Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
80/09.3GTBRG.G1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO PENAL
TRIBUNAL COLECTIVO
TRIBUNAL DO JÚRI
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário :
I - Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do júri que não aplique pena de prisão superior a 5 anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do art. 427.º do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao tribunal da Relação.
II - A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada.
III - A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ.
IV - Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso, de segundo grau, de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos.
V - Se a decisão final, proferida sobre o objecto do processo, não for recorrível para o STJ (pena de prisão não superior a 5 anos), a decisão que vier a ser tomada no incidente requerido nos termos do art. 371.º-A do CPP, situando-se necessariamente naquele limite, ou respeitando apenas à questão da suspensão da execução – que só pode ter lugar relativamente a penas não superiores a 5 anos –, não poderá ser, em semelhantes circunstâncias, recorrível para o STJ.
Decisão Texto Integral:
No âmbito do processo especial sumário n.º 80/09.3GTBRG, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, foi o arguido AA, com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento.
Por sentença ditada para a acta, de fls. 57 a 64, de 21-04-2009, foi decidido:
a) Condenar o arguido como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de prisão de seis meses, com execução suspensa por um ano;
b) Subordinar a suspensão da execução da pena de prisão à entrega de € 2.500,00 à Associação de Apoio aos Deficientes Visuais do Distrito de Braga, com sede no Caminho da Moleira, edifício Póvoa-Pão, Póvoa de Lanhoso, até ao fim do período de suspensão;
c) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de doze meses.

Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o Ministério Público, apresentando a motivação de fls. 77 a 86, por discordar quer do quantum da pena de prisão, quer da aplicação da pena de substituição prevista no artigo 50.º do Código Penal, defendendo, ao invés, que o arguido deveria ser condenado em 8 meses de prisão por dias livres, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-09-2009, constante de fls. 138 a 143, foi deliberado conceder parcial provimento ao recurso, e determinar, nos termos do artigo 45.º, n.º s 1, 2 e 3, do Código Penal, o cumprimento da pena de 6 meses de prisão, em 36 fins-de-semana consecutivos, com a duração de 36 horas cada, entre as 10 horas de Sábado e as 22 horas de Domingo.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 148 a 155, que remata com as seguintes conclusões:
I - Vai o presente recurso do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, concedendo provimento parcial ao recurso apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, mantendo a pena de prisão em seis meses, ordenou o seu cumprimento em 36 (trinta e seis) fins-de-semana consecutivos, com duração de 36 (trinta e seis) horas cada, a cumprir entre as 10 (dez) horas de Sábado e as 22 (vinte e duas) horas de Domingo.
II - A pena de prisão aplicada em primeira Instância, suspensa na sua execução por um ano, cumpre todos os princípios constitucionais, e obedece ás finalidades de prevenção geral e especial, vigentes no nosso ordenamento jurídico.
III - As condições de vida, familiar e profissionais do Recorrente, constituem elementos susceptíveis de formular um juízo prognóstico favorável sobre a condução de vida daquele no futuro, sendo de prever que a simples ameaça da pena será suficiente para prevenir novos ilícitos, realizando a finalidade de prevenção especial.
IV - Por outro lado, a finalidade de prevenção geral realiza-se também, de modo bastante, com a declaração, que a própria condenação constitui de validade das normas afectadas e de respeito pelos valores que protegem.
V - É que, embora a pena privativa da liberdade possa corresponder a uma expectativa geral da sociedade, como meio de retribuir o mal causado à comunidade, o sistema legal não pode esquecer que a este anseio colectivo tem sempre de sobrepor a necessidade de ressocializar o infractor.
VI - Após se ter optado por uma pena privativa, à luz das considerações e com os critérios legais sobre-expostos, há que determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.
VII - Nos termos prevenidos no art. 50°, do Cód. Penal, a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, e da sua conduta.
VIII - A pena fixada ao Recorrente situa-se dentro do limite máximo da medida da pena de prisão para que a suspensão da sua execução, seja admissível (5 anos); não existe má formação da personalidade do Arguido/Recorrente uma vez que ficou provado ser pessoa bem integrada e de comportamento conforme ao direito pelas pessoas das suas relações; é pessoa respeitada e respeitadora e possui uma condição sócio profissional estável, é licenciado em direito.
IX - Quanto à sua conduta, anterior e posterior ao crime, não obstante ter sido condenado anteriormente por factos de algum modo relacionados com os dos presentes autos, mostrou-se arrependido pela sua conduta e perfeitamente consciencializado da necessidade de correcção do seu comportamento futuro no e concerne à prática de factos similares.
Pede provimento do recurso.


O Ministério Público respondeu, conforme fls. 160/1, defendendo a procedência do recurso, por se justificar, ainda, no caso, a suspensão da execução da pena fixada ao recorrente.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 162.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer de fls. 168 a 170, defendendo que o recurso deve ser rejeitado, por inadmissível, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, adiantando que seria incompreensível - e subverteria o sistema de recursos que passou, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a submeter à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça apenas as situações em que fossem impostas penas de maior gravidade – que, atenta a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, não fosse admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de sentença do Tribunal Singular, mas já fosse admissível recurso de acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação que tivesse conhecido de sentença de Tribunal Singular.

Foi cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.

No exame preliminar colocou-se a questão de eventualmente ocorrer circunstância obstativa do conhecimento do mérito do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

Questão Prévia - Admissibilidade do recurso

Em causa no presente recurso está a pretensão do arguido de alcançar a reposição da condenação aplicada na primeira instância e que foi alterada pela Relação, ou seja, o recorrente pretende a manutenção da condenação em pena de prisão de seis meses suspensa na sua execução pelo período de um ano, em vez da ora aplicada pena privativa de liberdade de prisão de 6 meses por dias livres.
A decisão condenatória foi proferida por tribunal singular, tendo a Relação alterado a mesma na parte ora em impugnação.

Elemento de relevo a ponderar na apreciação da presente questão é a penalidade cabida à infracção em relação a cuja condenação se pretende modificação e que é de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.

O ora recorrente foi condenado na 1.ª instância na pena de prisão de seis meses, com a respectiva execução suspensa por um ano e na Relação a pena foi alterada no sentido de se determinar, nos termos do artigo 45.º, n.º s 1, 2 e 3, do Código Penal, o cumprimento da pena de 6 meses de prisão, em 36 fins-de-semana consecutivos, com a duração de 36 horas cada, entre as 10 horas de Sábado e as 22 horas de Domingo.

Na decisão ora recorrida, mantém-se a pena de 6 meses de prisão, mas, em vez da aplicação da pena de substituição, a opção recaiu na aplicação de uma outra espécie de pena, esta privativa de liberdade, que é a prisão por dias livres.

Na apreciação da questão atender-se-á à nova versão da lei adjectiva penal decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29-08, por ser aplicável o regime vigente à data da decisão em 1.ª instância, a qual – relembre-se - teve lugar em 21 de Abril de 2009.

Estabelece o artigo 432.º do Código de Processo Penal
1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.
Estando ora em causa uma decisão proferida, em recurso, pela Relação, vejamos da recorribilidade desse tipo de decisão.

Definindo as decisões que não admitem recurso, estabelece o artigo 400.º do Código de Processo Penal:
1 - Não é admissível recurso:
c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo; (redacção da Lei 48/2007)
d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância;
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade; (redacção da Lei 48/2007)
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. (redacção da Lei 48/2007)

O caso presente não cabe em nenhuma destas alíneas, pois a decisão da Relação conheceu, a final, do objecto do processo; o acórdão da Relação não é absolutório, nem o era a sentença; o acórdão da Relação não aplicou qualquer pena não privativa da liberdade, e sendo confirmatório, em parte, no que respeita à medida da pena – 6 meses de prisão - não o é, porém, quanto à espécie da pena, o que – convenhamos - faz toda a diferença.
No caso concreto, trata-se de acórdão da Relação que, confirmando a pena de seis meses de prisão, que a decisão da 1.ª instância substituíra por pena suspensa, altera a espécie de pena e a transforma em pena privativa de liberdade, em pena de prisão por dias livres.
Poderá colocar-se a questão de saber se, face à lacuna da lei, poderá afirmar-se a recorribilidade, por argumento a contrario, à luz da alínea e), visto tratar-se de decisão que, proferida em recurso pela Relação, no fundo, não confirma a de 1.ª instância, alterando-a e aplicando pena privativa de liberdade.

Na análise a efectuar há que não esquecer o dado incontornável de estar em causa uma decisão que incidiu sobre uma outra proferida por um tribunal singular e de estarmos perante a subsistência ou não de uma condenação em pena de prisão com contornos específicos, por um crime a que cabe a penalidade de prisão até 1 ano, ou pena de multa até 120 dias.

No regime processual anterior, é fora de qualquer dúvida, que uma tal situação nunca chegaria ao Supremo Tribunal de Justiça.
Então, a pergunta que se impõe é a de saber o que se alterou para que a situação esteja abrangida pela nova lei.
Das alíneas supra referidas, apenas a alínea b) manteve a redacção anterior e no que toca à alínea e), a inadmissibilidade de recurso colocava-se dantes relativamente a “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3”.
Face à penalidade prevista para o crime em equação, cabendo-lhe abstractamente pena de prisão até 1 ano, ou multa até 120 dias, o acórdão trazido a recurso não seria, indubitavelmente, recorrível à luz da anterior alínea e).

A defender-se o oposto, estaria descoberto o modo de proscrever o ditame da alínea e), que por não distinguir, abrange decisões condenatórias e absolutórias e que impedia o recurso nos casos de pequena e média criminalidade.

Ora, se assim era face à lei antiga, não se vê como, atentos os pressupostos postos pelo legislador na reforma de 2007, se possa defender a recorribilidade, quando o que se discute afinal, muito concretamente, é saber se se mantém a condenação por prisão por dias livres, ou antes reverter à definição da sentença da 1.ª instância com suspensão da execução da pena de prisão.

É de ter em conta o pensamento legislativo no sentido de restringir os recursos para o Supremo Tribunal, limitando-os aos casos de maior complexidade e importância, deles se excluindo a média e pequena criminalidade, e de procurar simplificar o sistema, abolindo concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso.

No nosso caso, na hipótese de a Relação ter, não alterado como o fez, mas confirmado a pena de prisão suspensa na execução, o recurso não seria admissível, face ao que dispõe a alínea e), o que patenteia a contradição que seria defender a admissibilidade do presente recurso.

O Tribunal da Relação encerra, atento o disposto nos artigos 427.º e 428.º do Código de Processo Penal, o ciclo do julgamento das decisões proferidas por tribunal singular.

Seria incongruente que, como resulta do artigo 432.º, alínea c), do Código de Processo Penal, relativamente a acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou tribunal colectivo que apliquem penas de prisão até 5 anos - independentemente da penalidade - não haja recurso para o Supremo e se possibilitasse um duplo grau de recurso de decisões proferidas por tribunal singular!

A mesma incoerência se detectaria em caso de acórdão da Relação que confirme acórdão de Colectivo que aplique pena de prisão efectiva inferior a oito anos, pois nesse caso estará vedado o recurso, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.

É de concluir, assim, que a intervenção do Supremo Tribunal verificar-se-á a partir de pena de prisão aplicada em medida superior a cinco anos.

A propósito deste tema tem-se pronunciado a 3.ª secção deste Supremo Tribunal em termos que não deixam dúvidas quanto à uniformidade de posição a encarar e solucionar o problema, seguindo-se a indicação dos acórdãos conhecidos:

25-06-2008, processo n.º 1879/08
O legislador, ao arredar da competência do STJ o julgamento dos recursos de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o art. 9.º do CC, na teleologia e unidade do sistema quanto a penas privativas de liberdade, que, só sendo admissível recurso para o Supremo de acórdãos do colectivo que tenham por objecto pena superior a 5, uma vez que as penas inferiores a 5 anos de prisão caem na competência do juiz singular e não há recurso de decisões do tribunal singular para o STJ, apenas é recorrível para o STJ o acórdão da Relação que julgar recurso de decisão do tribunal colectivo, ou do júri, em que estes tivessem aplicado pena superior a 5 anos de prisão. Há que fazer uma interpretação restritiva do literalismo da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, em conjugação com a teleologia definida pela norma da alínea c) do artigo 400.º do CPP.
Em caso de absolvição pela Relação, deve considerar-se que só é recorrível para o STJ o acórdão da Relação que se debruce sobre crime em que a pena aplicada pelo tribunal da 1.ª instância tenha sido superior a 5 anos de prisão.

03-09-2008, processo n.º 2380/08 – Em causa acórdão da Relação que incidindo sobre despacho judicial de 1.ª instância, decretou a despenalização de abuso de confiança imputado aos arguidos.
Como regra, das decisões proferidas pelo tribunal singular recorre-se para o Tribunal da Relação, nos termos do artigo 427.º do CPP, atenta a gravidade que encerram as hipóteses nelas contempladas, ligadas, em geral, à pequena e média criminalidade.
O recurso para o STJ, enquanto tribunal de topo na pirâmide judiciária, restringe-o a lei às hipóteses excepcionalmente nela previstas, segundo o artigo 433.º do CPP, definindo-se a sua competência por uma relação de especificidade, pois só para ele se recorre nos casos estabelecidos no artigo 432.º do mesmo diploma.
Este último preceito sofreu alteração com a Lei 48/2007, de 29-08, que deixou, no entanto, intacta a génese do recurso para o STJ, historicamente vocacionado para a apreciação de veredictos colegiais, vertidos em acórdãos, na definição explícita no artigo 97.º, n.º 2, do CPP, e não de despachos de juiz singular, só assim não sucedendo quando o Tribunal da Relação funciona como tribunal de 1.ª instância.
Admitir um duplo grau de recurso de decisões proferidas por tribunais singulares representaria uma incoerência no sistema, quando de acórdãos do colectivo o recurso nem sempre era irrestritamente possível à luz do artigo 432.º do CPP, e na sua redacção actual mais restrita se mostra a sua admissibilidade, a atentar na alínea c) do seu n.º 2, sendo a vontade expressa do legislador condicionar o recurso às questões mais complexas e importantes do sector judiciário.
Do cotejo, de resto, dos artigos 14.º, 16.º, 427.º, 432.º e 433.º do CPP resulta, por força da estruturação formal dos recursos, ser inadmissível recurso de acórdãos da Relação sobre decisões do tribunal singular, na esteira de conhecido entendimento pacífico deste STJ.
No mesmo sentido e do mesmo relator, o acórdão de 12-11-2008, processo n.º 3546/08, rejeitando recurso de acórdão da Relação que confirmou despacho judicial de 1.ª instância revogando perdão parcelar de uma pena.

03-09-2008, processo n.º 1883/2008 - Pode ler-se nesse acórdão: Face ao actual regime de recursos – artigos 400.º (decisões que não admitem recurso) e 432.º (recurso para o Supremo Tribunal de Justiça) do CPP –, introduzido pela Lei 48/2007, de 29-08, verifica-se uma lacuna da lei, no que respeita à admissibilidade de recurso para o STJ de acórdão proferido, em recurso, pela Relação, em 18-02-2008, que, conhecendo a final do objecto do processo, revoga a decisão condenatória da 1.ª instância e absolve o (s) arguido (s).
E nem se pode dizer que, não estando a situação em apreço a coberto da previsão de qualquer das alíneas do artigo 400.º, n.º 1, do CPP, respeitantes aos casos de inadmissibilidade de recurso, por força de um raciocínio a contrario seria possível concluir pela admissibilidade do recurso. É que uma tal interpretação iria contra o pensamento legislativo subjacente à nova redacção do artigo 400.º do CPP: diminuir os recursos para o STJ, reservando-os para os casos mais graves, de relevante complexidade ou de elevado valor, e deles excluindo os casos de menor gravidade, mais ligeiros, sobretudo as bagatelas penais.

26-11-2008, processo n.º 2884/08, versando acórdão absolutório, sendo a condenação em 1.ª instância, por homicídio negligente, em pena não privativa de liberdade.
Diz-se aí: Numa visão sistémica que, integrando o espírito do legislador em matéria de recursos, compatibilize os textos legais das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, a solução que se impõe é a de rejeitar o recurso, consequência que se retira tanto à face da lei antiga como da nova.
No mesmo sentido e do mesmo relator, o acórdão de 04-12-2008, processo n.º 3271/08 – 3.ª, versando igualmente recurso de assistente de acórdão absolutório da Relação, não confirmativo, pois a condenação em 1.ª instância, no caso, por denúncia caluniosa, fora igualmente em pena não privativa de liberdade.
Acrescenta que o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, não garante a existência de um duplo grau de jurisdição de recurso em todas as situações: questões há cuja gravidade não justifica mais do que um grau de recurso, seja qual for o sentido da decisão da Relação.

18-02-2009, processo n.º 390/09 – “Estando em causa uma pena aplicada que não excede 5 anos de prisão, ainda que suspensa na sua execução, não é admissível recurso para o STJ da decisão da Relação, face à interpretativa teleológica do disposto na alínea b) do artigo 400.º do CPP, tendo em conta a harmonia do sistema e o regime dos recursos em processo penal – cujo preâmbulo, nomeadamente, refere: «procurou-se simplificar todo o sistema, abolindo-se concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso. Por isso, os tribunais de relação passam a conhecer em última instância das decisões finais do juiz singular e das decisões interlocutórias do tribunal colectivo e do júri (…)» –, e visto o disposto na alínea c) do artigo 432.º do CPP.
Seria ilógico, contraditório e até irrisório, não fazendo qualquer sentido normativo (material e processual) que, em caso onde não era admissível recurso do acórdão da 1.ª instância para o STJ, por ter aplicado pena de prisão não superior a 5 anos, tendo, por isso, sido interposto recurso para a Relação – tribunal competente para apreciar esse recurso –, que lhe negou provimento, já pudesse haver recurso para o STJ dessa decisão do tribunal superior competente para o julgamento do mesmo recurso.
É, pois, manifesto não ser admissível recurso para o STJ de decisão penal proferida por tribunal singular – cf., em sentido similar, os Acs. do STJ de 12-11-2008, Procs. n.ºs 3183/08 e 3546/08, ambos da 3.ª Secção”.

18-02-2009, no processo n.º 102/09, concluindo pela irrecorribilidade, tendo como elemento central a alínea c) do n.º 1 do artigo 432º, do Código de Processo Penal e uma interpretação restritiva da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º.
A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP. De uma forma directa, nas alíneas a), c) e d) do n.º 1; e de um modo indirecto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, nos termos do art. 400.º, n.º 1 e respectivas alíneas, do CPP.
A referência essencial para a leitura integrada do regime não pode deixar de ser a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do júri que não aplique pena de prisão superior a 5 anos, o recurso, mesmo versando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do artigo 427.º do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao Tribunal da Relação.
A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra - base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada.
A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva ser (não possa ser) recorrível para o STJ.
Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso, de segundo grau, de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos.
A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo, tal como deixou traço, será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável.
É que, no essencial, esta modelação mantém-se no artigo 432.º do CPP, e se modificação existe vai ainda no sentido da restrição – o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ.
A norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é directamente afastada pelo artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar.
Basta pensar que, na leitura isolada, estreitamente literal, um acórdão proferido em recurso pela Relação que aplicasse uma pena de 30 dias de prisão, não confirmando a decisão de um Tribunal de Pequena Instância, seria recorrível para o STJ, contrariando de modo insuportável os princípios, a filosofia e a teleologia que estão pressupostos na repartição da competência em razão da hierarquia definida na regra - base sobre a recorribilidade para o STJ do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
A perspectiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432.º, e especialmente do seu n.º 1, alínea c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma.
Se a decisão final, proferida sobre o objecto do processo, não for recorrível para o STJ (pena de prisão não superior a 5 anos), a decisão que vier a ser tomada no incidente requerido nos termos do artigo 371.º-A do CPP, situando-se necessariamente naquele limite, ou respeitando apenas à questão da suspensão da execução – que só pode ter lugar relativamente a penas não superiores a 5 anos –, não poderá ser, em semelhantes circunstâncias, recorrível para o STJ.

19-03-2009, no processo n.º 383/09, aí se dizendo que: É legítima a afirmação de que, face ao regime de recursos inicialmente previsto no CPP, bem como aos propósitos do legislador na reforma que lhe sucedeu, constituía uma afronta ao mesmo regime a admissibilidade de recurso de uma decisão do tribunal singular para o STJ – cf. arts. 13.º e ss., 400.º e 432.º do CPP.
É neste contexto que aparece a alteração introduzida pela Lei 48/2007 que, em relação à matéria do sistema de recursos, enuncia, em termos de proposta, que é objectivo do legislador «restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos processos de casos de maior merecimento penal, substituindo-se, no art. 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas».
A proposta de redacção do art. 400.º do CPP estava em consonância com o disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), da Proposta, e não era mais do que a concretização do propósito afirmado pelo legislador dentro da lógica do sistema de recursos.
Todavia, dentro do percurso de consolidação e feitura da lei, alguém, menos conhecedor de princípios básicos de processo penal, conseguiu que a al. e) do n.º 1 do referido preceito assumisse a seguinte redacção: «De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade».
Tal redacção não está de acordo com princípios que desde sempre regeram o sistema de recursos, pois que permite, em última análise, que da decisão de juiz singular alterada pelo Tribunal da Relação, e impondo uma pena privativa de liberdade de qualquer dimensão quantitativa, se possa recorrer para o STJ.
No domínio dessa interpretação, de que se discorda, a decisão do juiz singular é susceptível de recurso para o Tribunal da Relação (art. 427.º do CPP), o qual pode ser restrito à matéria de direito. Por seu turno, a decisão da Relação, se aplicar pena privativa de liberdade, admite recurso para o STJ. Porém, se a decisão for emitida pelo tribunal colectivo e o recurso se restringir à matéria de direito o mesmo apenas pode ser dirigido ao STJ – art. 432.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma.
A interpretação literal consagra, assim, um duplo grau de recurso em termos de matéria de direito em relação às decisões de juiz singular alteradas pelo Tribunal da Relação nos sobreditos termos, conferindo-lhes um superior coeficiente garantístico, o que é algo totalmente despropositado na lógica do sistema e reflecte a incorrecção da mesma interpretação.
É incontornável a constatação de que o sentido literal da referida al. e) não coincide com a vontade da lei, tal como se deduz da interpretação lógica: analisando a disposição do ponto de vista lógico, vê-se que resulta outro sentido que não é aquele que das palavras transparece imediatamente.
Impõe-se uma leitura restritiva da alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas penas se inscreverem no catálogo do n.º 1 da alínea c) do artigo 432.º do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a 5 anos.
Em sentido absolutamente idêntico, o acórdão de 29-04-2009, no processo n.º 329/05.1PTLRS.S1, proferido pelo mesmo relator.

07-07-2009, processo n.º 2554/04.3TBACB.C1.S1, por nós relatado, em que no recurso estava em causa a pretensão da assistente de reposição da condenação do arguido pela prática do crime de dano relativo a dados ou programas informáticos, previsto e punido pelo artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 109/91, de 17-08, por que fora condenado na primeira instância e de que foi absolvido pela Relação, sendo que o recurso foi rejeitado.


Considerando o acima expendido e alinhando-se pelo sentido da jurisprudência exposta, de que se fez aplicação no citado acórdão de 07-07-2009, no processo n.º 2554/04.3TBACB.C1.S1, conclui-se pela irrecorribilidade do acórdão.
O recurso é de rejeitar, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
Como decorre do n.º 3 do artigo 414.º do Código de Processo Penal, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.
Decisão

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido AA.
Custas pelo recorrente, nos termos do artigo 515.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3, do Código de Processo Penal (sendo na redacção anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro – Regulamento das Custas Processuais - com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27-08, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08 e pelo artigo 156º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, uma vez que, de acordo com os artigos 26º e 27º daquela Lei, o novo regime de custas processuais só é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009, o que não é o caso), e fixando-se a taxa de justiça em 3 unidades de conta, nos termos dos artigos 74.º, 87.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 e 89.º do Código das Custas Judiciais.
Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, vai o recorrente condenado na importância de 4 unidades de conta.
Consigna-se que a decisão foi revista nos termos do artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010
Raul Borges (Relator)
Fernando Fróis