Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
47/20.0GBRDD.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
FURTO QUALIFICADO
FURTO
RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
CONCURSO SUPERVENIENTE
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 01/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O meio de prova “relatório social”, a que o recorrente apela na motivação de recurso, foi avaliado pelo Coletivo quando analisou todas as provas relativas às condições pessoais do arguido que resultaram demonstradas, como consta da fundamentação de facto, e dessa forma extraiu os factos que o convenceram e deu como provados. Assim, apenas podem ser atendidos os factos concretos dados como provados no acórdão impugnado e o que deles se pode deduzir em termos objetivos.

II. O facto de o tribunal a quo não dar a mesma relevância que o arguido pretendia quanto às circunstâncias que se apuraram, não significa que tivesse feito uma avaliação errada ou incorreta. O que se passou é que o arguido/recorrente parte de pressupostos errados, inclusive de factos não apurados e sobrevaloriza circunstâncias a seu favor indevidamente e de forma subjetiva, portanto, sem razão, esquecendo parte dos factos apurados e que relevam, tendo em atenção as finalidades das penas.

III. Neste caso, a moldura do concurso situa-se entre 2 anos e 6 meses de prisão e 19 anos de prisão, estando em concurso 13 crimes consumados (sendo 5 de crime de furto simples p. e p. no art. 203.º, n.º 1, do CP, 6 de crime de furto qualificado p. e p. no art. 204.º, n.º 2, do CP, 1 crime de furto qualificado p. e p. no art. 204.º, n.º 1, do CP todos com um modus operandi similar, enquadrando-se num mesmo contexto vivencial do arguido e, ainda, 1 crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. no art. 347.º do CP), notando-se que o recorrente já tinha antecedentes criminais, designadamente, por crimes de furto qualificado e por resistência e coação sobre funcionário, tendo inclusivamente cumprido penas de prisão (tendo sido ainda condenado em 7.04.2011, por acórdão de cúmulo transitado, na pena única de 10 anos de prisão e, posteriormente, por acórdão de 26.01.2022, transitado, proferido noutro processo, condenado em 3 anos e 6 meses de prisão, igualmente por furto qualificado) o que mostra uma personalidade avessa ao direito.

IV. A conexão entre os crimes cometidos, é grave (atenta desde logo a sua quantidade e natureza, cometidos naquele curto período de tempo entre 1.06.2020 e 26.11.2020), tendo aqueles de ser vistos no seu conjunto, considerando o espaço de tempo da sua atuação e a personalidade do arguido, que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando propensão para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral e sendo acentuadas as razões de prevenção especial, tendo igualmente em atenção a sua idade adulta e madura (nasceu em 15.01.1970), sendo na perspetiva do direito penal preventivo, na medida justa, adequado e proporcionado manter a pena única aplicada de 9 anos de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 47/20.0GBRDD do Juízo Central Cível e Criminal de ..., Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, por acórdão proferido em 16.05.2023, foi o arguido AA, nascido em ........1970, condenado (no que aqui interessa):

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 6 (seis) meses de prisão – autos n.º 49/20.7...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão – autos n.º 126/20.4...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão – autos n.º 72/20.1...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 6 (seis) meses de prisão – autos n.º 83/20.7...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão – autos n.º 82/20.9...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 6 (seis) meses de prisão – autos n.º 129/20.9...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 6 (seis) meses de prisão – autos n.º 96/20.9...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão – autos n.º 107/20.8...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão – autos n.º 109/20.4...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão – autos n.º 108/20.6...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano de prisão – autos n.º 127/20.2...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, numa pena de 6 (seis) meses de prisão – autos n.º 117/20.5...

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, numa pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão – autos n.º 47/20.0GBRDD.

- Em CÚMULO JURÍDICO, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

2. Inconformado com essa decisão, o arguido AA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

I.O presente recurso incide sobre o douto Acórdão em que condena o Recorrente: a) a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, autos n.º 126/20.4...; b) a pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f) e n.º 2, alínea e) do Código Penal, – autos n.º 72/20.1...; c) a pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, j) a pena de 1 (um) ano de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), do Código Penal,– autos n.º 127/20.2... l) a pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, – autos n.º 117/20.5... m) a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal,– autos n.º 47/20.0GBRDD. n) a pena de 6(seis) meses de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto simples previsto e punido pelo artigo 203º. nº.1 do Código Penal, autos nº. 49/20.7... As penas a aplicar ao ora Recorrente e consequentemente a pena única 9(nove) anos fixada pelo Tribunal a quo mostra-se excessiva, tendo em conta os parâmetros legais que deverão ser considerados aquando da aplicação da concreta sanção.

II - O Tribunal a quo, na aplicação e ponderação da decisão optou pela pena de prisão efectiva.

III - A sua determinação deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção.

IV - Na eventualidade de o Venerando Tribunal não partilhar da posição que se deixou exposta nos fundamentos do presente recurso, não poderá deixar de considerar injusta, desproporcional e desadequada a pena aplicada ao Arguido.

V - A pena aplicada ao ora Recorrente deveria ser claramente inferior,

VI - Determinada a medida abstracta, cumpre determinar a medida concreta da pena, cfr. o disposto no artº. 71º do Código Penal, pelo que para o “quantum” da mesma atender-se-á ao modo de execução do crime, à intensidade do dolo, à culpa do agente, à ilicitude do facto, à gravidade das consequências, às exigências de prevenção geral positiva, de integração e do seu sentimento de segurança face à norma que foi violada, e ainda, às exigências de prevenção especial positiva.

VII - Em algum caso a pena pode ultrapassar a medida da culpa – art. 40º, nº.2 do C.P..

VIII - Atento o Relatório Social Para Determinação de Sanção, produzido, onde se dá conhecimento de toda a problemática aditiva do arguido e que necessariamente pautou os seus comportamentos.

IX - Tal aspecto deveria ter sido atento pelo Tribunal a quo ao definir a medida concreta da pena, necessariamente levando à sua redução;

X - O supra leva a questionar a desproporcionalidade da pena fixada, aquando da determinação das penas para cada um dos processos individuais, pelo que deverão as mesmas ser reduzidas.

XI - Em conclusão, o douto Acórdão recorrido e ponderando a matéria de facto dada como provada, entendemos que a pena aplicada não levou em consideração as circunstâncias em que os factos ocorreram, o reduzido valor dos objetos furtados, a apreensão dos mesmos a a respetiva devolução dos objetos às vítimas.

I. Salvo o devido respeito, desta forma, o Tribunal a quo violou, entre outros: -os artigos 32º, nº. 2 da C.R.P. e artigos 40º, 70º, 71º e 72º, todos do C.P..

Termina pedindo o provimento do recurso e, em consequência, que sejam reduzidas as penas de prisão a que o arguido foi condenado para os seus limites mínimos, e consequentemente, também a pena única de prisão efetiva seja fixada nos seus limites mínimos.

3. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

-1. As penas parcelares aplicadas ao arguido situadas próximo dos limiares inferiores das molduras penais aplicáveis relativamente a todos os crimes de furto pelos quais foi condenado em primeira instância

2. E ainda abaixo do meio da moldura penal aplicável ao crime de resistência e coacção a funcionário, praticado de forma persistente, durante cerca de meia hora, com utilização de uma arma de alarme e acompanhada de ameaças de realização de disparos,

3. Mostram-se conformes à culpa do arguido, às necessidades de prevenção geral e especial, à situação pessoal do arguido e aos seus antecedentes criminais, isto é, está em consonância com os critérios legalmente estabelecidos no artº 71º, do Cód. Penal, como bem demonstrado no Acórdão recorrido.

4. As penas aplicadas não ultrapassam a culpa revelada pelo arguido e as fortíssimas exigências de prevenção geral e especial verificadas “in casu”, impedem que se apliquem penas inferiores.

5. A sucessão da prática de ilícitos penais pelo arguido mostra-se deveras impressiva no sentido de que o percurso criminal do arguido não constitui uma mera pluriocasionalidade antes tem por base uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa, de uma tendência para a prática de ilícitos penais, essencialmente de crimes contra a propriedade.

6. Essa tendência para a prática desses ilícitos penais é, no caso do arguido AA, claramente reveladora de que estamos perante um caso «onde se suscita a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso», como considerado no Ac. do STJ acima indicado.

7. Assim sendo, considerando todas as circunstâncias atinentes à culpa, à ilicitude e à prevenção, mencionadas no Acórdão, conjugadas com aquela característica da personalidade do arguido, afigura-se que a pena única fixada pelo Tribunal Colectivo não se mostra excessiva, encontrando-se conforme aos critérios legais legalmente fixados.

4. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA concordou com a fundamentação constante do acórdão sob recurso, considerando que observou as regras legais, não merecendo censura a medida de qualquer das penas parcelares e, ficando abaixo da média da penalidade abstrata a pena única fixada, a qual reflete, de forma adequada e correta, a ilicitude do comportamento desenvolvido e a personalidade do arguido, não havendo fundamento para que seja reduzida, nem o recorrente apresentando razões válidas capazes de sustentarem o pedido que faz, pelo que acompanhando o Ministério Público nas instâncias, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção do decidido.

5. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

6. Com interesse para a decisão deste recurso consta do acórdão impugnado, o seguinte:

1. DOS FACTOS PROVADOS

Com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

- Proc. 34/20.9... -

1. Entre as 18:00h do dia 01 de junho de 2020 e as 10:00h do dia 05 de junho de 2020, o arguido dirigiu-se ao imóvel sito na Estrada ..., em ..., e do interior de uma quinta denominada ..., após ter ultrapassado a vedação que delimita a referida propriedade, retirou sete candeeiros de alumínio de cor preta, que se encontravam fixados na parede exterior da habitação ali existente, no valor de aproximadamente € 100,00.

2. Tudo pertença de BB, sem o conhecimento e consentimento desta.

- Proc. 49/20.7... -

3. Entre as 02h:00 e as 03h:00 do dia 15 de julho de 2020, o arguido dirigiu-se à Rua das ..., n.º 50, em ... e, após ter ultrapassado o muro que delimita o quintal da propriedade, entrou na garagem e retirou do seu interior um rádio de cor cinzenta, no valor aproximado de 15,00 €, um saco de ração para canários, um ferro elétrico para passar roupa, de cor azul, uma caixa de detergente da marca “SKIP”, uma embalagem de detergente líquido da marca “SKIP”, um garrafão de lixívia, e dois canários de cor amarela e cinzenta, bens de valor não concretamente apurado.

4. Tudo pertença de CC, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 126/20.4... –

5. Entre as 22h:30 de dia 1 de agosto de 2020 e as 18h00 do dia 14 de agosto de 2020, o arguido dirigiu-se à residência sita no Bairro ..., n.º 107, em ... e, após ter ultrapassado o muro que delimita aquela propriedade, introduziu-se dentro de um anexo situado no quintal e do seu interior retirou os seguintes objetos: dois canários vermelhos, no valor de 60 €, um projetor de 50W com sensor da marca Blaukpunt, com cabo de 2,50m, de cor cinza claro, no valor de 35 €, uma pistola de cola quente, no valor de 12 €, e uma rebarbadora da marca De Walt, cor amarela, com valor de 40 €.

6. Tudo pertença de DD, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 72/20.1... -

7. Entre as 00:00h do dia 11 de agosto de 2020 e as 20:00h do dia 15 de agosto de 2020, o arguido dirigiu-se à residência sita na Avenida ..., n.º 8, em ....

8. Aí chegado, tendo escalado o muro que delimita a referida habitação, entrou no interior de um anexo contíguo à referida residência e apropriou-se de um berbequim da marca Makita com diversos acessórios (brocas) no valor de 300 €, um tic tic de cor azul/verde, marca desconhecida, de valor de 30 €, um maçarico a gás, de cor vermelha, no valor de 25 €, e vários rolos e trinchas de pintura, no valor de 10 €.

9. Tudo pertença de EE, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 83/20.7... -

10. Entre as 00h:00 e as 07h:00 do dia 21 de agosto de 2020, o arguido dirigiu-se à habitação sita na Rua do ..., n.º 14, em ... e, após ter escalado o muro que delimita a propriedade, do quintal da referida habitação retirou um cesto em plástico com molas da roupa no seu interior, uma embalagem de detergente e uma extensão elétrica com cerca de 15 metros, de valor não concretamente apurado.

11. Tudo pertença de FF, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 82/20.9... -

12. Entre as 23h55 do dia 23 de agosto de 2020 e as 07h:00 do dia 24 de agosto de 2020, o arguido dirigiu-se à residência sita na Av.ª do ..., n.º 34, em ....

13. Aí chegado, após conseguir subir uma parede da residência, cortou uma rede mosquiteira da janela da cozinha e entrou no seu interior de onde retirou os seguintes bens: uma carteira contendo diversos documentos pessoais (cartão e cidadão, cartões bancários, carta de condução, cartão de socorrista, cartão do INEM-TAT, dois cartões da saúde da Multicare entre outros), uma máquina de café Delta de cor preta no valor aproximado de € 30,00, uma extensão múltipla com 1,5m, um conjunto de chaves, uma toalha de praia, e um relógio da marca “Suunto” de cor preta no valor aproximado de 180,00 €.

14. Tudo pertença de GG, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 129/20.9... -

15. Entre as 08h:00 do dia 29 de agosto de 2020 e as 08h:00 do dia 25 de setembro de 2020, o arguido dirigiu-se à Quinta..., sita na ..., em ... e, após pular uma cerca que veda toda a propriedade, dirigiu-se a um anexo da referida Quinta, tendo-se apropriado de um frasco de criolina, uma tesoura de podar, cinco litros de coentros e salsa em sementes, dois pares de luvas, dois frascos de laca para ovelhas, uma corrente em aço com três metros, um maçarico laranja, sete candeeiros de cor branca e vários artigos de metal, seis galinhas, uma enxada, um sacho e um ancinho, tudo no valor aproximado de 100 €.

16. Tudo pertença de HH, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 96/20.9... -

17. Entre as 12h:00 do dia 10 de setembro de 2020 e as 16h:00 do dia 13 de setembro 2020, o arguido saltou o muro que delimita a propriedade sita na ..., em ... e do interior de uma cave que se encontrava aberta retirou uma rebarbadora da marca “Bosh”, uma chave de fendas, uma chave tipo “Philips”, um conjunto de chaves da marca “Beta”, e um rolo de papel de cor azul, tudo no valor aproximado de 100 €.

18. Tudo pertença de II, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 107/20.8... –

19. Entre as 23h:15 do dia 08 de outubro 2020 e as 07h:30 do dia 09 de outubro de 2020, o arguido dirigiu-se ao complexo desportivo do ..., sita no ... em ... e, através de arrombamento de uma porta situada no topo norte, entrou no interior do referido complexo e do seu interior retirou 5 kg de chocos, 10 kg de achigãs e cinco robalos.

20. O arguido retirou ainda da varanda do referido complexo um fogão tipo “trempe” no valor aproximado de € 40,00, diversas facas e garfos usados na confeção de alimentos, uma botija de gás da marca “repsol” e uma fritadeira elétrica no valor aproximado de € 80,00.

21. Tudo pertença de JJ, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 109/20.4... -

22. Entre as 12h:00 do dia 09 de outubro de 2020 e as 10h:00 do dia 13 de outubro de 2020, o arguido dirigiu-se à habitação ..., sita na estada Nacional N.º 254, em ..., e após ter pulado o muro circundante da mesma, do seu interior retirou quatro grelhas em inox no valor aproximado de € 60,00, um fogão de campismo no valor aproximado de € 20,00, três garrafas de gás da marca Cepsa no valor aproximado de € 30,00 e catorze peixes domésticos vermelhos, de valor não concretamente apurado.

23. Tudo pertença de KK, sem o conhecimento e consentimento desta.

- Proc. 108/20.6... -

24. No dia 11 de outubro de 2020 pelas 05h:25, o arguido dirigiu-se à sede da associação F.... . .......... ... ....... .. ......., sita na Rua ..., em ..., e após cortar a vedação que delimita a referida Associação, retirou do seu interior uma televisão, uma box de receção de TV da marca Vodafone e quatro molduras com as dimensões aproximadas de 30cms x 20cms, com um valor global de aproximadamente € 200,00.

25. Tudo pertença da “F..... . .......... ... ....... .. ....... (representada por LL), sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 127/20.2... -

26. Entre as 17h:45 do dia 20 de outubro de 2020 e as 07h:50 do dia 21 de outubro de 2020, o arguido dirigiu-se a um armazém sito no Monte ..., localizado na Estrada ..., em ... e, após abrir a porta do referido armazém, entrou no seu interior e apropriou-se dos seguintes bens: uma motosserra da marca Echo modelo 360, cor laranja, no valor aproximado de 200 €, uma motosserra da marca Jonhsered modelo 630, cor vermelha e preta, no valor aproximado de 400 €, um rolo de cordel no valor aproximado de 25 €, dois enxós no valor aproximado de 25 €, um esticador de rede para cercas no valor aproximado de 65 €, um sacho no valor aproximado de 10 €, um frasco de química da marca Decis, no valor aproximado de 15 €, quarenta gotejadores para rega no valor aproximado de 5 €, um machado, no valor aproximado de 5 €, e um candeeiro a petróleo, no valor aproximado de 15 €.

27. Tudo pertença de MM, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 117/20.5... -

28. No dia 28 de outubro de 2020, entre as 04h:30 e as 05h:30, o arguido dirigiu-se à residência sita na Estrada ..., n.º 39-A, em ... e, após ter pulado o muro da referida propriedade, de modo não concretamente apurado, entrou no interior da habitação e dirigiu-se à garagem e cave da mesma tendo-se apropriado de vários sacos de carne que se encontravam numa arca frigorífica, de um documento de identificação pessoal que se encontrava em cima de um móvel, de várias garrafas de bebidas alcoólicas, de duas embalagens de pesticida Roundup de 1 litro cada e das chaves do veículo de matrícula ..-..-QV de Marca Ford Ranger e de um porta chaves com várias chaves que se encontram no interior do veículo no quintal da residência, de valor global não concretamente apurado.

29. Tudo pertença de NN, sem o conhecimento e consentimento deste.

- Proc. 47/20.0GBRDD -

30. Desde o dia 25 de junho 2020 tinham sido subtraídos diversos produtos hortícolas de um terreno agrícola pertencente a OO, que se encontra vedado com muro e portão, sito numa estrada de terra batida que permite o acesso à ETAR de ....

31. Por esse motivo, o ofendido OO decidiu vigiar a propriedade com o intuito de surpreender o autor do furto.

32. Assim, no dia 13 de julho 2020, cerca das 05:00 horas, encontrando-se OO a vigiar o referido terreno, surgiu-lhe o arguido, que transportava consigo um saco, suspeitando que o mesmo continha no seu interior diversos produtos subtraídos do referido terreno.

33. Quando o arguido se encontrava a cerca de 10 a 15 metros de OO, este acendeu uma lanterna dirigindo-a na direção do arguido, tendo-o reconhecido.

34. Em ato contínuo, o arguido empunhando uma arma de alarme, apontou-a na direção de OO, efetuou um disparo, sendo perfeitamente audível o som respetivo e um clarão que saiu da boca da arma de alarme e após, colocou-se em fuga.

35. No dia 26 de novembro de 2020, pelas 07h10, na sequência da emissão de um mandado de busca domiciliária foi efetuada a abordagem à residência do arguido, sita na Rua do ..., n.º 5, em ..., tendo os elementos da Polícia Judiciária se identificado, dizendo que pertenciam à Polícia Judiciária e batido à porta da casa insistentemente.

36. Ao ser o arguido informado que os inspetores da Polícia Judiciária, acompanhados por militares da GNR tinham na sua posse um mandado de busca emitido pelo Juiz e que iriam efetuar uma busca domiciliária à residência do arguido, este, que se encontrava no interior da referida habitação, recusou-se a abrir a porta e a permitir entrada dos mesmos, apesar de advertido que incorria na prática de um crime caso não os deixasse entrar.

37. Perante esta recusa, os inspetores da Polícia Judiciária procederam ao arrombamento de uma janela do imóvel a buscar, tendo sido possível constatar que o arguido se encontrava no interior deste, empunhando uma arma de alarme na direção dos mesmos, anunciando que iria disparar contra os inspetores da Polícia Judiciária e os militares da GNR, ao mesmo tempo que em tom de voz elevado dizia “estou armado, vou disparar, vão embora”, repetindo tal expressão várias vezes.

38. Visando acautelar a integridade física dos inspetores da Polícia Judiciária e dos militares da GNR ali presentes, e porque pensavam que o arguido era detentor de uma arma de fogo verdadeira, que poderia vir a disparar a qualquer momento, tentaram convencê-lo a que permitisse o acesso ao local, o que veio a acontecer cerca de meia hora depois, tendo o arguido consentido na entrada na habitação aos inspetores da Polícia Judiciária e militares da GNR.

39. No decurso da busca domiciliária, procedeu-se à apreensão dos seguintes bens, que se encontravam no interior da residência e na posse do arguido:

a. Um (1) par de ténis de cor preta, sola de cor branca e castanha, de marca “NEW BALANCE”, tamanho 42, que o arguido tinha calçados;

b. Uma (1) arma de alarme, tipo revólver com tambor de oito (8) munições de salva, marca “OLYMPIC 6”, N/S Y213913, com inscrições “CAL.22, MADE IN

ITALY” (no tambor estavam sete (7) munições de salva), que estava em cima de uma cama;

c. Quatro (4) grelhas em inox, encontradas no interior da residência, por baixo da cama;

d. Um (1) fogão de campismo com garrafa de gás, marca “FLAGA”, encontrado por baixo da cama;

e. Duas (2) garrafas de gás, marca “CEPSA”;

f. Uma (1) televisão plasma/lcd, marca “JVC”, com nº de série 13516827 AV;

g. Um (1) suporte de parede para televisão, de cor preta;

h. Uma (1) box da “VODAFONE”, de cor preta, com o respetivo comando;

i. Um (1) fogão tipo “TREMPE”, de cor preta;

j. Uma (1) garrafa de gás, marca “REPSOLGAS”;

k. Uma (1) rebarbadora, marca “BOSH” modelo GWS 7-115;

l. Um (1) cesto de molas, de cor branca;

m. Uma (1) máquina de café de cápsulas, da marca “DELTA Q”;

n. Um (1) relógio, da marca “Suunto 5”;

o. Um (1) berbequim pneumático, marca “MAKITA”, com respetiva mala de transporte e brocas de várias medidas;

p. Dois (2) rolos de pintura, da marca “GRUPO”;

q. Um (1) rádio, da marca “SANYO ou JOCEL”, de cor cinzenta;

r. Vinte (20) garrafas de bebidas alcoólicas, de diversos tipos;

s. Sete (7) candeeiros de exterior em ferro, de cor preta, encontrados no telheiro adjacente à residência do arguido.

40. O arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, com intenção de fazer seus todos os bens acima referidos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem o consentimento e autorização dos seus legítimos proprietários.

41. O arguido sabia que lhe era vedado o acesso ao interior das propriedades, residências, anexos, armazéns, garagens e quintais acima descritas e que os objetos que retirou e de que se apropriou não lhe pertenciam.

42. Relativamente aos factos ocorridos no dia 26 de novembro de 2020 e descrito nos pontos 35 a 38, o arguido atuou da forma supra descrita com o propósito concretizado de obstar a que os inspetores da Polícia Judiciária e os militares da GNR cumprissem a sua função, bem sabendo que os mesmos são agentes da autoridade pública, estavam no exercício das suas funções e que a sua conduta era adequada a causar-lhes medo e inquietação, impedindo-os de exercer convenientemente as suas funções, o que quis.

43. O arguido à data dos factos não exercia atividade profissional remunerada, não tendo qualquer fonte de rendimento.

44. Em tudo, agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.


*


45. O arguido detém os seguintes antecedentes criminais registados no seu certificado de registo criminal:

i. A condenação pela prática de 1 crime de furto e introdução em local vedado ao público por sentença datada de 8/6/1998, no âmbito do processo n.º ...98 do Tribunal Judicial de ..., na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 9 meses;

ii. A condenação pela prática de 1 crime de furto qualificado por sentença datada de 14/5/1999, no âmbito do processo n.º ...98 do Tribunal Judicial de ..., na pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por 3 anos e 6 meses;

iii. A condenação pela prática de 1 crime de condução sem habilitação legal por sentença datada de 21/10/2004 e transitada a 10-11-2004, no âmbito do processo n.º 5/04.2... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., na pena de 60 dias de multa;

iv. A condenação pela prática de 1 crime de detenção ilegal de arma por sentença datada de 09/02/2006 e transitada a 02-03-2006, no âmbito do processo n.º 5/03.0... do Tribunal Judicial de ..., na pena de 130 dias de multa;

v. A condenação pela prática de 1 crime de furto qualificado por sentença datada de 26/06/2006 e transitada a 13-07-2006, no âmbito do processo n.º 66/04.4... do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos e sujeita a regime de prova;

vi. A condenação pela prática de 1 crime de condução sem habilitação legal por sentença datada de 09/07/2007 e transitada a 04-09-2007, no âmbito do processo n.º 67/06.8... do Tribunal Judicial de ..., na pena de prisão de 4 meses substituída por 120 dias de multa;

vii. A condenação pela prática de 1 crime de furto qualificado por sentença datada de 2008/05/14 e transitada a 2009/03/23, no âmbito do processo n.º 50/06.3... do Tribunal Judicial de ..., na pena de 2 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo e sujeita a regras de conduta;

viii. A condenação pela prática de 1 crime de furto qualificado por acórdão datado de 2009/07/16 e transitado a 2009/09/22, no âmbito do processo n.º 42/06.2... do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

ix. A condenação pela prática de 3 crimes de furto qualificado, 1 crime de resistência e coação sobre funcionário, 2 crimes de detenção de arma proibida, e 1 crime de ameaça agravada por acórdão datado de 2010/11/18 e transitado a 2010/12/20, no âmbito do processo n.º 44/08.4... do Tribunal Judicial de Vila Viçosa, na pena de 6 anos de prisão;

x. O acórdão cumulatório das penas parcelares previamente aplicadas datado de 2011/04/07 e transitado a 2011/05/16 proferido no processo n.º 44/08.4... e que aplicou ao arguido a pena única de 10 anos de prisão;

xi. A condenação pela prática de 1 crime de furto qualificado por acórdão datado de 2022/01/26 e transitado a 2022/02/25, no âmbito do processo n.º 627/19.7... do Juízo Central Criminal de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.

46. Do relatório social efetivado ao arguido pela DGRSP consta designadamente que:

“AA é o mais novo de 12 irmãos, sendo que três já faleceram. O processo de desenvolvimento psicossocial decorreu num ambiente familiar marcado pelas vicissitudes económicas. O progenitor era trabalhador nas pedreiras e paralelamente mantinha com a esposa uma pequena horta de cultura de subsistência. A dinâmica familiar foi caracterizada por transmissão de regras e normas, bem como afetividade. Os irmãos mais velhos tiveram de abandonar a escola, para ajudar na economia doméstica, sem que concluíssem o 1º ciclo do ensino básico, porém, AA, enquanto mais novo, não lhe foi imposta essa tarefa.

Veio, contudo, a abandonar a escola aos 12 anos de idade, após conclusão do 4º ano de escolaridade, com elevado absentismo e desinteresse.

Iniciou-se, assim, no mercado do trabalho com 13 anos, a trabalhar como ... e, só mais tarde é que passou a desenvolver trabalho indiferenciado em várias autarquias da zona de residência, integrado em programas ocupacionais. Nos períodos em que auferia de subsidio de desemprego, desenvolveu trabalhos sazonais na área da agricultura.

Aos 21 anos autonomiza-se, constituindo família, vindo a ter seis filhos, deste matrimónio, que veio a terminar, durante uma das penas de prisão, por volta de 2010.

AA é identificado pela família como um elemento perturbador, registando desde sempre instabilidade emocional. Segundo uma irmã, os progenitores acompanharam o arguido em consultas de psiquiatria, que à data, lhe diagnosticaram problemas de saúde cognitivas. Registou desde sempre, situações de conflitos, como agressões quer físicas quer verbais, em relação à ex-mulher e aos colegas de trabalho. O seu agregado nuclear chegou a estar referenciado como problemático, tendo existido um processo de promoção e proteção em relação ao filho mais velho.

A falta de ocupação permanente/estruturada, levou o agregado a depender de apoios estatais. A imagem negativa, a existência de registo de práticas criminais e, o estilo de vida desorganizado e desestruturado, levou AA, a alterações sucessivas de residência, entre várias localidades.

Esta situação, dificultou a intervenção técnica institucional, bem como a supervisão nas medidas judiciais, que levaram à sua revogação e consequentemente à pena efetiva de prisão.

AA de 52 anos, encontra-se detido no Estabelecimento Prisional de..., desde 20.01.2021, a cumprir revogação da liberdade condicional no processo 926/10.3...-A, por um período de 1 ano e 7 meses, todavia, havia ingressado no EP de ..., preventivamente, a 27.11.2020, no âmbito do processo 47/20.0..., indiciado por crimes de furto qualificado e resistência e coação sobre funcionário.

O aqui arguido, havia sido libertado condicionalmente aos 5/6 da pena, em 27.03.18, que lhe foi revogada, no âmbito do processo supra referenciado, período em que se juntou ao agregado do filho mais velho, já com dois filhos, tendo aí permanecido cerca de um ano e, a viver do RSI e do apoio destes.

À data da prisão, bem como dos alegados factos, residia sozinho, em casa propriedade de todos os irmãos, por herança. Encontrava-se desempregado, efetuando por vezes algumas campanhas sazonais na área da agricultura.

AA apresenta reduzidas competências pessoais, sociais e laborais, vindo a manter um percurso de vida desorganizado e sem contato com instituições estruturadas, revelando dificuldade em efetuar um processo de autocensura, face ao estilo de vida adotado.

Em anterior cumprimento de pena, AA foi sujeito a consulta médica psiquiátrica, no Hospital Prisional ... em ..., passando a fazer toma de medicação e a ser acompanhado em psicologia. O que se mostra de acordo com indicação da irmã, como acima referido. Todavia, o arguido abandonou a medicação.

No Estabelecimento Prisional, não faz nada, tendo a decorrer processos disciplinares, por alegado furto e ameaças a funcionário. Não tem recebido apoio médico, por se recusar, verbalizando que não tem qualquer problema. Mantém mau relacionamento com todos os agentes prisionais, e restantes reclusos.

Em articulação com a GNR do local de residência, o arguido tem imagem negativa.

AA não revela qualquer juízo critico, negando a prática dos factos descritos na presente acusação, que imputa a um “amigo”, desculpabilizando-se, mantendo um discurso exacerbado e desconexo. “Não tenho nada a ver com isso. Só a advogada é que sabe e já lhe disse o que tinha que dizer”.

O aqui arguido apresenta uma atitude insuficientemente ponderada quanto ao seu processo de instabilidade pessoal, que desencadeou o seu contacto com o aparelho de justiça.

AA não revela sentido critico, nem reconhece o dano, imputando a culpa a terceiros.

AA é um individuo que apresenta reduzidas competências pessoais, socias e laborais, com um trajeto de vida caracterizado pela irresponsabilidade e falta de descentração, traduzido há muito, num modo de vida desorganizado e desestruturado, limitando a existência de interações socias gratificantes e orientadoras. Revela traços de personalidade instável, como impulsividade e irritabilidade.

Apresenta ainda, um longo percurso criminal em diversificadas tipologias de crime, encontrando-se privado de liberdade pela terceira vez. (…)”.1

7. O Direito

A questão que o recorrente coloca no recurso prende-se com o facto de considerar excessivas as penas individuais/parcelares que lhe foram aplicadas e, bem assim, a pena única imposta, alegando que as mesmas deveriam ter sido fixadas nos mínimos legais, considerando o que se apurou no seu relatório social, designadamente sobre eventual doença psiquiátrica de que padecerá (ainda que o arguido se recuse a realizar perícia médico-legal), problemática aditiva que pautou os seus comportamentos, não tendo o tribunal recorrido levado em conta as particulares circunstâncias em que os factos ocorreram, o reduzido valor dos objetos furtados, a sua apreensão e respetiva devolução às vítimas, confissão que fez, mesmo findo o julgamento, não registando averbamentos disciplinares desde que está em situação de reclusão, o que tudo deveria ter sido ponderado na decisão recorrida e levado à redução das penas individuais e única, para os seus limites mínimos.

Pois bem.

Não ocorrendo quaisquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto acima transcrita, a qual nessa parte se mostra devidamente sustentada e fundamentada.

Com interesse para o conhecimento das questões colocadas, escreveu-se na decisão impugnada o seguinte:

5. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS DO CRIME

Feito, da forma descrita, o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar-lhe.

Nos termos do artigo 40.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa do agente.

Conforme ensina FIGUEIREDO DIAS in Direito Penal Português – Parte Geral – As consequências Jurídicas do Crime II, Coimbra Editora, Reimpressão, 2005, p. 198, a determinação da medida da pena obedece a 3 fases, que consistem: 1.º) Na determinação da moldura penal (medida legal ou abstrata da pena) aplicável ao caso; 2.º) Na escolha da espécie da pena que efetivamente deve ser imposta; 3.º) Na determinação da medida judicial ou concreta da pena.

Na determinação da medida da pena, têm-se em conta critérios de prevenção geral e especial. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e ao restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens tutelados. Com a prevenção especial, pretende-se a ressocialização do condenado (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa). Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração, pode atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo.


*


O crime de furto encontra-se tipificado no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, sendo punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Os crimes de furto qualificado pelos quais cumpre condenar o arguido encontram-se tipificados no artigo 204.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, sendo punidos, no caso do n.º 1, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias e, no caso do n.º 2, com pena de prisão de dois a oito anos.

O crime de resistência e coação sobre funcionário, por sua vez, previsto no artigo 347.º, do Código Penal, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

DA ESCOLHA DAS PENAS

Tendo em conta que ao crime de furto simples e ao crime de furto qualificado previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal é aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, cumpre proceder-se à ponderação inerente à aplicação do artigo 70.º, do Código Penal, que dita os critérios de escolha da natureza da pena.

Nestes casos, deve o julgador atender ao critério aí preceituado nos termos do qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” devendo, do mesmo modo, olhar ao disposto no artigo 40.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, onde se preceitua que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade”. Assim sendo, e uma vez que as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, só deverá recusar o Tribunal a aplicação da pena alternativa quando tal opção seja de modo a comprometer a preservação da paz jurídica comunitária, ou quando se revele desde logo inconveniente para a viabilidade e sucesso de um projeto, necessário, de ressocialização. A escolha da pena depende, pois, de considerações de prevenção geral e, sobretudo, de prevenção especial (em face do caso concreto, e não como resultado de uma operação em abstrato). Vale isto dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, e não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena detentiva ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação. A culpa relevará, posteriormente, para efeitos da medida da pena.

Nesta perspetiva importará, pois, determinar se a reposição da confiança dos cidadãos na norma violada pelo agente do crime - e por aí a tutela retrospetiva do bem jurídico posto em causa -, bem como a ressocialização daquele, poderão ser plenamente alcançadas com a aplicação da medida não detentiva que, no caso, como vimos, alternativamente, se coloca em relação ao aludido crime.

Ora, revertendo ao caso dos autos, vislumbra-se que o arguido possui extensos antecedentes criminais, sendo a sua grande maioria pela prática de crimes da mesma natureza pelos quais se impõe a sua condenação.

Para além disso, está em causa nestes autos a reiteração da sua conduta no que se refere a crimes contra o património, ante a prática de mais de uma dezena de crimes, sendo ainda de considerar que o arguido foi já condenado em diversas penas de prisão efetiva e, ainda assim, persistiu em delinquir, denotando uma frágil inserção social, económica, e laboral, encontrando-se presentemente em cumprimento de pena de prisão efetiva.

O arguido acabou por confessar a prática dos crimes que lhe são imputados, mas fê-lo tão somente após a prova produzida e não denotou arrependimento, em nada tendo contribuído para o apuramento da verdade.

Por tal, entende o Tribunal que não é suficiente, ao caso, aplicar ao arguido uma pena de multa, sendo evidente que uma pena não detentiva não se mostra minimamente suficiente para que, no caso concreto, sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com a reação criminal, não logrando a realização das finalidades das penas e não bastando para afastar o arguido da prática de novos ilícitos criminais.

Pelo que, conclui o Tribunal que uma pena de multa não tenderá a assegurar as finalidades da punição, devendo ser aplicada uma pena de prisão ao arguido pela prática dos crimes em que se impõe a sua condenação.

DA MEDIDA DAS PENAS

Importa determinar as medidas concretas das penas a aplicar pelos crimes cometidos, havendo que ponderar na determinação daquelas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal.

Nestes termos, há que considerar que:

Quanto às necessidades de prevenção geral:

Relativamente aos crimes de furto:

No que concerne as exigências de prevenção geral ou de integração positiva, estas são muito elevadas. O bem jurídico em causa – património - é dos mais afetados na sociedade atual, sendo imperioso preservar o respeito pelo património alheio, sendo por demais comuns os tipos de furtos em causa nos autos e a aparente facilidade com que se continua a decidir proceder ao tipo de ilícito, sendo premente desincentivar este tipo de comportamentos que causam junto da sociedade sentimentos de insegurança e intranquilidade.

Relativamente ao crime de resistência e coação sobre funcionário:

O crime de resistência e coação sobre funcionário põe em causa princípios basilares do Estado de Direito, como sejam os do cumprimento e acatamento das ordens e instruções dos funcionários, necessariamente munidos de autoridade pública, sendo as necessidades de prevenção relativas ao mesmo elevadas.

Quanto ao grau de ilicitude da conduta, o modo de execução desta e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente:

Relativamente aos crimes de furto:

Atentando aos factos perpetrados pelo arguido, tem-se que a ilicitude de que são revestidos os mesmos é reduzida.

Os bens subtraídos pelo arguido são revestidos, em todos os casos, de valor reduzido, nada ressaltando no modo de execução das condutas que assim integram o modo típico de realização dos tipos de crime em análise.

O arguido teve como alvos, em grande parte, anexos de fácil acesso de onde retirou bens de uso do dia a dia com reduzida expressão económica, atuando por norma no período da noite.

A gravidade das consequências dos seus atos sentiu-se, assim, somente em termos patrimoniais sendo o prejuízo verificado de pequena expressão.

Relativamente ao crime de resistência e coação sobre funcionário:

A ilicitude revela-se aqui elevada havendo uma grande censurabilidade da conduta do arguido que fez uso de uma arma de alarme para obstar à ação das forças de segurança que se encontravam munidas de um mandado de busca domiciliária.

As consequências e/ou prejuízos da conduta foram inexistentes não tendo havido qualquer confrontação física entre os visados. O desvalor da conduta é no caso sobretudo sentido ao nível do modo de execução do crime através de uma arma e de ameaças.

Quanto à intensidade do dolo:

O dolo assumiu, em todos os casos, a sua forma mais grave de dolo direto, já que o arguido pretendeu agir como agiu, o que fez de forma livre, voluntária e consciente.

Quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram:

Relativamente aos crimes de furto:

Os crimes advieram motivados, do que foi possível apurar, de uma compulsão do arguido em apropriar-se de património alheio de fácil acesso.

Relativamente ao crime de resistência e coação sobre funcionário:

Nada ressalta nesta sede, procurando o arguido evitar a ação das forças policiais.

As condições pessoais do agente e a sua situação económica, bem como a sua falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando deva ser censurada através da aplicação da pena:

O arguido possui extensos antecedentes criminais, incluindo da mesma natureza, encontrando-se a cumprir pena de prisão efetiva, dando-se aqui por reproduzidas as considerações previamente expendidas quanto à escolha da pena.

O arguido revela uma clara propensão para a prática de crimes e é incapaz de conformar-se com o dever ser normativo, revelando a reiteração e tipo de crimes cometidos uma total rejeição do Estado de Direito vigente e das figuras de autoridade.

A conduta anterior e posterior ao facto, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime:

O arguido não revelou qualquer arrependimento nem vontade de reparar os prejuízos que causou, tendo vindo a confessar a prática dos factos no final da audiência de julgamento posta toda a produção de prova o que abona em seu favor, mas de forma limitada.

O arguido não revela capacidade para refletir sobre o desvalor da sua conduta nem qualquer potencial de ressocialização, denotando-se inclusivamente que padece de problemas do foro psíquico os quais se recusa a acompanhar devidamente, mesmo em regime prisional.

Destarte, mostra-se adequado aplicar ao arguido as seguintes penas:

- Seis (6) meses de prisão pela prática de cada um dos cinco crimes de furto simples pelos quais se impõe a sua condenação;

- Dois (2) anos e dois (2) meses de prisão pela prática de cada um dos seis crimes de furto qualificado previstos e punidos pelo n.º 1 e n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal pelos quais se impõe a sua condenação;

- Um (1) ano de prisão pela prática do crime de furto qualificado previsto pelo artigo 204.º, n.º 1 do Código Penal pelo qual se impõe a sua condenação; e

- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário que praticou.

DO CÚMULO JURÍDICO

Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única, ou seja, aplicam-se as regras do cúmulo jurídico.

A punição do concurso de crimes é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (artigo 77.º, n.º 2, do Código. Penal), ponderando-se na determinação respetiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal).

O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é, portanto, a personalidade do agente. Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constituir uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente.

Nesta operação, impõe-se ter presente o que atrás deixámos exposto em sede de determinação da medida concreta da pena, que aqui se reedita.

O limite máximo da pena a aplicar será de 19 anos e o limite mínimo situar-se-á em 2 anos e 6 meses de prisão.

Estamos perante doze ilícitos inteiramente conexionados entre si e um ilícito adicional que se revela consonante com a personalidade antijurídica do arguido.

Assim, atenta a moldura penal em que aqui nos movemos, a pena única será fixada em 9 (nove) anos de prisão.

Analisemos então as questões colocadas no recurso do arguido, a saber, se são ou não excessivas e desproporcionadas as penas individuais e única que lhe foram impostas.

Ora, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade2.

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, se for o caso, escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida3.

No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstratas previstas em determinados crimes (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o art. 70º do CP.

Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida4.

Depois, nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.

Diz Jorge de Figueiredo Dias5, que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”

Mais à frente6, esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.

Acrescenta, também, o mesmo Autor7 que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, uma pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

Por sua vez, resulta do art. 77.º do CP que, em caso de concurso efetivo de crimes, existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente8.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP9).

Pois bem.

Importa esclarecer que, o meio de prova “relatório social”, a que o recorrente apela na motivação de recurso, foi avaliado pelo Coletivo quando analisou todas as provas relativas às condições pessoais do arguido que resultaram demonstradas, como consta da fundamentação de facto, e dessa forma extraiu os factos que o convenceram e deu como provados.

Portanto, apenas podem ser atendidos os factos concretos dados como provados no acórdão impugnado e o que deles se pode deduzir em termos objetivos.

O que foi invocado no recurso que não resulta dos factos concretos provados não pode ser atendido, como sucede, quando alega, por exemplo, que o arguido padece de eventual doença psiquiátrica, que o arguido se recusa a fazer perícia médico-legal, que tinha problemática aditiva, que o arguido pautou os seus comportamentos pela sua problemática aditiva (apesar do que possa constar do relatório social).

E, como tal, ao contrário do que alega o recorrente, a matéria que não consta dos factos apurados, não podia ser objeto de análise pelo tribunal a quo aquando da definição da medida concreta da pena.

Lendo a fundamentação sobre a escolha e medida das penas concretas individuais e pena única que foram impostas ao arguido/recorrente verifica-se que foram determinadas de acordo com os critérios legais e não merecem censura.

Com efeito, a fundamentação/justificação apresentada, para a primeira operação a efetuar, relacionada com a escolha da natureza da pena aplicável, no caso dos crimes de furto simples p. e p. no art. 203.º, n.º 1, do CP (punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa) e do crime de furto qualificado p. e p. no art. 204.º, n.º 1, do CP (punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias) cometidos, cuja moldura abstrata é, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, observa os critérios previstos no art. 70.º do CP.

Como ficou explicado na decisão impugnada, são precisamente as razões de prevenção geral e particularmente as de prevenção especial que decorrem dos factos apurados, relacionados com a sua vivência, modo de ser, seu posicionamento e personalidade do arguido, bem como seu comportamento anterior, que evidenciam que a alternativa da pena de multa não assegurava as finalidades da punição, devendo, por isso, optar-se pela alternativa da moldura da pena de prisão, por ser essa a que satisfaz a proteção dos bens jurídicos violados e a sua reintegração em sociedade.

Agora, no âmbito da segunda operação, relacionado com a medida concreta da pena individual a aplicar por cada crime cometido pelo arguido, verifica-se que o tribunal a quo teve em atenção os diferentes crimes por ele cometidos, sendo certo que 12 eram contra o património (sendo cinco crimes de furto simples p. e p. no art. 203.º, n.º 1, do CP, sendo seis crimes de furto qualificado p. e p. no art. 204 n.º 2, do CP e um crime de furto qualificado p. e p. no art. 204.º, n.º 1, do CP) e um contra a autoridade pública (um crime de coação e resistência sobre funcionário p. e p. no art. 347.º do CP), aplicando os critérios apontados no art. 71.º do CP.

E, considerou que o arguido/recorrente agiu com dolo (direto) que é a forma mais grave e com consciência da ilicitude das diferentes condutas por si praticadas.

Atende-se, ainda, ao grau de ilicitude dos factos cometidos, distinguindo as diferentes condutas/crimes cometidos em apreciação.

Também considerou o modo de execução de cada um deles (assinalando, quanto aos furtos, que nada ressaltava o modo típico de realização dos tipos de crime em análise e, quanto ao crime de resistência e coação sobre funcionário, notando a grande censurabilidade da conduta, por o arguido ter feito uso de arma de alarme), que são reveladores de uma maior desatenção à advertência de conformação ao direito.

Igualmente, avaliou as consequências causadas com os diversos crimes cometidos, valor dos bens subtraídos e/ou valor dos prejuízos causados, tendo em atenção o que foi possível apurar (quer quanto aos crimes de furtos, assinalando que eram de valor reduzido, bens de uso do dia a dia, com reduzida expressão económica, sendo o prejuízo verificado de pequena expressão, quer quanto ao crime de resistência e coação sobre funcionário, notando que as consequências/prejuízos foram inexistentes, não tendo havido qualquer confrontação física, sendo o desvalor da conduta sentido a nível do modo de execução).

Como é claro os bens que foram apreendidos na busca efetuada pela PJ e que foram entregues aos respetivos ofendidos (matéria que também não consta dos factos dados como provados), não relevam para efeitos da determinação da medida da pena, uma vez que foi por intervenção de terceiros que tal ocorreu e não por qualquer atitude do arguido (que, inclusivamente, resistiu, com violência, à atuação dos inspetores quando estes pretenderam entrar em sua casa, para executar a busca domiciliária).

São muito elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade das diferentes normas violadas), como bem referiu o tribunal da 1ª instância (particularmente nos crimes contra o património cometidos), tendo em atenção os bens jurídicos violados com as diferentes condutas praticadas (não esquecendo também o crime contra a autoridade pública igualmente cometido), que devem ser combatidos de forma proporcional à danosidade que causou, vistas as particulares circunstâncias de cada caso.

São intensas e prementes as razões de prevenção especial, atendendo ao que se apurou em relação às condições de vida do recorrente, comportamento anterior e posterior aos factos, sendo certo que tem variados antecedentes criminais (incluindo por diversos tipos de crime contra o património - crimes de furto - também por crime de detenção de arma proibida, crime de condução sem carta, crime resistência e coação sobre funcionário, crime de introdução em local vedado ao público, crime de ameaça agravada, já tendo cumprido penas de prisão), o que revela uma personalidade adequada aos factos que cometeu, tendo ao longo do tempo (sendo que nasceu em ........1970) manifestado problemas de integração social, apesar de ter tido oportunidades (que não aproveitou) para mudar de vida e inserir-se socialmente.

A seu favor, ponderou a 1ª instância, que confessou a prática dos factos no final do julgamento, posta toda a produção da prova (o que abonou a seu favor, mas de forma limitada- apreciação perfeitamente lícita e razoável e adequada ao caso, tanto mais que o arguido não revelou qualquer arrependimento, nem vontade de reparar os prejuízos que causou).

Repare-se que, ao contrário do alegado no recurso, o arguido não foi prejudicado pela confissão da prática dos factos que fez no final do julgamento; antes pelo contrário: foi valorado a seu favor essa confissão, mas, claro, com limites, atento o momento em que tal sucedeu, como não podia deixar de ser, além de que tal confissão foi desacompanhada de qualquer arrependimento e até de manifestação de vontade de reparar os prejuízos que causou.

Acresce que, o arguido nem sequer reflete sobre o desvalor da sua conduta, procurando desculpabilizar a sua conduta e imputar a terceiros, ainda não tendo interiorizado que tem de alterar o seu comportamento e modo de vida (exteriormente tem uma imagem negativa e não tem hábitos de trabalho), bem como apurar o seu sentido crítico em relação a toda a sua atuação ilícita.

Perante o que se apurou é o recorrente que tem de alterar a sua postura, de modo a adquirir hábitos de trabalhos e a integrar-se pessoal, social e profissionalmente, levando uma vida conforme ao direito.

A sua conduta anterior e posterior aos factos também foi ponderada, como resulta da decisão impugnada, o que significa, que também foi avaliado o seu comportamento no EP, tal como decorre dos factos provados, ao contrário do alegado no recurso.

Tudo ponderado, olhando para os factos apurados, respetivas molduras abstratas das penas de prisão de cada um dos crimes cometidos e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade, adequação e da proporcionalidade, julgam-se adequadas e ajustadas as penas individuais aplicadas pela 1ª instância.

O facto de o tribunal não dar a mesma relevância que o arguido pretendia quanto às circunstâncias que se apuraram, não significa que tivesse feito uma avaliação errada ou incorreta. O que se passou é que o arguido/recorrente parte de pressupostos errados, inclusive de factos não apurados e sobrevaloriza circunstâncias a seu favor indevidamente e de forma subjetiva, portanto, sem razão, esquecendo parte dos factos apurados e que relevam, tendo em atenção as finalidades das penas.

Improcede, pois, a sua argumentação quando pretende ver reduzidas as penas individuais que lhe foram impostas por cada um dos crimes que cometeu acima descritos, sendo certo que não foram violadas as normas e princípios que invoca.

Vejamos, agora, a pena única que foi imposta ao recorrente, que o mesmo também considera excessiva e desproporcionada.

Neste caso concreto, a pena aplicável (a moldura abstrata do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso na decisão sob recurso (que será de 19 anos de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (neste caso 2 anos e 6 meses de prisão), ou seja, a moldura do concurso situa-se entre 2 anos e 6 meses de prisão e 19 anos de prisão.

Pois bem.

Neste caso, em causa está o concurso de 13 crimes consumados (sendo 5 de crime de furto simples p. e p. no art. 203.º, n.º 1, do CP, 6 de crime de furto qualificado p. e p. no art. 204.º, n.º 2, do CP, 1 crime de furto qualificado p. e p. no art. 204.º, n.º 1, do CP todos com um modus operandi similar, enquadrando-se num mesmo contexto vivencial do arguido e, ainda, 1 crime de resistência e coação sobre funcionário p. e p. no art. 347.º do CP), notando-se que o recorrente já tinha antecedentes criminais, designadamente, também por crimes de furto qualificado e por resistência e coação sobre funcionário, tendo inclusivamente cumprido penas de prisão (tendo sido ainda em 7.04.2011, por ac. de cúmulo transitado em 16.05.2011, proferido no proc. n.º 44/08.4..., condenado na pena única de 10 anos de prisão e, posteriormente, por ac. de 26.01.2022, transitado em 25.02.2022, proferido no proc. n.º 627/19.7..., condenado em 3 anos e 6 meses de prisão igualmente por furto qualificado) o que mostra uma personalidade avessa ao direito.

O desvalor das condutas do arguido, mostra desprezo perante pautas mínimas de convivência societária, como é evidenciado pelo conjunto dos crimes em apreciação nestes autos, cometidos no período indicado nos factos provados (entre 1.06.2020 e 26.11.2020), sendo o ilícito global revelador da sua propensão criminosa para os crimes cometidos, tanto mais que tinha antecedentes criminais, inclusive da mesma natureza como se viu.

Considerando a sua idade adulta e madura (nasceu em ........1970), vista a natureza e quantidade dos crimes cometidos (como decorre da globalidade dos factos em conjunto), podemos afirmar que o arguido/recorrente tem uma personalidade desajustada aos valores sociais e à comunidade em que se insere, manifestando indiferença pelos bens jurídicos violados, revelando (tal como afirma a 1ª instância) uma clara propensão para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos.

A conexão entre os crimes cometidos, é grave (atenta desde logo a sua quantidade e natureza cometidos naquele curto período de tempo), tendo aqueles de ser vistos no seu conjunto, considerando o espaço de tempo da sua atuação e a personalidade do arguido (avessa ao direito), que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando propensão para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e sendo acentuadas as razões de prevenção especial (considerando todo o seu percurso de vida, apesar das oportunidades que foi tendo, mas que foi desaproveitando).

Também se pondera, além do seu comportamento anterior e posterior aos factos, o que se apurou em relação às suas condições pessoais, familiares, profissionais, sociais e económicas que, apesar de tudo (e, por outro lado), revelam as dificuldades pelas quais foi passando desde a fase de crescimento, mas que, tal como muitos outros cidadãos, não o impediam de ter escolhido uma vida conforme ao direito.

De qualquer forma, será o arguido que, com a sua postura, que deverá assumir o compromisso de contribuir seriamente e de forma responsável para a sua auto-ressocialização.

Ao contrário do que alega o recorrente, não se vê que haja razões para reduzir a pena única que lhe foi imposta, considerando as suas carências de socialização e tendo presente o efeito previsível da mesma pena única aplicada sobre o seu comportamento futuro, a qual não é impeditiva da sua ressocialização, sendo conveniente e útil que vá interiorizando o desvalor da sua conduta, apure o sentido crítico, adote uma postura socialmente aceite e, bem assim, aumente as suas competências, o que pode melhorar no futuro a sua capacidade de reintegração social, nomeadamente a nível profissional.

Da consideração global de todos os factos apurados e da personalidade do arguido/recorrente não se extrai que se possa formular um juízo mais favorável ou que se justifique efetuar qualquer correção e, por isso, se conclui que não é caso de reduzir a pena única que lhe foi aplicada no acórdão recorrido.

Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se na medida justa, sendo adequado, ajustado e proporcionado manter a pena única aplicada de 9 anos de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

De resto, a pretendida redução das penas, individuais e única, mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar penas (individuais e única) inferiores às que lhe foram impostas.

Em conclusão: improcede o recurso do arguido, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais respetivas invocados pelo recorrente.


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III - Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC`s.


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Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo depois assinado.

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Supremo Tribunal de Justiça, 17.01.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Ernesto Vaz Pereira (Adjunto)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

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1. Do que interessa da motivação de facto consta:

  Para alcançar a sua convicção probatória, dando como provados e não provados os factos que deu, o Tribunal procedeu a uma análise e apreciação atenta, necessariamente crítica e conjugada, de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e daquela que era constante dos autos, norteando tal processo valorativo pelas regras da experiência comum e da normalidade, com observância estrita pelo princípio da livre apreciação da prova, nos termos do consignado pelo artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

  Deste modo, foram tidas em consideração as declarações do arguido e, bem assim, a prova documental, pericial e testemunhal produzida.

  Inquiridas, foram as seguintes testemunhas cujo depoimento se valorou: PP, QQ, RR, SS, TT, LL, UU, OO, JJ, KK, II, FF, GG, EE, CC, NN, BB, DD, MM, e HH.

  No que se refere à prova documental e pericial produzida, atendeu-se aos seguintes elementos constantes dos autos: Proc. 47/20.0GBRDD - Auto de notícia, fls. 49-51, Relatório inicial de diligências– fls. 15. e seguintes, relatório de exame direto – fls. 33 a 45, Auto de diligência, fls. 102, Auto de busca e apreensão – fls. 104-109, Reportagem fotográfica, fls. 110-126, Cota – fls. 128 e 129, Autos de exame direto – fls. 130 a 135, Autos de exame direto e de avaliação, fls. 230-231; 311-312, Auto de reconhecimento de objetos, fls. 234, 239, 244, 249, 254, 257, 261, 266, 271, 276, 281, 319, 324, 329, Termo de juntada, fls. 283-286, Relatório de exame pericial, fls. 342-345, folha de suporte fotográfico, fls. 308-310; Proc. 85/20.3... - Auto de notícia, fls. 3-4; Proc. 49/20.7... - - Auto de notícia, fls. 3-5; Proc. 34/20.9... - Auto de notícia, fls. 4-6; Proc. 117/20.5... - Auto de notícia, fls. 4-6; Proc. 72/20.1... - Auto de notícia, fls. 3-4; Proc. 82/20.9... - Auto de notícia, fls. 3-5; Proc. 83/20.7... - Auto de notícia, fls. 3-4; Proc. 96/20.9... -Auto de notícia, fls. 3-5; Proc. 108/20.6... - Auto de notícia, fls. 4-6; Proc. 109/20.4... - Auto de notícia, fls. 4-6; Proc. 107/20.8... - Auto de notícia, fls. 23-25; Proc. 126/20.4... - Auto de notícia, fls. 24-26 e auto de apreensão, fls. 38-39; Proc. 127/20.2... - Auto de notícia, fls. 25-28 e auto de apreensão, fls. 39-40; Proc. 129/20.9... - Auto de notícia, fls. 41-43 e auto de apreensão, fls. 55-56.

  Mais se atendeu ao teor do certificado de registo criminal do arguido e do relatório social que lhe foi exarado.

  O arguido optou por não prestar declarações no início da audiência de julgamento, tendo-se remetido ao silêncio durante toda a sua duração. Pese embora tal circunstância, o arguido veio a prestar declarações no final do julgamento, aí se tendo admitido como autor dos factos que lhe são imputados no libelo acusatório, confessando na íntegra a sua prática.

  Assim, na formação da sua convicção quanto aos factos provados, designadamente quanto à autoria da subtração dos diversos bens em causa na acusação, o Tribunal atendeu a tais declarações, tendo-se firmado a clara e segura conclusão de que o arguido foi o autor de todas as subtrações conforme lhe vêm imputadas.

  Destarte, para além de tais declarações do arguido:

  (…)

2. Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40.º CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.

3. Neste sentido, v.g. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p.198.

4. Anabela Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (prática de um crime de receptação dolosa) Sentença do Tribunal de Círculo da Comarca da Figueira da Foz de 29 de Maio de 1998», in RPCC ano 9º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 1999), p. 644, a propósito da aplicação em alternativa de duas penas principais, esclarece que “(…) a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo, feito em função das exigências preventivas, sobre a necessidade da execução de pena de prisão efectiva – que o juiz sempre terá que demonstrar para fundamentar a aplicação da pena de prisão -, mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra, em nome da realização das referidas finalidades preventivas.”

5. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.

6. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.

7. Jorge de Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.

8. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

9. Ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.