Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
575/05.8TBCSC-W.L1-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DO RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
INADMISSIBILIDADE
PODERES DA RELAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO, MANTENDO-SE O DESPACHO RECLAMADO
Sumário :
I. Em regra não é legalmente admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, em conferência, julga improcedente uma reclamação contra despacho do relator que não admite recurso de apelação.

II. A norma do art.629 nº2 d) CPC deve ser interpretada de forma restritiva no sentido de que só tem aplicação aos recursos de revista que ponham termo ao processo ou apreciem do mérito da causa, nos termos do art.671 nº1 CPC

III. O art. 629 nº2 d) CPC estatui uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal.

IV. Por isso, a norma do art.629 nº2 d) CPC não é aplicável a decisões interlocutórias de natureza adjectiva, mas antes a regra do art. 671 nº2 b) CPC.

V. A norma do art. .671 nº1 conjugada com o art. 629 nº2 d) do CPC, não é materialmente inconstitucional, nomeadamente por violação do art. 20 da CRP.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO


1. Na acção especial para atribuição de casa de morada de família (apenso S), a Requerente - AA - interpôs recurso de apelação da sentença absolutória, proferida em 23/12/2020.


2. Por despacho judicial não foi admitido o recurso com fundamento na preclusão do direito de recorrer (extemporaneidade do prazo).

Consignou-se a seguinte fundamentação:

“Nos presentes autos de atribuição de casa de morada de família foi proferida sentença a 23 de Dezembro de 2020.

Por ofícios de 13 de Janeiro de 2021, foi a referida sentença objecto de notificação, considerando-se, atento o disposto no art.º 248.º do Código de Processo Civil, que as partes foram notificadas a 18 de Janeiro de 2021, segunda-feira.

Assim sendo, o prazo de recurso iniciou-se a 19 de Janeiro de 2021.

Por Lei da Assembleia da República, Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, foram, nos termos do art.º 2.º e por força do aditamento à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, do art.º 6.º-B, n.º 1, da referida lei, suspensos os prazos para a prática de actos processuais, que corressem termos nos Tribunais judiciais.

Sendo que a referida lei n.º 4-B/2021, não obstante ser de 1 de Fevereiro, fez retroagir os seus efeitos a 22 de Janeiro.

Assim sendo, dos 30 dias de prazo de recurso (porque não estava em causa reapreciação de prova gravada, caso em que o prazo de recurso seria de 40 dias – art.º 638.º, n.º 7 do Código de Processo Civil), decorreram 3 dias – de 19 a 21 de Janeiro - após o que ocorreu a suspensão.

A suspensão em causa, manteve-se até dia 5 de Abril de 2021, atento que nessa data, é publicada a Lei n.º 13-B/2021, que revoga o art.º 6-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção que lhe havia sido introduzida pela Lei n.º 4-B/202, sendo que como consta do art.º 7.º da referida Lei, a mesma entrou em vigor em 6 de Abril de 2021.Isto é, em 6 de Abril, os prazos que estavam suspensos, voltaram a correr.

No caso dos autos, os 27 dias que restavam de prazo de recurso iniciaram-se, sendo que em 3 de Maio, (porque 2 de Maio foi um Domingo), seria o último dia do prazo de recurso (sem pagamento de multa a que alude o art.º 139.º do Código de Processo Civil.

Contudo, a 26 de Abril, isto é, quando já tinham decorrido 24 dias do prazo de 30 dias de recurso, a Ilustre Patrona da Requerente veio informar os autos de que havia pedido escusa.

A 7 de Maio de 2021, os autos são informados pelo pelouro do apoio judiciário da Ordem dos Advogados, que a Requerente já tinha novo Patrono nomeado, em substituição da anterior.

Assim, em 8 de Maio de 2021, retomou-se o decurso do prazo (já nos encontrávamos no 25.º dia do prazo), sendo que o 30.º dia do prazo foi assim no dia 13 de Maio.

Atendendo a que não foi alegado qualquer justo impedimento – art. 139.º, n.º 4 e 140.º do Código de Processo Civil - e atendendo ao disposto no art.º 139.º do Código de Processo Civil, a Requerente ainda podia praticar o acto, ainda que com o pagamento da multa a que alude o n.º 5 daquele artigo, nos dias 14 de Maio (sexta-feira), 17 e 18 de Maio (segunda e terça-feira).

Contudo, como não foi praticado qualquer acto até essa data limite, a sentença transitou em julgado no dia 14 de Maio de 2021.

Uma vez que o recurso de apelação foi apresentado apenas no dia 25 de Maio, o mesmo é claramente extemporâneo, pelo que se rejeita.”


3. A Requerente reclamou ( art.643 CPC) para a Relação, sustentando a tempestividade do recurso.


4. Na Relação, por decisão singular, foi indeferida a reclamação.


5. A Requerente reclamou para a conferência, que, por acórdão de 17/2/2022, confirmou o despacho reclamado.


6. Inconformada, a Requerente recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

a) O presente recurso tem por objecto a questão da tempestividade do recurso de apelação oportunamente interposto pela Recorrente que, em seu entender, contrariamente ao sentido em que se decidiu no douto acórdão recorrido, se verifica.

b) Na verdade, sustenta a Recorrente que, ao decidir pela intempestividade do recurso de apelação por si previamente apresentado, o Tribunal a quo violou o Nº 2 do art. 32º da LADT e o art. 34º e seguintes do mesmo diploma legal, nomeadamente, o número 2 desta última disposição legal, por não ter equiparado o regime da substituição de Patrono oficioso nomeado ao regime do pedido de escusa, contrariamente àquilo que os preceitos em causa determinam.

c) Na realidade, ao remeter para o art. 34º e seguintes da LADT, o Nº2 do art. 32º da mesma Lei, determina a aplicabilidade do regime da escusa ao pedido de substituição de Patrono, sem estabelecer qualquer excepção ou limitação, ou seja, determinando a aplicação também do efeito da interrupção do prazo em curso, ainda que retroactivamente, quando deferido o pedido de substituição de Patrono.

d) Assim, deveria o Tribunal Recorrido, no entender da Recorrente, ter considerado tempestivo o recurso de apelação por si apresentado, por se ter interrompido por duas vezes, o respectivo prazo de interposição: a primeira interrupção, em 13 de Fevereiro de 2021, com a comunicação ao processo do pedido de substituição do Patrono originariamente nomeado, Dr. BB e, a segunda, em 26 de Abril de2021, com o pedido de escusa apresentado pela Ilustre Patrona nomeada em sua Substituição, Dra. CC.

e) Devendo o prazo de recurso de apelação contar-se da seguinte forma:

*O prazo de recurso de apelação iniciou em 19 de Janeiro de 2021 (dia seguinte ao da notificação do Patrono então nomeado que se presume ter sido feita a 18 de Janeiro de 2021;

*Se não houvesse circunstâncias a determinar a interrupção desse prazo, como aconteceu com o pedido de substituição do referido Patrono, Dr. BB, esse prazo terminaria a 17 de Fevereiro de 2021;

*O facto é que, o prazo de interposição do recurso de apelação interrompeu.se uma 1ª vez em 13 de Fevereiro de 2021 – antes pois daquele que seria o seu termo -, com a comunicação aos autos do pedido de substituição do Patrono em causa;

*Em 23 de Março de 2021 – terceiro dia útil após a notificação da Ilustre Patrona substituta, Dra. CC, em 19 de Março de 2021 – iniciou novo prazo de recurso de apelação que, suspendendo-se nas Férias Judiciais daPáscoaentre28 de Março e 05 de Abril de 2021 só viria a terminar em 30 de Abril de 2021, se não houvesse outra circunstância a determinar a interrupção deste prazo que foi o pedido de escusa da Ilustre Patrona em causa;

*Sucede que, o novo prazo iniciado a 23 de Março de 2021 e suspenso durante as férias Judiciais referidas supra, interrompeu-se novamente em 26 de Abril de2021, como pedido de escusada Ilustre Patrona, Dra. CC;

*O novo prazo de recurso só iniciou a sua contagem em 10 de Maio de 2021 – terceiro dia útil após a notificação da nomeação ao novo Patrono que enviou o recurso, Dr. DD – e, que só terminaria em 09 de Junho de 2021, data muito posterior à da entrega do recurso em 25 de Maio de 2021.

f) Não resulta da Lei, contrariamente ao que é sustentado no douto Acórdão recorrido, qualquer distinção, nomeadamente, em termos de contagem de prazos, entre o regime da escusa de Patrono e o regime da sua substituição, resultando antes, da remissão expressa do Nº2 do art. 32º da LADT uma verdadeira equiparação a esse nível, interrompendo-se os prazos em curso, com a consequente inutilização do já decorrido.

g) Nem poderia ser de outra forma, sob pena de se esvaziar completamente o sentido da remissão do Nº2 do art. 32º da LADT para o art. 34º e ss. da LADT, mais concretamente, para o Nº2 desta disposição que remete, precisamente, para a interrupção do prazo e consequente inutilização do já decorrido e início de novo prazo, previsto no art. 24º Nº5 da LADT.

h) Na verdade, a diferença que existe entre a escusa e o pedido de substituição de Patrono é a iniciativa que, no primeiro caso, pertence ao Patrono nomeado e, no segundo caso, ao beneficiário do apoio judiciário.

i)Muito menos faria qualquer sentido se estabelecer um regime mais favorável para o pedido de escusa que, pode dever-se a uma conduta do beneficiário que aquele que é aplicável ao pedido de substituição de Patrono em que este último pode, por alguma razão, faltar com o cumprimento dos seus deveres funcionais.

j) Aliás, se assim não se entendesse e, se, efectivamente se se considerasse que a ora Recorrente estava devidamente representada, podendo o Patrono nomeado inicialmente – Dr. BB – a Ordem dos Advogados não teria procedido à sua substituição decorrido mais de 30 dias após o pedido em causa.

k) Sendo, de resto, uma das atribuições da Ordem dos Advogados zelar pela correcta interpretação e aplicação da Lei, o que fez, substituindo o primeiro Patrono nomeado e, assim, fazendo retroagir os efeitos da interrupção do prazo do recurso à data do pedido de substituição.

l) A interrupção do prazo em curso com o pedido de substituição de Patrono tem sido, de algum modo pacificamente, sustentado por alguma Jurisprudência, designadamente, nos Acs. TRC de 17/02/2017 – Proc. Nº6726/15.7T8CBR-A.C1-, TRL de 23/10/2019, Proc. Nº1596/17.3PBFUN-A L1-3 – e TRE – Proc. Nº301/17.9GBTVR.E1, todos publicados em www.dgsi.pt

m) Se a Ordem dos Advogados deferiu o pedido de substituição do Patrono nomeado, é porque deu razão à requerente desse pedido de substituição e, é nesse momento que é convocado o regime da escusa, iniciando novo prazo para o recurso, com a nomeação do novo Patrono – Neste caso, o Ilustre Advogado, Dr. DD.

n) A invocação do regime do mandato, salvo o devido respeito pelo Tribunal Recorrido, não faz qualquer sentido, nem foi invocado pelo Recorrente, porque, não tem aplicação no presente caso, não lhe sendo de resto, favorável.

o) De qualquer modo, sempre se refira que, no caso do mandato é que a Lei nada refere em matéria de influência nos prazos, limitando-se a determinar que a renúncia só opera quando comunicada ao Mandatário constituído – art. 47º Nº2 do CC.

p) Por outro lado, ao sustentar que é da competência exclusiva da Ordem dos Advogados a apreciação dos pedidos de substituição de Patrono, o douto Tribunal da Relação só vem dar mais razão à Recorrente, porquanto, não pode o mesmo Tribunal interferir ou sequer escrutinar a decisão daquela terceira entidade.

q) Não se demonstrou nos autos se houve ou não qualquer justo impedimento, mas, caso existisse, este teria de ser manifestado, ainda que eventualmente, não nos autos, no processo administrativo de apoio judiciário junto da Ordem dos Advogados, o que, ao que tudo indica, não terá acontecido, pelo deferimento do pedido de substituição e nomeação do novo Patrono que elaborou e submeteu o recurso ao Tribunal.

r) Por último, importa frisar que, é com o pretenso estabelecimento de um regime diverso para o pedido de substituição de patrono em relação ao pedido de escusa, mais concretamente, em matéria de interrupção de prazos e de recontagem dos mesmos que se pode violar uma interpretação conforme à unidade do sistema, nos termos do art. 9º nº1 do CC, o que o legislador, claramente quis impedir, com a equiparação dos dois regimes e com o controlo dos processos de apoio judiciário – nomeação, escusa e substituição de Patronos - pela Ordem dos Advogados que afere de todas as razões invocadas pelos beneficiários e Advogados, para evitar qualquer tipo de mau uso do sistema, como de resto, fez neste caso.

s) Razões pelas quais, deve ser dado provimento ao presente recurso, admitindo-se o recurso de apelação apresentado em 25/05/2021, por tempestivo.


7.- Por despacho de 29/3/2022 não se admitiu o recurso de revista, por não se enquadrar na previsão do art.671 CPC e também estar excluído da previsão do art.673 CPC.

Eis a fundamentação:

“(…)

3. O acórdão recorrido não conheceu do mérito da causa nem pôs termo ao processo, não se integrando por isso na admissibilidade geral de recurso prevista no artigo 671.º, n.º 1. Pelo contrário, tem de ter-se como acórdão da Relação que aprecia decisão interlocutória que recai unicamente sobre a relação processual, ou seja, como integrando a previsão do artigo 671.º, n.º 2, corpo. Desses acórdãos só podem ser objecto de revista os que se integrem na previsão das alíneas da norma, o que não é o caso do acórdão em causa. Em suma, o recurso não pode ser admitido com fundamento no artigo 671.º.

4. A Recorrente também assim considerou, fundando a admissibilidade na norma do artigo 673.º, alínea a), como referido, norma que admite a revista dos acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação. O acórdão de que vem interposto recurso não é um acórdão proferido na pendência do processo na Relação, mas um acórdão proferido pela Relação na pendência do processo. O que não constitui um jogo de palavras, mas a explicitação da previsão do artigo 673.º que decorre desde logo do seu confronto com a do artigo 671.º, n.º 1. O artigo 673.º, n.º 1, refere-se a: - Acórdãos que a Relação profere enquanto o processo se encontra em recurso; - Sobre questões suscitadas de novo enquanto o processo tramita na Relação (cuja apreciação lhe compete em primeira instância e principalmente de natureza estritamente processual). Estão excluídos da previsão da norma os acórdãos proferidos pela Relação enquanto tribunal de recurso, em apreciação da decisão de primeira instância, dos quais se ocupa o artigo 671.º. A questão não é controversa como resulta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 20211 (no caso sobre acórdão proferido sobre questão nova) e de 25 de Novembro de 20202 . Em suma, o acórdão proferido não admite revista, por, para além de não se enquadrar na previsão do artigo 671.º, também estar excluído da previsão do artigo 673.º, inexistindo norma especial que permita a revista”.


8. A Requerente apresentou Reclamação (art.643 CPC) para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando, em síntese:

1. A douta decisão reclamada não admitiu o recurso de revista interposto pela ora reclamante contra o Acórdão do Tribunal da Relação que, por sua vez, julgou improcedente a reclamação previamente apresentada pela mesma, sobre a não admissão do recurso de apelação por invocada extemporaneidade.

2. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de não admissão do recurso de revista na irrecorribilidade do Acórdão interlocutório que foi seu objecto, por, em seu entender, não se enquadrar nem nas situações previstas no art. 671º do CPC, nem na previsão do art. 673º do mesmo diploma legal

3. Porém, entende a reclamante que, não assiste razão ao Tribunal de 2ª instância, como adiante melhor se demonstrará.

4. Se bem entendeu o douto Tribunal da Relação que, não havendo decisão de mérito, nem se pondo termo ao processo com a decisão interlocutória sobre a invocada intempestividade do recurso de apelação, a mesma não se enquadra na previsão do art. 671º nº1 do CPC que prevê recorribilidade das decisões em que tal sucede, salvo o devido respeito e melhor opinião, mal andou o mesmo Tribunal ao considerar que, tratando-se de uma decisão interlocutória, a mesma não se enquadra na previsão do nº2 da mesma disposição legal para efeitos de recorribilidade.

5. Isto porque, a decisão interlocutória objecto de recurso de revista pode enquadrar-se no nº2 do art. 671º do CPC, por se tratar de um dos casos em que o recurso é sempre admissível, por remissão para o art. 629º do CPC, mais concretamente, para a alínea d) do nº2

6. No caso dos presentes autos, a decisão interlocutória, em princípio, não seria de facto recorrível, por não se enquadrar nos termos do nº1 do art. 671º do CPC, por motivos que nada têm que ver com a alçada – uma vez que se trata de acção de valor superior a 30.000,00 € que é a alçada do tribunal da Relação -, mas, por se tratar de uma decisão que não conheceu do mérito da questão, nem pôs termo ao processo, tendo-se pronunciado apenas sobre uma questão processual relacionada com o prazo de interposição do recurso de apelação.

7. Contudo, o acórdão objecto do recurso de revista já seria recorrível nos termos do n º2 do art. 671º do CPC, por remissão para o nº2 d) do art. 629º do mesmo diploma legal, por haver uma oposição entre o referido acórdão e outros que foram invocados e parcialmente transcritos nas alegações/conclusões de recurso de revista.

8. Foram os seguintes os Acórdãos da mesma e de outras Relações em oposição com o acórdão recorrido invocados em sede de alegações e conclusões de recurso de revista: -Ac. TRC de 17/02/2017 – Proc. Nº6726/15.7T8CBR-A.C1 -Ac. TRL de 23/10/2019- Proc. Nº1596/17.3PBFUN-A L1-3 - Ac. TRE- Proc. Nº301/17.9GBTVR.E1 Todos publicados em www.dgsi.pt (vide para tanto conclusão L e ponto 24 das alegações/conclusões.

9. De qualquer modo, a oposição de julgados não é, nem tem de ser em si mesma o fundamento da decisão, nos termos do art. 674º do CPC, sendo antes um dos pressupostos do recurso de revista.

10. Sendo o fundamento do recurso a violação de disposições legais, mais concretamente, do nº2 do art. 32º e do art. 34º da LADT, conforme resulta da conclusão B e seguintes da motivação do recurso de revista.

11. Nesta medida, o recurso de revista deveria ter sido admitido, com base no pressuposto da oposição de julgados que torna o recurso sempre admissível, mesmo tratando-se de decisões interlocutórias proferidas pela 1ª instância, ou melhor dizendo, de um acórdão da Relação que manteve uma decisão da 1ª instância com fundamentação diferente, como foi a decisão de não admitir o recurso de apelação, com base na sua alegada intempestividade.

12. Assim o tem entendido alguma doutrina, designadamente, António Santos Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, almedina, 6ª edição, Julho de 2020, p. 408: «O art. 629ª, Nº2, al. d), englobado na remissão genérica que consta do art. 671º, Nº2, al. a) reporta-se aos recursos de revista que incidem sobre quaisquer acórdãos da Relação em qualquer caso em que vigore uma regra de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça não ligada ao valor da alçada da Relação».

13. O que significa que aquelas disposições legais abrangem também as decisões interlocutórias proferidas pela 1ª instância que incidem sobre questões processuais, como melhor explica o supracitado Juiz Conselheiro na referida obra, p. 62 a 68, pugnado por esta posição mais ampla no que respeita ao acesso ao recurso de revista, com base nos seguintes argumentos: «Para o efeito, destaca-se, desde logo, o elemento literal extraído do n.º2 do art. 671º, norma que, referindo-se explicitamente ao recurso de revista de decisões interlocutórias de cariz formal, assegura duas vias alternativas: a que decorre da al. b) (admissão de recurso de revista do acórdão da Relação que esteja em contradição com acórdão do Supremo, verificadas as demais condições aí previstas) e a que resulta da al. a) (que remetendo genericamente para o n.º2 do art.629º, não exclui a norma da al. d). A par deste elemento formal, constata-se ainda, como elemento de ordem racional ou teleológica, o facto de que, apenas desse modo se garante a efetiva possibilidade de, por intermédio do Supremo Tribunal de Justiça, serem sanadas contradições jurisprudenciais ao nível das Relações em torno de questões de direito adjetivo que, por regra, não são suscitadas nos demais recursos de revista (…) O facto de se tratar de matérias de direito adjetivo não pode servir para limitar, por via interpretativa, o direito de recurso, na medida em que frequentemente é da resolução dessas questões que depende a correta resolução do litígio».

14. No mesmo sentido se tem pronunciado alguma jurisprudência que o referido Juiz Conselheiro menciona na obra citada, como por exemplo, o Acórdão do STJ de 23.01.2020, EC L1 1303.17, apelando ao argumento literal, no sentido de o legislador, intencionalmente ter permitido o recurso de revista nessas situações em que, de outra forma, as contradições em matéria adjectiva nunca chegariam ao Supremo.

15. Semelhante solução foi dada pelo acórdão do STJ de 12.09.2019, no processo 587.17 (citada na mesma obra referida em 12 a 14 da presente reclamação), em que se discutiu a contagem de um prazo regressivo para a junção de documentos antes da audiência final.

16. Abrantes Geraldes sustenta ainda o argumento sistemático para fundamentar a sua posição, na medida em que, por a norma do art. 629º nº2 d) se enquadrar nas disposições genéricas sobre recursos, abarca todas as decisões, logo, não só as finais e de mérito, como também as interlocutórias sobre questões adjectivas, como aquela que foi objecto do recurso de revista interposto nos presentes autos pela ora reclamante.

17. Razões pelas quais, o recurso de revista interposto pela ora reclamante do acórdão da Relação que não admitiu o recurso de apelação também por si interposto, por alegada extemporaneidade, devia ter sido admitido, contrariamente ao que sucedeu e por isso, pela presente se reclama.

18. Não é verdade que a ora reclamante tenha entendido que a decisão objecto de recurso de revista não se enquadrava no art. 671º Nº2 do CPC, tendo fundado o mesmo recurso na norma do ar. 673º do mesmo diploma legal.

19. Na verdade, cumpre esclarecer que, o facto de a ora reclamante ter invocado o referido art. 673º do CPC não significa que o tenha invocado como fundamento do recurso, o que não fez, nem tinha de fazer, porque, a norma em causa diz apenas respeito à possibilidade de o recurso em causa ser feito sem ser diferido para a altura em que é interposto recurso da decisão final que, neste caso, obviamente, só poderia haver se tivesse sido admitido o recurso de apelação da decisão de 1ª instância, o que não aconteceu.

20. E, nessa medida, seria inútil, nos termos da al. a) do referido art. 673º do CPC recorrer de uma decisão da Relação que não admitiu o recurso de apelação se o recurso de apelação tivesse sido admitido e julgado, conhecendo do mérito da questão, o que não aconteceu.

21. Por outro lado, a ora reclamante, invocou em primeiro lugar, como pressuposto do seu recurso de revista, a norma do art. 652º Nº5 b) do CPC, segundo o qual: «Do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada: (…) b) Recorrer nos termos gerais».. É precisamente desta norma que resulta a remissão para o art. 671º do CPC que prevê os casos em que é admitido o recurso de revista, seja nos termos do nº1 ou do nº2 da disposição em causa e tratando-se de pressupostos do recurso de revista e não dos seus fundamentos que são os elencados no art. 674º do CPC.

23. O facto de a ora reclamante não ter referido expressamente essa remissão no seu requerimento de recurso não significa que a remissão não exista, enquadrando-se, assim, a decisão recorrida na previsão do nº2 a) do art. 671º e 629. nº2 d) do CPC, contrariamente ao que decidiu o Tribunal na douta decisão objecto da presente reclamação.

24. E, pelas razões já anteriormente aduzidas, nessa medida, o recurso de revista deveria ter sido admitido, sendo o seu fundamento a violação de normas jurídicas, conforme se referiu em 10 da presente reclamação, mais concretamente, de violação do nº2 do art. 32º e do artº 34º da LADT, conforme resulta da conclusão B e seguintes do recurso de revista.

25. Relativamente ao teor do art. 673º e à sua referência a processos pendentes na Relação, cumpre referir que, contrariamente ao que sustenta a douta decisão ora reclamada, o acórdão objecto de revista foi proferido em processo pendente na Relação, porquanto, é este o Tribunal competente para apreciar a reclamação do despacho de 1ª instância que não admitiu o recurso de apelação.

26. Termos em que não assiste razão ao Tribunal a quo, uma vez que, antes de mais, por a reclamação do despacho de não admissão do recurso de apelação ser da competência do Tribunal da Relação, é naquele Tribunal que o referido processo de reclamação se encontra pendente.

27. Por outro lado, ao referir os acórdãos proferidos em processos pendentes na Relação, a Lei, no art. 673º do CPC não distingue se os processos se encontram em fase de recurso ou reclamação, nem se se trata do processo principal ou apenas de um apenso como o caso dos presentes autos.

 28. Logo, onde a Lei não distingue, também não deveria o Tribunal, na douta decisão reclamada ter decidido.

29. Assim, caso não se entendesse que a decisão era recorrível nos termos do art. 652º nº5 b) do CPC, com remissão sucessiva para os arts. 671º nº2 a) e 629º nº2 d) do mesmo diploma legal – o que não se concede -, sempre o seria, por remissão do art. 673º do CPC para as mesmas disposições legais.


9. O Requerido EE respondeu pugnando pela inadmissibilidade da revista, devendo ser rejeitada a reclamação.


10. No Supremo Tribunal de Justiça, por decisão singular de 18/5/2022, proferida pelo Relator, decidiu-se:

Julgar improcedente a reclamação e confirmar o despacho reclamado.

Condenar a Reclamante nas custas.


11. A Recorrente reclamou para a conferência, alegando, em resumo:

a) Quanto ao primeiro fundamento da decisão reclamada, entende a reclamante que o recurso de revista sobre a decisão interlocutória que não admitiu o recurso com fundamento na suposta extemporaneidade do recurso de apelação deveria ter sido admitido, por se verificar o pressuposto da oposição de julgados, o que torna as decisões, ainda que interlocutórias recorríveis.

b)  A favor da recorribilidade das decisões interlocutórias em matéria processual, em caso de contradição jurisprudencial se tem pronunciado alguma doutrina, designadamente, António Santos Abrantes Geraldes em Recursos em Processo Civil, almedina, 6ª edição, Julho de 2020, p. 408, e jurisprudência aí citada.

c) Razões pelas quais, o recurso de revista interposto pela ora reclamante do acórdão da Relação que não admitiu o recurso de apelação também por si interposto, por alegada extemporaneidade, devia ter sido admitido, contrariamente ao que sucedeu e por isso, pela presente se reclama, sob pena de, adoptando uma doutrina mais restritiva sobre a admissibilidade do recurso de revista das decisões interlocutórias sobre questões processuais, como é o caso, se permitir que haja conflitos jurisprudenciais sobre questões processuais que ficam por resolver.

d) Entendeu o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator que a recorrente, ora reclamante não cumpriu o ónus de fundamentar e comprovar a contradição jurisprudencial previsto no nº2 do art. 637º como requisito formal de admissibilidade do seu recurso de revista.

e) Salvo o devido respeito, entende a ora reclamante que, sem prejuízo de, por lapso, não ter juntado acórdão fundamento – que, desde já se pede seja relevado e seja admitida a junção com a presente -, não assiste razão quanto à falta de fundamentação ou motivação do recurso, no que tange à contradição de julgados.

f) Na verdade, quando nas conclusões de recurso a recorrente, ora reclamante refere (e transcreve parcialmente) a jurisprudência que tem decidido no sentido da interrupção do prazo em curso com o pedido de substituição de Patrono pelo beneficiário do apoio judiciário, torna-se evidente pelo teor das citações que, a jurisprudência em causa é contrária ao douto Acórdão da Relação de Lisboa objecto do recurso de revista.

g) Entende a recorrente, ora reclamante que, a contradição jurisprudencial foi invocada nas alegações/conclusões de recurso de revista e, quanto muito, poderão as conclusões considerar-se, eventualmente, obscuras ou complexas, devendo completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, ao abrigo do disposto no nº3 do art. 639º do CPC, não obstante a sua falta de notificação para o efeito, ou, em último caso, em obediência aos princípios da cooperação e da adequação formal, previstos, respectivamente, nos arts. 7º e 547º do CPC.

h) Razão pela qual requer seja admitido o aperfeiçoamento das suas conclusões de recurso, passando a conclusão “L” a ter a seguinte redacção:

“Em sentido contrário ao do acórdão recorrido, determinando a interrupção do prazo em curso com o pedido de substituição de Patrono tem decidido alguma jurisprudência, de algum modo pacificamente, destacando-se o AC. TRL de 23/10/2019 – Proc. Nº1596/17.3PBFUN-A L1-3 que se junta como acórdão fundamento e em que todos os pedidos de substituição de Patrono que foram vários, tal como no caso vertente, determinaram sempre a interrupção do prazo em curso”.

i) A questão fundamental de Direito a apreciar na decisão recorrida e no acórdão fundamento (que já tinha sido mencionado e citado nas conclusões do recurso de revista apresentado pela ora reclamante) é a mesma – interrupção do prazo em curso pelo pedido de substituição de Patrono - como resulta das referidas conclusões, mesmo independentemente do aperfeiçoamento supra.

j) Também existe identidade factual, porquanto, em ambas as situações – a dos presentes autos e a do acórdão fundamento – houve um pedido de substituição do primeiro Patrono oficiosamente nomeado pelo beneficiário do apoio judiciário, considerando-se no acórdão fundamento que o prazo em curso se interrompeu a primeira vez com o referido pedido de substituição.

l) Simplesmente, no acórdão fundamento, o prazo que estava em curso era para requerer a constituição como assistente em processo penal e requerer a abertura de instrução, tendo o respectivo requerimento sido considerado extemporâneo porque, diferentemente do que sucedeu nos presentes autos, o acto devia ter sido praticado pelo Patrono nomeado em 15/01/2019 que, não pediu escusa, nem foi pedidaa sua substituição, mas foi praticado em 27/02/2019 pelo Patrono nomeado (ao que se presume, por lapso da Ordem dos Advogados) em 13/02/2019, ultrapassando assim o prazo de 30 dias que tinha sido concedido para o efeito.

m) Termos em que, deve ser aceite o presente aperfeiçoamento das conclusões do recurso de revista da decisão interlocutória, ao abrigo do disposto no art. 639º Nº3 do CPC, em último caso, ao abrigo dos princípios da cooperação e da adequação formal, nos termos dos arts. 7º e 547º do CPC.

n) No sentido de admitir o aperfeiçoamento das conclusões se tem pronunciado alguma jurisprudência recente deste Venerando Tribunal, de que é exemplo o Ac. STJ de 07/10/2020 – Proc. Nº 1075/16.6T8PRT.P1.S1, publicado em https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/592546/ e Ac. STJ de 24/11/2016 – Proc. Nº 571/15.7T8EVR-A.E1-S1, publicado no mesmo sítio da internet

o) O Supremo Tribunal de Justiça tem sustentado, maioritariamente que, a omissão da junção da cópia do acórdão fundamento ao recurso de revista com fundamento em oposição de julgados pode e deve ser suprida, ao abrigo do princípio da cooperação previsto no art. 7º do CPC, mediante despacho prévio de aperfeiçoamento, na sequência do qual se cumpre o ónus em causa – vide para tanto, por exemplo, Ac. STJ de 29/09/2020 – Proc. Nº 267/14.7TBOAZ-P1-S1, publicado em www.dgsi.pt

p) O Tribunal Constitucional, por seu turno, tem entendido que é inconstitucional o art. 637º Nº2 do CPC, na interpretação segundo a qual se rejeita o recurso ao qual não é junta a cópia do acórdão fundamento, sem que haja prévio despacho no sentido de convidar ao aperfeiçoamento, sustentando que deve ser guardada a rejeição para o caso do eventual incumprimento do convite feito ( f. por ex. acórdãos  nºs 151/2020, 506/2014 e 91/2014, considerando-se estar em causa a violação do direito a um processo justo e equitativo ( art. 20 nº4 CRP).

q) Ao rejeitar um recurso sem proferir um prévio despacho de aperfeiçoamento, com fundamento no Nº2 do art. 637º do CPC, interpretado num sentido meramente literal e não sistemático, em conjugação com os artigos 639º Nº3, 7º e 547º do CPC, o Tribunal está a aplicar uma norma inconstitucional, por violar, se interpretada naquele mesmo sentido, o disposto no supracitado art. 20º Nº4 da CRP.

r) Além disso, o Tribunal estará a violar o art. 6º da Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, doravante designada por Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) que prevê, precisamente, o direito de todos os cidadãos dos Estados signatários da Convenção, entre os quais, Portugal, a um processo equitativo.

Nestes termos, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., requer-se que sobre a matéria da douta decisão reclamada recaia um acórdão, submetendo-se, para tanto, o presente caso à conferência, de forma que, o recurso de revista apresentado pela ora reclamante seja apreciado e julgado procedente e, por consequência, seja também admitido o recurso de apelação, por tempestivo.


11. O Recorrido contra-alegou no sentido da improcedência da reclamação, em síntese:

Está correcta a asserção das três Instâncias segundo a qual não é admissível o recurso, menos ainda para esta Terceira Instância, do Acórdão que decidiu a reclamação para a conferência da decisão singular que confirmou a decisão da Primeira Instância de não admissão do recurso, depois de ter sido autorizado que subisse para ser apreciada a sua (in)tempestividade.

E, por isso, igualmente não é admissível a reclamação para a conferência da (correcta) decisão proferida sobre essa inadmissível reclamação, sendo que a Reclamante litiga de má fé.


12. A Recorrente/reclamante contraditou a litigância de má fé.



II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. A admissibilidade da Reclamação para a conferência

O Recorrido alegou não ser admissível reclamação para a conferência, mas sem fundamento legal.

Verifica-se que a Requerente recorreu de revista do acórdão da Relação de 17/2/2022 que, em conferência, confirmou o indeferimento da Reclamação (art. 643 CPC) e o no Supremo Tribunal de Justiça por decisão singular do Relator de 18/5/2022 rejeitou-se liminarmente o recurso de revista.

Nos termos do art. 652 nº1 e 3, aplicável por força da norma remissiva do art. 679 CPC, a lei permite a reclamação para a conferência, pelo que é admissível a reclamação.


2.2. – O mérito da Reclamação para a conferência

Problematiza-se na reclamação, não a reapreciação do mérito do acórdão a ela subjacente, mas tão somente a admissibilidade do recurso de revista interposto pela Reclamante do acórdão da Relação de 17/2/2022, decidindo em conferência, confirmou o despacho reclamado.

O despacho reclamado rejeitou o recurso de revista por considerar ser legalmente inadmissível, dado que não tem apoio no art.671 nº1 CPC ( “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”).

Em contrapartida, objecta a Recorrente/Reclamante dizendo a revista deve ser admitida com fundamento no nº2 a) do art. 671º e 629 nº2 d) do CPC e não tendo então indicado o acórdão fundamento, veio nas alegações para a conferência referencia o mesmo.

O art. 652 nº5 do CPC estatui na alínea b), que do acórdão da conferência pode a parte que se considere prejudicada “recorrer nos termos gerais”.

Significa que a admissão da revista terá que ter o apoio dos arts. 629 nº2 a), b), c), d) e art. 671 CPC.

Retomando o art. 671 nº1 CPC a solução do anterior art. 721 CPC/1961, antes da reforma de 2007, o que releva para a admissibilidade da revista é o acórdão da Relação e já não o que tenha sido decidido pela 1ª instância.

Ora, o acórdão da Relação de 17/2/2022 não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo, pelo que não é admissível recurso de revista.

Neste sentido, por ex., Ac STJ de 19/2/2015 (proc. nº 3175/07), disponível em www dgsi.pt ( “Não cabe recurso de revista de um acórdão da Relação que, por sua vez, indeferiu uma reclamação apresentada contra um despacho de não admissão do recurso de apelação (n.º1 do art. 671.º do NCPC (2013)”; Ac STJ de 19/12/2021 ( proc. nº 2290/09 ), em www dgsi.pt (“Da decisão de não admissão do recurso de apelação proferida no Tribunal de 1.ª instância cabe reclamação para o Tribunal da Relação, ao abrigo do artigo 643.º do CPC, e, depois, da decisão sobre esta reclamação cabe reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3, do CPC. Do Acórdão proferido pela conferência que confirma a decisão de não admissão do recurso de apelação não cabe, porém, nem reclamação nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, excepto nos casos em que o recurso é sempre admissível”).

Como do despacho do relator, ao abrigo do art. 643 CPC, cabe reclamação para a conferência, do acórdão nela proferido apenas é admissível recurso de revista ao abrigo dos arts. 671 nº2 e 629 nº2 CPC ( neste sentido, Cons Abrantes Geraldes, Recursos em processo Civil, 6ª ed., pág. 401), estando afastada a hipótese do art. 673 CPC.

Por isso, importa apurar se o recurso de revista é aqui admissível a coberto dos art. 629 nº2 d) e 671 nº2 a) CPC, como pretende a Reclamante.

O art. 629 nº2 d) estatui – “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

E o art. 671 nº2 a) CPC preceitua – “Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objecto de revista nos casos em que o recurso é sempre admissível”.

Conforme se expôs na decisão singular, existem duas orientações doutrinárias quanto à interpretação e aplicação da regra do art. 629 nº2 d) CPC:

a). Uma tese restritiva – em que o recurso de revista a coberto desta norma só tem aplicação aos recursos de revista que ponham termo ao processo ou apreciem o mérito da causa, nos termos do art. 671 nº1 CPC (nos casos em que o recurso não é legalmente admissível por razões diversas do valor). Nesta perspectiva, não é admissível o recurso de revista (normal) com fundamento na regra do art. 629 nº2 d) CPC (contradição entre acórdãos da mesma ou de outra Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental) se não estiverem preenchidos os pressupostos de amissibilidade da revista – regra (art. 671 CPC).

Por isso, a norma do art. 629 nº2 d) CPC não é aplicável a decisões interlocutórias de natureza adjectiva, mas antes a regra do art. 671 nº2 b) CPC.

Esta orientação tem sido sustentada pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa  (cf anotação ao Ac STJ de 2 de Junho de 2015, Blog do IPPC (IPPC) https://blogippc.blogspot.com/2015/06/jurisprudencia- ao esclarecer que  “o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível”. Justifica o ilustre Professor que “há uma (boa) razão de ordem sistemática para se entender que o disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC não pode dispensar a admissibilidade da revista nos termos gerais (sendo nomeadamente necessário, para a admissibilidade da revista, que o valor da causa exceda a alçada da Relação)”, desde logo, porque “se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista “ordinária” nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excecional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC”.  Por isso, defende que “a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excecional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista “ordinária” não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição”, na medida em que só “nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC”.

Acrescenta que o art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC “ estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal”, porque  dada a “exclusão da revista por um critério legal independente da relação do valor da causa com a alçada do tribunal, há que instituir um regime que permita que o STJ possa pronunciar-se (e, nomeadamente, uniformizar jurisprudência) sobre matérias relativas aos procedimentos cautelares e aos processos de jurisdição voluntária”, sendo que é “precisamente essa a função do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC”.

No plano jurisprudencial, seguindo esta interpretação, por exemplo, Ac STJ de 17/11/2015 (proc. nº 3709/12) Ac STJ de 26/11/2019 (proc nº 1320/17), Ac STJ de 14/7/2021 ( proc nº 2498/03) Ac STJ de 17/11/2021 ( ( proc nº 5585/19) todos disponíveis em www dgsi.pt.

b) Uma tese ampla - Para esta orientação é admissível a aplicação conjunta do art. 629 nº2 d) e do art. 671 nº2 b) CPC, justificada com o elemento literal e a remissão genérica do art.671 nº2 a), sendo que só por esta via se garante a intervenção do Supremo para resolver contradições jurisprudências das Relações em questões de direito adjectivo, pois de outra forma ficaria esvaziado o art. 674 nº1 b) CPC.

Defende esta posição o Cons. Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág. 62 e segs.), concluindo do seguinte modo:

“Em suma: sem embargo da recorribilidade de qualquer acórdão da Relação, nos casos previstos no art. 629 nº2 a) e c) independentemente da verificação dos requisitos gerais, a interposição de recursos de revista de acórdãos a Relação sobre decisões interlocutórias de natureza processual, pode ser sustentada:

a) Na verificação de uma contradição com acórdão da Relação, em casos em que, em regra o recurso de revista não seja admissível por razões legais ( art. 629 nº2 d);

b) Na verificação de uma contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 671 nº2 b)”.

No plano jurisprudencial, por exemplo, Ac STJ de 12/9/1029 (proc nº 587/17) em www dgsi.pt.

Neste contexto, enquanto que na tese restrita o recurso de revista de acórdãos da Relação que incidam sobre decisões interlocutórias de natureza processual com fundamento em contradição jurisprudencial apenas se aplica o regime específico do art. 671 nº2 b), para a tese ampla esta situação também está abrangida pelo art. 629 nº2 d) CPC.

Tal como se justificou na decisão reclamada, deve acolher-se a tese restrita, considerando o argumento sistemático e as razões subjacentes às limitações quanto ao terceiro grau de jurisdição, sendo que a norma do art.629 nº2 d) não pode ser interpretada atomisticamente, mas sistematicamente, ou seja, em conjugação com a ratio das normas que definem os pressupostos do recurso de revista geral e do recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça ( cf. arts  671 e 672 do CPC).

A ratio legis do art. 671 nº1 CPC radica na limitação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, reservando a sua jurisdição para uma fase do processo em que o objecto tenha sido definitivamente decidido, ou seja, quando se está perante uma decisão final, de natureza material ou processual dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

Como elucida Lopes do Rego (“O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 764), as “limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”.

Tanto o Tribunal Constitucional, como o Supremo Tribunal de Justiça têm jurisprudência consolidada no sentido de que “ a Constituição não impõe que o direito de acesso aos tribunais, em matéria cível, comporte um triplo ou, sequer, um duplo grau de jurisdição, apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de actos jurisdicionais”, pelo que “o legislador dispõe de ampla margem de conformação do regime de recursos” (cf., por todos, Acórdão TC nº 361/2018).

Por outro lado, também o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 701/2005  decidiu que  “nenhuma norma ou princípio constitucional impõe a obrigatoriedade de recurso para o Supremo, para uniformização de jurisprudência, de todos os acórdãos proferidos pelas Relações; concretamente, nenhuma norma ou princípio constitucional impõe a obrigatoriedade de recurso para o Supremo, para uniformização de jurisprudência, de acórdão da Relação do qual não seja possível recorrer por motivo respeitante à alçada da Relação”.

E ainda o Acórdão nº 159/2019 do Tribunal Constitucional que decidiu “não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), conjugada com o n.º 1 do artigo 671.º, ambos do Código de Processo Civil, conducente ao sentido de que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, não é admissível quando não se verifiquem os requisitos do artigo 671.º, n.º 1, do CPC”

Daqui resulta que o art. 671 nº1, conjugado com o art.629  nº2 d) do CPC, na dimensão interpretativa aqui adoptada, não é materialmente inconstitucional, nomeadamente por violação do art.20 da CRP.


2.3. Síntese conclusiva

1. Em regra não é legalmente admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, em conferência, julga improcedente uma reclamação contra despacho do relator que não admite recurso de apelação.

2. A norma do art.629 nº2 d) CPC deve ser interpretada de forma restritiva no sentido de que só tem aplicação aos recursos de revista que ponham termo ao processo ou apreciem do mérito da causa, nos termos do art.671 nº1 CPC

3. O art.629 nº2 d) CPC estatui uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal.

4. Por isso, a norma do art.629 nº2 d) CPC não é aplicável a decisões interlocutórias de natureza adjectiva, mas antes a regra do art. 671 nº2 b) CPC.

5. A norma do art..671 nº1 conjugada com o art.629 nº2 d) do CPC, não é materialmente inconstitucional, nomeadamente por violação do art.20 da CRP.



III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem

1)


Julgar improcedente a Reclamação e confirmar a decisão reclamada.

2)


Custas pela Reclamante.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Julho de 2022.


Os Juízes Conselheiros

Jorge Arcanjo ( Relator).

Isaías Pádua

Freitas Neto