Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
438/08.5SGLSB.L1-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: CASO JULGADO
CORRECÇÃO DA DECISÃO
DEMORAS ABUSIVAS
EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL
INCIDENTES
Data do Acordão: 09/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil”, Anotado, vol. V, p. 156.
- Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 16.
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, p.34 e seg..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 720.º
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.° N.°1, AL. C),400.º, N.º1, AL.F), 432.º, N.º1, AL.B).
LEI Nº 48/07, DE 29-8. - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 376/2012.
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 23/01/2002, PROC. 3924/01, DE 3/03/2004, PROC. 215/04, E DE 19/11/2009.
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AFJ Nº 4/2009 DE 18.02.09, PUBLICADO NO DR, 1ª SÉRIE, DE 19.03.09.
Sumário :

I - A partir do momento em que transita em julgado a decisão condenatória pode e deve ser de imediato executada. As intervenções processuais situadas a jusante do trânsito em julgado não têm qualquer virtualidade para comprometer tal força executiva e caso se evidencie o propósito de entorpecer o processo, suscitando questões laterais à força de caso julgado, está justificado o recurso analógico ao art. 720.º do CPC.
II - A existência de um lapso material a necessitar de ser corrigido, bem como a omissão de qualquer acto susceptível de complementar tal correcção, não tem virtualidade para inquinar a força executiva da decisão condenatória. Os recorrentes ao pretender extrair de tal anomalia um efeito aniquilador da decisão condenatória estão a interromper a dinâmica dos autos, nos quais a força executiva da decisão aparece como elemento fundamental.
III - Adquirido o trânsito em julgado da primeira decisão do Tribunal da Relação, o apelo ao art. 720.º do CPC, encontra-se justificado pela sucessão de requerimentos que, interferindo com a dinâmica normal do processo, em nada afectam a força concedida pelo trânsito.



Decisão Texto Integral:

                                      Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

            AA e BB vieram interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão de primeira instância que os condenou nas seguintes penas:

AA, pela prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de :Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos Artsº 143 nº1 e 145 nsº1 al. a ) e 2, com referência ao Artº 132 nº2 al. h), todos do C. Penal, na pena de 2 ( dois ) anos de prisão ;Um crime de coacção grave, p.p., pelos Artsº 154 nº1 e 155 nº1 al. d), ambos do C. Penal, na pena de 3 ( três ) anos de prisão e Um crime de abuso de poder, p.p. pelo Artº 382 do C. Penal, na pena de 1 ( um ) ano e 6 ( seis ) meses de prisão ;

Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 ( quatro ) anos e 3 ( três ) meses de prisão.

BB, pela prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de :Um crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelos Artsº 143 nº1 e 145 nsº1 al. a ) e 2, com referência ao Artº 132 nº2 al. h), todos do C. Penal, na pena de 2 ( dois ) anos de prisão ;Um crime de coacção grave, p.p., pelos Artsº 154 nº1 e 155 nº1 al. d), ambos do C. Penal, na pena de 2 ( dois ) anos e 9 ( nove ) meses de prisão e Um crime de abuso de poder, p.p. pelo Artº 382 do C. Penal, na pena de 1 ( um ) ano e 6 ( seis ) meses de prisão ;

Em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 ( quatro ) anos de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

a)   Por acórdão datado de 17 de Outubro de 2012, foi confirmado acórdão que condenou os arguidos AA e BB condenados respectivamente, nas penas de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses e 4 (quatro) anos de prisão efectiva.

b)  após analisado o douto acórdão da Relação vieram os arguidos, em 31 de Outubro de 2012, do mesmo recorrer, pois tendo havido um lapso do nome dos arguidos que o Tribunal condenou, haveria uma nulidade do Acórdão que importaria sanar.

c) O Tribunal julgou improcedente o recurso por carecer de fundamento, mas simultaneamente, admitiu a existência de um erro material e ordenou a sua correcção. Deveria pois o Acórdão ser rectificado e nele colocados os nomes dos arguidos ao invés do nome que nele constava: CC, que nada tem a ver com os autos em questão.

d) O que foi ordenado pelo douto Tribunal da Relação, por Acórdão datado de 5 de dezembro e devidamente notificado ao mandatário dos arguidos.

e) por requerimento de 7 de Março de 2012, o mandatário dos arguidos invoca a nulidade de todo o processado posteriormente ao Acórdão que ordenou a correcção do erro material, pois era forte convicção dos arguidos e do seu mandatário, que a esta data a correcção do Acórdão ordenada pelo Tribunal da Relação ainda não tinha sido feita, uma vez que tal correcção material do acórdão acarretaria, por imperativo legal, uma notificação; a qual não se tinha ainda verificado.

f) Atento o teor do Acórdão do qual ora se recorre (ponto 6), facilmente se percebe que foi apenas no dia 8 de Março, após o requerimento do mandatário dos arguidos, que o douto Tribunal da Relação de Lisboa solicitou à 5ª Vara Criminal a remessa do 3.° volume dos autos para que se procedesse à correcção já ordenada em Dezembro.

g) A correcção foi feita no dia 12 de Março e o Acórdão corrigido do erro material foi devidamente notificado ao mandatário dos arguidos. Sendo que a notificação se presume feita no terceiro dia útil posterior ao do envio, conforme disposto no artigo 113.°, n.°2 do Código de Processo Penal, a mesma só produziu efeitos em 15 de Março. Só desde 15 de Março corre o prazo para o referido douto Acórdão transitar em julgado, trânsito que ocorrerá a 5 de Abril.

h) Não entendem os arguidos como podem ser agora eles acusados de expedientes dilatórios com vista a impedir a baixa definitiva dos autos à 1ª instância, pois se a correcção do erro material do Acórdão foi ordenada em 5 de dezembro, e só em 8 de março, dia seguinte a ter sido apresentado em tribunal um requerimento dos arguidos alertando para a falta de cumprimento da correcção ordenada, o tribunal da relação solicitou à 1ª instância a remessa do processo.

i) Como podem os arguidos e o seu mandatário serem acusados de expedientes dilatórios quando houve inércia do Tribunal da Relação que impediu a baixa definitiva do processo.

j) Nem se entende como pode o recurso do Acórdão ser considerado manifestamente infundado quando se alega a nulidade do Acórdão por nele estar inscrito o nome de uma pessoa que nada tem a ver com os arguidos, e na resposta, o Tribunal não aceita o erro mas ordena que se proceda à sua correcção.

k) Com esta solução ou o Tribunal ordenou a correção de um erro que não existe - o que não se concebe, ou não quis assumir um erro material e evidente, que de tão evidente ordenou a sua correcção - o que também não se pode aceitar, porque a virtualidade da Justiça reside na possibilidade de corrigir o que está errado, e não na imposição insistente do erro.

I) Não podem os arguidos aceitar esta cavilação do Tribunal da Relação de Lisboa, que assim tenta impedir o exercício do seu direito de defesa, demonstrando deslealdade processual. Pois deste modo vem o Tribunal tirar o que a lei concede -o prazo para o exercício do direito de defesa!

m) Compulsados os autos, deparamo-nos a fls. 181 com um documento - auto de identificação - exarado pelo Agente AA, o qual foi exibido em audiência de julgamento, constituindo prova. Nos termos do disposto no n.°2 do artigo 363.° do Código Civil, tal auto elaborado e assinado pelo arguido Agente AA, é um documento autêntico, pois foi exarado com as formalidades legais, pela autoridade pública nos limites da sua competência. Razão pela qual os factos nele descritos revestem uma qualidade especial que não pode ser ignorada - são factos provados.

n) Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 371.° do Código Civil, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos neles insertos.

o) Pretendem os arguidos ver esclarecida a incongruência de uma decisão que assume que condena porque naquelas circunstâncias concretas os arguidos devereriam ter elaborado um auto e não o fizeram, para depois confrontar o Arguido AA com um auto (junto a fls.181) que este confirma ter elaborado e assinado.

p) Urge ver esclarecido como é que se condena com base na ausência de um Auto que afinal se encontra a fls. 181 dos autos e foi inclusivamente exibido em audiência de julgamento, e por ter força probatória plena todos os factos nele descritos estão provados.

q) No exercício do exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal valorou a versão do ofendido em total detrimento da versão dos arguidos, o que em face do documento autêntico e dos factos nele atestados não poderia ter ocorrido. Pela simples razão que as declarações dos arguidos em audiência de julgamento estão corroboradas pelos factos do documento de fls. 181, os quais estão provados, por força do disposto no artigo 371.° do Código Civil. Pelo que tinham de ser consideradas as declarações dos arguidos, o que conduziria a outra decisão final.

r) A autencidade do documento nunca foi posta em causa, nos termos do disposto no artigo 372.° do Código Civil, e seria essa a única forma de ilidir a força probatória do documento. E de facto, se o Tribunal, ainda nos termos do disposto no artigo 372.° do Código Civil, tem poderes para declarar a falsidade do documento e não o fez, então não pode deixar de considerar provados todos os factos constantes desse documento.

s) O documento autêntico foi exibido em audiência de julgamento, o Agente AA foi confrontado com o mesmo, tendo assumido a sua elaboração, porém faltou ao Tribunal a última conclusão - dar como provados os factos descritos no auto de identificação.

t) Na verdade o Tribunal nunca se pronunciou sobre esses factos, os quais nem sequer são aflorados em nenhum dos Acórdãos, o que é bastante para gerar a nulidade do Acórdão nos termos do disposto no artigo 379.°, n.°1 al. c) do Código de Processo Penal: "1- É nula a sentença: (...) c) quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (...)."

u) A CRP destaca o papel essencial do direito ao recurso no processo criminal. Quando no n.°1 do artigo 32.° da CRP se consagra que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso". Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira "trata-se de explicitar que em matéria penal o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, na medida em que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa constitucionalmente consagradas".

v) O direito ao recurso traduz-se na possibilidade de submeter uma decisão judicial a uma nova apreciação por parte de um tribunal superior, com o objectivo de corrigir eventuais erros de decisões judiciais.

w) E se é certo que nem todas as decisões judiciais têm "dignidade" para serem sujeitas a recurso (por razões de economia processual, reduzida importância dos direitos em causa, etc), cremos que quando estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, o recurso das decisões judiciais que os afectem é uma garantia indispensável.

x) É no processo criminal que se revela com maior intensidade a possibilidade de limitação dos direitos fundamentais, donde bem andou o legislador Constitucional quando expressamente incluiu o recurso nas garantias de defesa que o processo crimina! tem que assegurar - art. 32, n.°1 CRP - com a epígrafe - Garantias de Defesa.

y) Assim, um cidadão que é privado da sua liberdade tem direito a recorrer da decisão que o priva da liberdade.

z) Qualquer norma que preveja a possibilidade de um cidadão ser privado da sua liberdade por uma decisão judicial sem possibilidade de recurso é inconstitucional.

aa) Garantia fortemente intrincada com o principio da presunção de inocência de qualquer arguido, pois o recurso é uma forma de garantir que a decisão de condenação de um arguido é justa, ou para a infirmar, reapreciando da sua justeza.

bb)E é este o ponto em que o Código de Processo Penal não assume as garantias constitucionais em toda a sua amplitude

cc) Não se retira do espirito do legislador da Lei Fundamental a possibilidade de recurso ad infinitum, mas tão-somente que as decisões que coarctem a liberdade do arguido possam ser sujeitas a recurso a todos os graus de jurisdição do ordenamento jurídico.

dd)Efectivamente, de muitas (se não da maior parte) das decisões que condenam em pena de prisão - efectiva, suspensa ou subsidiária - não existe um direito à dupla ou tripla reapreciação. Além de se restringir o direito ao recurso, nos diferentes graus de jurisdição, a matérias de facto ou de direito, essa restrição também opera em relação à dimensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado.

ee)É o que acontece quando o CPP, no artigo 400.°, n.°1, al. f) expressamente impede o recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas Relações que confirmem decisão de 1.a instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, em violação do direito consagrado no artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa.

Terminam pedindo que:

a)         tenha o presente recurso provimento, por legitimo e em prazo;

b)         seja revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que determina o trânsito em julgado do Acórdão condenatório;

c)         seja revogado o Acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa por estar ferido de nulidade nos termos do artigo 379.° n.°1 al. c) do Código de Processo Penal;

d)         seja declarada inconstitucional a norma do artigo 400.° n.°1 al. f) do código de processo penal por violação do  artigo  32.° da  Constituição  da República Portuguesa - CRP.

Respondeu o Ministério Publico referindo que o recurso em causa deve ser julgado improcedente.

Neste Supremo Tribunal de Justiça o EXº Mº Sr.Procurador Geral Ajunto pronunciou-se pela rejeição do recurso.

                                                                   * 

Os recorrentes interpõem recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, em 17 de Outubro de 2012, confirmou a decisão de primeira instância.

Igualmente é interposto recurso da decisão do mesmo Tribunal Superior que decidiu:

1. Determinar a extracção de traslado  e dar imediato conhecimento à 1ª Instância da presente decisão e, face ao disposto no artº 720 nº5 do C. P. Civil acima mencionado, consignar que a lei determina que a decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado (como é o caso em apreço), considerar para todos os efeitos, transitada em julgado.

                                              Os autos tiveram os vistos legais

                                                       *  

                                                      Cumpre decidir.

Procurando desenhar o itinerário dos presentes autos e corroborando o apontamento formulado pelo Ministério Publico:

- Em sede de acórdão proferido no tribunal de Iª instância (5a Vara Criminal de Lisboa) foram os arguidos condenados:

-o arguido AA na pena única de prisão de 4 anos e 3 meses de prisão, efetiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de coacção grave e um crime de abuso de poder;

-o arguido BB na pena única de 4 anos de prisão, efetiva, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de coacção grave e um crime de abuso de poder.

-Inconformados com a decisão vieram os arguidos/recorrentes interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 17.10.2012 decidiu julgar improcedentes os recursos em causa, mantendo, em consequência a decisão alvo de recurso.

Ou seja, o citado acórdão condenatório proferido, em recurso, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, confirmou integralmente decisão de Ia instância e aplicou pena de prisão não superior a 8 anos, pelo que, nos termos do art. 400° n°l-f) do CPP, o referido acórdão condenatório do TRL não é susceptível de recurso ordinário.

-Por requerimento de 31 de Outubro de 2012 os arguidos/recorrentes vieram reclamar para a conferência, invocando a existência de nulidade na decisão proferida.

- Por acórdão do TRL de 5 de Dezembro de 2012, determinou-se:

-que nos termos do art. 380° n°l-b) do CPP se procedesse à correcção do lapso de escrita ocorrida na segunda página do acórdão de 17.10.2012 (o qual é formado por 31 páginas) determinando-se a substituição do nome CC por AA e BB.

- foram indeferidas as reclamações apresentadas pelos correntes.

Tal acórdão de 5 de Dezembro de 2012 foi devidamente notificado ao mandatário dos arguidos, como expressamente os recorrentes afirmam no articulado 5 do recurso ora interposto para o STJ- fIs. 123 desta certidão.

-Os autos foram devolvidos ao tribunal de 1ª instância no dia 11 de Janeiro de 2013 , sem que, porém, se tivesse procedido à determinada retificação do lapso de escrita.

-Por requerimento de 07.03.2013, endereçado ao Tribunal Criminal de Lisboa, os arguidos requereram "fosse considerado nulo e sem qualquer efeito, todo o processado posterior à notificação que ordena a correção do acórdão no local próprio", "para tanto requerendo a notificação do acórdão corrigido..( f Is. 46/47 desta certidão)

-Por despacho de 8.03.2013 proferido no TRL foi solicitada a remessa a este tribunal do 3ºe último volume dos autos, determinado que se procedesse à rectificação do lapso de escrita como já ordenado e que após, o processo fosse devolvido à 1" instância.

-No dia 12 de Março de 2013 foi expedido ofício para notificação dos arguidos do teor do acórdão proferido em 17.10.2012 devidamente retificado e do teor do acórdão proferido a fls. 661 a 664, enviando-se cópia do acórdão rectificado. Foram ainda devolvidos os autos (3o Vol.) à Ia instância.

-No dia 21 de Março de 2013, após encerramento do expediente, vieram os arguidos apresentar requerimento endereçado ao TRL solicitando a aclaração do acórdão.

-0 tribunal "a quo" remeteu ofício cm 22 de Março de 2013 solicitando que se informasse se transitou em julgado a decisão, a fim de averiguar da necessidade de serem recolhidos os mandados de captura relativos aos arguidos, que se encontram pendentes.

-Foi então proferido, em 25 de Março de 2013 ,o acórdão do TRL, do qual os arguidos pretendem agora recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.

No referido acórdão do TRL de 25.03.2013 decidiu-se que "atento o vertido nos n°s 1, 2 e 3 do art. 270° do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 4º do CPP,

-determina-se a extracção de translado; oportunamente (art. 720° n°4 do CPC) se abrisse conclusão para apreciação do requerimento de aclaração.

- que se desse de imediato conhecimento à Ia instância da presente certidão e, face ao disposto no art. 720° n°5 do CPC, consigna-se que a lei determina que a decisão impugnada através de incidente manifestamente infundo (como é o caso em apreço) considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado."

                                                           *

I

O recurso interposto é inequívoco ao formular as suas conclusões pretendendo que seja revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que determina o transito em julgado do Acórdão condenatório e, ainda, que seja revogado o Acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa por estar ferido de nulidade nos termos do artigo 379.° n.°1 al. c) do Código de Processo Penal.

Assim, estamos em face de dois recursos com objectivos distintos sendo certo que o proferido em primeiro lugar, confirmatório da decisão de primeira instância, tem por objecto uma decisão que não é susceptível de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

Na verdade, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2009 de 18.02.09, publicado no DR, 1ª Série, de 19.03.09 fixou jurisprudência no sentido de que, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1ª instância. A decisão de primeira instância foi proferida em momento no qual estava já em vigor a versão Código de Processo Penal resultante das alterações que nele foram introduzidas pela Lei nº 48/07 de 29 de Agosto, como decorre do seu artº 7º.Assim, sendo essa a versão do Código aplicável ao caso vertente tudo se resume a saber se, e em que medida, é recorrível a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa ora em análise.

Como bem se refere na decisão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-2009 é o artº 432º do CPP que define a recorribilidade das decisões penais para o Supremo Tribunal de Justiça. De forma directa, nas alíneas a), c) e d), do seu nº 1; de modo indirecto, na alínea b) do mesmo número, através da referência às decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do nº 1 do artº 400º.

Estando aqui em causa um recurso interposto de um acórdão de um tribunal da relação proferido em recurso, perante um recurso em segundo grau, portanto, a norma a ter em conta é a daquela alínea b) – “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça … b) das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pela relações, em recurso, nos termos do artº 400º”.

Ora, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a penas fixadas pela Vara Criminal de Lisboa em que os arguidos foram condenados. Como assim, a alínea b) do nº 1 do artº 432º remete-nos para a alínea f) do nº 1 do artº 400º.

A Lei nº 48/07 alterou substantivamente esta disposição legal: se antes, era a pena aplicável o pressuposto (um dos pressupostos) da (ir)recorribilidade dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, agora esse pressuposto passou a ser o da pena concretamente aplicada e, no caso vertente, as penas aplicadas situam-se abaixo do patamar de recorribilidade-oito anos de prisão-fixado na norma invocada.

Tal interpretação não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade como tem sublinhado o Tribunal Constitucional[1]

Termos em que, por não ser admissível, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 432º, alínea b) e 400º, nº 1, alínea f), do CPP, se rejeita o referido recurso.

II

Da irrecorribilidade da decisão referida decorre a força de caso julgado que a anima. Efectivamente, existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objecto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos. Por seu turno o caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial.

Na verdade, e conforme refere Castro Mendes, o caso julgado formal consubstancia-se na mera irrevogabilidade do acto, ou decisão judicial, que serve de base a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, uma inalterabilidade da sentença por acto posterior no mesmo processo [2]No caso julgado formal (art. 672° do Cód. Proc. Civil), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidente com o fenómeno de simples preclusão[3]

Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï) - cfr. Acs. do Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 2002, Proc. 3924/01, e de 3 de Março de 2004, Proc. 215/04.O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.

No rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual[4]

                                               *

Subsiste, assim, o recurso interposto de decisão proferida no que concerne á aplicação analógica do artigo 720 do Código de Processo Civil.

No que concerne importa acentuar em primeiro lugar que tal decisão não consubstancia o conceito de terminus da relação processual que é pressuposto da admissibilidade do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

Tal questão prende-se com a própria estrutura e princípios do direito processual penal. Na verdade, na perspectiva jurídica assumida pela lei adjectiva aquele ramo do direito surge como uma regulamentação disciplinadora de investigação e esclarecimento de um crime concreto, que permite a aplicação de uma consequência jurídica a quem, com a sua conduta, tenha realizado um tipo de crime. Nesta medida ele constitui, de um ponto de vista formal, um «procedimento» público que se desenrola desde a primeira actuação oficial tendente àquela investigação e esclarecimento até à obtenção de uma sentença com força de caso julgado ou até que se execute a reacção criminal a que o arguido foi condenado. Procedimento este que põe em causa não apenas o arguido, na sua relação com o detentor do poder punitivo representado pelos órgãos que no processo intervêm, mas uma série de «terceiros» -as testemunhas, os declarantes, os peritos, os intérpretes que estabelecem entre si e com os sujeitos processuais as relações jurídicas mais diversas e assumem no processo diferentes posições jurídicas.

             Foi justamente para se abranger juridicamente toda esta diversidade, apreendendo o processo como um unitário, que se procurou caracterizá-lo como relação jurídica processual. Tal relação, com bem aponta o Professor Figueiredo Dias deverá ter subjacente uma compreensão como relação da vida social controlada pelo direito.

            O conceito de relação jurídica processual penal terá então, ao menos, o efeito útil de dar a entender, com nitidez, que, com o inicio do processo penal, se estabelecem necessariamente relações jurídicas entre o Estado e todos os diversos sujeitos processuais -se bem que a posição jurídica destes seja a mais diversa e diferenciada e que dali nascem para estes direitos e deveres processuais. Nessa perspectiva nos parece de assumir o entendimento de que a decisão que põe termo á causa é aquela que tem como consequência o arquivamento, ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Em última análise trata-se da decisão que põe termo aquela relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o “terminus” da relação entre o Estado e o Cidadão imputado configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal.

            Manifestamente que não é esse o caso da presente decisão pelo que se entende que estamos perante uma decisão que não conhece do objecto do processo pelo que não é recorrível.

                                                           +

Mas, mesmo que se considerasse a decisão em causa como recorrível não teria o recurso interposto condições para proceder. Na verdade, no que concerne ao núcleo fundamental da argumentação produzida na decisão refere a mesma que: 

De facto, pretender, em primeiro lugar, suscitar a nulidade de uma decisão com fundamento na não rectificação de um lapso de escrita e, posteriormente, querer fazer crer que, realizada tal rectificação (que se resume à correcção do nome dos arguidos, em apenas uma das páginas do acórdão), a mesma conferiria o direito à reabertura da discussão quanto ao conteúdo de um acórdão já proferido há mais de 5 meses e confirmado, após reclamação para a conferência, por novo acórdão datado de há mais de 3 meses, em conciliação com a informação prestada pelo tribunal de 1ª instância, de terem já sido emitidos e entregues mandados de detenção em nome dos arguidos, só se pode entender como uso do processado com os fins supra enunciados.   

            A lógica argumentativa expressa na decisão recorrida não oferece motivo de crítica. Na verdade, a decisão condenatória transitou em julgado, por insusceptível de recurso, sendo insusceptível de qualquer outra forma de revisão que não a inscrita em recurso extraordinário com tal efeito e verificados que sejam os respectivos pressupostos.

            A existência de um lapso material a necessitar de ser corrigido, bem como a omissão de qualquer acto susceptível de complementar tal correção não tem qualquer virtualidade para inquinar a força executiva da decisão condenatória. Os recorrentes ao pretender extrair de tal anomalia um efeito aniquilador da decisão condenatória, ou ao pretender retornar á verificação da legalidade desta, estão a interromper a dinâmica adequada e lógica dos autos nos quais, como se referiu, a força executiva da decisão aparece como elemento fundamental.

Dito por outra forma, a partir do momento em que existe uma decisão condenatória transitada em julgado a mesma pode, e deve, ser de imediato ser executada. As intervenções processuais situadas a jusante daquele trânsito em julgado não têm qualquer virtualidade para comprometer tal força executiva e caso se evidencie o propósito de entorpecer o processo suscitando questões laterais à força de caso julgado está justificado o recurso analógico ao artigo 720 do Código de Processo Civil.

Como se refere em Acórdão do tribunal Constitucional 376/2012 a restrição do exercício ao contraditório que está inscrita no apelo a tal artigo visa acautelar outros valores fundamentais em presença, que a Lei Fundamental também consagra, tais como a celeridade na administração da Justiça e o respeito pela formação de caso julgado de modo a acautelar os direitos e interesses prosseguidos por sentenças penais condenatórias. Assim sendo, o emprego de sucessivos expedientes processuais pós-decisórios, designadamente, de pedidos de aclaração deduzidos contra decisões jurisdicionais objetivamente esclarecedoras e inequívocas não pode deixar de ser equacionado como um fator de demora processual que o legislador (e o intérprete) deve(m) procurar combater para defesa de outros direitos fundamentais. Assim sendo, a admitir-se que uma decisão de extração de traslado e baixa imediata dos autos ao tribunal recorrido tivesse de ser, necessariamente, precedida de audição da parte que provocou o incidente processual dilatório, estar-se-ia a acrescentar uma ainda maior demora processual a uma tramitação já de si prolongada no tempo. Tal significaria, em si mesmo, o esvaziamento da utilidade processual do mecanismo de extração de traslado.

Para além disso, nem sequer se pode dizer que a medida seja “excessiva” (ou desproporcionada em sentido estrito), visto que a imediata baixa dos autos ao tribunal recorrida nem sequer obsta à posterior apreciação do requerimento que deu causa ao incidente processual dilatório, sendo apenas a sua apreciação remetida para momento posterior à liquidação das custas legalmente devidas.

 

No caso vertente, adquirido o trânsito em julgado da primeira decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o apelo ao normativo em causa-artigo 720 do CPC- encontra-se justificado pela sucessão de requerimentos que interferindo com a dinâmica normal do processo em nada afectam a força concedida por aquele trânsito.

Termos em que se julgam improcedentes os recursos interpostos.

Custas por cada um dos recorrentes.

Taxa de Justiça 3 UC

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[1] Confrontar Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de Maio de 2013
[2] cfr. Castro Mendes, "Limites Objectivos do Caso Julgado em  Processo  Civil", pág. 16.
[3] cfr. Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil, Anotado", vol. V, pág. 156).
[4] Germano Marques da Silva  (Curso de Processo Penal  pag 34 e seg)