Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S4754
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
NULIDADE DO CONTRATO
CONVERSÃO DO NEGÓCIO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200503160047544
Data do Acordão: 03/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 437/03
Data: 07/13/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Não é de qualificar como contrato de trabalho, mas sim como contrato de prestação de serviços, a relação jurídica estabelecida entre um professor e uma Escola Profissional de Música, se aquele estava colectado nas finanças como profissional liberal, se estava inscrito na segurança social como trabalhador independente, se dava quitação das importâncias recebidas através do chamado "recibo verde", se não tinha que justificar as faltas, se não gozava férias nem recebia subsídio de férias nem de Natal, se a retribuição lhe era paga em função do número de aulas lectivas efectivamente dadas, se simultaneamente prestava idêntico serviço a outra entidade, se havia contratos escritos que as partes haviam denominado de "contratos de prestação de serviços", se o número de aulas semanais era reduzido (entre 6 e 10) e podia ser alterado pela Escola em função do número de alunos inscritos e se, contrariamente ao alegado por ele, não ficou provado que estivesse sujeito a um horário de trabalho unilateralmente fixado pela Escola.

2. A eventual nulidade do contrato de prestação de serviços, pelo facto de a lei não admitir a celebração desse tipo de contratos pelas Escolas Profissionais de Música privadas não determina a sua conversão em contratos de trabalho.

3. Em caso de dúvida acerca da natureza do contrato, a acção proposta pelo trabalhador, em que a causa de pedir é a existência de um contrato de trabalho, terá de improceder, dado que sobre ele recaía o ónus de provar os factos dos quais se pudesse concluir com segurança sobre a existência do referido contrato.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" propôs a presente acção no tribunal do trabalho de Évora contra B, pedindo que a ré fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe a importância de 4.823.427$50 acrescida de juros de mora e das remunerações que se vencerem até à decisão final, sendo 1.486.332$50 de retribuições relativas ao período de 15 de Julho a 30 de Setembro dos anos de 1996 a 1999, 594.533$00 de subsídios de férias referentes aos anos de 1996 a 1999, 662.566$00 de subsídio de Natal referentes aos anos de 1995 a 1999 e 2.079.996$00 de retribuições já vencidas após o despedimento.

Em resumo, alegou que foi admitido ao serviço da Escola Profissional de Música de Évora, propriedade da ré, em 1 de Outubro de 1995, desempenhando desde então as funções d professor de música, sob as ordens, direcção e autoridade da ré, no âmbito de um contrato de trabalho que a ré fez cessar ilicitamente por carta de 31 de Julho de 2000. Alegou ainda que a ré nunca lhe pagou a retribuição referente aos períodos de 15 de Julho até final de Setembro, o mesmo acontecendo com os subsídios de férias e de Natal.

A ré contestou alegando que o contrato celebrado não era um contrato d trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços e que tinha denunciado o contrato por caducidade, uma vez que o autor não tinha habilitações profissionais para leccionar a disciplina que estava a leccionar (contrabaixo).

Realizado o julgamento, a M.ma Juíza proferiu sentença, julgando a acção totalmente improcedente, com o fundamento de que o contrato não era de trabalho, tendo condenado o autor como litigante de má fé.

O autor recorreu, mas só obteve sucesso no que toca à litigância de má fé.
Inconformado, interpôs, então, o presente recurso de revista, tendo concluído as suas

alegações da seguinte forma:
«1. O A. intentou contra a R. impugnando o despedimento de que fora alvo por carta da R. datada de 31 de Julho de 2000 e com produção de efeitos no inicio do ano escolar seguinte;

2. Procedendo- se a julgamento, foi proferida sentença que considerou a acção improcedente porquanto entre as partes vigorava um contrato de prestação de serviços uma vez que:
a) A R. sempre pagou ao A. contra a entrega de "recibos verdes" e sem efectuar descontos para a Segurança Social;
b) Na declaração apresentada para concessão de apoio judiciário é o próprio A. que refere expressamente que é trabalhador independente;
c) Desde 1992 o A. está colectado como trabalhador independente;
d) O contrato entre A. e R. sempre vigorou sobre a forma de um contrato de prestação de serviços ao longo de 5 anos;
e) Não existia subordinação jurídica não auferindo o A. qualquer retribuição da R. durante o período de férias e não lhe sendo pagos subsídios de férias e de Natal;
f) Não resultou sequer provado que o A. tivesse um horário de trabalho mas somente que prestava 8 horas semanais não se sabendo sequer a quem incumbia a repartição do tempo.

3. Está provado nos autos que o A. foi admitido ao serviço da Escola Profissional de Música de Évora para leccionar a disciplina de contrabaixo com um horário de docência de 8 horas semanais, situação contratual que se mantinha desde 25 de Setembro de 1995 e a que a R. pôs termo por carta datada de 31 de Julho de 2000.

4. Está provado também que a R. adquiriu a propriedade daquela Escola Profissional por autorização provisória que lhe foi concedida em 31 de Agosto de 1999 (Doc. a fls. 27 dos autos);

5. À data de admissão do A. vigorava o Dec.-Lei 70/93 de 10 de Março que estabeleceu o regime aplicável às Escolas Profissionais constatando- se desse diploma que os cursos dados pelas Escolas Profissionais obedecem a contratos programa estabelecidos com o Ministério da Educação e têm de ser aprovados por este quer no que toca à estrutura curricular quer quanto aos sistemas de avaliação, quer quanto ao plano de actividades da Escola - arts. 8°, 12° e 18° do diploma legal citado.

6. Quer isto dizer que os docentes não são autónomos no exercício da sua função, tendo que se confinar com a estrutura curricular dos cursos e seguir o plano de actividades da Escola.

7. Para esse efeito torna- se necessária a existência de uma subordinação jurídica sem a qual a actividade docente não pode cumprir as regras estabelecidas pelo diploma legal citado e é por essa razão que o art. 16°, n° 1, desse mesmo Dec.- Lei impõe que a contratação de pessoal pelas Escolas Profissionais seja feita ao abrigo de contratos individuais de trabalho.

8. É verdade que a norma do n° 2 desse mesmo artigo também admite a celebração de contratos de prestação de serviços para admissão de pessoal, mas limitava a possibilidade da existência de contratos de prestação de serviços a situações de carácter excepcional e para satisfação de necessidades transitórias, o que não era visivelmente o caso do A. que desempenhou funções lectivas de forma ininterrupta na R. ao longo de 5 anos.

9. O Dec.- Lei 4/98, de 8 de Janeiro, veio modificar o regime jurídico das Escolas Profissionais deixando de se admitir a celebração de contratos de prestação de serviços na contratação de pessoal nas Escolas Profissionais privadas e só se admitindo esse tipo de contratação de pessoal nas Escolas Profissionais públicas - art. 26°, n° 3, deste último diploma.

10. Deste modo, quer pela natureza da função a desempenhar, quer pela imposição que por essa razão decorre do regime legal das Escolas Profissionais, nunca a situação contratual do A. poderia configurar um contrato de prestação de serviços como decidiu a decisão de 1.ª instância e foi confirmado pelo Acórdão recorrido.

11. E todos os aspectos exteriores que podiam servir para caracterizar a existência de um contrato de prestação de serviços, tais como a existência de "recibos verdes", a falta de descontos e de pagamentos de subsídios demonstram antes situações de incumprimento pela R. no âmbito de um falso contrato de trabalho autónomo.

12. E admitido que está o despedimento do A. pela R. há que considerá-lo ilícito nos termos peticionados e a R. ser condenada a indemnizá-lo de acordo com a opção exercida por este.

13. O Acórdão recorrido ao confirmar a sentença de 1.ª instância que decidiu que a relação jurídica vigente entre o A. e a R. era a emergente de um contrato de prestação de serviços violou o art. 1° do Dec.-Lei 49408, o art. 1.152° do Código Civil, os arts. 8°, 12°, 16° e 18°, do Dec.-Lei 70/93, e o art. 26°, n.º3, do Dec.-Lei 4/98 e o art. 456° do Código de Processo Civil.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando- se o Acórdão
recorrido na parte em que dele se recorre e dando-se procedência à acção, como é de direito e é
de inteira JUSTIÇA.»

A ré não contra-alegou e a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Vem dados como provados, sem impugnação, os seguintes factos que cumpre acatar, por não ocorrer nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art. 722 e no n.º 3 do art. 729 do CPC:
1. A R. é uma pessoa de utilidade pública que se dedica ao ensino da música.

2. O A. foi admitido ao serviço da Escola Profissional de Música de Évora, propriedade da R., mediante a celebração dos contratos juntos aos autos a fls. 29 a 36, denominados "contrato de prestação de serviços" e outorgados respectivamente em 25/9/1995, 23/9/1996 e 29/9/1997, para leccionar 8 horas semanais a disciplina de contrabaixo, mantendo-se igualmente no ano lectivo de 1999/2000 por acordo verbal a leccionar a referida disciplina.

3. Por carta datada de 31/7/2000, a R. comunicou ao A. que prescindia da sua colaboração a partir do próximo ano escolar.

4. Desde a sua admissão nunca foi pago ao A. qualquer quantia monetária correspondente ao período que decorre de 15/7 até ao final de Setembro, nem pagos quaisquer montantes referentes a subsídios de férias e de Natal.

5. A R. é proprietária da escola Profissional de Música de Évora.
6. A Escola Profissional veio à propriedade da R. por via da autorização prévia de funcionamento n° 12, emitida pelo Ministério da Educação, em 31/8/1999, conforme dos. junto aos autos a fls. 27, que aqui se dá por reproduzido.

7. No ano lectivo de 1999/2000, o A. leccionava a disciplina de contrabaixo, disciplina esta pertencente ao grupo Instrumento.

8. Para leccionar a referida disciplina é necessário ser titular de frequência de 3.º ano de um curso de licenciatura ou bacharelato que constituía habilitação própria ou profissional, com aproveitamento na disciplina de instrumento do 2.º ano; o A. tem como habilitações académicas o 2.º ano do curso complementar dos liceus e como habilitações profissionais o curso de contrabaixo do Conservatório Nacional.

9. Os alunos a quem o A. ministrava a disciplina de contrabaixo passaram, no ano lectivo seguinte, para o professor C, que à data era colaborador da R..

10. O A. desde 1992, data em que efectuou o exame final no Conservatório Nacional, sempre trabalhou como profissional liberal, encontrando-se colectado na Repartição de Finanças como profissional liberal.

11. O A. leccionou simultaneamente no ano lectivo de 1999/2000 na R. e no Conservatório do Algarve, onde emite igualmente recibos verdes como quitação das verbas recebidas.

12. Na declaração prestada a propósito do pedido de apoio judiciário, o A. refere expressamente que é trabalhador independente.

13. O A. deu quitação à R. das verbas recebidas para pagamento das horas leccionadas através de recibo verde.

14. O A. nunca esteve sujeito à retenção de descontos da Segurança social por parte da R..

15. A R. sempre entregou ao A. uma declaração de montantes percebidos por este enquanto profissional liberal, para o a. poder elaborar e entregar a sua declaração de rendimentos como trabalhador independente.

16. A R. nunca marcou férias ao A. nem lhe remunerou o período de interrupção de aulas de férias dos alunos.

17. A R. pagou ao A. as quantias correspondentes às aulas efectivamente leccionadas por aquele e nunca lhe exigiu que justificasse as faltas ao serviço.

18. No ano de 1995/1996 o valor de 1.247$00 hora/diária, sendo certo que recebeu da R. o valor de 4.202$00 hora/diária, uma vez que emitiu recibos no valor total de 1.256.400$00.

19. No ano de 1996/1997 o valor de 1.303$50 hora/diária, sendo certo que recebeu da R. o valor de 4.055$00 hora/diária, uma vez que emitiu recibos no valor total de 993.600$00.

20. No ano de 1997/1998 o valor de 1.340$00 hora/diária, sendo certo que recebeu da R. o valor de 4.051$00 hora/diária, uma vez que emitiu recibos no valor total de 1.162.800$00.

21. No ano de 1998/1999 o valor de 1.375$00 hora/diária, sendo certo que recebeu da R. o valor de 4.047$00 hora/diária.

22. No ano de 1999/2000 o valor de 1.417$50 hora/diária, sendo certo que recebeu da R. o valor de 5.065$00 hora/diária.

23. No ano de 2000 o a. auferiu o montante das importâncias referidas na declaração de rendimentos junta a fls. 49 a 52, relativas a rendimentos de trabalho de trabalho auferidos em actividades exercidas pelo A..

3. O direito
O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se o contrato celebrado entre as partes deve ser considerado como contrato de trabalho (tese do recorrente) ou como contrato de prestação de serviços (tese da recorrida e das instâncias).

Como é sabido, o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica que só no primeiro existe e que mais não é do que a relação de dependência em que o trabalhador se encontra perante o empregador relativamente ao modo de prestar a actividade a que se obrigou. De facto, ao contrário do que acontece no contrato de prestação de serviços, em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado, ficando fora do objecto do contrato a actividade que ela terá de desenvolver para obter esse resultado, no contrato de trabalho o que está em causa é a própria actividade em si, isto é, é a disponibilidade da força de trabalho que uma das partes se obriga a prestar "sob a autoridade e direcção" da outra que constitui o próprio objecto do contrato. "Autoridade e direcção" que perfeitamente se compreendem, uma vez que estamos perante uma obrigação de meios (não de resultado) que visando naturalmente a obtenção de certos resultados, serão os resultados que a pessoa a favor da qual a actividade é prestada (o empregador) livremente se propuser alcançar e não resultados contratualmente determinados, como acontece no contrato de prestação de serviços.

Como diz Monteiro Fernandes (1), no contrato de prestação de serviços, ao contrário do que acontece no contrato de trabalho, "o processo conducente à produção do resultado, a organização dos meios necessários e, desde logo, a ordenação da actividade (trabalho) que o condiciona, estão, em princípio, fora do contrato, não são vinculados, mas antes determinados pelo próprio fornecedor do mesmo trabalho. É claro que, em última análise, tais contratos se traduzem numa alienação de trabalho (o que, justamente, se incorpora no resultado devido) - só que esse trabalho não é dominado e organizado pelo beneficiário final (que apenas controla o produto), e sim por quem o fornece: trabalho autónomo, portanto."

No plano teórico, é fácil, pois, a distinção entre trabalho autónomo (típico do contrato de prestação de serviços) e trabalho subordinado (típico do contrato de trabalho).

É no plano prático que as dificuldades surgem com bastante frequência e tal acontece não só porque a subordinação jurídica é um conceito jurídico, mas também porque, depois da crise petrolífera dos anos setenta e das mutações económicas e sociais ocorridas nas duas últimas décadas do século XX, o modelo tradicional de relação de trabalho dependente tem sofrido várias mutações, para que têm contribuído fenómenos como a terciarização da economia, a desmaterialização do trabalho (de que é exemplo o teletrabalho), a fácil deslocação dos trabalhadores em particular na União Europeia e o surgimento de uma nova estrutura empresarial, que tende a reduzir o número de trabalhadores dependentes, através do recurso a serviços externos (outsourcing) (2).

A par disso, acontece que a clássica distinção entre trabalhadores dependentes e profissionais liberais (médicos, advogados, arquitectos, engenheiros, etc.) está hoje muito esbatida, não só porque é frequente encontramos actualmente profissionais liberais a prestarem a sua actividade sujeitos à disciplina do contrato de trabalho, a que alguns chamam de proletarização das profissões liberais (3), mas também porque tem havido um crescimento significativo de empresários em nome individual que prestam múltiplos serviços às empresas, que anteriormente eram desempenhados por trabalhadores subordinados, mostrando os novos modelos contratuais no Direito Comercial (contratos de agência e franquia (franchising), por exemplo) que as tarefas desempenhadas por trabalhadores dependentes são, cada vez mais, desenvolvidas por trabalhadores independentes (4) .

As dificuldades da distinção acrescem, ainda, face ao crescente número de contratos
atípicos (repositor de supermercados, por ex. (5) e ao número de crescente de profissões que tanto podem ser exercidas com autonomia como mediante contrato de trabalho. É o que acontece, entre outras, com o jornalista, o modelo publicitário, o guia turístico, o transportador e os professores. E avolumam-se também quando em causa estão actividades que são exercidas com grande autonomia técnica, uma vez que a subordinação jurídica pode existir sem haver dependência técnica, sendo certo que hoje é grande o quadro o quadro de profissões em que a autonomia técnica é quase absoluta (veja-se o que acontece nas profissões ligadas à informática, por exemplo).

Para resolver as dificuldades de qualificação do contrato, a doutrina recomenda e a jurisprudência tem utilizado (6) o chamado método indiciário que consiste em averiguar, na situação concreta em apreço, da existência dos indícios da subordinação jurídica que, uma vez recolhidos, permitirão formular um juízo global sobre todos eles, que, com o diz Monteiro Fernandes (7), não será um juízo subsuntivo, mas antes um "mero juízo aproximação entre dois "modos de ser" analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação." Os indícios a atender mais não são do que o conjunto de características que a subordinação jurídica em estado puro assume no modelo prático, segundo o id quid plerumque accidit. Isto é, são um conjunto de factos, de elementos, que normalmente andam associados àquela subordinação, traduzindo-se em emanação da sua existência.

Será em função do número e da intensidade dos elementos (indícios) recolhidos na situação concreta a qualificar que avançaremos para a qualificação do contrato, consoante a maior ou menor correspondência e, consequentemente, consoante a maior ou menor proximidade que exista entre o conceito-tipo de subordinação e a situação real em apreço.
No elenco dos indícios de subordinação merecem especial destaque os que dizem respeito ao chamado "momento organizatório" da subordinação (indícios negociais internos), quais sejam: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, o tipo de remuneração, o recurso ou não a colaboradores, propriedade dos bens ou utensílios utilizados, o direito a férias e a repartição do risco. E atende-se, ainda, a determinados indícios de carácter formal e externo (indícios negociais externos), como sejam o regime fiscal a que o prestador da actividade está sujeito, o regime de segurança social em que está inscrito, se presta a actividade a mais do que um beneficiário e a sua eventual filiação sindical (8) e à designação que as partes atribuíram ao contrato.

Revertendo, agora, ao caso em apreço, constatamos que o autor foi admitido ao serviço da ré em 1995, mediante a celebração de um contrato que as partes designaram por "contrato de prestação de serviços", com início em 25 de Setembro de 1995 e termo em 15 de Julho de 1996: Em 1996, as partes celebrar novo contrato a que foi deram a mesma denominação, com início em 23 de Setembro de 1996 e termo em 15 de Julho de 1997. Em 1997, celebraram outro contrato, com a mesma designação, com início em 29 de Setembro de 1997 e termo em 15 de Julho de 1998 e em 1998, voltaram a celebrar outro contrato com aquela denominação, com início em 1 de Outubro de 1998 e termo em 20 de Julho de 19999 (vide fls. 29 a 36 dos autos).

Todos esses contratos ficou consignado que o autor, ora recorrente, obrigava-se a prestar à ré serviços na área do ensino da disciplina de Contrabaixo. Em cada contrato foi estabelecido um número de horas semanais (respectivamente, 9, 7, 8 e 10), mas ficou também convencionado em todos eles que o número de horas poderia ser alterado de acordo com o número de alunos. E em todos os contratos ficou também estipulado que a remuneração mensal a pagar seria calculada de acordo com o número de aulas teóricas e práticas leccionadas. Ficou também estipulado que remuneração da aula teórica seria de 4.500$00 e a da aula prática de 3.600$00, que as reuniões de professores e de coordenação de actividades e planificação ficavam excluídas do número de horas semanais fixadas e que seriam remuneradas como duas aulas práticas independentemente da duração das mesmas. Por fim, ficou consignado, ainda, que o autor receberia determinada importância (520$00 nos dois primeiros contratos e 620$00 no terceiro) a título de subsídio de almoço, se o seu horário semanal incluísse aulas da parte da manhã e da parte da tarde.
Também ficou provado que o autor nunca recebeu qualquer retribuição referente ao período de 15 de Julho até final de Setembro, o mesmo acontecendo relativamente ao subsídio de férias e de Natal; que estava colectado na Repartição de Finanças como profissional liberal, que sempre deu quitação através dos chamados "recibos verdes", que nunca esteve sujeito a descontos para a segurança social por parte da ré e que no requerimento em que solicitou o pedido de apoio judiciário referiu que era trabalhador independente; que a ré nunca lhe marcou férias e que no ano de 1999/2000 também leccionava no Conservatório do Algarve. Mais se provou que a ré nunca lhe exigiu que justificasse as faltas e que lhe pagava apenas as quantias correspondentes às aulas que efectivamente leccionava.

Ora, tendo presente as considerações atrás expostas acerca dos indícios da subordinação jurídica, não podemos deixar de concluir, tal como fizeram as instâncias, que o juízo global a fazer em relação aos indícios contidos na matéria de facto vai no sentido de que a relação jurídica estabelecida entre as partes no decurso dos anos de 1995 a 2000 se aproxima claramente mais do modelo típico do contrato de prestação de serviços do que do contrato de trabalho. E a favor desse juízo pesam sobremaneira, in casu, o facto de o recorrente não estar sujeito ao regime de justificação das faltas que é típico do contrato de trabalho, o facto da retribuição lhe ser paga não em função da sua disponibilidade para o trabalho, mas em função das aulas efectivamente dadas, ou seja, em função do resultado do seu trabalho e o facto de não beneficiar de um regime de férias anuais e de não auferir subsídio de férias nem de Natal que prestações inerentes ao contrato de trabalho.

Por outro lado, os factos de estar inscrito na repartição de finanças como profissional liberal e de dar quitação nessa qualidade também indiciam claramente a favor da sua condição de trabalhador independentes, o mesmo acontecendo com o facto de a ré não ter sido, pelo menos no último ano, a única beneficiária dos seus serviços. E, finalmente, não pode deixar de relevar, ainda, a favor do contrato de trabalho, a designação dada aos três contratos que foram reduzidos a escrito, não havendo indícios de que as condições contratuais naqueles contidas tenham sido alteradas no acordo verbal celebrado para o não lectivo de 1999/2000.

Em boa verdade, só o local de trabalho depõe a favor do subordinação jurídica, mas a relevância daquele indício e manifestamente despicienda, no caso em apreço, dada a natureza do serviço prestado e os destinatários do mesmo. Anote-se que a matéria de facto é omissa relativamente à propriedade dos instrumentos de trabalho, apesar de o autor ter alegado no art. 8.º da resposta à contestação que no exercício da sua função utilizava os meios postos pela ré à sua disposição. E o mesmo acontece relativamente ao horário de horário de trabalho, desconhecendo-se, nomeadamente, se era fixado unilateralmente pela ré (o que indiciaria a favor da subordinação jurídica) ou se era fixado de acordo com as conveniências do autor, apesar de, nos artigos 6.º e 7.º da resposta à contestação, o autor ter alegado que tinha um horário de trabalho estabelecido pela ré cujo cumprimento ela fiscalizava.

Nas alegações de recurso, o autor alega que à data em que foi admitido vigorava o DL n. 70/93, de 10/3, que estabelecia o regime aplicável às Escolas Profissionais e que, segundo esse regime, os cursos nelas ministrados obedecem a contratos programas estabelecidos com o Ministério da Educação e que por este têm de ser aprovados no que toca à estrutura curricular quer quanto aos sistemas de avaliação, quer quanto ao plano de actividades da Escola, o que, segundo ele, quer dizer que os docentes não são autónomos no exercício das suas funções, tendo de se confinar à estrutura curricular dos cursos e seguir o plano da actividades da Escola, dai decorrendo a existência da subordinação jurídica.

Alega ainda que aquele D.L. só admitia a celebração do contratos de prestação de serviços em casos excepcionais, o que não era o caso, e que o D.L. n.º 4/98, de 8/1, veio alterar o regime jurídico das Escolas Profissionais, deixando de admitir, mesmo que a título excepcional, a celebração de contratos de prestação de serviços nas Escolas Profissionais privadas, daí decorrendo que a sua contratação também só podia ser feita mediante contrato de trabalho.

Entendemos, todavia, tais alegações não merecem provimento. Relativamente à primeira, como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer de fls. 156 e seguintes, a circunstância de os docentes terem de respeitar a estrutura curricular e seguir o plano de actividades da Escola não é incompatível com o contrato de prestação de serviços, uma vez que o trabalhador autónomo pode ficar obrigado a respeitar certas orientações gerais relacionadas com a forma e o conteúdo do resultado a alcançar mas que nada têm a ver com a organização do esforço que terá de ser despendido para o obter. É o que acontece, no caso em apreço, com a estrutura curricular do curso e com o plano de actividades da escola que apenas se inserem naquele conjunto de orientações gerais.

Relativamente à alegada restrição e impossibilidade de celebração de contratos de prestação de serviços por parte das Escolas Profissionais privadas, importa referir que da eventual ilegalidade dos(s) contrato(s) de prestação de serviços celebrado(s) apenas resultaria a nulidades dos mesmos e não a sua conversão em contrato de trabalho.

Deste modo e tendo presente que o ónus da alegação e prova do contrato de trabalho cabia ao autor, nos termos do n.º 1 do art. 342 do C.C., temos de concluir que a acção não podia deixar de improceder, ainda que houvesse dúvidas (o que não há), acerca da natureza da relação jurídica que foi estabelecida entre as partes.
4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e manter a absolvição da ré do pedido.
Custas pelo recorrente, mas sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 16 de Março de 2005
Sousa Peixoto,
Vítor Mesquita,
Fernandes Cadilha.
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(1) - Direito do Trabalho, I, 9.ª edição, Almedina, pag. 132.
(2) - Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, pag. 289, 290.
(3) - Victor Russomano, Curso de Direito do Trabalho, 6.º ed., Curitiba, 1997, pag. 61, citado por Pedro Romano Martinez in ob. citada, pag. 299, nota 4.
(4) - P. Romano Martinez, ob. citada, pag. 297
(5) - Soares Ribeiro, O Contrato de Reposição, in I Congresso Nacional do Direito de Trabalho, Memórias; Coimbra, 1998, pag. 265 e ss..
(6) - Vide entre outros, o acórdão do STJ de 6.4.2000, CJ-Acs do STJ-, ano 2000, II, pag, 249 e de 15.2.2005, proferido no proc. n.º 3583/04.
(7) - Ob. cit., pag. 136.
(8) - Monteiro Fernandes e Pedro Romano Martinez, obras citadas, respectivamente.