Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
806/10.2TBPTL.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º3.
Sumário :
I - Só é admissível revista do acórdão da Relação que tenha mantido a decisão da 1.ª instância sem voto de vencido se a fundamentação das duas decisões for não apenas diferente, mas essencialmente diferente.

II - Numa acção de responsabilidade civil extracontratual na qual foi peticionada uma indemnização a título de dano biológico, o essencial é descobrir se está em causa um dano e se a vítima tem o direito de o ver reparado.

III - O facto de as instâncias terem qualificado o referido dano de forma diversa nas decisões que tomaram (qualificando-o num caso como dano patrimonial e no outro como não patrimonial), seguindo, assim, caminhos diversos na busca da mais justa das soluções, não alterou significativamente o enquadramento normativo do pleito, tendo sido ainda e sempre a equidade que o julgador procurou para quantificar a indemnização a arbitrar.

IV - Não sendo a fundamentação das referidas decisões essencialmente diferente, verifica-se uma situação de dupla conformidade, não sendo, pois, admissível o recurso de revista normal – art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



pedindo a condenação desta a pagar-lhe a indemnização global líquida de 196 477,87 euros, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo pagamento e ainda a indemnização que, por força dos factos alegados nos artigos 220º a 236º vier a ser fixada em decisão ulterior (art.564º, nº2 do CCivil) ou vier a ser liquidada em execução de sentença (arts.661º, nº2 e 805º - actual art.378º, nº2 do CPCivil).

Discrimina essa quantia global (veja-se a sentença) da seguinte forma:

I – Danos patrimoniais emergentes

- 747,87 euros – despesas efectuadas

- 2 730,00 euros – roupa que ficou destruída, capacete,

II – Danos patrimoniais lucros cessantes

- 18 000,00 relativos aos valores que o A. deixou de auferir durante oito meses

125 000,00 pela incapacidade permanente de que ficou afectado

III – Danos não patrimoniais

- 50 000,00 a título de danos não patrimoniais

Contestou a ré (fls.211).

Replicou o autor (fls.220).

Elaborou-se (fls.291) despacho saneador, com alinhamento dos factos assentes e fixação da base instrutória.

Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls. 513, foi proferida a sentença de fls. 517 a 548, datada de 10 de Julho de 2013, que julgou a presente acção parcialmente procedente e condenou a ré Companhia de Seguros BB, S.A. a pagar ao autor a quantia de 23 657,45 euros correspondente a danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a citação até integral pagamento à taxa de 4% - portaria 291/2003 de 08.04 e … a quantia de 20 000,00 euros correspondente a danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a presente data até integral pagamento à taxa de 4% - portaria 291/2003 de 08.04.

Inconformada, interpôs a ré (fls. 564) recurso de apelação mas o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de fls. 597 a 618, data de 11 de Setembro de 2014, sem voto de vencido, julgou improcedente a apelação da ré Companhia de Seguros BB Seguros, S.A. e, em consequência, manteve a sentença recorrida, nos termos expostos.

Ainda inconformada, interpõe a ré/apelante (fls. 678) recurso de revista para este Supremo Tribunal, sustentando a recorribilidade do acórdão no disposto nos arts. 629º e 671º, nºs 1 e 3 do CPCivil ou, subsidiariamente, no art. 672º, nº1, al. c) do NCPCivil porquanto, por um lado, «apresenta uma fundamentação essencialmente diferente da que serviu de base à sentença de primeira instância» e, por outro, «caso assim se não entenda, a presente revista assumirá o carácter de revista excepcional, que se invoca a título subsidiário, ao abrigo do disposto no art.672º, nº1, al. c) do NCPCivil porquanto … o acórdão impugnado encontra-se em oposição com o acórdão STJ de 20.01.2010 (processo nº203/99.9TBVRL.P1.S1) ».

Neste Tribunal, em decisão singular de fls. 710 a 713, o Relator, concluindo haver uma situação de dupla conformidade das decisões das instâncias por, em seu entender, não ser essencialmente diferente a fundamentação de ambas, decidiu

não admitir a revista como normal;

ordenar a conclusão dos autos à formação prevista no nº3 do art.672º do CPCivil para julgar da admissibilidade como revista como excepcional.

Notificada desta decisão, com a qual se não conforma, a ré/recorrente «vem, ao abrigo do disposto no art. 652º, nº 3 do CPCivil, ex vi do art. 679º, requerer que sobre a questão recaia um acórdão em conferência».

E efectivamente o despacho do Relator contém uma decisão que objectivamente prejudica o recorrente porquanto lhe fecha a porta larga da revista normal para lhe sugerir apenas a estreita abertura da revista excepcional por onde entrará ou não entrará conforme o juízo da formação desenhada no nº3 do art.672º do CPCivil.

Vejamos então.

As decisões das instâncias são absolutamente sobreponíveis – o acórdão da Relação julga improcedente a apelação da ré e mantém a decisão de 1ª instância.

Sem voto de vencido.

Então – nº 3 do art.671º - não é admitida revista do acórdão da Relação a menos que a sua fundamentação seja essencialmente diferente.

Não apenas diferente, mas … essencialmente diferente!

E é na essencialidade da diferença que o despacho do Relator caminha num sentido e a recorrente pretende caminhar num outro.

E que o despacho do Relator tem que ser mantido. Porque o essencial é descobrir que o dano biológico é um dano e que a vítima tem o direito de o ver reparado.

Isso é que é essencial.

Se o caminho para essa reparação é, na dicotomia dano patrimonial/dano não patrimonial, optar por uma ou outra das bifurcações conducentes à reparação, essa é a diferença, não a essencialidade da diferença.

Dir-se-á, que numa ou noutra delas, é ainda e sempre a equidade que se há-de procurar para quantificar a indemnização a arbitrar. E dentro de uma ou outra das vertentes sempre os caminhos de busca da mais justa das soluções podem ser diversos, sem que com isso se possa dizer que se altera significativamente o enquadramento normativo do pleito.

Ainda e sempre o julgador caminha os caminhos da equidade dentro do que se chama a responsabilidade civil extracontratual, o dano e a reparação do dano. E isso é o que é essencial para a vítima – e para o direito - independentemente da forma como a jurisprudência e a doutrina baptizem os caminhos que trilham em busca da reparação a que a vítima tem direito.


~~

D   E   C   I   S   à  O



Indefere-se a reclamação.

Mantém o despacho reclamado.

Custas a cago da recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

LISBOA, 21 de Janeiro de 2016


Pires da Rosa (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova