Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97S098
Nº Convencional: JSTJ00032604
Relator: SOUSA LAMAS
Descritores: RESCISÃO DE CONTRATO
MÚTUO CONSENSO
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO NEGÓCIO
FALTA DE ASSINATURA
NULIDADE DO DESPEDIMENTO
Nº do Documento: SJ199711050000984
Data do Acordão: 11/05/1997
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. DIR PROC CIV - RECURSOS.
DIR CIV - TEORIA GERAL. DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional: LCCT89 ARTIGO 8 N1.
CCIV66 ARTIGO 220 ARTIGO 364.
DL 372-A/75 DE 1975/07/16 ARTIGO 7.
LOTJ87 ARTIGO 29.
CPC67 ARTIGO 721 ARTIGO 729.
Sumário : I - O acordo de cessação do contrato de trabalho deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma delas com um exemplar, nele se mencionando a data da celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos.
II - A falta de alguma das referidas datas, ou a assinatura só de cada uma das partes em um dos dois exemplares do documento e só a da outra parte no segundo acarretam a nulidade de acordo inclusive no que diz respeito ao direito ao recebimento de qualquer outra quantia ou à renúncia ao direito de propor qualquer acção no tribunal de trabalho.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de
Justiça:
A, residente no Lugar de Covas, Castelo, Celorico da beira.
Demandou B, com sede em Lisboa.
Pedindo que a rescisão do seu contrato com a Ré, por mútuo consentimento, fosse declarada nulo e a Ré condenada a pagar-lhe 5168465 escudos da remuneração de horas extraordinárias que lhe prestou, 201400 escudos de férias vencidas e não gozadas e do respectivo subsídio, 26500 escudos de subsídio de Natal e 667800 escudos de indemnização por antiguidade.
Alegou, essencialmente que trabalhou sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, exercendo as funções de guarda, mediante retribuição, desde Julho de 1985 e que foi despedido em 10 de Maio de 1994, sem precedência de processo disciplinar nem justa causa.
A Ré contestou, opondo que o Autor só é seu funcionário desde 1 de Setembro de 1993, foi ele que livremente rescindiu o contrato, por mútuo consentimento, conforme o documento n. 1 que juntou, recebendo 300000 escudos, declarando nada mais ter a receber e renunciando ao direito de propor ou fazer seguir qualquer acção no tribunal de trabalho e que jamais prestou qualquer trabalho suplementar que não lhe tivesse sido pago, pelo que deveria ser absolvida dos pedidos já no despacho saneador.
O Autor respondeu reafirmando que a invocada rescisão do contrato por mútuo consentimento não foi mais do que um despedimento sem justa causa, já que foi coagido a assinar o respectivo documento.
Realizado o julgamento e assente a matéria de facto julgada provada, foi proferida sentença a julgar a acção procedente, em parte, e a condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de 332336 escudos de trabalho suplementar, 80383 escudos de proporcionais e juros de mora à taxa legal sobre essas quantias desde a citação e até integral pagamento, por ser inválida a renúncia a recorrer ao tribunal por que ocorreu ainda na vigência do contrato.
Apelou a R. dessa sentença mas o recurso foi julgado improcedente e confirmada inteiramente a decisão recorrida, com o fundamento de que a rescisão por mútuo acordo consta do documento nulo, por não estar assinado por ambas as partes pelo que não pode surtir os efeitos pretendidos pela recorrente quer quanto à compensação global quer quanto à renúncia de qualquer direito.
Inconformada, recorreu a Ré para este Supremo Tribunal, formulando as conclusões seguintes:
A - O facto do mesmo documento ter sido feito em dois exemplares, sendo cada um deles assinado pela parte contra quem se quer fazer valer o documento é condição suficiente para se estar perante o documento a que se refere o artigo 8 do Decreto-Lei 64-A/89.
B - O facto do documento de rescisão não referir, expressamente, a que créditos pretende renunciar o trabalhador não pode ser interpretado da forma que foi pelo ilustre julgador, por violação directa do disposto no n. 4 do artigo 8 do Decreto-Lei 64-A/89. Na verdade, dispõe aquele normativo que "Se no acordo da cessação... as partes estabelecerem uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador, entende-se, na falta de disposição em contrário, que naquela foram incluídos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação."
C - O direito a recorrer ao Tribunal do Trabalho é perfeitamente renunciável.
O recorrido não apresentou alegações.
A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer, que foi notificado às partes, em concordância quer com os fundamentos quer com a decisão do douto acórdão recorrido, entendendo que deve ser negada a revista.
Colhidos os vistos legais, é de decidir, considerando os factos que foram julgados provados pela Relação e que a seguir se transcrevem.. a) O A. trabalhou sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, no armazém de Amarante, com a categoria profissional de guarda que aí exerceu. b) Na noite de 5 para 6 de Maio de 1994, o estabelecimento de Amarante foi assaltado por meio de arrombamento de um grande portão e com utilização de carros de transporte de mercadorias que fazem grande ruído. c) O autor deu pela preparação do assalto. d) Após o assalto, a Ré abriu um inquérito disciplinar com vista a eventual propositura de processo disciplinar ao A.. e) Em 10 de Maio de 1994, o Autor assinou uma declaração do teor de folha 22 que se dá por reproduzido, tendo recebido nos termos da mesma, a quantia de 300000 escudos. f) A Ré disse ao Autor para assinar tal documento caso contrário "iria na mesma para a rua" e não recebia nada. g) O Autor assinou o documento com receio de ficar na mesma sem emprego e nada receber por ter sido confrontado com a possibilidade de ser despedido por não ter dado pela preparação do assalto referido em b). h) Em Outubro de 1991 e até Agosto de 1993 foram pagos ao Autor as seguintes de trabalho extraordinário:
Outubro de 1991 - 6000 escudos,
Novembro de 1991 - 13200 escudos,
Dezembro de 1991 - 6400 escudos,
Janeiro a Julho de 1992 - 92400 escudos,
Agosto a Setembro de 1992 - 26400 escudos,
Outubro a Dezembro de 1992 - 42000 escudos,
Janeiro a Agosto de 1993 - 112000 escudos. i) A Ré já há muito, com referência à data referida em e) tinha previsto entregar a vigilância do seu estabelecimento de Amarante à empresa LIVIG, que faz a segurança de todos os seus 16 outros estabelecimentos. j) O Autor encontrava-se de serviço na noite de 5 para
6 de Maio de 1994. l) O Autor entrou ao serviço no armazém referido em b) em Julho de 1985, trabalhando para a então proprietária e depois para a Ré, sem qualquer solução de continuidade. m) O Autor trabalhava em cada mês alternadamente, 4 dias numa semana (2., 4., 6. e domingo) e 3 dias noutra
(3., 5. e Sábado). n) Nos dias úteis fazia um horário de trabalho das 18 horas de um dia até às 8 horas do dia seguinte. o) Aos sábados trabalhava das 18 horas e pelo menos até
às 13 horas de domingo. p) Aos Domingos trabalhava das 18 horas até às 13 horas de segunda-feira. q) O Autor não reclamou qualquer crédito sobre o trespassante.
Impugna a recorrente a declaração da nulidade do acordo de cessação do contrato e a consequente nulidade da declaração do recebimento da respectiva compensação e da renúncia do direito de recorrer ao tribunal.
O acordo de cessação do contrato de trabalho deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar, conforme prescreve o n. 1 do artigo 8 do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n. 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
A lei exige, assim, muito claramente, documento escrito e a assinatura de ambas as partes.
Preside a essa exigência, o manifesto propósito do legislador de proteger adequadamente o trabalhador contra os riscos de uma desvinculação simplesmente verbal que não seja devidamente ponderada.
A assinatura do documento por ambas as partes, tal como a menção expressa da data da celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos, são elementos essenciais do acordo.
São, sem dúvida, formalidades ad substantiam, justificadas pela necessidade de certificar o acordo e de levar as partes, principalmente o trabalhador, normalmente o mais afectado pelos efeitos da cessação do contrato, a ponderar e reflectir sobre os efeitos e consequências da desvinculação.
Como se escreveu e bem no douto acórdão recorrido, a possibilidade consagrada pelo artigo 7 do anterior regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n. 372-A/75 de 16 de Julho, de revogação unilateral do acordo de cessação do contrato, nos sete dias subsequentes à sua assinatura, pelo trabalhador mostra bem aquele propósito do legislador de acautelar os especiais interesses do trabalhador.
Se um acordo de cessação do contrato de trabalho não constar de documento assinado por ambas as partes é, certamente, nulo, nos precisos termos do artigo 220 do Código Civil, por não obedecer à forma legalmente prevista.
A assinatura do documento só por uma das partes, só por si, invalida o acordo por inobservância de uma formalidade essencial.
Da matéria de facto julgada provada nas instâncias e que este Supremo Tribunal tem de acatar, em conformidade com o que dispõem os artigos 29 da Lei n. 38/87 de 23 de Dezembro, 85 do Código de Processo de
Trabalho, 721 e 729 do Código de Processo Civil, resulta que o Autor assinou uma declaração do teor de folha 22.
Como se entendeu no douto acórdão recorrido e não pode ser modificado na revista, aquele documento não foi assinado pela Ré.
Pretende, no entanto, a recorrente que esse documento foi feito em dois exemplares, sendo cada um deles assinado pela parte contra quem se quer fazer valer o documento o que é suficiente para se ter por válido o acordo, nos termos do artigo 8 do Decreto-Lei n. 64-A/89.
O segundo exemplar invocado pela recorrente seria o que faz a folha 191 do processo junto pela Ré só que, como se evidencia nesse documento, ele foi assinado apenas pelo Autor.
E quanto ao primeiro exemplar, junto a folha 22, julgou a Relação provada que foi assinado pelo Autor.
E constando dele apenas uma assinatura, forçoso é concluir que não foi assinado pela Ré.
Não pode, assim, deixar de concluir-se, como se concluiu no douto acórdão recorrido que o contrato não cessou por mútuo acordo, dada a nulidade desse acordo; nos precisos termos dos artigos 220 e 364 do Código Civil.
Sendo o acordo cessatório inquestionavelmente nulo, as demais declarações negociais constantes do respectivo documento não podem também surtir os efeitos pretendidos que quanto ao recebimento de uma compensação pecuniária cuja única razão de ser é esse mesmo acordo, quer quanto à renúncia à propositura de qualquer acção no Tribunal do Trabalho.
A declaração negocial atribuída ao Autor nesse documento abrange, sem dúvida, não só a cessação do contrato por mútuo acordo mas também o recebimento de uma quantia e a renúncia ao direito de propor qualquer acção no tribunal do trabalho.
Esses efeitos, pretendidos pelas partes e consentidos expressamente pelo n. 3 do artigo 8 precitado estão incindivelmente ligados ao acordo celebrado que constitui o seu pressuposto, a sua razão de ser e fundamentos.
A nulidade desse acordo não pode deixar de acarretar a nulidade das declarações negociais que nele se inserem que não podem, por conseguinte, surtir quaisquer efeitos, prejudicando, desse modo, a pretensão da recorrente em sentido contrário.
Pelo exposto, decide-se negar a revista, mantendo-se a decisão proferida por ela impugnada.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 5 de Novembro de 1997.
Sousa Lamas;
Almeida Deveza;
Matos Canas.