Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6/08.1PXLSB.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ARREPENDIDO
IDADE
ATENUANTE GERAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :

I - O regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, instituído pelo DL 401/82, de 23-09, surge em regulação do imperativo decorrente do art. 9.º do CP (aprovado pelo DL 400/82, da mesma data), sendo um regime datado, que entrou em vigor simultaneamente com o CP, com o qual foi articulado.
II - O regime em causa suscita, em alguns pontos, controvérsia na jurisprudência. Desde logo, a sua caracterização como especial ou geral não é pacífica: enquanto para uns, como resulta, por ex., dos Acs. do STJ de 27-10-2004 (Proc. n.º 1409/04 - 3.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 213) e de 28-06-2007 (Proc. n.º 1906/07 - 5.ª), o regime penal aplicável a jovens adultos não constitui um regime especial, mas o regime penal geral relativo aos jovens delinquentes, sendo o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, ou, como se afirmou no Ac. do STJ de 07-11-2007 (Proc. n.º 3214/07 - 3.ª), um regime específico e não um regime especial, para outros é considerado como regime especial que prevalece sobre o regime geral, subsidiariamente aplicável (cf. Ac. do STJ de 06-09-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 181).
III - O instituto previsto no DL 401/82, de 23-09, corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o n.º 1 do art. 72.º do CP, sendo que a atenuação especial ao abrigo deste regime especial:
- não é de aplicação necessária e obrigatória;
- não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente;
- é de conhecimento oficioso;
- não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada;
- é de conceder sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo em tais circunstâncias obrigatória e oficiosa;
- não dispensa a ponderação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação;
- impõe se justifique a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, deve ser fundamentada a não aplicação.
IV - Desde 01-01-1999, com a entrada em vigor da reforma do processo penal operada pela Lei 59/98, de 25-08, que se passou a perspectivar a não consideração da aplicabilidade do regime penal especial para jovens como nulidade por omissão de pronúncia sobre questão de conhecimento oficioso – art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP –, mas, caso se entenda estar em causa a violação do dever de fundamentação, a falta desta constituirá violação da injunção constante do art. 374.º, n.º 2, do CPP, sendo então a nulidade a prevista na al. a) do n.º 1 do citado preceito.
V - Já quanto à consideração, ou não, na análise e ponderação a realizar, da natureza e gravidade do crime e seu modo de execução, ou seja, da prevalência ou não das exigências especiais sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídico penal, a jurisprudência, mais uma vez, divide-se:
- para uma certa corrente, as razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão, tendo por base o que consta do ponto n.º 7 do preâmbulo do DL 401/82 ou fazendo uma chamada de atenção para a imposição de um limite às considerações de reinserção social, precludir a aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico;
- noutra linha jurisprudencial – que será de compromisso com a ponderação adequada das duas finalidades da pena –, entende-se que no juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o art. 4.º do referido diploma há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido;
- em sentido diverso, defende ainda alguma jurisprudência que a perspectiva da ressocialização deve ser a enfatizada, sendo que o único fundamento legítimo para recusar a aplicação do regime especial é a inexistência de vantagens para a reinserção social.
VI - A ser deferida a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 terá a medida premial de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos arts. 72.º e 73.º do CP, que constituem apoio subsidiário do regime ali previsto.
VII - A diferença substancial entre a atenuação especial da pena prevista no regime penal especial para jovens e a constante do art. 72.º do CP está em que naquele, tal como estabelece o art. 4.º do DL 401/82, são razões de prevenção especial que fundamentam o regime, pelo que a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas; e na medida prevista no CP a aplicação de moldura mais benevolente assenta na existência de circunstâncias que tenham por efeito a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
VIII - A atenuação especial da pena tem de emergir de um julgamento do caso concreto – impondo-se proceder a uma apreciação conjunta do circunstancialismo factual da prática do crime e de tudo aquilo que o tribunal tenha podido apurar acerca das condições pessoais e personalidade do jovem – que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção.
IX - O arrependimento, a não ter tradução em actos objectivos, e ficando-se apenas por meras afirmações verbais, atitudes ou declarações demonstrativas, pouca relevância tem, e muito menos para a atenuação especial.
X - Em casos graves e com contornos de violência, como o presente, não pode o julgador alhear-se da seriedade do comportamento ajuizado, olvidando que estamos perante um homicídio qualificado – porque produzido em circunstâncias que revelam especial censurabilidade e perversidade do agente –, que tem como fundamento uma agravação da culpa, uma culpa mais grave. Com efeito, não é possível compaginar um quadro com tais contornos – a elevada ilicitude da conduta do arguido é, ainda, revelada pela prática dos crimes de incêndio e detenção ilegal de arma, que aquele homicídio antecederam – com a necessária culpa mitigada que deve ancorar a solução de atenuação, em geral, e, no que se reporta à situação dos jovens, com a existência de razões sérias que possam projectar um futuro conforme ao direito, com a completa subalternização da consideração daqueles parâmetros (cf. os Acs. deste Supremo Tribunal de 18-02-2009, Proc. n.º 100/09 - 3.ª, e de 12-03-2009, Proc. n.º 3773/08 - 5.ª, onde, perante situações de homicídio qualificado, se decidiu pela não aplicação da atenuação especial da pena decorrente do regime penal dos jovens).
XI - A idade do arguido será assim de considerar apenas na determinação da pena como atenuante geral.
Decisão Texto Integral:



No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 6/08.1PXLSB, da 1ª Vara Criminal de Lisboa, foi submetido a julgamento o arguido AA, nascido em 18-02-1987, em S. Paulo, Brasil, filho de BB, casado, residente na Rua ......., nº ......., porta ..., Bairro da Serafina, em Lisboa, preso preventivamente à ordem destes autos desde 05-01-2008.
Por acórdão de 15 de Outubro de 2008 foi deliberado condenar o arguido pela prática, em autoria material, de:
a) Um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão;
b) Um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), por referência ao disposto no artigo 2º, nº 1, alínea l), ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão;
c) Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas h) e j), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos e 6 (seis) de prisão;
e) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.
f) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido por CC, pai do falecido DD, e condenar o arguido no pagamento àquele da importância total de 87.500 €, (oitenta e sete mil e quinhentos euros), sendo 75.000 € (setenta e cinco mil euros) relativos à perda do direito à vida e aos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima e 12.500 € (doze mil e quinhentos euros) relativos aos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, pai do falecido DD, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 506 a 515, que remata com as seguintes conclusões:
1 - A fundamental razão para a apresentação do presente recurso penal, prende-se com a
medida da pena aplicada (dezoito anos de prisão) e a sua proporcionalidade para com o juízo de culpabilidade e as exigências de prevenção determinantes na medida da mesma.
2 - Foram os seguintes os crimes pelos quais foi o Arguido condenado:
- um crime de incêndio p.p. pelo artigo 272.° n.º l, alínea a) do Código Penal;
- um crime de detenção ilegal de arma, p. p. pelo artigo 86.° n.º 1 al. d), por referência ao disposto no artigo 2.° n.º 1 al. I), da Lei n.º 5/2006 d 23/02 e,
- um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, al. h) e j) do Código Penal.
3 - O regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal equacionar a sua aplicação ao caso concreto. O Tribunal deve começar por ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável, e, depois, só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
4 - O arguido tinha apenas 20 anos de idade, é delinquente primário, confessou os factos integralmente e sem reservas, está arrependido e à data da prática dos factos vivia com dificuldades económicas e inserido num bairro socialmente degradado, apesar da gravidade da sua conduta é de atenuar especialmente a pena, como jovem delinquente.
5- Já havia algum tempo que os desentendimentos eram frequentes entre arguido e vitima, tendo mesmo este ultimo dirigido ameaças que visavam a integridade física do filho do arguido, um bebe com pouco mais que um ano de idade.
6 - O arguido confessou integralmente e sem reservas o crime de que veio acusado; colaborou com o Tribunal, ao longo de todo o processo, na descoberta da verdade.
7 - Defendendo-se estarem reunidas as condições necessárias para a aplicação do Regime especial para Jovens.
8- Não existe no douto Acórdão recorrido fundamentação que afaste a aplicação do Regime Especial para Jovens, encontrando-se, pelo contrário, dado como provados factos que contribuirão de forma decisiva para aplicação desse regime especial.
9 - As circunstâncias agravantes consideradas pelo Colendo Tribunal para o afastamento de qualquer atenuação da pena não têm correspondência com os factos considerados como provados pelo Tribunal a quo o que determina, nesta parte, a nulidade da sentença que desde já se invoca.
10 - Na ponderação de todos os factos, não se pode deixar de levar em conta a juventude, a primariedade penal, a confissão e o arrependimento, a situação económica do arguido e todo o circunstancialismo do cometimento do crime (as ameaças que lhe eram dirigidas pela vítima não só a si mas também à sua família, nomeadamente ao seu filho, ainda um bebe) e, sem perder de vista a necessidade de prevenção geral do crime em causa, dever-se-á reduzir a pena tão só ao mínimo indispensável para que o arguido possa interiorizar o desvalor da sua conduta.
11 - Sobre a afirmação que o douto acórdão faz sobre o arrependimento do arguido, ao dizer: que a sua postura não evidenciara verdadeiro arrependimento, se dirá o seguinte:
12 - Não se entende nem se compreende, como tal género descritivo ("a sua postura") poderá afirmar ou agravar um juízo de culpabilidade sobre o agente.
13 - Tratando-se de um conceito indeterminado e em nosso entender, não devidamente concretizado pelo douto acórdão, não se vislumbra como poderá o mesmo ser determinante no apuramento do grau de arrependimento do arguido, no que diz respeito ao crime cometido.
14- A bem verdade, o que ocorreu durante a condução do processo foi: a confissão do arguido e a sua declaração de arrependimento.
15 - Poderíamos ainda afirmar em sede de defesa, que o arguido actuou sob emoção forte e violenta na defesa da sua família e, sem pensar nas consequências do seu acto, cometeu o crime que efectivamente acaba por confessar.
16 - Estamos perante um jovem que arrependido do crime que cometeu e confessou, está interessado em prosseguir a sua formação pessoal e profissional, bem como, acompanhar o crescimento da sua família, orientando a sua conduta conforme o direito.
17 - Assim, ponderados todos os factos, dir-se-á que a pena aplicada, salvo o devido respeito, não será adequada nem proporcional, devendo ser especialmente atenuada.
No provimento do recurso pede a revogação da decisão proferida pelo Tribunal "a quo", e a substituição por outra, a qual deverá atenuar especialmente a pena de prisão aplicada nos termos do disposto no Decreto-Lei n.° 401/80, de 23 de Setembro.

O Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu, conforme fls. 518 a 525, concluindo:
1. A pena única de 18 (dezoito) anos de prisão imposta ao arguido/recorrente mostra-se justa e proporcional;
2. Não se olvida que o arguido confessou, parcialmente, os factos e que à data dos factos tinha 20 anos de idade;
3. Porém, tal confissão não tem a virtualidade que o recorrente lhe pretende atribuir, sendo certo que neste particular não se alcança da prova produzida de que o recorrente tenha evidenciado uma verdadeira interiorização do desvalor da acção das condutas praticadas;
4. O mesmo se diga da invocada aplicação do regime penal especial para jovens, previsto pelo Decreto-Lei n.° 401/82, de 23/09, pretendida pelo recorrente;
5. É sabido que tal regime especial penal não é de aplicação automática, dependendo, antes, do juízo que existem sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social dos jovens condenados em causa - Cfr. Art. 4.° do citado Decreto-Lei;
6. Por outro lado, não nos podemos esquecer a forte danosidade social dos factos em presença nestes autos e que, como decorre do ponto 7 do preâmbulo Decreto-Lei n.° 401/82, de 23/09, a gravidade dos crimes e as exigências preventivas devem constituir índice de aplicação dos jovens delinquentes;
7. No caso concreto, afigura-se-nos que não existem, de todo, as condições de sociabilização próprias para a aplicação deste regime de atenuação especial, que possibilite ou pudesse estimular este jovem delinquente/recorrente, só por si, em razão do prazo prisional assim encurtado, à definição e escolha de um projecto de vida afastado da marginalidade;
8. O tribunal "a quo" ao condenar o recorrente fez correcta valoração da prova produzida e interpretação e aplicação do direito, mormente, dos Arts. 40°, 70°, 71°, 77°, 131°, 132° n.°s 1 e 2 alíneas h) e j), 272°, n.° 1, alínea a), todos do C. Penal e Art. 86° n.° 1, alínea d), com referência ao Art. 2º n.° 1, alínea l) da Lei n.° 5/2006, de 23/02;
9. O acórdão recorrido deve ser mantido nos seus precisos termos.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 529, ordenando-se a remessa do processo para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Indo o processo a conferência, por acórdão de 29-01-2009, de fls. 443 a 454, conhecendo de questão prévia, é declarada a incompetência do Tribunal para o julgamento do recurso, “determinando a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância para, aí, serem encaminhados para o Supremo Tribunal de Justiça”.
Em obediência a tal decisão foi o processo remetido à 1ª Vara Criminal de Lisboa, sendo aí determinada a remessa dos autos a este Tribunal - fls. 460.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a fls. 464 a 468, emitiu parecer em que acompanha a posição do acórdão recorrido no que respeita à atenuação e quanto à medida da pena, admitindo uma “redução ainda que ligeira da pena aplicada ao homicídio qualificado de modo a aproximar-se mais dos 15 anos de prisão, com os naturais reflexos na pena única”.

Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do CPP, o recorrente silenciou.

Não tendo sido requerida audiência, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 411º, n.º 5, do CPP.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Há que dizer ser de estranhar que o Tribunal da Relação tenha optado por mandar baixar o processo após declaração de incompetência, em lugar de o remeter, de imediato, ao STJ, com o que teria dado cumprimento ao disposto no artigo 33º, n.º 1, do CPP, traduzindo-se a ordem dada em acto inútil, que só prolonga o tempo do processo, pura perda de tempo, para além de se configurar como acto oneroso, aspecto que não será despiciendo, muito embora no caso concreto, se limitasse o processo a percorrer a distância da Praça do Município aos Correios, destes à Boa Hora e daqui para o STJ.

Com o presente recurso pretende o recorrente o reexame da matéria de direito, impugnando o decidido na primeira instância tão só no que tange no fundo à dosimetria da pena, pretendendo a aplicação do regime de jovens delinquentes com a consequente atenuação especial da pena.
Como se viu, o recorrente optou por recorrer para a Relação de Lisboa, que se veio a declarar incompetente para o julgamento do recurso, em extenso acórdão em que após referir a lei aplicável, disserta sobre as soluções controvertidas existentes no domínio da antiga versão, mas sem tomar em consideração que a controvérsia já fora resolvida no domínio do anterior regime por acórdão uniformizador.
Estando em causa acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.
Relativamente a esta questão foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 - Acórdão nº 8/2007, Processo nº 2792/06-5ª, in DR, I Série, de 04/06/2007 – nos termos seguintes: «Do disposto nos artigos 427º e 432º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».
Ao caso presente é indubitavelmente aplicável o regime decorrente da versão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, recorrendo-se para o Supremo Tribunal de Justiça, como resulta do artigo 432º, n.º 1, alínea c), de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto e nulidades previstas no artigo 410º, nº 2 e nº 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os horizontes cognitivos do Tribunal Superior.

Questões a decidir

No caso presente, vistas as conclusões do recurso, a discordância do recorrente tem a ver com a atenuação especial da pena por aplicação do regime penal especial para jovens constante do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23-09, invocando nas conclusões 8ª e 9ª uma nulidade da decisão recorrida, entendendo-se, face ao constante da conclusão 1ª, que é impugnada, no geral, a medida da pena.

Factos provados

Vem definitivamente assente que:
1 – O arguido reside no Bairro da Serafina há cerca de um ano e meio, altura em que conheceu DD;
3 - Desde há cerca de um ano que começou a desentender-se com o DD por questões relacionadas com o empréstimo de objectos um ao outro;
3 - Durante este último ano o arguido e DD discutiram várias vezes, acabando sempre com agressões físicas mútuas;
4 - Em meados de Dezembro de 2007, o arguido saiu da casa onde vivia com a sua mulher e o filho e mudou-se para uma casa abandonada sita no mesmo pátio onde DD vivia, situação que não agradou a este;
5 - Em data não concretamente apurada, o arguido apercebeu-se de que faltavam, na sua casa, alguns objectos, pensando logo ter sido o DD a levá-los;
6 - Como o DD não lhe devolveu os seus bens, o arguido, com o intuito de se vingar, decidiu atear fogo à casa daquele;
7 - Assim, na noite de 4 de Janeiro de 2008, o arguido, por volta da hora do jantar, dirigiu-se à casa de DD, sita no bairro da Serafina, nesta cidade de Lisboa, munido de diluente que atirou para o interior da casa, ateando-lhe fogo, de seguida;
8 - O fogo atingiu principalmente o quarto da habitação de DD, restringindo-se principalmente à cama, causando também estragos em alguns dos objectos que se encontravam no interior da divisão como foi o caso da TV e da parte superior do guarda-fatos;
9 - O fogo provocou danos quase na totalidade na zona do quarto sendo a zona da cozinha e casa de banho atingida maioritariamente por fuligem derivada da propagação do incêndio;
10 - Com tal conduta, o arguido causou estragos no valor de cerca de 1000€;
11 - Só não se verificaram danos de valor superior graças à rápida extinção do fogo;
12 - Em consequência da atitude do arguido toda a habitação de DD poderia ter ardido, destruindo todos os bens que aquele possuía;
13 - Bem sabia o arguido que a casa onde ateou o incêndio não lhe pertencia e que agia contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono, mas mesmo assim quis actuar da forma como actuou, tendo planeado toda a sua conduta;
14 - Previu ainda o arguido que, nas circunstâncias de lugar em que actuou, designadamente atenta a proximidade de outras casas de habitação, criava perigo, como efectivamente criou, para bens patrimoniais de elevado valor e, não obstante, não deixou de persistir na sua conduta e intenção;
15 - Agiu assim deliberada, livre e conscientemente, de acordo com uma resolução previamente delineada, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei;
16 - Após ter ateado o fogo à residência de DD, o arguido deu umas voltas pelo Bairro à procura daquele;
17 - Quando o arguido encontrou o DD, envolveram-se numa discussão, arremessando pedras um ao outro, altura em que o DD disse ao arguido que um dia lhe faria o mesmo, pegando fogo à sua casa com o filho lá dentro;
18 – A situação só cessou com a chegada da PSP e, uma vez acalmados os ânimos, o arguido afastou-se dali, ficando a aguardar que a PSP abandonasse o local;
19 - Quando isso aconteceu, o arguido AA apercebeu-se que a vítima vinha em direcção ao local onde ele se encontrava e decidiu ir ao seu encontro;
20 - Junto ao largo onde se situa o café “SY" o arguido abordou a vítima que, de imediato se baixou para apanhar pedras;
21 - Nessa altura, o arguido que já tinha empunhada uma faca de que entretanto se munira, desferiu-lhe uma facada nas costas, atingindo-o de trás para a frente, da direita para a esquerda e de cima para baixo;
22 - De seguida, o arguido agarrou-lhe na T-shirt, na zona do pescoço e empurrou-o para junto dos carros que ali se encontravam estacionados, tendo-lhe desferido várias facadas na região dorsal no sentido de trás para diante, da esquerda para a direita e de cima para baixo;
23 - O arguido só cessou a sua conduta quando a vítima ficou de joelhos e caiu no chão, altura em que se afastou rapidamente do local;
24 - O DD ainda conseguiu regressar à Rua ....... para pedir ajuda, acabando por cair junto ao nº 669 daquela rua enquanto aguardava pela chegada da ambulância que os vizinhos chamaram ao local;
25 - A vítima foi então transportada para o Hospital de S. José, em estado muito grave, acabando por falecer;
26 - A faca utilizada pelo arguido era do tipo faca de cozinha, com 30 cm de comprimento dos quais 17,5cm de lâmina de um só gume, de extremidade pontiaguda;
27 - O arguido conhecia bem as características da faca e estava ciente que a mesma era susceptível de causar lesões ou até a morte a outrem;
28 - Bem sabia o arguido que a detenção de tal objecto era proibida e punida por lei e, não obstante, quis trazê-la consigo e utilizá-la;
29 - Agiu livre e conscientemente;
30 - Como consequência das agressões infligidas pelo arguido a DD, este sofreu as seguintes lesões no hábito externo:
- Feridas cortantes e corto-perfurantes:
- Na região parietal direita, fusiforme, oblíqua para diante e para a direita que mede 2,5 cm de comprimento;
- Na região parietal direita posterior, em forma de L de abertura inferior, cujos ramos medem 3 e 1,5 cm de comprimento;
- Na inserção posterior do pavilhão auricular direito, fusiforme que mede 3 cm de comprimento;
- Na região occipital mediana, fusiforme que mede 0.8 cm de comprimento;
- Na região omoplata direita, suturada, fusiforme, oblíqua para baixo e para dentro que mede 3 cm de comprimento;
- No terço médio da face externa do braço direito, fusiforme, oblíqua para baixo e para dentro que mede 3 cm de comprimento;
- No terço médio da face posterior do braço direito, fusiforme, oblíqua para baixo e para dentro que mede 2 cm de comprimento;
31 - No hábito interno e em relação com as feridas supra descritas o DD sofreu ainda:
- Ferida corto-perfurante da aponevrose epicraniana da região perieto-temporal direita e do músculo temporal direito com infiltração hemorrágica peri focal;
- Ferida corto perfurante:
- Dos tecidos moles subcutâneos desde a região temporal até à região laríngea, segundo um trajecto orientado de cima para baixo, de trás para diante e da direita para a esquerda;
- Com secção traumática completa da jugular a nível da 3ª vértebra cervical;
- Infiltração hemorrágica da metade direita dos órgãos do pescoço;
- Ferida corto-perfurante:
- Dos músculos intercostais do 4º espaço posterior direito;
- Do lobo superior do pulmão direito.
- Ferida corto-perfurante, transfixiva dos músculos do terço médio do braço direito;
- Hemorragias subendocárdicas na parede ventricular esquerda.
32 - A morte de DD foi devida às graves lesões traumáticas torácicas e cervicais supra descritas, produzidas por um instrumento de natureza corto-perfurante;
33 - Ao actuar da forma descrita, o arguido procedeu com o propósito previamente por si planeado, de tirar a vida a DD, o que conseguiu;
34 - Sabia o arguido que ao atingir a vítima com um objecto corto-perfurante nas regiões torácicas e cervicais, e com a profundidade com que o atingiu, poderia provocar lesões traumáticas fatais adequadas a causar a morte, o que veio a suceder;
35 - O arguido agiu ciente das características corto perfurantes da faca com a qual desferiu os vários golpes supra descritos na vítima e ciente ainda de que com a profundidade com que o atingiu, as lesões provocadas seriam susceptíveis de causar a morte, resultado que o arguido quis, previu e alcançou como consequência do seu comportamento;
36 - Agiu livre e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei;
37 - À data da sua morte, DD tinha 26 anos de idade;
38 - Era um jovem saudável, enérgico e trabalhador;
39 - Era uma pessoa alegre, feliz, educada e tinha um feitio bem disposto;
40 - Tinha apego à vida e projectos para o futuro, os quais foram suprimidos pela actuação do arguido;
41 - No momento em que lhe foram desferidas as facadas, DD passou por dor, sofrimento e angústia atrozes;
42 – Por outro lado, DD ficou prostrado no chão, ensanguentado, agonizante;
43 – A morte de DD foi lenta e sofrida;
44 – DD foi admitido no Hospital de São José, no dia 05/01/2008, às 01h55, tendo vindo a falecer às 06h00;
45 - No espaço temporal que mediou até ao seu falecimento, DD passou por dor, sofrimento e angústia;
46 – DD teve longa percepção do seu estado e da proximidade da sua morte;
47 - O pai de DD, CC, nutria um amor intenso pelo seu filho;
48 - A morte inesperada e repentina do filho causou-lhe um imenso sofrimento;
49 – A mãe de DD já faleceu;
50 – O arguido confessou, com algumas reservas, os factos julgados provados;
51 – O arguido é natural do Brasil, S. Paulo, onde sempre residiu, tendo crescido integrado no agregado familiar da avó materna que o criou junto com o seu companheiro, desde os dois anos de idade, sendo esporádicos os contactos com a mãe; a família, de condição sócio económica média, proporcionou-lhe o acesso ao sistema de ensino, que frequentou durante oito anos, não tendo continuado por desinteresse do próprio; os avós exploravam um minimercado onde o arguido prestava serviço em part-time, conciliando com a prática de futebol, integrado num clube, actividade no qual estava empenhado em fazer carreira profissional; há cerca de oito anos, os avós emigraram para Portugal, vindo o arguido a juntar-se a eles em 2005; tinha então como objectivo a integração num clube de futebol para desenvolver uma carreira de futebol profissional, projecto que não se concretizou; os avós regressaram ao Brasil tendo o arguido permanecido sozinho apenas com a sua mulher, uma cidadã portuguesa, com quem casou há cerca de um ano e com a qual tem um filho com pouco mais de um ano de idade; face às dificuldades que encontrou, o arguido tentou encontrar uma actividade profissional, tendo trabalhado na construção civil; de acordo com o próprio já teve contactos com o sistema judicial brasileiro; pouco antes da data dos factos, AA residia com a mulher e o filho do casal, num bairro socialmente degradado, onde mantinha algumas relações de amizade; a situação económica do agregado familiar era equilibrada, subsistindo dos rendimentos auferidos pelo trabalho do arguido e da sua mulher empregada num restaurante; ao nível individual, AA apresenta capacidade de auto-crítica e de descentração, manifestando, todavia, dificuldades ao nível do controlo dos impulsos; no estabelecimento prisional tem mantido um comportamento irregular, registando três sanções disciplinares por incumprimento das regras institucionais; quanto a projectos futuros o arguido manifesta vontade de permanecer em Portugal, atendendo ao facto de cá ter constituído família;
52 – Do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer condenação.

Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, retiram-se os seguintes trechos, por apresentarem interesse para a análise da questão suscitada:
«O arguido admitiu a prática dos factos, concretamente ter ateado fogo à casa do DD e ter desferido vários golpes com a faca que lhe foi apreendida no corpo do DD, dizendo no entanto que não tinha intenção de o matar, acrescentando que se muniu da faca para se defender daquele, já que ele o ameaçava com um machado, dizendo-lhe ainda que também lhe incendiaria a casa, com o seu filho lá dentro.
Disse também que na 1ª intervenção da PSP ainda não tinha em seu poder a faca que veio a utilizar para ferir o DD, faca que foi buscar a casa de um amigo depois de ter saído do local, no seguimento daquela intervenção da Polícia.
De forma algo confusa, o arguido referiu também, a dado passo, que o DD ficou sem o machado aquando da primeira intervenção da PSP.(…)
Quanto ao arguido, muito embora o mesmo tivesse admitido a prática dos factos - confissão que no essencial se afigurou relevante - tentou justificar parte deles, designadamente as agressões de que resultou a morte do DD, com ameaças por parte deste, dizendo que a própria vítima o ameaçara com um machado, ameaçando ainda o seu filho, dizendo-lhe que lhe pegaria fogo à sua casa com aquele lá dentro.
Porém, nenhuma das testemunhas viu o DD a ameaçar o arguido com qualquer machado, apesar de algumas delas terem presenciado a discussão que se seguiu ao incêndio ateado pelo arguido, sendo que também nada foi encontrado na posse da vítima que confirmasse tal afirmação do arguido. Acresce que o arguido, de forma algo confusa, referiu também que depois de a polícia ter aparecido, o DD ficou sem tal machado.
E a ameaça que o DD lhe fez, dizendo-lhe que um dia lhe faria o mesmo, incendiando-lhe a casa com o filho lá dentro – facto dado como provado com base nas declarações do arguido e nos depoimentos das testemunhas EE e FF, que o confirmaram – constituiu uma resposta ao facto de o arguido ter acabado de lhe pôr fogo à sua casa, tendo sido dita logo após tal incêndio e quando ambos se encontravam envolvidos numa discussão, atirando pedras um ao outro, sendo que nenhum outro facto se provou que evidenciasse que o DD tinha intenção de pôr em prática tal afirmação, dita num momento de compreensível calor.
O arguido é que não abandonou os seus intuitos criminosos e depois de ter ateado fogo à casa do DD e de a PSP ter comparecido no local acalmando os ânimos, não se afastou do local, permaneceu nas redondezas, vindo ainda a munir-se de uma faca com a qual veio, pouco depois, a desferir vários golpes no corpo do DD, provocando-lhe várias lesões torácicas e cervicais.
Munindo-se de uma faca e indo de seguida ao encontro da vítima, desferindo-lhe de imediato vários golpes, tal comportamento não denota qualquer intuito de defesa por parte do arguido, mas antes a intenção clara deste de pôr fim à vida do DD através da utilização de tal faca».
Apreciando.

I Questão - Aplicabilidade do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos - Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro

- Nulidade do acórdão recorrido


O ora recorrente nasceu em 18 de Fevereiro de 1987, pelo que no dia em que os factos foram cometidos, em 4 de Janeiro de 2008, tinha 20 anos de idade.
De acordo com o artigo 9º do Código Penal «Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial».
Estabelece o artigo 1º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, que «É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos».
Dispõe o artigo 4º do mesmo diploma legal que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal (artigos 72º e 73º após a versão dada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, intocados na revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Refere-se no preâmbulo do citado Decreto-Lei - nº 4 - que “trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”.
Como se assinala no nº 7 do mesmo exórdio: “As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”.

O acórdão recorrido em segmento sob a designação “Da pena abstracta”, pronunciou-se sobre a possibilidade de aplicação do regime em causa, concluindo pelo seu afastamento do modo seguinte:
Na data da prática dos factos, o arguido tinha 20 anos de idade.
Tendo em consideração a idade do arguido, está o mesmo abrangido pelo regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, previsto pelo Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro.
De harmonia com o disposto no artº 4º do referido diploma legal, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artºs 73º e 74º do C. Penal quando tiver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado.
A aplicação deste regime não é obrigatória e automática, sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem, sem ser afectada a exigência de prevenção geral, isto é, a garantia de protecção de bens jurídicos e, por isso, a validade das normas (cfr. Ac. STJ de 08.04.87, in BMJ 366-450, e Ac. do STJ de 15.01.97, in CJ-STJ, Ano V, Tomo I, pág. 182).
Assim, a idade do jovem delinquente só será relevante se for possível um juízo de prognose favorável à sua reinserção social.
No caso concreto, muito embora o arguido tenha confessado, com algumas reservas, o essencial da factualidade julgada provada, dada a elevada ilicitude dos factos, o dolo intenso e persistente com que agiu, a sua conduta posterior aos factos, tendo já sido alvo de três sanções disciplinares no estabelecimento prisional, manifestando o arguido diminuto controlo dos seus impulsos, bem como a circunstância de a sua postura não evidenciar verdadeiro arrependimento, prendendo-se o discurso do arguido mais com as consequências que lhe advieram para si próprio do acto que praticou e não tanto no dano irreversível causado a outrem, entendemos que não existem razões para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a reinserção social do arguido, razão pela qual não se procederá à mesma”.

Há que ver se merece acolhimento a pretensão do recorrente neste aspecto.
Antes, porém, cumpre abordar a invocada nulidade da decisão.
O recorrente invoca uma nulidade do acórdão recorrido nas conclusões 8ª e 9ª, cujo teor, relembre-se, é o seguinte:
8- Não existe no douto Acórdão recorrido fundamentação que afaste a aplicação do Regime Especial para Jovens, encontrando-se, pelo contrário, dado como provados factos que contribuirão de forma decisiva para aplicação desse regime especial.
9 - As circunstâncias agravantes consideradas pelo Colendo Tribunal para o afastamento de qualquer atenuação da pena não têm correspondência com os factos considerados como provados pelo Tribunal a quo o que determina, nesta parte, a nulidade da sentença que desde já se invoca.

O recorrente não especifica exactamente de que nulidade se trata, sendo que não indica nas conclusões, as normas jurídicas violadas, conforme manda o artigo 412º, n.º 2, alínea a), do CPP, limitando-se, aliás, a, no final, referir genericamente o “disposto no Decreto-Lei n.º 401/80, de 23 de Setembro”.
No domínio das nulidades impera o princípio da legalidade, pois como diz o artigo 118º, n.º 1, do CPP «A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei».
No caso em apreço não se verifica qualquer nulidade da decisão recorrida à luz do preceito que regula as nulidades da sentença - artigo 379º do CPP -, pois a mesma contém a enumeração dos fundamentos de facto e não ocorre qualquer omissão de pronúncia, maxime, relativamente à matéria ora questionada.
O acórdão recorrido versou a questão, equacionou a eventual possibilidade de atenuação especial por força do regime penal de jovens adultos, e debruçando-se sobre o caso concreto, tomou posição expressa no sentido de não ter lugar a aplicação do regime em causa, afastando a hipótese de atenuação especial.
No caso, mais do que uma invocação de nulidade da decisão recorrida, o que a posição do recorrente revela e traduz é não mais do que a expressão de divergência com o decidido no acórdão, que se mostra completo e válido.
Conclui-se assim, que não se verifica qualquer nulidade do acórdão recorrido, improcedendo a pretensão do recorrente expressa nas conclusões 8ª e 9ª.

Passemos então à análise da questão do regime especial do Decreto-Lei n.º 401/82, em cuja abordagem seguir-se-á de perto o exposto no acórdão de 04-02-2009, relatado pelo ora relator no recurso n.º 4135/08.

O regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, instituído pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, surge em regulação do imperativo decorrente do artigo 9º do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, da mesma data, sendo um regime datado, entrando aquele diploma em vigor simultaneamente com o Código Penal, com o qual foi articulado, consignando-se no 1º segmento do ponto 4 do preâmbulo que o princípio geral imanente em todo o texto legal era o de maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção de modo a permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos pudesse ser aplicada tão só uma medida correctiva.
Nesta perspectiva foram estabelecidas as estatuições dos artigos 5º e 6º, prevendo medidas tutelares ou correctivas, desde que ao caso correspondesse pena de prisão até dois anos.
Para os casos de a pena aplicada ser superior a esse limite, já não se afasta a possibilidade de aplicação, como ultima ratio, de pena de prisão – n.º 7 do preâmbulo.
Esta diversidade de previsões legais quanto a forma de sancionamento poderá constituir uma achega para a clarificação das posições que vêm sendo assumidas a propósito da aplicação ou afastamento do regime atenuativo especial em causa, não sendo despiciendo para o efeito indagar da quantificação dos casos concretos em que aos jovens condenados, ao longo dos mais de 26 anos de vigência do diploma, foram aplicadas medidas de correcção e a legislação relativa a menores (o Decreto-Lei n.º 314/98, de 27-10 até 2001 e a partir de então as alterações do direito de menores de 1999 – Lei n.º 166/99, de 14-09 e Decreto-Lei n.º 5-B/01, de 12-01, 2º Suplemento).
Tal regime “sucedeu” ao vigente no domínio do Código Penal de 1886, em que relativamente aos jovens com menos de 18 ou menores de 21 anos ao tempo da perpetração do crime, estava prevista redução das molduras penais com abaixamento de grau na escala de penas, de modo que aos primeiros a penalidade mais elevada aplicável era a de 2 a 8 anos e aos segundos de 12 a 16 anos - artigos 107º e 108º.

O regime em causa suscita em alguns pontos alguma controvérsia na jurisprudência.
Desde logo, a caracterização do regime como especial ou geral não é pacífica, sendo disso exemplos, por um lado, os acórdãos de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 213 e de 28-06-2007, processo n.º 1906/07-5ª, em que se refere que o regime penal aplicável a jovens adultos não constitui um regime especial, mas o regime penal geral relativo aos jovens delinquentes, sendo o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, ou ainda o acórdão de 07-11-2007, processo n.º 3214/07-3ª, em que se afirma que no rigor constitui um regime específico e não um regime especial, e por outro, o acórdão de 06-09-2006, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 181, em que é considerado como regime especial que prevalece sobre o regime geral, subsidiariamente aplicável.
Segundo nos parece o instituto previsto no regime penal especial para jovens adultos corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o nº 1 do artigo 72º do Código Penal.
Todos estão de acordo em que a atenuação especial ao abrigo do regime especial dos jovens adultos
- não é de aplicação necessária e obrigatória;
- nem opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente;
- é de conhecimento oficioso;
- a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz,
- mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada;
- de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa,
- havendo a obrigação, ou pelo menos, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação;
- justificando-se a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, devendo ser fundamentada a não aplicação.

A propósito destes pontos podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 01-03-1990, BMJ 395, 210 (o regime não é de aplicação automática em função da idade do agente, devendo ser averiguado casuisticamente); de 15-01-1997, processo n.º 1129/96-3ª CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 182; de 12-06-1997, processo n.º 209/97 - 3ª, BMJ 468, 116; de 17-09-97, processo 504/97-3ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 173; de 28-10-1998, do mesmo relator dos dois anteriores, no processo n.º 887/98-3ª, in BMJ 480, 83 (encarando a não aplicação do DL 401/82 como violação do dever de fundamentação); de 12-06-1997, processo n.º 209/97 - 3ª, BMJ 468, 116; de 18-06-97, processo n.º 357/97-3ª, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 242; de 15-10-97, do mesmo relator do anterior, no processo n.º 383/97-3ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 191; de 07-12-99, processo n.º 1034/99-3ª, CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 234 e BMJ 492, 168; de 12-01-2000, processo n.º 829/99-3ª, CJSTJ 2000, tomo 1, pág. 163; de 02-03-2000, processo n.º 1192/99 - 5ª, SASTJ, nº 39, pág. 63 e BMJ 495, 100; de 14-02-2002, processo n.º 4438/01-5ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 213; de 11-06-2003, processo n.º 1657/03 - 3ª; de 29-04-04, processo n.º 1679/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 177; de 22-09-04 e de 27-10-04, CJSTJ 2004, tomo 3, págs. 159 e 212; de 20-12-2006, processo n.º 3169/06 - 3ª; de 28-06-2007, processo n.º 1906/07 - 5ª; de 28-06-2007, processo n.º 2284/07-5ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 231; de 07-11-2007, processo n.º 3214/07 - 3ª; de 18-02-2009, processo n.º 3775/08-5ª.
As consequências da falta de consideração de aplicação do regime, a sanção para a omissão de pronúncia sobre essa aplicação, conheceram diversos enquadramentos ao longo do tempo.
Para os acórdãos de 15-01-1997, processo n.º 1129/96-3ª, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 182; de 17-09-1997, processo n.º 504/97-3ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 173 e de 28-10-1998, processo n.º 887/98-3ª, BMJ 480, 83, todos do mesmo relator, a falta de consideração de aplicação do regime era encarada como violação do dever de fundamentação; estar-se-ia perante uma falta de fundamentação ou de motivação, que a não ser arguida, estaria sanada.
No acórdão de 12-06-1997, processo n.º 209/97-3ª, BMJ 468, 116, considera-se que a não aplicação do regime especial dos jovens não constituía nulidade, por não enquadrável nos casos referidos no artigo 379º do CPP, podendo constituir, quando muito, erro de julgamento.
Nos acórdãos de 18-06-97 e de 15-10-97, ambos com o mesmo relator, nos processos n.º 357/97 e n.º 383/97, CJSTJ1997, tomos 2 e 3, págs. 242 e 191; de 07-04-1999, processo n.º 24/99; de 02-03-2000, BMJ 495, 100 e de 22-09-2004, processo n.º 1795/04-3ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 159, considera-se que a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso não constitui qualquer omissão de pronúncia por isso não gerando qualquer nulidade da decisão, constituindo antes a omissão de tomada de posição um erro de julgamento, error in judicando e não um error in procedendo, seguindo-se nos dois primeiros acórdãos citados a posição de Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, Junho 1996, pág. 181, sendo que no segundo acaba por anular o acórdão recorrido por não dispor dos factos necessários para aplicação do regime, gerando nulidade por violação do artigo 374º, nº 2, do CPP.
No acórdão de 29-04-04, processo n.º 1679/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 177, foi considerado verificar-se o vício de insuficiência para a decisão de matéria de facto provada, determinando-se o reenvio.
Posteriormente a 1 de Janeiro de 1999, com a entrada em vigor da reforma operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, com a introdução da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 379º, do CPP, deixou de haver dúvidas quanto à cognição oficiosa da nulidade emergente de omissão de pronúncia, considerando-se a partir de então que a não consideração da aplicabilidade do regime constitui nulidade por omissão de pronúncia sobre questão de conhecimento oficioso, sendo de conhecimento oficioso nos termos do artigo 379º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPP. Caso se entenda estar em causa violação do dever de fundamentação, a falta de fundamentação constituirá violação da injunção constante do artigo 374º, n.º 2, do CPP, sendo então a nulidade a prevista na alínea a) do n.º1 do citado preceito.
Neste sentido podem ver-se os acórdãos do STJ de 07-02-1999, processo n.º 1034/99, CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 234 e BMJ 492, 168; de 14-02-2002, processo n.º 4438/01-5ª, CJSTJ 2002, tomo1, pág. 213; de 10-01-2007, processo n.º 1045/06 - 3ª; de 28-02-2007, processo n.º 4686/06 - 3ª; de 16-05-2007, processo n.º 1492/07 - 3ª; de 12-06-2008, processo n.º 3245/07 - 3ª; de 25-09-2008, processo n.º 3858/07 - 5ª; de 29-10-2008, processo n.º 2874/08 - 3ª; de 12-11-2008, processo n.º 3059/08 - 3ª ; de 19-11-2008, processo n.º 3776/08 - 3ª.

Diferenças já existem quanto à consideração, ou não, na análise e ponderação a realizar, da natureza e gravidade do crime e seu modo de execução.
A divergência assenta no conflito que emergirá da consideração da prevalência ou não das exigências de prevenção especial sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídica penal.

No sentido da possibilidade e legitimidade da consideração de prevalência da prevenção geral, tendo por base o que consta do ponto n.º 7 do preâmbulo do Decreto-Lei nº 401/82, ou fazendo uma chamada de atenção para a imposição de um limite às considerações de reinserção social, invocando-se prementes razões de defesa da ordem jurídica, podem ver-se os acórdãos de 20-12-1989, in BMJ 392, 263; de 23-10-1991, processo n.º 41736, BMJ 410, 373; de 12-12-1991, processo n.º 42188, in BMJ 412, 368 (em caso de crime de receptação considerou-se não ser de fazer uso da faculdade de atenuação especial prevista no artigo 4º do DL 401/82, quando é grande o grau de ilicitude dos factos praticados e é grave a sua culpa, na forma de dolo directo); de 23-01-1992, BMJ 413, 244; de 15-01-1997, processo n.º 1129/96-3ª, CJSTJ 1997, tomo1, pág. 182; de 17-09-97, processo n.º 504/97-3ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 173 (após se afirmar que o DL 401/82 tem subjacente uma preocupação de instituição de um direito mais reeducador que sancionador com adopção preferencial de medidas correctivas desprovidas de efeitos estigmatizantes, prevendo-se a atenuação especial da pena de prisão e que tem como nota dominante a predominância de razões de prevenção especial de socialização, adverte que a predominância da consideração da prevenção especial não é bastante para se prescindir do limite da pena necessária à garantia e protecção de bens jurídicos, e por essa via, à da validade da norma que os prevê e tutela; a atenuação da pena não só não opera automaticamente como, mais do que isso, necessário se torna ainda que se tenha estabelecido positivamente que há sérias razões para crer que da atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem); com idêntica argumentação o acórdão de 28-10-1998, do mesmo relator no processo n.º 887/98-3ª, BMJ 480, 83; de 14-04-1999, processo n.º 1409/98-3ª, CJSTJ 1999, tomo 2, pág. 174; de 09-12-1999, processo n.º 933/99, BMJ 492,193; de 02-03-2000, processo n.º 1192/99 - 5ª, BMJ 495, 100; de 30-1-2000, processo n.º 2707/00 - 5ª; de 01-03-2001, processo n.º 107/01 - 5ª; de 9-05-2002, processo n.º 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193 e do mesmo relator de 12-02-2004, processo n.º 218/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 202 (mesmo em caso de prognose favorável, trata-se de erigir, como última barreira, a defesa da ordem jurídica, que em caso algum, pode ser ultrapassada, um pouco à semelhança do que se passa com idêntico juízo de prognose a propósito da suspensão da pena); de 03-04-2003, processo n.º 865/03-5ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 157 (a gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é, pois, indicada pelo legislador como critério a atender); de 27-11-03, processo n.º 3393/03 - 5ª; de 21-10-04, processo n.º 3442/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 192 (em que se assinala que a ressocialização, sendo sem dúvida um dos fins associados à aplicação de qualquer pena só funciona, «se possível», isto é, depois de assegurada a necessária protecção dos bens jurídicos, tal como emerge do disposto no artigo 40º do Código Penal; há um limite que não pode ser ultrapassado - a defesa do ordenamento jurídico); de 18-05-06, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 180; de 28-02-2007, processo n.º 4680/06 - 3ª; de 19-04-2007, processo n.º 620/07 - 5ª; de 16-05-2007, processo n.º 1492/07 - 3ª; de 20-06-2007, processo n.º 2083/07 - 5ª; de 11-07-2007, processo n.º 2047/07 - 3ª; de 31-10-2007, processo n.º 3484/07 - 3ª; de 05-12-2007 processo n.º 3178/07-3ª; de 06-12-2007, processo n.º 2813/07 - 5ª; de 31-01-2008, processo n.º 4573/07 - 5ª (o tribunal antes de proceder à atenuação especial da pena nos termos do artigo 4º do DL 401/82, deve ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável); de 02-04-2008, processo n.º 817/08 - 3ª (a aplicação do regime não pode manter-se à margem da consideração das exigências de prevenção geral e de defesa do ordenamento jurídico); de 09-04-2008, processo n.º 698/08 - 3ª; de 21-05-2008, processo n.º 998/08 - 3ª; de 08-10-2008, processo n.º 589/08 - 5ª; de 05-11-2008, processo n.º 2861/08 - 3ª; de 12-11-2008, processos n.ºs 3059/08-3ª e 3278/08-3ª; de 14-01-2009, processo n.º 3777/08-3ª; de 18-02-2009, processo n.º 100/09-3ª.
Nesta corrente entende-se que razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão precludir o uso e aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Noutra linha jurisprudencial que será de solução de compromisso, com a ponderação adequada das duas finalidades da pena, entende-se que no juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o artigo 4º há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido – neste sentido se pronunciou o acórdão de 01-03-2000, processo n.º 17/00-3ª, in SASTJ, nº 39, pág. 53, CJSTJ 2000, tomo 1, pág. 212, e BMJ 495, 59 (citado nos acórdãos de 9-05-2002, processo n.º 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 12-02-2004, processo n.º 218/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 202; de 29-04-2004, processo n.º 1679/02-5ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 177).
No acórdão de 12-07-2000, processo n.º 1773/00, BMJ 499, 199, defende-se que “São considerações de prevenção especial de socialização que estão na base da situação de atenuação em causa e, por consequência, de reintegração na comunidade, o que é conexo à própria finalidade de protecção dos bens jurídicos, à defesa dos interesses fundamentais da comunidade”. Esclarece que não podem esquecer-se os bens jurídicos tutelados pela incriminação e cuja protecção se insere na finalidade de prevenção geral.

Em sentido diverso, enfatizando a perspectiva de ressocialização, pronunciaram-se os seguintes acórdãos deste Tribunal:
De 10-07-1991, processo n.º 41950, BMJ 409, 387, tendo o acórdão recorrido decidido que a reiteração e gravidade dos factos praticados, bem como a especial intensidade da sua vontade criminosa justificavam a não aplicação do regime previsto no artigo 4º, decidiu o STJ que não é com base neste juízo que será de afastar o preceito, mas no da inexistência de razões sérias para crer que da atenuação não resultam vantagens para a ressocialização do jovem; de 06-09-2006, processo n.º 1916/06-3ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 181, proclamando uma interpretação algo diferente do artigo 4º, conclui que “A gravidade do crime praticado e o grau de ilicitude do facto (…) não podem aqui ser considerados senão para efeitos de medida concreta da pena, depois de achada a moldura aplicável ao caso”; de 15-02-2007, processo n.º 4681/06 - 5ª (a atenuação prevista no artigo 4º funda-se em razões de prevenção especial; contra ela não poderá invocar-se a “gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”; apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de sérias razões para crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção); de 14-06-2007, processo n.º 1423/07-5ª; de 28-06-2007, processo n.º 2284/07-5ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 231, citando acórdãos de 14-11-2002, processo n.º 3117/02 - 5ª e de 04-03-2004, processo n.º 3364/03-5ª (quanto a jovens adultos a finalidade da pena (razões de prevenção especial-reintegração na sociedade) sobrepõe-se à protecção dos bens jurídicos e de defesa social); de 28-06-2007, processo n.º 1906/07 - 5ª (Para negar a atenuação, não basta que se possam colocar reservas à capacidade de ressocialização do jovem. Aliás, «a atenuação especial da pena p. no art. 4.º do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente”, nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige – para que possa operar – a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cf. Ac. do STJ de 27-02-03, Proc. n.º 149/03 - 5.ª). E já que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado» (ibidem). «O que o art. 9.º do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, além do mais, a imperativa atenuação especial (“deve o juiz atenuar”), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando “haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” (art. 4.º do DL 401/82)» (cf. Ac. do STJ de 29-01-04, Proc. n.º 3767/03 - 5.ª); de 24-10-2007, processo n.º 3263/07 - 3ª (o artigo 4º significa que, relativamente aos jovens condenados, a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas, não podendo, portanto, recusar-se a atenuação especial com fundamento na retribuição ou na prevenção geral, cujos interesse deverão ser secundarizados e mesmo postergados se for de concluir que a atenuação especial favorece a ressocialização do arguido); de 14-11-2007, processo n.º 3859/07 - 3ª (em que se considera que não é admissível recusar a aplicação do regime com fundamento na prevenção especial ou na retribuição; o único fundamento legítimo para o fazer é a inexistência de vantagens para a reinserção social); de 23-04-2008, processo n.º 821/08 - 3ª (o artigo 4º faz prevalecer as razões de prevenção especial, na vertente de ressocialização, sobre as restantes finalidades das penas, nomeadamente a prevenção geral).
No acórdão de 07-11-2007, processo n.º 3214/07-3ª, ponderou-se que “As reacções penais relativamente a jovens que praticam factos criminais devem, tanto quanto possível, aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade”.

A ser deferida a atenuação especial prevista no artigo 4º do DL 401/82 terá a medida premial de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72º e 73º do Código Penal, que constituem apoio subsidiário do regime ali previsto, estando-se perante uma situação de atenuação especial fora da cláusula geral do artigo 72º - cfr. acórdão de 12-07-2000, BMJ 499, 199.
Estabelece o nº 1 do artigo 72º do Código Penal na redacção dada ao diploma pela 3ª alteração – Decreto-Lei nº 48/95, de 15-03 – e mantido inalterado pela 23ª alteração, introduzida pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
O nº 2 do referido preceito elenca algumas das circunstâncias, exemplos - padrão, que podem ser consideradas para o efeito consignado, a saber:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Em anotação a este artigo Leal - Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, I, consideram: “Seguiu-se neste art. 72º o caminho de proceder a uma enumeração exemplificativa das circunstâncias atenuantes de especial valor, para se darem ao juiz critérios mais precisos de avaliação do que aqueles que seriam dados através de uma cláusula geral de avaliação”.
A verificação dos índices previstos exemplificativamente no n.º 2 poderão ancorar a formulação de um juízo de prognose favorável, de modo a concluir-se pela existência das sérias razões a que alude o artigo 4º.

Pressuposto material da atenuação da pena, autónomo ou integrado pela intervenção valorativa das situações exemplificativamente enunciadas, é a acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção.
A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto resultante da actuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
As diferenças de campo de aplicação nas duas previsões, na vertente faculdade/obrigatoriedade de aplicação do benefício, esbateram-se a partir de 01-10-1995, pois que dantes, enquanto à faculdade ou possibilidade de atenuação à luz do artigo 73º do Código Penal de 1982 - “o tribunal pode atenuar” - correspondia uma injunção nos termos do artigo 4º do DL 401/82 - “deve o juiz atenuar especialmente a pena” -, actualmente, nos termos do artigo 72º do Código Penal, “o tribunal atenua especialmente a pena ”.
A diferença substancial entre os dois regimes será marcada pelo facto de, como resulta do artigo 4º, fundando-se o regime penal especial em razões de prevenção especial, a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas, enquanto na medida prevista no Código Penal, a aplicação de moldura mais benevolente assenta na existência de circunstâncias que tenham por efeito a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.

Revertendo ao caso concreto.

Como se viu, sendo obrigatória a ponderação da aplicação do regime especial – e no caso essa ponderação teve lugar, como se afirmou acima - já não o será a sua efectiva aplicação, desde logo porque não é automática, não sendo um mero resultado do factor idade.
Há convergência na afirmação de que o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, em cada caso concreto, da globalidade da actuação e da situação do jovem, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime, colocando-se as divergências no plano da consideração ou não da natureza e gravidade do crime.
Neste tipo de apreciação há que ter em consideração as circunstâncias do caso concreto, começando por assinalar-se as razões por que se determinou a conduta do recorrente.
Como se refere nos acórdãos de 17-10-2007, processo n.º 3495/07-3ª, de 16-01-2008, processo n.º 4837/08-3ª, de 20-02-2008, processo n.º 211/08-3ª e de 05-11-2008, processo n.º 2861/08-3ª, a avaliação das vantagens da atenuação especial para a reinserção especial do jovem tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida e não perante considerações vagas e abstractas desligadas da realidade.
A atenuação tem de emergir de um julgamento do caso concreto que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção.
Como dizia José António Barreiros, A ressocialização e o processo penal, in “Cidadão delinquente: reinserção social?”, edição do IRS, 1983, págs. 104 e sgs., a propósito do Decreto-Lei n.º 401/82, o diploma na sua concretização pressupõe necessariamente o detalhado conhecimento da individualidade comportamental do agente.
Na expressão do acórdão do STJ de 21-03-1984, BMJ 335, 236, para ajuizar das vantagens que da atenuação podem resultar para a reinserção social, torna-se, fundamentalmente, preciso reconstituir a personalidade e a ambiência ou «milieu» do agente criminal.
A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais, que objectivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização.
A aplicação do regime especial encontrará dificuldades nos casos em que não haja assunção pela prática dos factos e o convencimento do julgador do sincero arrependimento e do determinado comprometimento do arguido em não reincidir, o que terá de passar pelo crivo de um mínimo de credibilidade.

O acórdão recorrido fundamentou a inaplicação do regime, para além da elevada ilicitude dos factos e do dolo intenso e persistente com que o arguido agiu, na conduta posterior aos factos, tendo sido alvo de três sanções disciplinares no estabelecimento prisional, com o que manifestou o arguido “diminuto controlo dos seus impulsos, bem como a circunstância de a sua postura não evidenciar verdadeiro arrependimento, prendendo-se o discurso do arguido mais com as consequências que lhe advieram para si próprio do acto que praticou e não tanto no dano irreversível causado a outrem”.
Nesta análise há que considerar o quadro de vida do arguido, a sua vivência pessoal e familiar e o relacionamento com a vítima, ambos vivendo em bairro socialmente degradado da cidade de Lisboa, sendo frequentes os desentendimentos entre ambos ao longo do último ano, com várias discussões e agressões físicas mútuas, como resulta dos pontos de facto provados n.º s 2 e 3.
Haverá que integrar o sucedido na sua globalidade, olhando a todos os factos que ocorreram naquela noite, com o incêndio da casa da vítima, a discussão e as agressões entre o arguido e a vítima, a intervenção da PSP e o facto de, após a polícia se retirar, o arguido não se ter afastado, mantendo-se no local, munindo-se entretanto da faca, esperar pelo DD e atacá-lo armado, desferindo repetidos golpes na cabeça, pescoço e tórax, só parando quando aquele caiu ao chão.
Diversamente do que alega o recorrente nas conclusões 4ª e 6ª, o mesmo não confessou os factos integralmente e sem reservas, caso em que o facto seria consignado em acta, o que não aconteceu, como se vê da acta de julgamento de fls. 419/420.
O arguido confessou, com algumas reservas, os factos julgados provados, como provado ficou no ponto de facto n.º 50, tendo sido consignados os exactos contornos que assumiram as declarações do arguido em julgamento, como melhor se pode ver do excerto da motivação que consta acima, sendo certo que na discussão do direito se refere afigurar-se a confissão, embora não integral, como relevante.
Nas conclusões 4ª, 6ª e 16ª, invocando arrependimento, o recorrente pretende lançar mão do que alegadamente terá dito em audiência, mas que não encontra reflexo no texto do acórdão, no seio do que provado ficou. A referência feita tem a mais a ver com os reflexos negativos que a sua conduta teve para si próprio e não propriamente como assunção do desvalor dos seus actos, pela percepção e interiorização do dano irreversível que causou.
O arrependimento, a não ter tradução em actos objectivos e ficando-se apenas por mera afirmação verbal, por atitudes, ou meras declarações demonstrativas, pouca relevância tem, e muito menos para a atenuação especial.
Neste particular, o consignado pelo tribunal a propósito da postura do arguido, no sentido de que “a sua postura não evidenciara verdadeiro arrependimento”, expressão contra a qual se insurge o recorrente, corresponde ao que terá emergido da proximidade e da imediação do julgamento e à convicção dos julgadores, que não pode aqui ser sindicada.
Deverá ter-se em conta a primariedade do recorrente - facto provado n.º 52.
Do quadro global da situação concreta do arguido resulta que este não é merecedor de tratamento penal especializado.
O caso concreto não abona qualquer facto que possa suportar um juízo de prognose favorável à reinserção social do jovem recorrente, de modo a concluir que se esteja face a fortes razões, “sérias razões”, que levem a crer que da aplicação da moldura atenuada e mais benevolente resultante da atenuação possa resultar vantagem para a sua reinserção social.
Os poucos factos colhidos – o que foi extraído do relatório social e vertido no ponto de facto provado n.º 51, não propriamente rico em informações, resultou, aliás, em exclusivo, de entrevistas com o arguido - não tornam viável a afirmação de tal conclusão, pois não ficaram provados factos demonstrativos da interiorização do desvalor da conduta, não sendo possível formular um juízo ou ter uma expectativa optimista sobre a personalidade do recorrente. Pelo contrário, patente ficou o carácter refractário à disciplina prisional, atentas as sanções sofridas.
Em casos graves e com contornos de violência, como o presente, não se vê como pode o julgador alhear-se da gravidade do comportamento ajuizado, não podendo olvidar-se que estamos perante um homicídio qualificado, por produzido em circunstâncias que revelam especial censurabilidade e perversidade do agente, e face a esta qualificação, que tem como fundamento agravação da culpa, uma culpa mais grave, como se poderá compaginar um quadro com tais contornos com a necessária culpa mitigada que deve ancorar a solução de atenuação, em geral, e no que se reporta à situação dos jovens, com a existência de razões sérias, que possam projectar um futuro conforme ao direito, com a completa subalternização da consideração daqueles parâmetros.
Não pode deixar de atender-se à muito elevada ilicitude da conduta plural do arguido naquela noite de Janeiro de 2008, com comportamentos sucessivos, começando pelo perigo criado com o incêndio da habitação do DD, a que se seguiu a obtenção da arma e finalmente as múltiplas facadas em zonas vitais, tudo a demonstrar uma culpa intensa, não sendo caso em que se possa entender e defender a sobreposição do direito reeducador ao direito sancionador, da finalidade ressocializadora aos demais fins das penas.
Em dois casos muito recentes o STJ afastou a atenuação especial, “ex vi” do regime especial do Decreto-Lei n.º 401/82, em situações de homicídio qualificado, o que aconteceu nos acórdãos de 18-02-2009, processo n.º 100/09-3ª e de 12-03-2009, processo n.º 3773/08-5ª.
A idade do arguido será assim de considerar na determinação da pena como atenuante geral.
Concluindo: no caso não se postulam sérias razões para acreditar que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do recorrente.
Nestes termos, entende-se não ser caso de atenuar especialmente a pena, nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, improcedendo esta pretensão do recorrente.

II Questão – Medida da pena

Como referimos supra é de entender a discordância sobre a medida da pena como incluída na impugnação, face ao que consta da conclusão 1ª.
As penas aplicadas pelos crimes de incêndio e de detenção da arma proibida são de manter, porque irrecorrível a decisão quanto a estas penas, face ao disposto no artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção actualmente em vigor.
Vejamos se é de manter ou reduzir a pena aplicada pelo homicídio qualificado.

A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o nº 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375º, nº 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368º, e aquela prevista no artigo 369º, com eventual apelo aos artigos 370º e 371º do CPP).
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09, deixou intocado como de resto aconteceu com o citado artigo 40º), estando vinculado aos módulos/critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação da medida da pena (artigo 375.º, n.º 1, do CPP) visa justamente tornar possível o controlo – total no caso dos tribunais de Relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das Relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.
Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, p. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril/Junho de 2002, pág. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E termina: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Volvendo ao caso concreto.

O acórdão recorrido, após afastar a hipótese de atenuação especial decorrente do regime especial nos termos supra transcritos, relativamente a medida da pena, pronunciou-se nestes termos:

« (...) Com a previsão do artº 131º do C. Penal, protege-se o bem jurídico vida, como fundamento primeiro da culpa criminal, o seu principal valor axiológico, aquele que a nível individual se tem por mais sagrado e, por natureza, irreversível.
O acto de matar não deixa qualquer possibilidade de regresso, constituindo a única conduta verdadeiramente irreparável.
Com a sua conduta, o arguido inviabilizou, em definitivo, aos 26 anos de idade, qualquer oportunidade de vida ao DD.
É esta irreversibilidade do acto de matar que confere um enorme desvalor ao resultado, sendo de extrema gravidade o ilícito cometido pelo arguido.
Por outro lado, o crime de homicídio foi cometido de uma forma brutal, através da utilização de um meio particularmente perigoso e direccionado para uma zona vital do corpo humano, não se bastando o arguido com um só golpe, golpeando a vítima várias vezes, com uma faca com 17,5 cm de lâmina, provocando-lhe um maior sofrimento, sendo manifesta a posição de superioridade do arguido, atento o recurso ao instrumento em causa.

O dolo é intenso, directo, acentuado pela ponderação e utilização de um objecto letal e pela persistência na acção criminosa.
O acto revela-se gratuito, sem circunstâncias razoavelmente explicativas, revelando personalidade fria e violenta do arguido.
O crime de homicídio, como todos os crimes violentos, pelo assustador aumento da sua frequência e das motivações e gratuitidade dos mesmos, geram hoje profunda repulsa social, que não pode deixar de se considerar, embora sempre no estrito respeito dos limites da pena.
(…)
De valorar também a confissão do arguido que, embora não sendo integral, se afigurou relevante, bem como a circunstância de o arguido, embora dizendo-se arrependido, não ter evidenciado verdadeira interiorização do desvalor das suas condutas.
Por fim, importa ter em consideração a ausência de antecedentes criminais do arguido, o que releva a seu favor, bem assim como as suas condições económicas e pessoais, designadamente a sua juventude, a qual constitui uma atenuante geral”.

Face ao que foi dito pouco mais se adiantará.

A reter que no caso presente é elevadíssimo o grau de ilicitude do facto, atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido.
A atender o grau de culpa, com elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo.
E o modo de execução, com utilização de arma branca, tendo o arguido actuado com insistência, revelada pelo número de golpes e diversidade de zonas atingidas, só parando quando a vítima caiu ao chão.
São intensas as necessidades de prevenção geral.
Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância.
O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo o crime a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana - artigo 24º da Constituição da República – estando-se face à mais forte tutela penal, sendo a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito.
Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”.
O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.
Nos termos do artigo 2º, n.º 1, 1ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.
A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição.
Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
Versando a forte necessidade de prevenção geral no acórdão do STJ, de 17-03-1994, in BMJ 435, 518, dizia-se: pode afirmar-se sem exagero que o homicídio voluntário se banalizou, constituindo, com o tráfico de droga, o tipo de ilícito que este Supremo Tribunal mais vem julgando ultimamente.
Como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, processo 1583/07-3ª, a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes.
Trata-se de crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada.
Está-se face a caso de criminalidade violenta, mediante o recurso a instrumento perigoso, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral.
No que toca a prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma como actuou, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização.
Como refere Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.
Teremos a considerar ainda as atenuantes já assinaladas, com relevo para a idade, a vivência e as condições pessoais do arguido expressas nos factos provados.
Cabe aqui referir que no que respeita à utilização da arma o acórdão recorrido incorreu em dupla valoração quanto ao uso da faca, integrando essa utilização a qualificativa da alínea h) do n.º 2 do artigo 132º do Código Penal, e do mesmo passo, integrando o crime de detenção de arma proibida, por que foi o arguido igualmente condenado, pelo que será de considerar a existência de apenas uma das qualificativas ou exemplos-padrão constantes das alíneas do n.º 2 referido, mais concretamente, a reportada à qualificativa da frieza de ânimo.
Nestas condições e tendo em conta todo o exposto, cremos que será de reduzir a pena aplicada pelo homicídio qualificado, que atenta a moldura penal abstracta a ter em conta, de 12 a 25 anos de prisão, se fixa em 16 anos de prisão, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrido.


Medida da pena única

A moldura abstracta da pena do concurso é de 16 (dezasseis) anos a 20 (vinte) anos e 3 (três) meses de prisão (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal).
Considerando os factos supra descritos, a natureza dos bens jurídicos violados, resultando evidente a conexão entre as infracções, a proximidade temporal das condutas, tudo se passando na mesma noite, sendo que a arma ilegalmente detida foi utilizada como instrumento do crime de homicídio, tudo se seguindo ao incêndio, tratando-se de comportamentos levados a cabo num mesmo contexto, a forma intensa de dolo no homicídio, procedendo a uma avaliação da gravidade do ilícito global e a personalidade do arguido evidenciada pelas condutas analisadas, atendendo a que a prática dos factos revela desconformidade aos valores tutelados pelo direito, embora não sendo de reconduzi-la a uma tendência desvaliosa, mas antes dentro de um quadro de acidentalidade de cometimento, procedendo-se a uma ponderação da gravidade do ilícito global, e usando de um factor de compressão superior ao utilizado em 1ª instância, fixa-se a pena conjunta em 17 anos de prisão, que não se mostra desproporcional nem contrária às regras da experiência.

Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar o recurso improcedente, no que toca à atenuação especial decorrente do regime especial de jovens adultos, e procedente, no que toca à medida da pena aplicada pelo homicídio qualificado, que é reduzida para 16 anos, e em consequência, reformulando a pena conjunta, fixar a pena única/conjunta em 17 anos de prisão.
Custas pelo recorrente, face ao decaimento no recurso, nos termos dos artigos 513º, n.ºs 1, 2 e 3 e 514º, n.º 1, do CPP (na redacção anterior à que lhes foi dada pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro – Regulamento das Custas Processuais - com as alterações introduzidas pelo artigo 156º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, uma vez que de acordo com o artigo 27º daquela Lei, o novo regime de custas processuais só é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009), fixando-se a taxa de justiça em 5 unidades de conta.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 29 de Abril de 2009

Raul Borges (Relator)
Fernando Fróis