencionar que o recurso de revisão pressupõe o trânsito em julgado da decisão a rever (cfr. art.º 449.º, n.º 1, do CPP), pelo que, consideramos no mínimo incongruente do ponto de vista jurídico a apresentação do presente recurso de revisão pelo arguido, num momento em que ainda se encontra pendente no Tribunal da Relação de Évora um recurso interposto pelo mesmo arguido nos autos principais relativamente a um despacho que indeferiu o requerimento por esta formulado no qual esta invocava a prescrição do procedimento criminal, com os fundamentos de que, a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, já não se poder falar mais em prescrição do procedimento criminal encontrando precludido tal conhecimento e ainda, por outro lado, por se entender que com o caso julgado, falece a competência do tribunal de 1ª instância para apreciar os referidos requerimentos nos quais se suscita a prescrição do procedimento criminal, porquanto, com o trânsito em julgado se esgotou o poder jurisdicional para apreciar a referida prescrição do procedimento criminal, defendendo a arguida no recurso apresentado que o acórdão ainda não transitou em julgado [cfr. requerimentos dos arguidos a suscitar a prescrição do procedimento criminal (Referências ...22, de 2022-05-18, Referência ...39, de 2022-05-18, Referência ...15, de 2022-05-20 e Referência ...36, de 2022-06-03 e Ref.ª ...02, de 19-05-2022), despachos versando o não conhecimento da prescrição do procedimento criminal face ao trânsito do acórdão proferido em 29-06-2022 (Ref.ª ...56) e em 06-07-2022 (Ref.ª ...91), Recurso (requerimento e motivação) interposto pelos Arguidos sobre a verificação de prescrição do procedimento criminal, datado de 13- 07-2022 (Ref.ª ...74), despacho de admissão do Recurso, datado de 13-09-2022 (Ref.ª ...94)].

Sem prejuízo do supra vertido, quanto às nulidades invocadas pelo recorrente no recurso de revisão apresentado que se prendem com a não notificação do seu mandatário do despacho de acusação, e a nomeação de uma Defensora Oficiosa, que no entender do recorrente ocorreu em violação do disposto nos arts. 20.º, n.º 1 e 2, 32.º, n.ºs 1, 2, 3 da Constituição da República Portuguesa; arts. 61.º, n.º 1, als. e) e f), 62.º, n.ºs 1 e 2 (advogado constituído, não nomeado); e ainda, arts. 88.º, n.º 1, 89.º, 98.º, 100.º, n.º 1, als. a), b) e c) e 108, todos do Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como, de verificação de nulidade insuprível do acórdão proferido em 1.ª instância, em conformidade com o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 379 do CPP, uma vez que não contém as menções referidas no n.º 2 do art.º 374º do CPP, as mesmas foram já suscitadas pelo arguido no recurso por este apresentado para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido julgadas improcedentes por acórdão proferido pelo Venerando Tribunal em 06-06-2017 (cfr páginas 288 a 292 do referido acórdão).

Nessa conformidade, não pode agora o recorrente por meio de um recurso extraordinário de revisão, procurar novamente discutir as mesmas nulidades processuais que já foram julgadas improcedentes, porquanto tais decisões encontram-se transitadas em julgado e as mesmas extravasam claramente os fundamentos admissíveis para o presente recurso (cfr. art.º 449º, n.º 1, do CPP a contrario).

No que respeita ao recurso de revisão propriamente dito, entendemos que é patente que não se verificam no caso os fundamentos e admissibilidade da revisão a que alude o art.º 449º, do CPP.

Com efeito, do que se alcança da forma como se encontra motivado o recurso, o arguido pede a revisão do Acórdão transitado em julgado, nos termos do disposto no art.º 449º, n.º 1, alínea e), do CPP.

De acordo com tal preceito, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

«e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º.»

Por seu turno, nos termos do art.º 126º, do CPP:

«1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

2 - São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:

a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus-tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;

b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;

d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;

e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível;

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

4 - (…)».

Comentando o citado art.º 449.º, n.º 1, al. e) do CPP, refere o Conselheiro PEREIRA MADEIRA que:

«Na alínea e) do n.º 1, aditada pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, passou a ser prevista a descoberta – depois da prolação da sentença revidenda, pois se antes, será a questão objecto de recurso ordinário – de provas proibidas que serviram de suporte à condenação. Como tais devem ter-se apenas as referidas no artigo 126.º do CPP, em suma, as provas obtidas mediante tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas e intromissão não autorizada no domicílio, vida privada e correspondência ou telecomunicações. Enfim, as provas obtidas por métodos violentos ou insidiosos, com ofensa à integridade física ou moral das pessoas nomeadamente de interrogatório ou inquirição. A qualificação das provas, como “proibidas”, competirá naturalmente ao tribunal, embora a sua actuação nesse sentido possa ser impulsionada pelo interessado».

Não basta – acrescenta o mesmo autor – “a mera invocação do uso de prova proibida para que a revisão seja lograda. Importa, por um lado, que essa descoberta se mostre posterior à decisão e confirmada no processo de modo claro e inequívoco, embora sem necessidade de confirmação por sentença, como acontece no caso previsto nas alíneas a), b) e c). E, por outro, que tais provas serviram – em maior ou menor medida – de fundamento à condenação. Deste modo, se não obstante tais provas proibidas não houve condenação, ou, a tê-la havido, ela não está, em segmento algum suportada nessas provas, soçobra o fundamento da revisão»

[ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUESGASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA, ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1509].

Do enunciado textual da alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, extrai-se, assim, que a descoberta de provas proibidas que serve de fundamento ao recurso de revisão tem de ser posterior à decisão revidenda.

Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado neste exacto sentido, reiterada e uniformemente (nesse sentido, vejam-se os acórdãos do STJ, d e 29-01-2014 [Proc. n.º 528/06.9TAVIG-A.S1 - 5.ª Secção], de 16-10-2014 [Proc. n.º 370/08.2TAODM.E1-A.S1 - 5.ª Secção], de 08-11-2017 [Proc. n.º 108/10.4PEPRT-F.S1 - 3.ª secção], de 18-12-2019 [Proc. n.º 8203/14.4TDLSB-A.S1 - 3.ª Secção], de 03-05-2018 [Proc. n.º 10939/16.6P8LSB-A.S1 - 5.ª Secção], de 13-09-2018 [Proc. n.º 174/13.0GAVZL-B.S1 - 5.ª Secção], de 04-07-2018 [Proc. n.º 1006/15.0JABRG-D.S1 - 3.ª Secção], de 17-10-2018 [Proc. n.º 2/16.5PTBGC-A.S2 - 3.ª secção] e Ac. do STJ de 20-01-2021 [Proc. n.º 374/11.8PFAMD-B.S1]].

Na verdade, a revisão constitui um meio extraordinário que visa a impugnação de uma sentença transitada em julgado e a obtenção de uma nova decisão, mediante a repetição do julgamento.

Do carácter extraordinário deste recurso decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respectiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.

Cumprindo salientar que o recurso extraordinário de revisão não se destina a sindicar a correcção de decisão condenatória transitada em julgado, debruçando-se o julgador mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou.

Como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 25-07-2014, proferido no processo n.º 145/10.9JAPDL-B.S1 - 3.ª Secção:

«Passando ao fundamento de revisão previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449º, fundamento introduzido pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto – provas proibidas –, observar-se-á que o texto legal não estabelece como seu requisito integrante a mera ocorrência de condenação baseada em provas proibidas. Com efeito, ao dispor que a revisão de sentença é admissível quando se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º, a lei estabelece como requisito, a par de condenação baseada em provas proibidas, a circunstância de esse vício só vir a ser conhecido posteriormente.

Não basta, pois, à verificação deste pressuposto de revisão de sentença a ocorrência de condenação baseada em provas proibidas tout court.

A imposição de que o uso ou utilização e a valoração de provas proibidas só releva em matéria de revisão de sentença quando descobertos posteriormente, tem a sua justificação na excepcionalidade da revisão, na restrição grave que a mesma admite e estabelece ao princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva, ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo tribunal”.

Na ponderação de interesses que sempre implica a resolução do conflito existente entre o valor do caso julgado e a admissibilidade de revisão de uma sentença, o legislador de 2007, possibilitando a quebra daquele perante um vício decisório resultante da utilização e valoração de provas proibidas, no entanto, entendeu limitá-la aos casos em que da ocorrência da anomia probatória só posteriormente se deu conta.

Das considerações tecidas ter-se-á de concluir que o fundamento de revisão constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 449º só é relevante quando descoberto após a prolação da decisão, sendo que, tal como sucede relativamente ao fundamento previsto na alínea d) (novos factos ou meios de prova), só será atendível em recurso de revisão se o recorrente provar que só depois da condenação teve conhecimento da existência da prova proibida]. De outro modo estar-se-ia a transformar o instituto de revisão de sentença em outro grau de recurso, postergando totalmente, em clara e frontal violação da Constituição, o princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva.

No caso vertente certo é que o recorrente não fez qualquer prova no sentido de que tal pressuposto se verifica, consabido que fundamenta a invocação da ocorrência de prova proibida através de informações fornecidas pelas testemunhas que indicou, sendo que, como já vimos, não fez prova de que ao tempo da condenação desconhecia a existência dessas testemunhas.

Destarte, também não se verifica o fundamento de revisão de sentença previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449º.»

Revertendo ao caso concreto, no que respeita ao referido fundamento de revisão mencionado na alínea e), n.º 1, do art.º 449º, do CPP, uso de prova proibida, é de sublinhar que este só pode assentar na descoberta de que foram utilizados métodos proibidos de prova a que se refere o art.º 126º, do CPP supra transcrito.

Ora, face ao previsto no art.º 126º do CPP, desde logo se verifica que não há fundamento para revisão de sentença, nos termos da alínea e), do nº 1 do art.º 449º, na medida em que não vislumbrarmos a existência de uso de qualquer meio de prova proibido que tenha levado à condenação do recorrente, e também não descortinamos a existência de motivação clara por parte do recorrente que suporte a sua verificação.

Na verdade, o arguido limita-se a invocar no essencial, que a “génese investigatória de mecanismo processual de obtenção de prova”, advém do conjunto de declarações escritas/escritos juntos aos autos pelo arguido BB.

Para além de não se entender qual o significado técnico-jurídico de tal afirmação (“génese investigatória de mecanismo processual de obtenção de prova”), também não se vislumbra que as declarações escritas/escritos juntos aos autos pelo arguido BB constituam métodos proibidos de prova a que alude o art.º 126º, do CPP, que respeitam à forma como a prova foi obtida ou à forma como essa prova pode ser utilizada.

Acresce que, como emerge do supra vertido do enunciado textual da alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, resulta que a descoberta de provas proibidas que serve de fundamento ao recurso de revisão tem de ser posterior à decisão revidenda.

Ora, constata-se que o recorrente já havia suscitado como fundamento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora a inconstitucionalidade do acórdão da primeira instância, por alegada violação do disposto no art.º 126.º e 164.º do CPP, 20.º e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, por ter valorado tais declarações escritas do arguido BB, tendo tal fundamento de recurso sido julgado improcedente por acórdão proferido pelo Venerando Tribunal em 06-06-2017, no qual se entendeu não se tratar de um meio de prova proibido atento o disposto no art.º 126.º e 164.º do CPP, não padecendo o acórdão em causa de qualquer nulidade por força desta circunstância (cfr páginas 293 a 294 do referido acórdão).

Deste modo, a descoberta da proibição de prova alegada pelo recorrente não é posterior à decisão revidenda, pelo que, não pode constituir fundamento para o recurso de revisão, nos termos do art.º 449.º, n.º 1, al. e), do CPP.

Por outro lado, se bem lido o douto Acórdão condenatório, perceber-se em que termos e porque fundamentos e provas o recorrente foi condenado, não se alcançando que tenham sido utilizadas provas para fundamentar a condenação do recorrente que foram obtidas em violação do disposto no art.º 126º, do CPP.

Por isso mesmo, se nos afigura que o que o recorrente pretende com este recurso de revisão extraordinário é tentar novamente discutir os fundamentos da decisão, quando sabe que, nesta fase, está impossibilitado de o fazer em face do trânsito em julgado do acórdão.

Aliás, a indicação de prova testemunhal é sintomática disso mesmo.

Em suma, entendemos, salvo melhor entendimento, que o recorrente não veio invocar qualquer fundamento admissível para o pretendido recurso de revisão, para os efeitos do disposto no art.º 449.º, n.º 1, alínea e) do CPP, termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso.

4. Por sua vez, o Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, emitiu, em 29/05/2023, douto e desenvolvido parecer, no sentido de não se verificarem os requisitos previstos no art. 449.º n.º 1 e), do C.P.P., ou de quaisquer outras alíneas do mesmo preceito, pelo que, acompanhando a posição expressa pelo seu Colega da primeira instância, entende que se deverá negar a pretendida revisão da sentença.

Observado o contraditório, por requerimento, de 14/06/2023, o recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, manifestando a sua discordância em relação ao seu conteúdo e reiterando que o seu recurso merece provimento.

6. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. O recurso extraordinário de revisão constitui, nas assertivas palavras de Amâncio Ferreira[1], o “último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial”.

Este expediente extraordinário visa a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua, através da repetição do julgamento, a uma outra já transitada em julgado[2].

Trata-se, pois, de uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o ato jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça material.

Procura-se evitar, em ultima ratio, sentenças injustas e corrigir erros judiciários[3].

Saliente-se que a revisão de sentenças e despachos que ponham termo ao processo tem uma larga tradição nosso direito[4], encontrando-se já referenciada, como lembra Luís Osório[5], nas Ordenações Afonsinas (Ord. III, §§ 1.º, 3.º, 5.º e 6.º).

Presentemente, tem consagração constitucional – art. 29.º n.º 6 da C.R.P. – e encontra-se prevista no art. 449.º e ss. do C.P.P.

Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Protocolo 7, art. 4.º, consagra que a sentença definitiva não impede a reabertura do processo, nos termos da lei do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior poderem afetar o resultado do julgamento.

É constituída por duas fases: a fase do Juízo rescindente e a fase do juízo rescisório[6]. A primeira abrange todos os termos que têm lugar desde a petição do recurso até à decisão do Supremo Tribunal de Justiça, concedendo ou denegando a revisão. A segunda respeita ao conhecimento do mérito do próprio recurso, cabendo ao tribunal da primeira instância.

No caso da descoberta de novos factos ou novos elementos de prova, que é um dos fundamentos mais frequentemente utilizados pelos recorrentes, Cavaleiro de Ferreira[7] chama a atenção para a indicação ser em alternativa, o que só pode significar que se trata de coisas diferentes.

Factos são os factos probandos; elementos de prova, as provas relativas a factos probandos. Quer dizer, por factos há que entender todos os factos que devem ou deveriam constituir tema da prova, seja direta ou indireta. Elementos de prova são os as provas destinadas a demonstrar a verdade de quaisquer factos probandos, quer dos que constituem o próprio crime, quer dos que são indiciadores de existência ou inexistência do crime.

2. Fechado este parêntese, em que tecemos breves considerações sobre a figura do recurso de revisão em geral, e regressando à situação em análise, que versa sobre recurso a prova proibida, começamos por dizer que, relativamente à questão prévia levantada pelo recorrente sobre uma pretensa nulidade por falta de notificação da acusação dos autos ao seu mandatário judicial, questão que foi já colocada ao Tribunal da Relação de Évora, que a julgou improcedente, não faz o menor sentido que, em sede de um recurso extraordinário desta natureza, volte a ser colocada, uma vez que tal não cabe no âmbito do recurso de revisão, nos termos definidos pela Constituição e pela lei processual penal[8].

Não se pode confundir um recurso extraordinário com um recurso ordinário, nem tão pouco se pode transformar um recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário.

Quanto ao mais, como bem salientam os dignos magistrados do Ministério Público, na Resposta ao recurso apresentada pelo Senhor Procurador da República e no Parecer proferido pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, o que o recorrente pretende, ao fim e ao cabo, é, através deste recurso de revisão, tentar discutir novamente os fundamentos da decisão, como, aliás, a indicação de prova testemunhal é sintomática disso mesmo.

Com efeito, o mesmo reconduz o cerne da extensa motivação do recurso que interpôs, sugerindo o uso de meio de prova proibida que esteve na base da sua condenação, quedando-se, para tanto e apenas em abstrato, por fazer uma mera referência ao preceituado no artigo 126.º, do C.P.P., o que se revela notoriamente insuficiente para alicerçar o recurso extraordinário de revisão.

Na verdade, o recorrente limita-se a invocar, no essencial, que a “génese investigatória de mecanismo processual de obtenção de prova” advém do conjunto de declarações escritas/escritos, que foram juntos aos autos pelo arguido BB.

Ora, há que sublinhar, de forma clara e inequívoca, que não se deteta no acórdão condenatório - nem tão pouco o recorrente demonstra minimamente - que tenham sido utilizadas provas proibidas, para fundamentar a sua condenação, obtidas em violação do disposto no art.º 126º n.ºs 1 a 3, do C.P.P.

Na esteira de jurisprudência consolidada do STJ[9], o fundamento da revisão, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do art. 449.º, exige a verificação de dois requisitos cumulativos: condenação com base em provas proibidas, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art. 126.º, do C.P.P.; e superveniência na demonstração de que serviu de fundamento à condenação uma prova proibida.  

Ou seja, a revisão, com este fundamento, só será atendível se o requerente provar que só depois da condenação teve conhecimento da prova proibida.

Acontece, porém, como assertivamente chama a atenção o Senhor Procurador-Geral Adjunto, que o recorrente já havia suscitado como fundamento do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora a inconstitucionalidade do acórdão da primeira instância, por alegada violação do disposto nos arts. 126.º e 164.º, do C.P.P., 20.º e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, por ter valorado tais declarações escritas do arguido BB, tendo tal fundamento sido julgado improcedente por acórdão proferido por aquele Tribunal, em 06/06/2017, e, em consequência, decidido não se tratar de um meio de prova proibido, atento o disposto nos arts. 126.º e 164.º do C.P.P.

Deste modo, é bem evidente que a descoberta da proibição de prova alegada pelo recorrente não é posterior ao trânsito em julgado da decisão revidenda, pelo que não pode constituir fundamento para o recurso de revisão, nos termos do citado art.º 449.º, n.º 1, al. e), do C.P.P.

Nesta conformidade, outra conclusão não se pode extrair que não seja que a revisão solicitada é manifestamente infundada.

III. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar a revisão requerida pelo arguido/condenado AA, por manifesta falta de fundamento.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, a que acrescerá mais 7 UC, nos termos do disposto no art. 456.º, do C.P.P.

Lisboa, 11 de julho de 2023

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Teresa de Almeida (Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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[1] Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.º ed., Pg. 334.
[2] Simas Santos e Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.º ed., pg. 203 e ss.
[3] É muito vasta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre o recurso de revisão, sendo, entre os mais recentes, entre outros, de destacar os acórdãos de 21/6/2023, 7/4/2022, 23/3/2022, 27/1/2022, 20/10/2021 e 11/2/2022, cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros Orlando Gonçalves, António Gama, Nuno Gonçalves, M. Carmo Silva Dias, Ana Barata de Brito e Margarida Blasco, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[4] Sobre a evolução histórica do recurso de revisão, vide Paulo Renato de Freitas Belo, in JULGAR n.º 23-2014, pg. 85 e ss.
[5] In Comentário ao Código de Processo Penal, Vol.VI, pg. 402.
[6] Com mais desenvolvimento, veja-se, com interesse, Manuel Cavaleiro de Ferreira, in Scientia Juridica, 1965, Tomo XIV, n.ºs 75-76 – Setembro-Dezembro, pg. 357 e ss., e o acórdão do STJ de 12/3/2009, cujo relator é o Senhor Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt.
[7] Estudo já referenciado, pg. 521 e ss.
[8] Neste sentido, o acórdão do STJ de 6/7/2022, Proc. n.º 438/07.2PBVCT-AA.S1, do qual é elatora a Senhora Conselheira Teresa de Almeida.
[9] Cfr., v.g., os acórdãos de 13/4/2023, Proc. n.º 390/16TELSB-A.S1, relator o Senhor Conselheiro Orlando Gonçalves, 1/2/2023, Proc. n.º 35/17.4GACHV-A.S1, Senhora Conselheira Teresa de Almeida, 7/12/2022, Proc. n.º 116/18.PAABT-H.S1, Senhora Conselheira M. Carmo Silva Dias, 20/1//2021, Proc. n.º 374/11.8PFAMD-B.S1, Senhor Conselheiro Manuel Augusto de Matos, e 3/12/2014, Proc. n.º 3/12/2014, Proc. n.º 798/12.3GCBNV-B.S1, Senhor Conselheiro Pires da Graça, todos disponíveis também no sítio indicado.