Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4118/15.7T8CBR-B.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS DOS TRABALHADORES
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE LABORAL EM IMÓVEL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA .
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO / LOCAL DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO / GARANTIAS DOS CRÉDITOS DOS TRABALHADORES.
Doutrina:
- Joana de Vasconcelos, “Código do Trabalho” Anotado, 9.ª edição, 705; «Sobre a Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho», in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, 321/341.
- Júlio Gomes, Direito do Trabalho, 899.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, «Os trabalhadores no processo de insolvência», in III Congresso de Direito da Insolvência, 399.
- Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios, 246, 253; «Garantia dos Créditos Laborais», in Código do Trabalho, A Revisão de 2009, 246.
- Paula Quintas, Hélder Quintas, “Código do Trabalho”, Anotado E Comentado, 2012, 3.ª edição, 928/934.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, 75.
- Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray, Luís Gonçalves da Silva, in “Código do Trabalho” Anotado, 10.ª Edição, 756/757.
- Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3.ª edição, 318/319.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 5.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 9.º, N.º 1, AL. E).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 193.º, 333.º, N.º 1, AL. B),
D.L. N.º 32/2007, DE 17 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 3.º, AL. A).
LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA (LEI N.º 18/2003, DE 11 DE JUNHO): - ARTIGO 3.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014; 13 DE NOVEMBRO DE 2014; 13 DE JANEIRO DE 2015, BEM COMO AUJ DE 23 DE FEVEREIRO DE 2016, CONSULTÁVEIS IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O privilégio imobiliário especial a que alude o artigo 333º, nº1, alínea b) do CTrabalho, abrange todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à sua actividade empresarial e, à qual, os trabalhadores estejam funcionalmente ligados, independentemente da localização do seu posto de trabalho.

II. Ficam afastados de tal privilégio todos os imóveis pertencentes ao empregador, que estejam arrendados e/ou que tenham sido afectados a quaisquer outros fins, diversos da sua específica actividade económico/empresarial.

III. Esta interpretação lata do normativo em tela, arreda, a se, qualquer ligação naturalística, atendo-se apenas e tão só à relação laboral existente, fonte do crédito, e os bens imóveis afectos à actividade prosseguida, que constituem a garantia daquele crédito.

(APB)

Decisão Texto Integral:

PROC 4118/15.7T8CBR-B.C1.S1

6ª SECÇÃO

                                                                      

 

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA                                                                      

           

Por apenso aos autos de insolvência de J, SA, foram deduzidas reclamações de créditos pelos trabalhadores e demais credores, entre eles o aqui Recorrente Novo Banco SA.

À lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência foi apresentada, além do mais, impugnação da lista de créditos reconhecidos relativamente ao valor e à qualificação dos créditos dos trabalhadores da insolvente, pelo credor Novo Banco SA.

Para tanto alegou que foi reconhecido privilégio imobiliário especial aos trabalhadores sobre cinco prédios urbanos e dois prédios rústicos, mas que apenas um dos prédios urbanos é composto por um edifício pelo que, não podendo os outros ser considerados locais de trabalho pelos trabalhadores, não pode ser reconhecido privilégio imobiliário especial sobre os mesmos. Mais alegou que a indemnização a reconhecer aos trabalhadores nunca pode ser superior a 15 dias de retribuição base e diuturnidades, nos termos do art. 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho, uma vez que se trata de resolução decorrente de um processo de insolvência.

A final foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, designadamente com referência aos 7 bens imóveis apreendidos à insolvente (numerados sob as verbas nos 1 a 7), do seguinte teor:

«III) DECISÃO

VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS

Pelo exposto, julgam-se reconhecidos, para além dos já verificados em sede de despacho saneador, os seguintes créditos:

- À credora A créditos no valor global de € 20.988,98 (vinte mil novecentos e oitenta e oito euros e noventa e oito cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor L créditos no valor de € 368,04 (trezentos e sessenta e oito euros e quatro cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- À credora P créditos no valor global de € 21.386,40 (vinte e um mil trezentos e oitenta e seis euros e quarenta cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor J créditos no valor global de € 34.293,73 (trinta e quatro mil duzentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor S créditos no valor global de € 14.240,00 (catorze mil duzentos e quarenta euros), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor P M créditos no valor global de € 38.369,76 (trinta e oito mil trezentos e sessenta e nove euros e setenta e seis cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor C, créditos no valor global de € 76.590,18 (setenta e seis mil quinhentos e noventa euros e dezoito cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor E créditos no valor global de € 21.894,53 (vinte e um mil oitocentos e noventa e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor F créditos no valor de € 3.228,60 (três mil duzentos e vinte e oito euros e sessenta cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor O créditos no valor global de € 37.728,60 (trinta e sete mil setecentos e vinte e oito euros e sessenta cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor J F créditos sobre a insolvência no valor global de € 29.561,84 (vinte e nove mil quinhentos e cento e um euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor M créditos sobre a insolvente no valor global de € 23.004,45 (vinte e três mil e quatro euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor L créditos no valor global de € 11.613,00 (onze mil seiscentos e treze euros), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor N créditos sobre a insolvente no valor global de € 3.220,68 (três mil duzentos e vinte euros e sessenta e oito cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor G créditos sobre a insolvente no valor global de € 16.708,92 (dezasseis mil setecentos e oito euros e noventa e dois cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor R créditos no valor global de € 25.662,21 (vinte e cinco mil seiscentos e sessenta e dois euros e vinte e um cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- À credora M C créditos sobre a insolvência no valor global de € 12.922,41 (doze mil novecentos e vinte e dos euros e quarenta e um cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- À credora M D créditos no valor global de € 20.124,64 (vinte mil cento e vinte e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- À credora M S créditos no valor global de € 34.293,73 (trinta e quatro mil duzentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor M P créditos no valor global de € 13.377,73 (treze mil trezentos e setenta e sete euros e setenta e três cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento;

- Ao credor V créditos no valor global de € 8.106,60 (oito mil cento e seis euros e sessenta cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

GRADUAÇÃO DOS CRÉDITOS

Procede-se à graduação dos créditos reconhecidos sobre os bens que integram a massa insolvente nos seguintes termos:

Sobre o produto do imóvel apreendido sob a verba n.º 1 dar-se-á pagamento:

1.º) Em primeiro lugar, aos créditos privilegiados dos trabalhadores (incluindo os créditos privilegiados de D L e N N);

2.º) Em segundo lugar, ao crédito hipotecário do Novo Banco, S.A.;

3.º) Em terceiro lugar, ao crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, I.P.;

4.º) Em quarto lugar, ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional;

5.º Em quinto lugar, aos créditos comuns;

6.º) Em sexto lugar, aos créditos subordinados de H e N N;

7.º) Em sétimo lugar, aos juros dos créditos comuns.

Sobre o produto do imóvel apreendido sob a verba n.º 2 dar-se-á pagamento:

1.º) Em primeiro lugar, aos créditos privilegiados dos trabalhadores;

2.º) Em segundo lugar, ao crédito (condicional) hipotecário da Caixa Económica Montepio Geral;

3.º) Em terceiro lugar, ao crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, I.P.;

4.º) Em quarto lugar, ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional;

5.º Em quinto lugar, aos créditos comuns;

6.º) Em sexto lugar, aos créditos subordinados de H e N N;

7.º) Em sétimo lugar, aos juros dos créditos comuns.

Sobre o produto do imóvel apreendido sob a verba n.º 5 dar-se-á pagamento:

1.º) Em primeiro lugar, aos créditos privilegiados dos trabalhadores;

2.º) Em segundo lugar, aos créditos hipotecários da Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

3.º) Em terceiro lugar, ao crédito hipotecário do Instituto da Segurança Social, I.P.

4.º) Em quarto lugar, ao crédito hipotecário do Novo Banco, S.A.;

5.º) Em quinto lugar, ao crédito (condicional) hipotecário da Caixa Económica Montepio Geral;

6.º) Em sexto lugar, ao crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, I.P.;

7.º) Em sétimo lugar, ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional;

8.º Em sétimo lugar, aos créditos comuns;

9.º) Em nono lugar, aos créditos subordinados de H e N N;

10.º) Em décimo lugar, aos juros dos créditos comuns.

Sobre o produto dos imóveis apreendidos sob as verbas n.ºs 3, 4, 6 e 7 dar-se-á pagamento:

1.º) Em primeiro lugar, aos créditos privilegiados dos trabalhadores;

2.º) Em segundo lugar, aos créditos hipotecários da Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

3.º) Em terceiro lugar, ao crédito hipotecário do Novo Banco, S.A.;

4.º) Em quarto lugar, ao crédito (condicional) hipotecário da Caixa Económica Montepio Geral;

5.º) Em quinto lugar, ao crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, I.P.;

6.º) Em sexto lugar, ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional;

7.º Em sétimo lugar, aos créditos comuns;

8.º) Em oitavo lugar, aos créditos subordinados de H e N N;

9.º) Em nono lugar, aos juros dos créditos comuns.

Sobre o produto dos bens móveis apreendidos dar-se-á pagamento:

1.º) Em primeiro lugar, aos créditos privilegiados dos trabalhadores;

2.º) Em segundo lugar, ao crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social, I.P. e ao crédito privilegiado da Fazenda Nacional;

3.º Em terceiro lugar, aos créditos comuns;

4.º) Em quarto lugar, aos créditos subordinados de H  e N N;

5.º) Em quinto lugar, aos juros(…)»

                                                          

Não se conformando com a sentença assim produzida, dela recorreram vários reclamantes, entre eles o credor Novo Banco, SA, tendo a sua Apelação sido julgada improcedente e mantida a sentença recorrida no que à verificação e graduação do seu crédito diz respeito.

 

De novo inconformado, o Novo Banco interpôs recurso de Revista excepcional, a qual foi admitida nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 672º do CPCivil, apresentando as seguintes conclusões:

- O acórdão recorrido está em contradição com outro proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão fundamental de direito.

- Nomeadamente no que diz respeito à necessidade de alegação e prova por parte dos trabalhadores em matéria de reconhecimento de privilégio imobiliário especial.

- Assim como quanto à noção de local de trabalho.

- Acresce que, a questão que se pretende ver aqui decidida é de elevado interesse jurídico e social, tendo em conta o conflito recorrente entre credores hipotecários e trabalhadores em processo de insolvência.

- A decisão recorrida reconheceu privilégio imobiliário especial aos trabalhadores sobre todas as verbas propriedade da insolvente.

- Isto com o fundamento de que os privilégios imobiliários especiais preferem à hipoteca existente a favor do Novo Banco, assim como a todas as outras, uma vez que não era apenas no imóvel sede que se centrava toda a actividade económica.

- O artigo 333º, n.º 1, al. b) do Código de Trabalho visa apenas o local no qual o trabalhador exerça a sua actividade.

- Posto isto, incidia sobre os trabalhadores o ónus da prova de que prestavam a sua actividade nos imóveis sobre os quais pretendem invocar o privilégio - Artigo 342°, n.° 1 do Código Civil.

- No entanto, não ficou provado nos autos que os referidos trabalhadores tenham prestado seu trabalho nas verbas sob os n.°s 355, 356, 75, 74, 3008 e 1100.

- Tanto assim é, que, para além de não estar provado, os trabalhadores nem sequer alegaram que trabalhavam nesses prédios, pelo que não podem os respectivos créditos ser considerados como beneficiários de privilégio imobiliário especial.

- Quando muito, tais créditos gozarão apenas de privilégio imobiliário geral.

- Sem conceder, mesmo que tal fosse alegado, o que releva para efeito da atribuição de garantia/privilégio imobiliário especial é o centro estável e permanente onde o trabalhador presta a sua atividade e não pontuais locais de carga e descarga ou garagem onde recolhe a sua viatura.

- Não se aplica pois a al. b) do n.° 1 artigo 333° do Código do

Trabalho, pelo que não há privilégio creditório que justifique a graduação dos créditos dos trabalhadores antes do crédito do Novo Banco.

- Acresce que, o entendimento que estende o privilégio a todos os imóveis afectos à organização empresarial é extremamente oneroso para os credores hipotecários, na medida em que neutraliza qualquer hipoteca, ainda que registada anteriormente ao nascimento dos créditos laborais.

- A decisão recorrida violou pois o artigo 333° do Código do Trabalho, artigo 686° do Código Civil e o artigo 2º da Constituição da República da Portuguesa.

Não foram apresentadas contra alegações.

II Colocam-se como questões a solucionar no âmbito deste recurso as de saber, por um lado, qual a abrangência do privilégio imobiliário especial a que alude o artigo 333º, nº1 alínea b) do CTrabalho e por outro se foi cumprido o respectivo ónus de alegação.

As instâncias deram como assente a seguinte materialidade factual, no que à economia da questão solvenda diz respeito:

- A insolvente tinha como objeto social o comércio, importação e exportação de motociclos, ciclomotores, bicicletas, veículos automóveis, máquinas agrícolas, florestais e de jardim, equipamentos, ferramentas, peças, acessórios e assistência técnica e enquadrava-se no âmbito dos seguintes códigos de classificação de atividades económicas:

- CAE principal: 45401-R3 – Comércio por grosso e a retalho de motociclos, suas peças e acessórios;

- CAE secundário: 46610-R3 – Comércio por grosso de máquinas e equipamentos agrícolas.

- A atividade desenvolvida pela insolvente consistia essencialmente na importação e comércio por grosso de máquinas, equipamentos agrícolas e motociclos, sendo a venda a retalho residual.

- A sociedade insolvente tem sede na Rua António Lima Fragoso, Cantanhede.

- Esta morada corresponde ao prédio urbano, composto por edifício, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 3251 da freguesia de Cantanhede.

- O administrador da insolvência reconheceu privilégio imobiliário especial aos credores trabalhadores sobre cinco prédios urbanos e dois prédios rústicos, descritos na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob os n.ºs 355, 356, 75, 74, 3251, 3008 e 1100.

- Apenas o prédio urbano descrito sob o n.º 3251, correspondente à verba n.º 5, é composto por um edifício, sendo os prédios urbanos correspondentes aos n.ºs 355, 356, 75 e 74 terrenos para construção urbana e os prédios rústicos correspondentes aos n.ºs 3008 e 1100 compostos, de acordo com a respetiva descrição predial, de vinha.

- Era no edifício sede da insolvente que os trabalhadores exerciam as suas funções, recebiam e obedeciam a ordens da sua entidade empregadora.

- Nos outros imóveis, adjacentes àquele, estacionavam as suas viaturas, procediam à paragem de carrinhas para carga e descarga de materiais, bem como ao depósito de materiais.

Insurge-se o Recorrente contra a decisão ínsita no Acórdão recorrido, porquanto na sua tese o artigo 333º, n.º 1, al. b) do Código de Trabalho visa apenas o local no qual o trabalhador exerça a sua actividade, incidindo sobre os trabalhadores o ónus da prova de que prestavam a sua actividade nos imóveis sobre os quais pretendem invocar o privilégio nos termos do artigo 342°, n.° 1 do Código Civil, sendo certo que não ficou provado nos autos que os referidos trabalhadores tenham prestado seu trabalho nas verbas sob os n.°s 355, 356, 75, 74, 3008 e 1100.

O Acórdão sob censura fundou o seu raciocínio na seguinte argumentação:

«(…)Na verdade, face à mesma não vislumbramos sequer como sustentar o entendimento de que era apenas no imóvel com o art. matricial 3251º da freguesia de Cantanhede que a Insolvente “centrava” toda a sua actividade económica.

Ao invés, o melhor entendimento nesta matéria é o de que, uma empresa como a Insolvente, com os seus ramos de atividade , constituía seguramente uma organização pluri-facetada e com múltiplas vertentes de atividade, não podendo ser desconsiderada como integrante da mesma os terrenos adjacentes ao seu edifício-sede, que serviam, em termos gerais, para parqueamento – quer de viaturas dos trabalhadores quer as dos clientes e fornecedores (cargas e descargas) – e bem assim para armazenamento/depósito de materiais.

Nesta medida, estavam todos esses imóveis afetos à sua atividade industrial.

Isto é o que decorre insofismavelmente do facto dado como provado, para este efeito, sob  “6.”, que se reproduziu supra.

Ora se assim é, não podemos deixar de aderir ao entendimento sustentado na sentença recorrida quanto a este aspeto, particularmente no seguinte trecho:

«Tem sido discutida a abrangência do privilégio imobiliário especial concedido pelo referido normativo aos credores trabalhadores, tendo em vista a tutela dos seus créditos, perfilhando-se a este respeito essencialmente duas teses: uma que restringe o privilégio imobiliário ao imóvel do empregador no qual o trabalhador preste a sua atividade, com exclusão de quaisquer outros de que a entidade patronal seja titular; e outra que estende o privilégio a todos os imóveis de que o empregador seja proprietário e que se encontrem igualmente afetos à sua organização empresarial.

Para este último entendimento, que se tem revelado maioritário, e que se perfilha, o privilégio abrange, não apenas o imóvel onde os trabalhadores exercem ou exerceram a sua atividade, mas a universalidade dos imóveis existentes no património da insolvente e afetos à sua atividade industrial, independentemente de qualquer concreta conexão específica e imediata entre o imóvel e a atividade laboral do credor. O que tem a grande vantagem de eliminar diferenças de tratamento entre créditos de trabalhadores da mesma empresa em função de atividade que cada um desempenha, sem que razões de natureza objetiva o justifiquem.

De todo o modo, exige-se que o imóvel em causa esteja afeto à atividade empresarial da insolvente, ou seja, que integre de forma estável a organização empresarial da insolvente a que pertencem os trabalhadores (embora independentemente das funções concretamente exercidas por estes). Para este efeito «não releva uma ligação ou conexão com um qualquer imóvel onde os trabalhadores tenham exercido funções, exigindo-se, antes, que esse imóvel faça parte integrante, de forma estável, da empresa encarada como unidade produtiva e emanação do complexo organizacional do empregador».

Ora, no caso parece-me indiscutível que todos os prédios integrantes da massa insolvente se encontram afetos, de forma estável, à organização empresarial da insolvente.

Com efeito, como discordar do entendimento que no caso vertente também os demais imóveis da Insolvente para além do edifício-sede desta não integravam, de forma estável, a organização empresarial da insolvente?

Não o vislumbramos de todo, sendo certo que, salvo o devido respeito, o credor-recorrente Novo Banco, S.A nem contrariou que este deve ser efetivamente considerado o entendimento maioritário, senão mesmo pacificamente aceite, quer a nível doutrinal, quer jurisprudencial.(…)»

Vejamos:

Dispõe o artigo 333º, nº1, alínea b) do CTrabalho que «Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:

(…) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade. (…)».

O problema com o qual nos deparamos aqui é o de saber qual a abrangência do supra enunciado normativo, isto é, saber afinal das contas o que quer dizer a Lei ao referir-se a bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade, sendo certo que a circunstância de a Lei actualmente se referir apenas ao imóvel (singular) e não aos imóveis (plural), como acontecia na legislação pretérita, não assumir qualquer restrição em termos de concessão de privilégios, devendo-se apenas a uma opção de redacção legislativa, cfr Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios, 253.

A Insolvente é uma empresa, entendida esta nos termos do artigo 3º da Lei de Defesa da Concorrência (Lei 18/2003, de 11 de Junho), como «(…)qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de funcionamento.», ou ainda na definição do artigo 3º, alínea a) do DL 32/2007, de 17 de Fevereiro, sobre os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais, que transpôs a directiva 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 Junho, uma «Qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.».

O CIRE, no seu artigo 5º dá-nos uma noção de empresa, considerando esta «toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica».

Todavia, não é este conceito amplo de empresa, entendida como uma organização de capital e de factores de produção destinados ao desenvolvimento de uma actividade económica no mercado, com vista a gerar lucro, que é contemplado pelo artigo 333º, nº1, alínea b) e com o objectivo de definir os bens imóveis da empresa insolvente, que são objecto da oneração especifica aí prevenida, posto que do mesmo decorre, como já supra se acentuou, que tal benesse conferida aos trabalhadores da entidade em situação de insolvência, apenas incidirá sobre os bens imóveis desta, onde o trabalhador exerça a sua actividade, cfr a propósito da noção de empresa, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, 75.

A problemática consiste em concretizar, afinal das contas, o que é que se entende por local onde o trabalhador exerce a actividade.

Em sentido lato, o privilégio imobiliário especial a que alude o artigo 333º, nº1, alínea b) do CTrabalho, irá abranger todos os imóveis da entidade patronal que estejam afectos à actividade empresarial da mesma, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, independentemente da localização do seu posto de trabalho, o que afasta, a se, qualquer ligação naturalística, atendo-se apenas e tão só à relação laboral existente, fonte do crédito e os bens imóveis afectos à actividade prosseguida, que constituem a garantia daquele, ficando excluídos todos aqueles imóveis embora pertencentes ao empregador, mas que estejam arrendados e/ou que tenham sido afectados a quaisquer outros fins diversos da específica actividade económico/empresarial, cfr em abono desta tese mais alargada Júlio Gomes, Direito do Trabalho, 899; Maria do Rosário Palma Ramalho, Os trabalhadores no processo de insolvência, in III Congresso de Direito da Insolvência, 399.

 

Numa interpretação restritiva, não beneficiariam daquele privilégio imobiliário os trabalhadores que não exercessem, de forma efectiva, a sua actividade nos imóveis da entidade patronal, mesmo que estes fossem próprios, e assim sendo, nestas precisas circunstâncias, apenas se poderia encontrar abrangida por tal privilégio a sede ou filial da empresa, entendida esta como o seu estabelecimento comercial ou o local onde a mesma centrasse por algum meio a sua actividade económica e em relação à qual os trabalhadores, enquanto funcionários, se mantivessem fisicamente ligados, cfr neste sentido Joana Vasconcelos, Sobre a Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho, in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof Manuel Alonso Olea, 321/341; Joana de Vasconcelos, Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, 705; Miguel Lucas Pires, Garantia dos Créditos Laborais, in Código do Trabalho, A Revisão de 2009, 246; Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios, 246; Paula Quintas, Hélder Quintas, Código do Trabalho, Anotado E Comentado, 2012, 3ª edição, 928/934; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 3ª edição, 318/319.

A sede da insolvente, como consta da materialidade assente, situa-se na Rua António Lima Fragoso, Cantanhede, correspondendo esta morada ao prédio urbano, composto por edifício, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 3251 da freguesia de Cantanhede, sendo neste local que os trabalhadores exerciam as suas funções, recebiam e obedeciam a ordens da sua entidade empregadora e nos imóveis, adjacentes àquele (prédios urbanos correspondentes aos n.ºs 355, 356, 75 e 74 terrenos para construção urbana e os prédios rústicos correspondentes aos n.ºs 3008 e 1100 compostos, de acordo com a respetiva descrição predial, de vinha), estacionavam as suas viaturas, procediam à paragem de carrinhas para carga e descarga de materiais, bem como ao depósito de materiais.

Aquela indicação do local da sede afigura-se essencial, em termos de contrato de sociedade, como decorre do artigo 9º, nº1, alínea e), do CSComerciais, sendo certo que era naquela morada, como provado se mostra, que os trabalhadores exerciam as suas funções sendo aí, também decerto, o local de trabalho contratualmente definido, de harmonia com o disposto no artigo 193º do CTrabalho.

Contudo, como igualmente deflui da factualidade assente, a actividade da empresa insolvente não se reduzia àquelas instalações, utilizando também, de forma complementar os imóveis descritos sob os nºs 355, 356, 75 e 74, 3008 e 1100  (terrenos para construção urbana e prédios rústicos), para estacionamento de viaturas, cargas e descargas, bem como para depósito de materiais, servindo-se assim dos mesmos para o prosseguimento do seu objecto social.

Podemos assim concluir que a empresa insolvente que se dedicava habitualmente e com fins de lucro à importação e comércio por grosso de máquinas, equipamentos agrícolas e motociclos, tinha aqueles imóveis adjacentes como coadjuvantes dos seus objectivos comerciais de onde se dever extrair que todos os seus trabalhadores a ela se encontravam ligados, no seu todo, incluindo aos prédios que a serviam como apoio e que contribuíam para o seu desenvolvimento produtivo.

 

Esta asserção pode ser retirada da jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal de Justiça chamado a decidir sobre a questão particular dos trabalhadores da construção civil, mas cuja argumentação é extensível ao caso sub judice, maxime, dos Acórdãos de 13 de Novembro de 2014, no âmbito da Lei pregressa (Relator Pinto de Almeida); 13 de Novembro de 2014, deste mesmo colectivo, já no âmbito da nova Lei; 13 de Janeiro de 2015 (Relator Fernandes do Vale), bem como do teor do AUJ de 23 de Fevereiro de 2016 (Relator Pinto de Almeida), consultáveis in www.dgsi.pt, podendo-se ler neste último o seguinte trecho, com interesse para a questão em apreço «[J]úlio Gomes chama à atenção para as consequências que podem advir de uma interpretação literal e restritiva, que “potencia desigualdades de tratamento entre trabalhadores subordinados do mesmo empregador”. Também Maria do Rosário Ramalho acompanha o sentido da jurisprudência que sufraga uma interpretação ampla, com fundamento “na teleologia da norma (mais do que fixar um único imóvel, o que se pretende é excluir do privilégio os imóveis de uso pessoal do empregador) e num imperativo de igualdade entre trabalhadores”. Parece realmente ser esta a interpretação mais consentânea com a razão de ser da atribuição do privilégio creditório aos créditos laborais, que é, como se referiu, a especial protecção que devem merecer esses créditos, em atenção à sua relevância económica e social, que não se concilia com um injustificado tratamento diferenciado dos trabalhadores de uma mesma empresa, em função da actividade profissional de cada um e do local onde a exercem. Como parece evidente, todos esses trabalhadores carecem da mesma protecção, como forma de assegurar o direito fundamental à retribuição, para salvaguarda de uma existência condigna. Será, pois, essa interpretação mais ampla a que se harmoniza com a Constituição. Por outro lado, esses trabalhadores estão ligados ao mesmo empregador, que é o devedor comum, por um vínculo contratual idêntico, contribuindo com o seu trabalho – complementando-se nas suas diversas funções – para a prossecução da actividade global da empresa. Integram, assim, a organização empresarial e estão, todos eles, funcionalmente ligados aos imóveis que, constituindo património da empresa, servem de suporte físico a essa actividade. O local específico onde cada trabalhador presta funções constitui, como tem sido reconhecido, “mero elemento acidental da relação laboral”, “não sendo elemento diferenciador dos direitos dos trabalhadores”; não pode, por isso, funcionar como critério de atribuição de garantias dos créditos que emergem daquela relação. Nesta perspectiva, há uma evidente e idêntica conexão de todos os trabalhadores ao referido património da empresa, não existindo fundamento para a desigualdade de tratamento desses trabalhadores, no que respeita à garantia dos respectivos créditos. A jurisprudência, pelo menos a mais recente, preconiza quase uniformemente, esta interpretação ampla, quer nas Relações, quer no Supremo, neste caso servindo de exemplo quer o acórdão-fundamento, quer o acórdão recorrido: Os trabalhadores gozam do privilégio sobre todos os imóveis que integram o património do empregador, afectos à sua actividade empresarial, e não apenas sobre o concreto imóvel onde exerceram funções; importa é que “a actividade laboral do trabalhador, qualquer que ela seja e independentemente do lugar específico onde é prestada, se desenvolva de forma conjugada e integrada na unidade empresarial, a ela umbilicalmente ligada” (acórdão-fundamento)»; ainda com interesse para a questão em análise veja-se a anotação ao artigo 333º de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray, Luís Gonçalves da Silva, in Código do Trabalho Anotado, 10ª Edição, 756/757.

Por aqui se vê que as conclusões estão condenadas ao insucesso, neste particular.

No que concerne à segunda questão levantada, isto é, da pretensa omissão por banda dos trabalhadores, credores reclamantes, do ónus de alegação e prova de que prestavam a sua actividade nos imóveis sobre os quais foi feito incidir o privilégio, a mesma encontra-se ultrapassada pelos factos dados como provados, nomeadamente, que «Era no edifício sede da insolvente que os trabalhadores exerciam as suas funções, recebiam e obedeciam a ordens da sua entidade empregadora; Nos outros imóveis, adjacentes àquele, estacionavam as suas viaturas, procediam à paragem de carrinhas para carga e descarga de materiais, bem como ao depósito de materiais.», o que constitui o quantum satis, para a improcedência das conclusões.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de Maio de 2017

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Júlio Gomes