Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P4643
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HABEAS CORPUS
OBJECTO DO PROCESSO
RECURSO PENAL
NOTIFICAÇÃO
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: SJ200712120046433
Data do Acordão: 12/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS.
Decisão: INDEFERIDO.
Sumário : I - O habeas corpus, constante da expressão habeas corpus ad subjiciendum, é um instituto jurídico que surge como garantia da liberdade física da pessoa, designadamente da liberdade ambulatória.

II - Habeas corpus eram palavras iniciais da fórmula ou mandado que o tribunal concedia e era endereçado a quantos tivessem em seu poder ou guarda o corpo do detido.

III - A figura jurídica do habeas corpus, assumiu foros constitucionais, pela primeira vez, na primeira Constituição conhecida, em Inglaterra, a Magna Carta, de João Sem Terra, de 19 de Junho de 1215, (capítulo XXIX), que garantia que nenhum cidadão podia ser preso ou processado "...a não ser em virtude de um julgamento legal por seus pares e na forma da lei do país".

O controle legal da prisão de qualquer cidadão era realizado sumariamente pelo juiz, que, ante os factos apresentados, decidia de forma sumária acerca da legalidade da prisão.

O procedimento do habeas corpus, em sua génese, aproximava-se do próprio conceito do devido processo legal (due process of law).

A sua utilização só foi restrita ao direito de locomoção dos indivíduos, em 1679, através do Habeas Corpus Act.

IV - Outros autores, porém, consideram que o habeas corpus tem a sua origem no reinado de Carlos II, na Petition of rights, que culminou com o referido Habeas Corpus Act de 1679, embora a configuração plena do habeas corpus não terminasse ainda., pois até então apenas era utilizado quando se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo utilizável em outras hipóteses.

Somente em 1816, o novo Habeas Corpus Act inglês ampliou a área de actuação do instituto, com vista à defesa rápida e eficaz da liberdade individual.

V - O princípio jurídico que fundamenta o habeas corpus já existia no direito romano, no recurso conhecido como interdicto de homine libero exhibendo (recurso de mostrar o homem livre), expresso na fórmula Quem liberum dolo malo retines exhibeas que se aplicava a tudo que restringisse a liberdade de um homem que a ela tivesse direito, para que se apresentasse de imediato perante o pretor, que decidiria a respeito.

VI - O Habeas Corpus é uma medida extrema que pode ser pleiteada por qualquer pessoa, a qualquer tempo e em qualquer instância, sempre visando salvaguardar a liberdade de algum cidadão.

VII - O artigo 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
VIII - A previsão e, precisão, da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter excepcional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado..
IX - O habeas corpus não conflitua com o direito ao recurso, pois que se trata de uma providência excepcional que visa, reagir, de modo imediato e urgente - com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação - contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, decorrente de abuso de poder concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual "grave, grosseiro e rapidamente verificável" integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal
X - O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1 que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus.
Esta providência, segundo o nº 2 do mesmo normativo, "deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;"
XI - Pressuposto formal de habeas corpus é a decisão que determinou a privação de liberdade do detido e não a notificação dessa decisão.
XII - Tendo o arguido sido condenado pelo tribunal colectivo, em cúmulo, na pena de seis anos e três meses de prisão, por dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203° e 204°, n° 2 ai. e) do Código Penal, e, interposto recurso dessa decisão condenatória, para a o Tribunal da Relação, que veio a julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida, não constitui fundamento de habeas corpus o facto de, na data da apresentação da respectiva petição, não ter ainda sido notificado do acórdão da Relação que decidiu o recurso.
XIII - Encontrando-se o arguido em prisão preventiva desde 30 de Maio de 2006, o nº 1, alínea d) e, o nº 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal, na sua nova redacção, dada pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, vigente a partir de 15 de Setembro, devem ser equacionados por força do artigo 5º do mesmo diploma legal adjectivo, com a redacção do mesmo preceito anteriormente à vigência da referida Lei nº 4/82007, com vista á aplicação do regime legal concretamente mais favorável sobre o prazo de duração máximo da prisão preventiva, sendo que artº 215º do CPP, antes da Lei nº 48/2007, não continha norma equivalente à introduzida pela mesma Lei no nº 6 do preceito.
XIV- In casu, o regime concretamente mais favorável, é o da lei antiga ou seja, o artº 215º nº 1 al. d) na redacção anterior da Lei nº 48/2007, pois que o regime constante da Lei nº 48/2007, através do nº 6 do artº 215º - surge mais gravoso para o arguido, na medida em que lhe amplia o prazo de duração máximo da prisão preventiva de forma a exceder o contemplado na alínea d) do artº 215º na redacção anterior, a vigente à data da aplicação da medida de coacção, sendo que, no caso concreto, não se verifica situação que implique elevação do prazo da prisão nos termos do nº 2 e 3 do artº 215º (redacção anterior à Lei n´48/2007); não houve declaração de especial complexidade do processo, nem recurso para o Tribunal Constitucional.
XV- Se o arguido se encontra em prisão preventiva desde 30 de Maio de 2006, é patente, que só atingirá o termo legal dessa medida de coacção em 30 de Maio de 2008, se não tiver havido condenação com trânsito em julgado, sendo por isso manifestamente infundado o presente pedido de habeas corpus.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

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Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº 23/06.6GBMDA do Tribunal Judicial da comarca da Mêda, o arguido e condenado AA, id. nos autos, presentemente detido no Estabelecimento Prisional Regional da Guarda, apresentou em 3 do corrente, através da sua Exma Defensora oficiosa, petição de HABEAS CORPUS, nos termos do disposto "no artigo 222° n° 2, aI.c) e artigo 31° da Constituição da República Portuguesa,"
com os seguintes fundamentos:
"No âmbito do supra-mencionado processo o arguido foi detido em 28 de Maio de 2006.
Em 30 de Maio de 2005, foi o arguido presente para Primeiro Interrogatório Judicial, tendo-lhe, nessa data, sido aplicada a medida de coacção a prisão preventiva.
o arguido foi condenado em Primeira Instância pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Mêda, na pena única, em cúmulo, de seis anos e três meses de prisão, pela prática em co-autoria material, de dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203° e 204°, n° 2 ai. e) do Código Penal.
o arguido em 20 de Junho de 2007, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Até à presente data ainda não foi proferida qualquer decisão.
Verifica-se, pois, neste momento, uma situação de prisão ilegal por manter-se para além do prazo fixado por lei.
Pelo que,
- Urge pôr termo a esta prisão, através desta providência, requerendo o arguido seja declarada extinta a prisão preventiva e consequente restituição à liberdade, fazendo cumprir o artigo 217º do C.P.P. e
FAZENDO-SE JUSTIÇA! "
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Da informação a que alude o artigo 223º nº 1 do Código de Processo Penal, consta:

" Compulsados os autos principais (fls. 897 a 914), constata-se que a 3 de Outubro de 2007 foi proferido Acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o qual julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo a decisão recorrida da 1ª instância, que o condenou, pela prática de dois crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203° e 204°, n. 2, alínea e), do Código Penal, na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.
Tal decisão foi notificada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra aos Ilustres Advogados Dr. BB (fls. 880), Dra. CC (fls. 881) e Dr. DD (fls. 882).
Os dois últimos advogados são mandatários, respectivamente., dos arguidos EE e FF.
Porém, no que respeita ao primeiro dos advogados supra identificados, constata-se que o mesmo renunciou ao mandato que lhe fora atribuído pelo arguido AA (fls. 748 e 753) e que este, nessa sequência, requereu que lhe fosse nomeado defensor oficioso (fls. 765), o que foi determinado por despacho (cfr. fls. 766 e acta de fls. 778), passando a sua defesa, desde então, a ser exercida pela Ilustre Defensora Dra. GG.
Os autos foram remetidos, a título definitivo, pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 22/11/2007 e deram entrada neste Tribunal em 28/11/2007.
No entanto, e salvo melhor opinião, entendemos que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra não se pode considerar transitada em julgado, uma vez que, nem o arguido, nem a sua defensora foram dela notificados (cfr. artigo 113°, nº 9, do CPP).
Não obstante, as considerações até agora expendidas não permitem concluir pela prisão (preventiva) ilegal do arguido AA, nem justificam o pedido de habeas corpus.
Senão vejamos.
No estrito cumprimento dos mandados de detenção e condução ordenados nos presentes autos, foi o arguido AA detido no dia 28 de Maio de 2006 (fls. 132 e 133).
Em 30 de Maio de 2006, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi aplicada ao arguido AA a medida de coacção de prisão preventiva, estando o arguido, desde então, preso preventivamente no Estabelecimento Prisional da Guarda (fls. 187 a 191).
Por acórdão datado de 5 de Junho de 2007 (fls. 784 a 804), proferido pelo Tribunal Colectivo da Comarca de Mêda, e no que ora importa apreciar, foi o arguido AA condenado, pela prática de dois crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203° e 204°, n. 2, alínea e), do Código Penal, na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão.
Interposto recurso de tal decisão pelo arguido, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão datado de 3 de Outubro de 2007 (fls. 897 a 914), julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida.
Nos termos do artigo 215°, n. 1, alínea d), do CPP (redacção conferida pela Lei n. 48/2007, de 29 de Agosto), a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido «um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado ".
Cumpre referir que não tem aplicabilidade nos autos o disposto no n. 2 do artigo 215° do CPP (nova redacção), atendendo ao tipo de crime pelo qual o arguido se encontra acusado (furto qualificado) e ao disposto no artigo 1°, alíneas i),j) l) e m), do CPP.
Por sua vez, determina o nº 6 do artigo 215° do CPP que «no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada".
Pelas razões que deixámos escritas em epígrafe, e segundo humilde entendimento, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra ainda não transitou em julgado.
Por outro lado, o prazo a que alude o citado artigo 215°, n. 1, alínea d), do CPP expirou em 28/11/2007.
Ainda assim, considerando que o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra confirmou na integra a sentença condenatória da 1" instância, é de considerar, salvo melhor opinião, que o prazo máximo de prisão preventiva se elevou para 3 anos, 1 mês e 15 dias, ou seja, para metade da pena que foi aplicada ao arguido AA em 1" instância.
E, a ser assim, o prazo máximo da prisão preventiva ainda não expirou.
Tudo visto e ponderado entendo ser de manter a prisão preventiva determinada à ordem dos presentes autos (dr. artigo 223°, n. 1, do CPP). "
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Convocou-se a Secção Criminal deste Supremo Tribunal, e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.
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A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública.
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O habeas corpus, radica na expressão completa habeas corpus ad subjiciendum, (que tenhas corpo para mostrar, expressão metafórica da liberdade física, designadamente a liberdade ambulatória), e, é uma garantia constitucional de tutela da liberdade física, da locomoção livre e voluntária da pessoa.

Como refere Célia Buck, ("O Habeas Corpus"): É uma medida extrema que pode ser pleiteada por qualquer pessoa, a qualquer tempo e em qualquer instância, sempre visando salvaguardar a liberdade de algum cidadão.

Segundo Pontes de Miranda (História e prática do habeas corpus, Rio de Janeiro: J. R. dos Santos, 1916), habeas corpus eram palavras iniciais da fórmula ou mandado que o tribunal concedia e era endereçado a quantos tivessem em seu poder ou guarda o corpo do detido.

A figura jurídica do habeas corpus, em termos constitucionais, remonta à primeira Constituição conhecida, em Inglaterra, a Magna Carta de João Sem Terra, de 19 de Junho de 1215, (capítulo XXIX), que garantia que nenhum cidadão podia ser preso ou processado "...a não ser em virtude de um julgamento legal por seus pares e na forma da lei do país".

A exigência do controle legal da prisão de qualquer cidadão era realizado sumariamente pelo juiz, que, ante os factos apresentados, decidia de forma sumária acerca da legalidade da prisão. O procedimento do habeas corpus, em sua génese, aproximava-se do próprio conceito do devido processo legal (due process of law). A sua utilização só foi restrita ao direito de locomoção dos indivíduos, em 1679, através do Habeas Corpus Act.

Outros autores, porém, consideram que o habeas corpus tem a sua origem no reinado de Carlos II, na Petition of rights, que culminou com o referido Habeas Corpus Act de 1679, embora a configuração plena do habeas corpus não terminasse ainda., pois até então somente era utilizado quando se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo utilizável em outras hipóteses. Somente em 1816, o novo Habeas Corpus Act inglês ampliou a área de actuação do instituto, com vista à defesa rápida e eficaz da liberdade individual.

Apesar de tudo indicar que a expressão habeas corpus nasceu em Inglaterra, o princípio jurídico no qual se baseia já existia no direito romano, no recurso conhecido como interdicto de homine libero exhibendo (recurso de mostrar o homem livre), expresso na fórmula Quem liberum dolo malo retines exhibeas que se aplicava a tudo que restringisse a liberdade de um homem que a ela tivesse direito, para que se apresentasse de imediato perante o pretor, que decidiria a respeito.


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O artigo 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.
A previsão e, precisão, da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter excepcional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado..
Daí que, como decidiu este Supremo e Secção, por Ac. de 20-12-2006, Proc. n.º 4705/06, a providência de habeas corpus, enquanto medida excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos.
Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (cf. Ac. do STJ de 29-05-02, Proc. n.º 2090/02 - 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).
Com efeito, a excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação.
A providência visa, pois, reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.
Atento o carácter excepcional da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que se deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual - grave, grosseiro e rapidamente verificável - integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2003 in proc. nº 571/03)

O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1 que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus.
Contudo, esta providência "deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;"

O peticionante fundamenta a providência nos termos do artigo 222º nº 2.al. c) do CPP. alegando em suma, que: "Verifica-se, pois, neste momento, uma situação de prisão ilegal por manter-se para além do prazo fixado por lei."

Verifica-se dos elementos constantes dos autos, conforme certidão junta, que:

Nos referidos autos de processo comum com o nº 23/06.6GBMDA da comarca da Mêda, o arguido AA foi detido no dia 28 de Maio de 2006, na sequência de cumprimento de mandados de detenção e condução ordenados nos mesmos autos (fls. 132 e 133)
O mesmo arguido foi submetido ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 30 de Maio de 2006 (por lapso, referiu 2005 na petição), tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, e, assim ficando, desde então, preso preventivamente no Estabelecimento Prisional da Guarda (fls. 187 a 191).
Por acórdão de 5 de Junho de 2007, do Tribunal Colectivo da Comarca de Mêda,, foi o arguido AA condenado, pela prática de dois crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203° e 204°, n. 2, alínea e), do Código Penal, na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão. (fls. 784 a 804)
O arguido interpôs recurso de tal decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por seu acórdão de 3 de Outubro de 2007, julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida. (fls. 897 a 914)
Tal decisão foi notificada pelo Tribunal da Relação de Coimbra ao Senhor Advogado constituído do arguido ora peticionante, Dr. BB, o qual, porém, havia apresentado requerimento em 14 de Maio de 2007, a "renunciar ao mandato que lhe foi conferido por AA, nos termos e para os efeitos dos artº 4 do CPP e nºs 1 e 2 do artº 39º do C.P.Civil) e, requerendo a constituição de novo mandatário ao arguido. (fls. 748 e 753
Nessa sequência, o arguido requereu a nomeação de defensor oficioso (fls. 765), o que foi acolhido por despacho (cfr. fls. 766 e acta de fls. 778), passando a sua defesa, desde então, a ser exercida pela Ilustre Defensora Dra. GG.
Os autos baixaram definitivamente à 1ª instância em 22/11/2007.
O arguido ora peticonante foi notificado do acórdão da Relação em 30 de Novembro de 2007, e a sua Exma Defensora, notificada do mesmo acórdão, em 5 do corrente.
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O artigo 215º do Código de Processo Penal, à face da sua nova redacção, de harmonia com a Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto, que entrou em vigor em 15 de Setembro estabelece que:
"1.A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
(...)
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
Porém, o nº 6 do preceito, determina que "No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada."
Assim, tendo o arguido ora peticionante, sido condenado na 1ª instância na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão, cuja decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e, constando da informação judicial que "a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra não se pode considerar transitada em julgado, uma vez que, nem o arguido, nem a sua defensora foram dela notificados (cfr. artigo 113°, nº 9, do CPP)", sendo que na verdade, só veio a ocorrer tal notificação em 30 do passado mês de Novembro, quanto ao arguido e, em 5 do corrente quanto à sua Exma Defensora, inexistindo, por conseguinte, trânsito em julgado da decisão. o prazo máximo de duração da prisão preventiva, "eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada" , passando in casu, a ser de 3 anos, 1 mês e 15 dias.
Ora, se o arguido foi detido em 28 de Maio de 2006, ficando em prisão preventiva -após interrogatório judicial de arguido detido - a partir de 30 de Maio de 2006, é evidente não ter decorrido o prazo máximo de duração da prisão preventiva, mantendo-se a prisão dentro do prazo fixado por lei, no âmbito da redacção dada ao artº 215º pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto.

Porém, há que atender ao artº 5º do CPP, estabelecendo o nº1: A lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior; mas, determinando o nº 2 do mesmo preceito que A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a)Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b)) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

Como já salientava Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, Lda, 1974, p. 112: "importa que a aplicação da lei processual penal a actos ou situações que decorrem na sua vigência, mas se ligam a uma infracção cometida no domínio da lei processual antiga, não contrarie nunca o conteúdo da garantia conferida pelo princípio da legalidade. Daqui resultará que não deve aplicar-se a nova lei processual penal a um acto ou situação processual que ocorra em processo pendente ou derive de um crime cometido no domínio da lei antiga, sempre que da nova lei resulta um agravamento da posição processual do arguido ou, em particular, uma limitação do seu direito de defesa."

Anteriormente à vigência da referida Lei nº 4/82007, o artº 215º estabelecia que:
1, A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
(...)
d) Dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

O artº 215º do CPP, antes da Lei nº 48/2007, não continha norma equivalente à introduzida pela mesma Lei no nº 6 do preceito.
Por isso, tendo em conta o exposto, verifica-se que o regime constante da Lei nº 48/2007, através do nº 6 do artº 215º - surge mais gravoso para o arguido, na medida em que lhe amplia o prazo de duração máximo da prisão preventiva de forma a exceder o contemplado na alínea d) do artº 215º na redacção anterior, a vigente à data da aplicação da medida de coacção.
Há pois que optar pelo regime concretamente mais favorável, que é o da lei antiga ou seja, o artº 215º nº 1 al. d) na redacção anterior da Lei nº 48/2007, sendo certo que no caso concreto não se verifica situação que implique elevação do prazo da prisão nos termos do nº 2 e 3 do artº 215º, nem houve declaração de especial complexidade do processo, nem recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, se o arguido se encontra em prisão preventiva desde 30 de Maio de 2006, é patente, que só atingirá o termo legal dessa medida de coacção em 30 de Maio de 2008, se não tiver havido condenação com trânsito em julgado.
A prisão preventiva em que o arguido se encontra não se encontra excedida.
(Somente com o trânsito em julgado da sentença condenatória, é que a medida de coacção se extinguirá de imediato, (artº 214º nº 1 e) do CPP), mas tal extinção não importará a libertação do condenado, por, após trânsito, haver lugar ao cumprimento da pena de prisão, nos termos do artº 467º nº 1 do Código Penal e, sem prejuízo do disposto no art. 80º nº 1 deste diploma.)

Assim, face ao exposto, é patente a inexistência de razão do peticionante ao deduzir esta providência excepcional, que é assim, manifestamente infundada, pois que o requerente encontra-se preso, na sequência de decisão judicial proferida por entidade competente (acórdão do Tribunal colectivo); por facto pelo qual a lei permite (os ilícitos criminais praticados pelo arguido, que ditaram a sua condenação nas penas parcelares e, em cúmulo, na pena única de prisão), encontrando-se a prisão do arguido dentro do prazo permitido por lei.
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Termos em que, decidindo:

Indeferem a petição de habeas corpus requerida pelo arguido condenado AA, por manifestamente infundada.

Tributam o recorrente em 4 Ucs de taxa de justiça - artº 84º nº 1 do Código das Custas Judiciais, sem prejuízo do apoio judiciário

Mais o condenam no pagamento de dez Ucs nos termos do artigo 223º nº 6 do Código de Processo Penal.

Honorários legais.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2007

Pires da Graça
Raul Borges
Pereira Madeira