Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1695
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: ADMINISTRADOR
COMISSÃO DE SERVIÇO
CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE DO CONTRATO
FRAUDE À LEI
ABUSO DE DIREITO
CASO JULGADO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTOS CONCLUSIVOS
PROVA POR DOCUMENTOS PARTICULARES
Nº do Documento: SJ20080409016954
Data do Acordão: 04/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Não ofende o caso julgado formado pela sentença de 1.ª instância (que afirmou não se verificar a nulidade de um contrato de trabalho por falta de forma, por resultar do circunstancialismo do mesmo a qualidade dos administradores que o subscreveram, apesar de não constar explícita a indicação dessa qualidade, invocando o disposto no art. 217.º do CC) o acórdão da Relação que vem a considerar que os administradores, ao determinarem os termos em que o autor iria exercer o cargo de administrador da sociedade e o respectivo estatuto remuneratório, extravazaram os poderes de que estavam funcionalmente investidos, invadindo a esfera de competência da Assembleia Geral de accionistas, mas não deu relevo autónomo a esta falta de poderes para afirmar a nulidade do contrato celebrado (que vem depois a ditar a improcedência do mérito da acção), apenas a relevando para apreciar o comportamento da ré que o recorrente qualificara de abusivo e de má fé.
II - O critério para aferir a admissibilidade de controlo, em sede de decisão factual, por banda do STJ, não deve depender da opção, que a Relação tenha feito, sobre o uso ou não uso dos poderes que lhe são cometidos pelo art.º 712º do CPC, depende antes do fundamento da impugnação, tendo como parâmetro que a competência do tribunal de revista se circunscreve à violação da lei, é dizer, à matéria de direito.
III - A expressão “exercer (...) as funções de Director Coordenador”, no contexto de uma acção em que ao autor incumbe demonstrar a execução de um contrato de trabalho e as funções eventualmente exercidas em determinado dia, tem um conteúdo técnico-jurídico, uma conclusão, pelo que não deverá constar da decisão da matéria de facto (art. 646.º do CPC).
IV - Um documento particular que titula um contrato de trabalho, provando com força probatória plena as declarações atribuídas aos seus subscritores e aquilo que nele foi clausulado (arts. 374.º e 376.º do CC), não tem a virtualidade de demonstrar que as partes executaram efectivamente o programa contratual nele contido.
V - Os factos compreendidos nas declarações constantes de “recibos de remunerações” têm-se como provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (art. 376.º do CC), pelo que apenas têm valor confessório as declarações constantes dos recibos enquanto declarações de quitação de débitos, sendo em tal âmbito inadmissível a prova testemunhal (art. 393.º, n.º 2 do CC); sobre a natureza daqueles débitos - se constituem efectivamente a contra-prestação de uma prestação de trabalho subordinado - já as referidas declarações não têm valor confessório.
VI - O art. 398.º do CSC não admite o cúmulo, num mesmo sujeito, das qualidades de Administrador de uma sociedade anónima e de trabalhador, subordinado ou autónomo, dessa mesma sociedade, seja a constituição do vínculo laboral anterior, simultânea ou posterior à da relação de administração.
VII - Além disso, aquele preceito revela uma particular hostilidade relativamente às situações de trabalho conexas com a relação de Administração, que se traduz numa regulação restritiva da possibilidade de o Administrador assegurar uma futura posição remunerada na sociedade administrada.
VIII - A comissão de serviço prevista e regulada no DL n.º 404/91, de 16-10, constitui um regime laboral especial e pressupõe sempre um contrato de trabalho (ou pré-existente ou especialmente celebrado para o efeito), pelo que só poderá convencionar-se um contrato de comissão de serviço quando se esteja em presença de uma relação que possa constituir objecto idóneo de um contrato de trabalho e na qual se possam identificar os elementos fundamentais dessa realidade contratual.
IX - Enquanto figura de natureza laboral, a comissão de serviço está abrangida pela incompatibilidade entre os vínculos laboral e de Administração definida pelo art. 398.º, n.º 1 do CSC, e não pode ser utilizada como modo de preencher cargos da Administração societária em sociedades anónimas.
X - O DL 404/91 não revogou tacitamente, nem sequer em parte, o art. 398º do CSC, apesar do modo como enumera no seu art. 1.º os cargos que podem ser exercidos em regime de comissão de serviço, não utilizando o legislador nesta norma o conceito de administração em sentido orgânico estrito – “administração” enquanto órgão de um determinado tipo societário, a sociedade anónima – mas em sentido funcional – “administração” enquanto função a desempenhar pelo trabalhador subordinado em comissão de serviço.
XI - O contrato que vise o exercício do cargo de Administrador eleito pela Assembleia Geral de accionistas de uma sociedade anónima com estatuto jurídico-laboral é nulo por violar directamente o regime de incompatibilidade entre funções administrativas e laborais previsto no n.º 1, do art. 398.º do CSC, norma de “ordem pública” que contém uma proibição imperativa visando, quer salvaguardar valores éticos nas condutas dos administradores das sociedades anónimas, quer evitar que estes aproveitem o cargo para garantir o futuro à custa da sociedade administrada.
XII - Tal convénio, celebrado a par de um “contrato de trabalho” (que no texto se destinava a vigorar por um só dia antes da eleição e jamais foi executado), foi utilizado para contornar os obstáculos previstos no art. 398º, n.º 1 do CSC e para o futuro Administrador poder beneficiar do estatuto e das garantias jurídico-laborais que aquela norma, nas circunstâncias referidas, proscreve, bem como para alcançar valores indemnizatórios expressamente vedados pelo ordenamento societário (art. 430.º do CSC), pelo que é nulo, também, por ter sido celebrado e desenvolvido com fraude à lei.
XIII - Os tribunais não devem apreciar questões insusceptíveis de apresentar relevância substancial no processo, por não terem qualquer interferência na decisão de mérito.
XIV - O disposto no art. 15º da LCT, que possibilita a produção de efeitos do contrato de trabalho declarado nulo ou anulado em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, não tem aplicação nos casos em que o contrato de trabalho não chegou a ser executado, devendo em tais situações lançar-se mão das consequências gerais previstas no art. 289º do CC para a nulidade do negócio jurídico.
XV - Não integra abuso do direito a conduta da ré sociedade, ao invocar a nulidade do “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço” celebrado com o autor que foi seu Administrador, na medida em que este contrato é violador de normas imperativas (cujo respeito se impõe a ambas as partes) e não se verifica no condicionalismo do caso uma situação objectiva de confiança do autor que mereça a tutela excepcional prevista no art. 334º do CC.
Decisão Texto Integral:



1. Relatório

1.1. AA, instaurou a presente acção declarativa com processo comum no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra BB Seguros, Companhia de Seguros de CC, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento das remunerações, prémios e regalias, decorrentes de um contrato individual de trabalho e da sua cessação, tudo no valor global de € 1.311.519,07.
Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que em 20 de Julho de 2001, celebrou com a Ré um contrato de trabalho e um acordo de prestação de trabalho em regime de prestação de serviços, tendo rescindido o contrato de trabalho que há 25 anos o vinculava ao Instituto de Seguros de Portugal, como Director Coordenador e cessado funções como Presidente do Conselho Directivo do INGA, para que fora nomeado em comissão de serviço; que, de harmonia com o acordado, a partir de 25/7/2001, passou a exercer, nas instalações da Ré, as funções de Director Coordenador, mediante a retribuição de € 4.489,18, acrescida de subsídio de férias e de Natal; que em Assembleia Geral realizada em 26/7/2001, foi eleito Administrador tendo, a partir dessa data, iniciado o desempenho do correspondente cargo e suspendido as funções de Director Coordenador; que as funções de Administrador foram exercidas até 14/11/2002, data em que foi destituído daquele cargo por deliberação da Assembleia Geral; que na mesma data, reassumiu as funções de Director Coordenador da Ré, exercício que se prolongou até 10/01/2003, com pleno cumprimento das suas obrigações, enquanto trabalhador, e aquela, enquanto sua entidade patronal, pagou-lhe a remuneração devida nos meses de Novembro e Dezembro, bem como os subsídios de Férias e Natal, tendo o mesmo utilizado o cartão de crédito, a viatura Volvo que lhe fora atribuída e beneficiado dos seguros pessoais como fora clausulado entre as partes; que em fins de Dezembro de 2002, verificando não poder contar com os necessários apoios, e por não se verificarem as condições necessárias que sempre tivera como adequadas à continuação do exercício do cargo como Director, rescindiu o contrato de trabalho que o vinculava à Ré, por carta entregue em 10/01/2003 e que a Ré, porém, não honrou os seus compromissos não tendo pago ao A. a compensação indemnizatória prevista na cláusula 15.ª do contrato celebrado pelas partes.
A Ré contestou a acção, pugnando pela sua improcedência e alegando, em suma: que o acordo invocado pelo A. foi subscrito por este e por dois Administradores da Ré, DD e EE; que na data em que esse documento foi subscrito, já o A. havia aceite o convite para o cargo de membro do Conselho de Administração e Presidente do Conselho da Comissão Executiva, vindo a sua eleição a ocorrer no dia 26/7/2001; que entre o dia 20/7/2001 e o dia 26/7/2001, o A. não exerceu qualquer função efectiva na Ré; que em Assembleia Geral de 14/11/2002, o A. foi destituído do cargo de Administrador, não tendo a partir daí exercido actividade de qualquer natureza na Ré; que cerca de duas semanas antes de 26/7/2001, já se sabia que DD se iria reformar e que quem o iria substituir era um elemento estranho à sociedade, o A.; que a accionista maioritária da BB Seguros, já havia convidado o A. para o exercício dos cargos de membro do Conselho de Administração e de Presidente da Comissão Executiva da BB Seguros, para que ia ser designado na Assembleia Geral de 26 de Julho, como se veio a verificar; que antes desta data, o A. não prestou à Ré qualquer trabalho subordinado, não o tendo prestado igualmente depois da sua destituição como Administrador em 14/11/2002; que a única relação que existiu entre o A. e a Ré foi a de administração; que as partes lançaram mão da figura do contrato de trabalho apenas para o A. ver assegurado o seu futuro à custa da R. após a cessação da relação de administração, nunca chegando a ter início de execução tal contrato de trabalho; que não é legalmente possível que tais funções em sociedade anónima sejam exercidas em regime de comissão de serviço face à natureza laboral desta figura; que o acordo em causa é nulo por falta de forma em virtude de os administradores da Ré sem a indicação dessa qualidade terem aí aposto a sua assinatura (art. 409.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais); que esses administradores não tinham poderes para contratar um administrador, independentemente do modelo contratual utilizado (comissão de serviço), o que acarreta também a nulidade do contrato por ilegitimidade; que o contrato é ainda nulo por ter objecto legalmente impossível, contrariando preceitos legais imperativos, em particular o art.º 398.º, n.º 1, do CSC e é finalmente nulo por consubstanciar fraude à lei, atribuindo ao A. direitos contrários à lei, não podendo do mesmo extrair-se quaisquer efeitos nos termos do art. 15.º da LCT já que este limita a eficácia do contrato de trabalho inválido aos casos em que o contrato é executado.
O A. respondeu às excepções invocadas, sustentando que não se verificam as invocadas nulidades e alegando que a Ré ao invocar a nulidade do contrato depois de o ter executado e de os seus efeitos se terem esgotado com a rescisão, actua com abuso de direito e numa atitude intolerável à luz dos ditames da boa fé. Suscitou ainda a inconstitucionalidade do art.º 398.º, n.º 2 do CSC, por violação do art.º 54.º e 56.º da Constituição da Republica Portuguesa, por ter criado uma nova causa de extinção por caducidade dos contratos de trabalho e sustenta que o DL 404/91, de 16/10 derrogou a aludida norma do CSC, por elementar coerência hermenêutica jurídica.

1.2. Realizado o julgamento, e decidida a matéria de facto (fls. 633 a 642), foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformado o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de fls 973 e ss., negou provimento à apelação do A., confirmando a sentença recorrida.

1.3. Novamente irresignado, recorreu o A. de revista e, após notificado para o efeito, apresentou as seguintes conclusões das suas alegações:

1. O contrato em causa nos autos resultou da livre solicitação da Ré ao A e o seu clausulado foi proposto pela Ré e minutado pelos seus advogados, com a plena e livre vontade da Ré e dos seus legais representantes e obedeceu aos termos e condições de contratos similares e usuais na Ré (V. contrato de fls. 107 a 110).
2. O contrato celebrado entre o A. e a R. tem pleno acolhimento no Dec-Lei n.º 404/91, de 16/10, que pretendeu criar condições para que, quadros qualificados, como é o caso do A, pudessem assumir funções de Administração, com acautelamento dos seus direitos de trabalhadores e segurança de emprego, pelo recurso à "Comissão de Serviço", diploma este que foi violado pelo Acórdão recorrido.
3. O art° 3°, n.º 1, alínea c) do Dec-Lei n.º 404/91 prevê que o cargo de administrador, em "comissão de serviço", tanto possa ser exercido por quem já esteja vinculado como trabalhador à empresa, como por quem não o esteja, podendo-se prever, neste último caso, a categoria em que possa vir a ser colocado como trabalhador, na sequência da cessação da "comissão de serviço".
4. Ora, se, porventura, se entenda não ter havido contrato de trabalho, prévio ao exercício das funções de Administrador da Ré por parte do A (e houve), sempre era admissível convencionar o contrato de trabalho, para se iniciar, num segundo momento, ou seja, cessadas as funções de Administrador, como também se previa no presente caso.
5. A nossa lei - Dec-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro - (n.º 4., do art° 4°) prevê indemnizações equivalentes às do CCT, sem prejuízo de prevalecerem outras superiores e que, porventura, possam ter sido convencionadas, sendo que, no caso do A, o acordado foi exactamente o previsto no n.º 2., do art. 77° do C.C.T. do Sector de Seguros, disposição que o douto Acórdão recorrido violou.
6. Os compromissos e contratos celebrados entre a Ré e terceiros não podem estar sujeitos a caprichos de mudanças de administradores da Ré, nem a jogos e divisões de accionistas, a que o A é alheio, e por via do que não pode ver postos em causa, em verdadeiro abuso de direito - venire contra factum proprium - por parte da Ré.
7. Nada impede a celebração de contrato de trabalho que teve, ab initio, a efectiva vigência de um dia, como nada impede a sua suspensão para efeito de Comissão de Serviço do A, como Administrador da Ré.
8. O douto Acórdão recorrido, ao considerar ilegal o contrato dos autos, ignorou, de todo, o Dec-Lei n.º 404/91, que pretende exactamente dar segurança aos trabalhadores (quadros) que, temporariamente, vão desempenhar funções de administração, acautelando a sua segurança de emprego e categoria profissional já adquirida, bem como a sua antiguidade, como aconteceu, de forma, livre e mutuamente aceite, no contrato celebrado entre o A e a Ré.
9. Não era legítimo fazer o A desvincular-se do seu lugar de Director Coordenador Principal, do I.S.P. (o topo da carreira), perder 28 anos de antiguidade, cessar a função de Presidente do INGA, sem garantias e segurança, sendo que as indemnizações convencionadas foram tão só as do C.C.T. do Sector dos Seguros, pelo que é absurda e falsa a ideia de que se fabricou uma antiguidade inexistente e convencionou compensações especulativas, quando são as previstas no CCT.
10. A conciliação entre o art° 398° do Código das Sociedades Comerciais e o Dec-Lei 404/91 está perfeitamente harmonizada, no entendimento do Prof. Raúl Ventura e do Dr. Abílio Neto, quando referem que é inteiramente legal a celebração de contrato para vigorar antes de iniciada a Comissão de Serviço (e ser esse o caso do A.) ou celebrá-lo, simultaneamente com o próprio contrato de Comissão de Serviço, como seria sempre o caso do A, se se entendesse que o contrato de trabalho inicial (prévio da assumpção de funções de Administração) não existiu como tal, o que não se admite.
11. O n.º 1. do art° 398° do Código das Sociedades Comerciais proíbe tão só que o próprio Administrador, enquanto tal, celebre contrato de trabalho para vigorar quando cessar a sua função, o que não foi o caso, pois o contrato foi celebrado entre o A e a anterior Administração da Ré, pelo que o Acórdão recorrido violou aquela disposição do Código das Sociedades.
12. Acresce, em qualquer caso, que o art° 398° do C.S.C., na sua vertente de direito laboral, é inconstitucional, uma vez que na sua elaboração legislativa não foi observada a audição das Comissões de Trabalhadores e das Associações Sindicais, com preterição dos art°s 55°, alínea d), e 57°, n.º 2., alínea a), ambos da C.R.P., pelo que decidiu mal o Acórdão recorrido ao considerar que não ocorre tal inconstitucionalidade (V. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1018/96, de 09.10.1996, Acórdão da 1.ª Secção n.º 259/51, de 30 de Maio de 2001 (Proc. n.º 328/00) e Acórdão do ST J, de 22 de Outubro de 1997 (Proc. n.º 41/96).
13.Com o devido respeito, o Venerando Tribunal da Relação fugiu à questão de se pronunciar sobre o não uso ou uso não devido do poder que lhe cabia de alterar a matéria de facto (provada ou não provada) pela 1.ª Instância, sustentando que o A não tinha alegado elementos ou factos bastantes que caracterizassem a existência de contrato de trabalho.
14. Ora, com o devido respeito, e como resulta da muita jurisprudência citada, o Supremo pode censurar a Relação pelo não uso ou uso incorrecto do poder de modificação da matéria de facto fixada pela 1ª Instância.
15. Acontece que a própria sentença da 1ª Instância, a fls. 655, considera terem as partes celebrado contrato de trabalho, questão que nenhuma das partes pôs em causa, já que a Ré, recorrida, concluiu as suas alegações, no âmbito do recurso de apelação, pedindo a confirmação integral da sentença da 1ª Instância, sendo que o contrato foi subscrito por ambas as partes e não foi arguido de falso.
16. Também a questão da Ré se haver legalmente obrigado ao referido contrato pela assinatura dos seus dois administradores, foi objecto de decisão da 1ª Instância no sentido de não ocorrer qualquer nulidade do contrato a tal título, decisão que transitou em julgado.
17. O documento contratual em causa faz prova plena, nos termos do art° 376º do CCivil, no sentido de que o A. foi contratado pela R. como Director Coordenador.
18. Aliás, no recurso de apelação só estavam em causa duas questões: a eventual nulidade do contrato por fraude à lei e por violação do art° 398º do C.S. Comerciais considerada norma imperativa de interesse e ordem pública e a questão da inconstitucionalidade daquela última disposição.
19. Ora, o Acórdão recorrido não podia já, transitada que estava a questão da alegada insuficiência das assinaturas dos Administradores da R., reabrir a discussão sobre se tais assinaturas vinculavam, ou não, a Ré.
20. No dia 25-07-2001 e uma vez que o A. só foi eleito Administrador em Assembleia Geral de 26-07-2001, não poderia ser nesta qualidade que se deslocou às instalações da Ré, onde esteve todo o dia.
21.Em vários documentos - fls. 97, fls. 371 (este não foi mandado elaborar pelo A.) -, a Ré reconhece o A. como Director Coordenador.
22. Com o devido respeito, o ter sido Director Coordenador, nem é conceito de Direito, nem conclusão, pois, trata-se de noção comum, como tal assimilada e passível de indagação factual.
23. Por outro lado, como refere o Prof. Pedro Martinez, para haver relação de trabalho, não é imprescindível que haja efectiva prestação de trabalho ou de serviço, mas sim que o trabalhador esteja disponível, como o A. sempre esteve, sendo que a sua qualidade de trabalhador é reconhecida em documentos bastantes (fls. 97, 369 e 371), designadamente nos descontos para a Segurança Social, sendo certo que a R. remunerou livremente o A., nos meses de Novembro e Dezembro de 2002, como Director Coordenador.
24. O Acórdão recorrido não dá relevância ao pagamento feito pela Ré ao A. como Director Coordenador, no dia 25-07-2001, por alegadamente o mesmo ter sido ordenado pelo A., mas tem a mesma atitude em relação aos pagamentos efectuados pela Ré ao A., na mesma qualidade de Director Coordenador, nos meses de Novembro e Dezembro de 2002, em conformidade com parecer dos próprios Advogados da Ré, junto aos autos a fls. 576 a 578, que a R. acatou completamente (V. depoimentos das testemunhas FF e GG).
25. No mesmo sentido temos a circunstância de o A. ter beneficiado de cartão de crédito pessoal, seguros pessoais e viatura, como Director Coordenador, sendo que estamos perante uma categoria, já que o contrato previa que as funções fossem, como foram, de Assessoria à Administração (V. cláusula 33 do contrato de fls. 10).
26. É inaceitável que a Relação se tenha recusado a censurar a 1ª Instância, por não ter dado como provado que o A. se desvinculou do Instituto de Seguros de Portugal, porquanto tal está provado, por não impugnação e confissão, sendo que a desvinculação do A. do INGA está provada pelo Diário da República de fls. 619.
27. lgualmente no que diz respeito à celebração pela Ré de contratos semelhantes ao celebrado com o A, basta ver o constante de fls. 107 a 110.
28. A exclusão da aplicação do Dec-Lei nº 404/91, no tocante às sociedades comerciais, não tem o menor acolhimento legal, ao contrário do decidido pelo Acórdão recorrido.
29. As partes, A e R., contrataram livremente, não contrariando quaisquer normas de interesse e ordem pública, sendo o clausulado elaborado pelos Advogados da R., especialistas em direito do trabalho (pacta sunt servanda).
30. A Ré vinculou-se para com o A, para além, e acima das mudanças de Administração, dos caprichos da Assembleia Geral ou dos amuos dos accionistas, sob pena de má fé e abuso de direito.
31. Nada impedia ou impede que o contrato de trabalho tivesse apenas um dia de duração e desse lugar à Comissão de Serviço, como nada impede que o contrato de trabalho se iniciasse após a cessação das funções de Administrador da Ré, por parte do A., já que nada impedia que fosse convencionada, pela livre e expressa vontade das partes, tal segurança, já que o A perderia a sua antiguidade profissional e, em qualquer momento poderia ficar, (como ficou), no desemprego, em virtude da sua desvinculação do ISP e do INGA.
32. O Dec-Lei n.º 404/91 quis garantir segurança e continuidade de emprego aos trabalhadores que, temporariamente e em Comissão de Serviço, vão desempenhar cargos de Administração, em benefício das empresas a quem dão o seu melhor, numa gestão a que a sua experiência e Know How, confere eficácia, vantagens e valor acrescentado.
33. A conduta da Ré constitui manifesto abuso de direito - venire contra factum proprium - questão que, além de ser do conhecimento oficioso, foi alegada, mas que as instâncias não conheceram, enfermando assim o Acórdão recorrido de nulidade por omissão de pronúncia (alínea d), do nº 1., do art. 668° do CPCivil).
34. O art° 398° do C.S.C. e o Dec-Lei nº 404/91, de 18/10, são conciliáveis, na sua interpretação e aplicação, considerando-se que o Dec-Lei nº 404/91 derrogou a parte daquele artigo no respeitante aos contratos com menos de um ano (V. Prof. Raúl Ventura e Abílio Neto).
35. Em qualquer caso, o art° 398° do Código Soc. Comerciais enferma de inconstitucionalidade, pois, tendo, em parte, natureza de norma laboral, na sua elaboração e aprovação não foi observado o disposto na alínea d) do art° 55° e na alínea c) do nº 2, do art° 57° do C.R.P., tendo andando mal o Acórdão recorrido, ao entender e decidir o contrário (V. Acórdão do T.C. n.º 1018/96, de 09.10.1996, Acórdão do STJ, de 22 de Outubro de 1997, no Proc. nº 41/96, Acórdão da 1ª Secção do Tribunal Constitucional nº 259/51, de 30 de Maio de 2001 - Proc. nº 328/00).
36. Com o devido respeito, não tem sentido o douto Acórdão recorrido não entender que os contratos enfermam de nulidade por fraude à lei, pois, o contrato tem total conformação com o Dec-Lei nº 404/91, que derrogou parcialmente o art.° 398° do C.S.C. que, em qualquer caso, e ao contrário do decidido pelo Acórdão recorrido, enferma de inconstitucionalidade.
37. Mas se o contrato de trabalho em causa não fosse válido (o que se não admite), sempre a sua execução, em várias vertentes, como demonstrou, designadamente as disposições relativas à rescisão, implicaria que, por força do art° 15° da L.C.T., a produção de efeitos, como se válido fosse, o que determina a obrigação da Ré pagar ao A, as quantias reclamadas.
38. Em qualquer caso, tendo a R. assinado, livre e conscientemente, o contrato em causa, vindo depois alegar fraude à lei, tendo ela própria, de má fé e com reserva mental, violado voluntariamente o art° 398° do C.S.C., montando uma armadilha ao A, atirando-o para o desemprego, com a perda da sua antiguidade profissional, impede-a, sob pena de abuso de direito, de invocar tal facto para fundamentar eventual nulidade do contrato (V. Acórdão da Relação de Lisboa, de 17-07-86).
39. Em qualquer caso, para quem entenda a função de Administrador (comissão de serviço), como contrato de trabalho, ainda assim o A teria direito à indemnização e demais quantias que reclama, como resulta claramente da lei.
40.Além de enfermar de nulidade, por omissão de pronúncia, o Acórdão recorrido ofende o caso julgado e ainda de nulidade por excesso de pronúncia, ao considerar que o contrato dos autos era nulo, com fundamento em que os Administradores da Ré que o subscreveram não a podiam vincular, já que sobre tal matéria existia decisão da 1ª Instância transitada em julgado, pelo que, tal matéria não se inclui no objecto do recurso.
41. O Acórdão recorrido violou, entre outras disposições legais, o Dec-Lei nº 404/91, o art° 398° do C.S.C. e ainda os art°s 55° e 27° do C.P.T. e alínea d), do n.º 1, do art° 668° do CPCivil.
Terminou pedindo o provimento do recurso e a revogação do acórdão recorrido.
A recorrida respondeu às alegações, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão recorrido.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da concessão da revista.
As partes foram notificadas do aludido parecer e ambas se pronunciaram sobre o mesmo, o A. em sentido concordante e a R. em sentido discordante.

1.5. Foram juntos aos autos, ao longo da sua tramitação, doutos pareceres de ilustres jurisconsultos.

1.6. Colhidos os “vistos” legais, cumpre decidir.

2. Fundamentação de facto

O acórdão recorrido considerou assente a seguinte factualidade:

2.1. O autor e os administradores da Ré, Dr. DD e Eng. CN, subscreveram em 20 de Julho de 2001, o “contrato de trabalho e acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço”, com os dizeres e selo branco, constantes de fls. 99 a 105.
Aí clausularam as partes, nomeadamente, que:
1ª ... o segundo outorgante (ora autor) obriga-se a prestar a sua actividade profissional à primeira outorgante (ora ré), como Director Coordenador, ficando assim e no desempenho das atribuições que lhe forem confiadas, sob a autoridade e direcção da primeira outorgante.
2.ª 1.O contrato de trabalho reger-se-á pelas cláusulas do presente título, pelas disposições legais que regulam o contrato individual de trabalho sem termo e pelas disposições do CCT do sector de Seguros.
2. O contrato não está sujeito ao período experimental e produz efeitos desde 25 de Julho de 2001.
3.ª No âmbito do seu contrato individual de trabalho o segundo outorgante tem direito à categoria profissional de Director Coordenador, com o nível XVI do CCT do sector de Seguros – ou a categoria e nível mais elevados que venham a ser criados, em qualquer momento, pelo referido CCT – sem prejuízo da primeira outorgante lhe poder conferir apenas funções de Assessor da Administração e com remuneração mensal de 900.000$00 acrescida dos prémios de antiguidade previstos no citado CCT, bem como de subsídios de Natal de igual valor cada um considerando-se, para todos os efeitos, como início de actividade no sector de seguros a data de 1 de Março de 1974.
4.ª ... o segundo outorgante tem ainda direito a: Prémio anual de desempenho de valor igual a três meses da remuneração mensal ilíquida; Cartão de crédito pessoal, no valor mensal de 240.000$00; Viatura da empresa até ao valor de 9.800.000$00, com opção de compra em condições idênticas às praticadas para os quadros superiores da Companhia; Seguros pessoais (doença, acidentes pessoais, vida e responsabilidade civil profissional), nas condições praticadas pela Companhia para os seus quadros superiores.
5.ª ....
6.ª Se o segundo outorgante estiver ao serviço da primeira outorgante quando passar à situação de reforma, a primeira outorgante pagar-lhe-á uma pensão complementar de reforma vitalícia calculada nos termos que se encontram presentemente regulados, para a sua situação, no CCT do sector de seguros.
7.ª O segundo outorgante actuará, no exercício das suas funções com a maior autonomia e na dependência directa e exclusiva da Administração da primeira outorgante, com total independência hierárquica das demais estruturas directivas da Companhia.
8.ª O local de trabalho do segundo outorgante é em Lisboa...
...
10.ª O segundo outorgante prestará os seus serviços profissionais durante um período normal de trabalho de trinta e cinco horas semanais, ficando sujeito ao horário de trabalho em vigor na primeira outorgante, sem prejuízo de a sua actividade poder ser exercida em regime de isenção de horário de trabalho se a segunda outorgante assim o desejar...
11.ª Os prazos de denúncia de aviso prévio a observar para a denúncia ou rescisão por parte do segundo outorgante são os constantes do art.º 38.º do Decreto Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
12.ª No omisso aplicar-se-ão as disposições legais reguladoras do contrato de trabalho sem prazo e as normas do CCT do sector de Seguros.
13.ª 1. As partes prevêem que na Assembleia Geral da primeira outorgante, que vai realizar-se no próximo dia 26 de Julho, o segundo outorgante seja eleito para o cargo de administrador da Companhia durante o triénio de 2001 a 2003.
2. Pelo presente título, as partes acordam em que o referido cargo seja, desde o início, desempenhado em regime de comissão de serviço, nos termos do Decreto Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro, continuando a sê-lo nos mandatos que se seguirem, por força de novas eleições.
3. O contrato de trabalho ficará suspenso enquanto o mesmo exercer o cargo de Administrador da Companhia.
14.ª O regime de remunerações, de participação nos resultados e de outros benefícios, aplicável ao segundo outorgante, enquanto desempenhar o cargo de Administrador... será fixado por Deliberação da Assembleia Geral ou de uma Comissão de Accionistas com poderes para o efeito...
15.ª 1. Logo que cesse a Comissão de Serviço prevista nas cláusulas anteriores, o segundo outorgante retomará o exercício efectivo das suas funções de Director Coordenador – ou de categoria mais elevada que venha a ser criada, em qualquer momento, pelo CCT do sector de seguros – emergentes do contrato de trabalho que o liga à primeira outorgante, de harmonia com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º e da alínea a) do n.º 3 do art.º 4.º, ambos do citado DL 404/91.
2. Cessando a comissão de serviço por facto não imputável ao segundo outorgante, em data anterior a 31 de Dezembro de 2006, o segundo outorgante pode optar, no prazo de sessenta dias a contar de tal cessação, por rescindir o seu contrato de trabalho, ficando a primeira outorgante obrigada a pagar-lhe, neste caso, uma compensação indemnizatória calculada nos termos fixados pelo n.º 2 da cláusula 77.ª do CCT do sector de Seguros, contando-se a antiguidade desde a data fixada na cláusula 3.ª deste Acordo.
16ª A PRIMEIRA OUTORGANTE promoverá as diligências necessárias para que os direitos conferidos ao SEGUNDO OUTORGANTE nas cláusulas anteriores sejam assegurados pelos seus órgãos sociais competentes.
17.ª As partes comprometem-se a cumprir, pontual e integralmente, tudo o que no presente título fica acordado” (1).
2.2. Esse “contrato de trabalho e acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço” foi elaborado por jurista qualificado prestador de serviços da Ré.
2.3. E foi assinado na sequência do convite do Dr. DD ao A. e depois de conversações mantidas entre este, o Dr. DD e o responsável máximo da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, Dr. DG, no sentido de o A. vir a substituir o Dr. DD, como Presidente Executivo da Ré.
2.4. O Dr. DG endereçou ao A. a carta datada de 19 de Julho de 2001 com o teor de fls. 328, e assinara a minuta do “contrato de trabalho e acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço” de fls. 596 a 598.
2.5. A Caixa Central de Crédito Agrícola possuía na Ré uma participação correspondente a 51,5%.
2.6. Vários dias antes da outorga daquele “contrato de trabalho e acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço” já se sabia na Ré que o Dr. DD se ia reformar e que seria o A. quem o iria substituir como Presidente Executivo da Ré.
2.7. O A. trabalhou no Instituto de Seguros de Portugal, como Director Coordenador Principal, durante cerca de 25 anos e foi Presidente do Conselho Directivo do INGA.
2.8. Em Assembleia Geral de 26 de Julho de 2001, o A. foi eleito Administrador da Ré, por deliberação tomada maioritariamente pelos accionistas da sociedade, tendo, na mesma data, iniciado o desempenho desse cargo.
2.9. Nessa deliberação, verificaram-se os votos contrários da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Santiago do Cacém, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Beja e da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Guimarães, bem como as abstenções da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Pedro do Sul, da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Mangualde e da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Póvoa do Varzim, Vila do Conde e Esposende, fls. 16 a 21.
2.10. A Comissão de Vencimentos da Ré deliberou atribuir ao A. as retribuições e regalias constantes da Acta n.º 1/2001, de 31 de Julho de 2001, de fls. 23 e 24.
2.11. O valor do crédito pessoal atribuído do autor, 240.000$00 era privativo do Presidente da CE da Ré e a viatura no valor de 9.800.000$00, também.
2.12. Em 26 de Julho, foi emitida a Acta n.º 1/2001, mas porque não se encontrava presente o terceiro elemento da Comissão de Vencimentos, tendo apenas dois desses elementos assinado, em 31 de Julho foi elaborada a acta supra referida, com o mesmo número 1/2001 assinada pelos três elementos.
2.13. Em 2 de Novembro de 2001, o A. foi também eleito Presidente da Direcção e Director de Trabalho da Sociedade Crédito Agrícola Vida, Companhia de Seguros, S.A.;
2.14. O autor exerceu as funções de Administrador até 14 de Novembro de 2002, data em que foi destituído daquele cargo, por deliberação da Assembleia Geral da Ré da mesma data, fls. 72 a 80.
2.15. Em 27 de Fevereiro de 2003, o A. renunciou ao cargo de Presidente de Direcção e Director do Trabalho da Crédito Agrícola Vida, Companhia de Seguros, S.A.;
2.16. O A. enviou à Ré a carta com o teor de fls. 372, datada de 3 de Janeiro de 2003, na qual indica os valores que considera serem-lhe devidos “em virtude da destituição de membro do Conselho de Administração (2).
2.17. Por carta entregue à Ré, em 10 de Janeiro de 2003, o A. comunicou a esta, nomeadamente, o seguinte:
(...)
Como é do v/ conhecimento, a Comissão de Serviço que vinha desempenhando como membro do Conselho de Administração da Companhia cessou, no passado dia 14 de Novembro último, ou seja anteriormente a 31 de Dezembro de 2006, por facto que não me é imputável.
Entretanto, passados que são cerca de 60 dias sobre aquele facto, e não obstante os contactos havidos, como o que se refere na minha carta de 03 de Janeiro, não se afigurou possível ainda resolver, definitivamente, a m/ situação no quadro contratual.
Nestas circunstâncias, e nos temos do n.º 2 da cláusula 15ª do Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço que celebrei com a BB Seguros, Companhia de Seguros de CC, S.A., em 20 de Julho de 2001, e, face à manifestação de não interesse por parte da Administração da Companhia e do Grupo Crédito Agrícola, em continuar a contar com a minha colaboração, venho rescindir, para todos os legais efeitos, o Contrato de Trabalho em causa.
Agradeço que entretanto sejam desencadeadas as diligências necessárias à efectivação imediata, das compensações que me são devidas (...) calculadas nos termos fixados pelo n° 2 da cláusula 77ª do CCT do Sector de Seguros, contando-se a antiguidade desde a data fixada na cláusula 3ª do Acordo celebrado com V. Exªs.
....” (3).
2.18. Entre 20 de Julho de 2001 e 26 de Julho de 2001, o A. apenas se deslocou à Ré em 25 de Julho, tendo nesse dia estado nas instalações da Ré por algum tempo, da parte da manhã e da tarde.
2.19. Nesse dia falou com MS, Secretária do Presidente da Comissão Executiva da Ré e esteve por algum tempo no gabinete que fora ocupado pelo Dr. DDo que, entretanto, já o havia desocupado.
2.20. Naquelas instalações encontrava-se o Eng. CN, que o A. não contactou.
2.21. A Ré pagou e descontou ao A., segundo as designações aí previstas, os valores de fls. 97 a 98, 365 a 370.
2.22. O A. determinou à referida Secretária da Comissão Executiva, MS, os termos em que deviam ser processadas as quantias relativas ao dia 25 de Julho de 2001, bem como as demais quantias que lhe foram processadas e pagas antes da sua destituição como Administrador da Ré.
2.23. Foi também a dita MS que elaborou o escrito de fls. 371, e o remeteu à Softsol, empresa que processava o pagamento dos salários da Ré.
2.24. Era a dita MS que procedia mensalmente, até ao dia 15 de cada mês, ao envio dos elementos respeitantes ao processamento dos salários do pessoal da Ré.
2.25. De 14 de Novembro de 2002 a 10 de Janeiro de 2003, o A., embora sem desenvolver funções como Director Coordenador, beneficiou do cartão de crédito pessoal e do uso da viatura que a Ré lhe afectara, bem como de seguros pessoais.
2.26. Após a destituição do A. como administrador da Ré e porque MS não conseguiu contactar nenhum dos administradores entretanto eleitos que lhe pudessem dizer quais as “remunerações” a pagar ao autor, solicitou esclarecimentos nesse sentido aos advogados que prestavam serviço à Ré.
2.27. Os advogados responderam nos termos da NOTA datada de 15.11.2002, de fls. 576 a 578.
2.28. Relativamente às quantias processadas ao autor quanto ao mês de Dezembro de 2002, foi a própria Administração da Ré que disse à MS para continuarem a ser processadas do mesmo modo.
2.29. O Eng. CN celebrou com a ré o “Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Prestação de Serviços”, com os dizeres de fls. 106 a 110.
2.30. Relativamente ao Dr. FF, a Ré emitiu o teor de fls. 548 a 549 e este endereçou àquela a carta de fls. 550.
2.31. A Segurança Social emitiu os documentos de fls. 595 e 596 e o INGA os documentos de fls. 597 a 598, 601 a 602, 617 e 618.

3. Fundamentação de direito

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das recorrentes - arts. 690º, nº1 e 684º, nº 3 do C. Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art. 1º, n.º 2, al. a) do C. Processo Trabalho – as questões que fundamentalmente se colocam na revista à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:
- a da nulidade do acórdão da Relação;
- a da ofensa do caso julgado;
- a do eventual erro na fixação da matéria de facto;
- a da validade do “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço” celebrado em 20 de Julho de 2001;
- a do relevo do princípio pacta sunt servanda;
- a da constitucionalidade do n.º 2 do art. 398.º do Código das Sociedades Comerciais;
- a dos efeitos da ilicitude do contrato;
8.ª - a do eventual abuso do direito.

Analisemos, pois, cada uma delas.

3.1. Da nulidade do acórdão recorrido

Invoca o recorrente que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, uma vez que não conheceu da questão do alegado abuso do direito por parte da R. (conclusão 33.ª) e, ainda, de nulidade por excesso de pronúncia, além de ofender caso julgado, ao considerar que o contrato dos autos era nulo, com fundamento em que os Administradores da Ré que o subscreveram não a podiam vincular, já que sobre tal matéria existia decisão da 1ª instância transitada em julgado, pelo que, tal matéria não se inclui no objecto do recurso (conclusão 40.ª).
Verifica-se, todavia, que, no requerimento de interposição de recurso de revista que formulou junto do Tribunal da Relação - vide fls. 994 – o recorrente se limitou a interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e a indicar os seus efeitos e regime de subida, não fazendo qualquer referência à nulidade do acórdão, cujo vício apenas veio a arguir nas alegações que posteriormente apresentou.
Ora, tem constituído jurisprudência reiterada do STJ a de que o fundamento do recurso que consista na nulidade da sentença ou acórdão tem que ser indicado no requerimento de interposição do recurso, não bastando a sua ulterior adução na minuta alegatória em face do preceituado no art. 77º, nº1 do CPT aprovado pelo D.L. nº 480/99 de 9 de Novembro, de acordo com o qual a arguição de nulidades da sentença é feita “expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.
Esta imposição legal tem por fim habilitar o juiz recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido nos termos do nº 3 do referido art. 77º e proceder eventualmente ao seu suprimento (sem prejuízo de, quando arguidas naqueles termos, o tribunal superior também sobre elas se pronunciar).

Assim, e considerando que o regime legal fixado pelo n.º 1 do art. 77.º do CPT quanto à arguição da nulidade da sentença é igualmente aplicável à invocação de nulidades do acórdão da Relação, face ao preceituado no art. 716.º, n.º 1 do CPC (devendo a remissão feita para o art. 668.º do mesmo código ser considerada, também, como realizada para o citado n.º 1 do art. 77.º), não se conhece, por extemporânea, a nulidade do acórdão (4).



3.2. Da ofensa do caso julgado

3.2.1. Invoca o recorrente que o acórdão recorrido ofendeu caso julgado, com dois fundamentos:
- em primeiro lugar, na medida em que a sentença da 1ª Instância decidiu terem as partes celebrado um contrato de trabalho, questão que nenhuma das partes pôs em causa, já que a recorrida concluiu as suas alegações, no âmbito do recurso de apelação, pedindo a confirmação integral da sentença da 1ª instância;
- em segundo lugar porque foi igualmente objecto de decisão da 1ª Instância a questão da Ré se haver legalmente obrigado ao referido contrato pela assinatura dos seus dois administradores, no sentido de não ocorrer qualquer nulidade do contrato a tal título, pelo que o acórdão recorrido não podia, transitada que estava a questão da alegada insuficiência das assinaturas dos Administradores da R., considerar o contrato dos autos nulo, com fundamento em que os Administradores da Ré que o subscreveram não a podiam vincular (conclusões 15.ª, 16.ª, 19.ª e 40.ª).
Conforme dispõe o art. 677º do Cod. Proc. Civil “[a] decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668º e 669º”.
Uma vez transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497.º e seguintes – art.º 671º, n.º 1 do CPC.
A questão colocada pelo recorrente reconduz-nos aos limites materiais objectivos do caso julgado dentro deste mesmo processo e no que diz respeito à eventual subtracção de determinados assuntos aos poderes de cognição do tribunal ad quem, por força da posição assumida pelas partes no âmbito do recurso de apelação interposto da sentença.
Os limites materiais reportam-se ao caso julgado gerado “ex pronuntiatione judicis” e têm como ideia central a da “indiscutibilidade judicial (5).
Vejamos, pois.

3.2.2. É certo que o A. só recorreu da parte da sentença da 1.ª instância que lhe foi desfavorável.
E é também certo que não houve lugar a recurso subordinado da R., nem a ampliação do objecto do recurso nos termos do art. 684.º-A do CPC, concluindo a R. as suas alegações a pedir a confirmação da sentença nos seus precisos termos.
Simplesmente daí não decorre que o acórdão tenha ofendido caso julgado em face dos enunciados preceitos processuais.

3.2.2.1. Na verdade, e no que diz respeito à celebração do contrato de trabalho, o acórdão não diz mais, nem menos, do que a sentença.
Ambos analisam o acordo celebrado e concluem que, das suas cláusulas, resulta terem as partes outorgado um contrato de trabalho.
Diz a sentença, depois de analisar o texto do acordo: “Tendo em conta aqueles que são os elementos essenciais do contrato de trabalho (prestação por parte do trabalhador da sua actividade intelectual ou manual, por conta de outrem, sob a autoridade e direcção deste), como aliás resulta do art.º 1.º do Decreto Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), afigura-se--nos claro, terem as partes outorgado um contrato de trabalho, no que àquelas cláusulas se refere”. (fls. 655).
E diz o acórdão, analisando o texto do mesmo acordo: “Nele se cumulam um negócio designado contrato de trabalho, regulado sob as cláusulas 1ª a 12ª, e um acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, regulado nas cláusulas 13ª a 16ª. O primeiro tem como objecto a contratação do apelante para desempenhar, por conta da apelada, a actividade profissional correspondente à categoria de Director Coordenador, sob a égide das disposições legais que disciplinam o contrato individual de trabalho e das estipulações constantes do CCT do Sector dos Seguros; o segundo tem como objecto o exercício, por parte do apelante, das funções de administrador da apelada, a partir de 26/7/2001, segundo o regime jurídico da prestação de trabalho em comissão de serviço, ou seja, segundo o regime contido no DL 404/91”(fls. 986.).
Ou seja, ambas as decisões afirmam a correspondência das cláusulas firmadas com o modelo típico do contrato individual de trabalho, embora depois venham a considerar que este programa contratual não foi executado, o que é realidade bem diversa.
A este propósito a própria sentença conclui que a relação jurídica que se pretendeu relevantemente erguer entre o autor e a ré foi a de administração “configurando-se a relação jurídica laboral (contrato de trabalho e comissão de serviço) como um meio de – ascendendo o autor àquele cargo de administração – cessando este, ter o mesmo autor, ao abrigo daquele regime, a sua situação profissional garantida em termos de futuro” (fls. 659).
Uma coisa é o contrato celebrado e as cláusulas que nele foram estabelecidas pelas partes, e outra, que pode ser completamente distinta da primeira, é o comportamento das partes no desenvolvimento das relações contratuais que efectivamente (na realidade) se estabeleceram entre ambas e a relevância deste comportamento na própria qualificação do negócio.
Não se vislumbra, pois, neste aspecto - em que há absoluta coincidência das decisões das instâncias -, qualquer violação de caso julgado.

3.2.2.2. No que concerne à questão da alegada insuficiência das assinaturas dos Administradores da R., também não pode afirmar-se a ofensa de caso julgado.
Não entrando agora na análise das divergências doutrinárias inerentes à problemática dos limites objectivos do caso julgado (6)., sempre se dirá que, mesmo perfilhando a doutrina que entende que o caso julgado integra todos os fundamentos da decisão (tese amplexiva pura) - em confronto com a tese restritivista que só confere foros de indiscutibilidade à parte decisória da sentença - sempre se dirá que o acórdão da Relação não invadiu domínio que se tivesse tornado indiscutível com a sentença de 1.ª instância

É certo que a sentença de 1.ª instância considerou que se não verificava a nulidade por falta de forma arguida pela R. por resultar do circunstancialismo do acordo a qualidade dos administradores que o subscreveram, apesar de não constar explícita a indicação dessa qualidade, invocando o disposto no art. 217.º do CC.

Mas o acórdão jamais referencia que a falta de indicação da qualidade social dos subscritores implica a nulidade do acordo, embora venha a considerar que os administradores, ao determinarem os termos em que o A. iria exercer o cargo de administrador da sociedade e o respectivo estatuto remuneratório, extravazaram os poderes de que estavam funcionalmente investidos, invadindo a esfera de competência da Assembleia Geral de accionistas.

E, se virmos bem o contexto do acórdão recorrido, a referência da sua parte final à falta de poderes dos então administradores da R. para vincular esta, como causa de nulidade do acordo, apenas ocorre depois de o acórdão já ter concluído, aí sim com larga fundamentação, pela nulidade daquele convénio “por contrariar normas imperativas” e “por ter sido celebrado e desenvolvido com fraude à lei”.

A alusão a esta falta de poderes tem um objectivo específico: o de afirmar que a R. não está vinculada perante o A. ao cumprimento dos deveres emergentes do acordo subscrito por aqueles administradores e de concluir, desta específica circunstância, não poder afirmar-se que a R. actuou de má fé e com reserva mental. É o que se infere, com clareza, da frase com que culmina o excerto em causa: “Daí que não faça qualquer sentido afirmar, como afirma o apelante, que a apelada, face ao comportamento que veio a assumir revela que actuou de má fé e com reserva mental, na esperança de que a eventual nulidade do contrato a pudesse beneficiar, desvinculando-a das suas obrigações e compromissos contratuais, não podendo agora utilizar em seu benefício a nulidade ou a invalidade que provocou, já que o acordo invocado nem sequer a vincula.
Ou seja, o acórdão não deu relevo autónomo a esta falta de poderes para afirmar a nulidade do contrato celebrado (que vem depois a ditar a improcedência do mérito da acção), apenas a relevando para apreciar o comportamento da R. que o recorrente qualificara de abusivo e de má fé nas alegações da apelação (conclusões 20.ª, 34.ª e 35.ª das alegações do apelante) e para nela alicerçar a conclusão pela inexistência de má fé por parte da R., bem como a refutação final que faz da afirmação do recorrente no sentido de que a recorrida pretende agora beneficiar de uma nulidade que provocou.
Além disso, embora na resposta às alegações da apelação a R. defenda a confirmação integral da sentença, não deixa de nelas sustentar que os administradores que subscreveram o acordo excederam as suas competências e os seus poderes de representação, invadindo a esfera de competência da Assembleia Geral da R. ao determinarem os termos em que o A. iria exercer o seu cargo societário e o respectivo estatuto remuneratório.
Finalmente, não pode em rigor dizer-se que a sentença decidiu este específico aspecto de terem os então administradores da R. poderes para vincular validamente a sociedade, em termos de garantir ao A. os termos em que desempenharia o seu cargo social a partir do momento da eleição como Administrador da Ré (em regime de comissão de serviço, nos termos do DL 404/91, de 16/10, “continuando a sê-lo nos mandatos que se seguirem”, suspendendo-se o contrato de trabalho, enquanto estivesse a exercer o cargo de Administrador e beneficiando do regime de remunerações, de participação nos resultados e de outras regalias que só poderiam vir a ser fixadas por deliberação da Assembleia Geral ou da Comissão de Vencimentos).

A sentença refere apenas que não se verifica a nulidade “por falta de forma” arguida pela R. por resultar do circunstancialismo do acordo a qualidade dos administradores que o subscreveram, apesar de não constar explícita a indicação dessa qualidade, invocando o disposto no art. 217.º do CC. Refere ainda que a R. se obrigou, como seria suposto legalmente acontecer, através da assinatura dos seus representantes, como decorre dos arts. 405.º, 408.º e 409.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e conclui que os ditos administradores não contrataram o autor como administrador da R. (apenas pressupondo a eleição posterior do mesmo) apenas estatuindo que ele desenvolveria as suas funções em regime de comissão de serviço. Mas não chega a pronunciar-se sobre se aqueles subscritores do contrato excederam, ou não, os poderes que lhes são conferidos pelos citados preceitos ao fixar o regime em que o autor exerceria as funções de administração.
O acórdão recorrido, não aludindo já ao problema de não ter sido indicada no texto a qualidade dos administradores subscritores (decidido na sentença e não questionado no recurso), parte para considerações com outro alcance e com o objectivo assinalado.
O que o acórdão afirma é que os dois administradores subscritores do Acordo invadiram a esfera de competência da Assembleia Geral de Accionistas, para serem eles a determinar os termos em que o A. iria exercer o cargo de Administrador da sociedade e determinar o respectivo estatuto remuneratório utilizando abusivamente a figura da comissão de serviço como modo de recrutar um membro do Conselho de Administração de uma sociedade anónima, quando as matérias respeitantes ao Estatuto dos Administradores estão, pela legislação societária, reservadas à esfera de competência exclusiva da Assembleia Geral, sendo entendido que as normas definidoras da competência dos órgãos das sociedades comerciais são de ordem pública e, por isso, imperativas. Além disso, chama a atenção para o facto de o art. 409º, n.º 1 do CSC prescrever que os actos praticados pelos Administradores em nome da sociedade a vinculam para com terceiros desde que se mantenham “dentro dos poderes que a lei lhes confere”, e de nestes se não incluir o poder de designação dos Administradores previsto no já citado art. 391º, n.º 1 do CSC.
Não chega, assim, a descortinar-se uma divergência de perspectiva entre as instâncias.
Mesmo no aspecto que poderá parecer menos claro dos poderes de designação de administrador – que a 1.ª instância diz não terem sido usados, por não terem os subscritores do acordo contratado através dele o A. como administrador (já que o regime fixado para o exercício das funções no acordo ficou dependente da eleição pelos accionistas) -, a Relação salienta a invasão da esfera de competência da Assembleia Geral de Accionistas, não tanto por terem aqueles subscritores designado o A. como administrador, mas por terem determinado os termos em que o A. iria exercer aquele cargo na sociedade e o respectivo estatuto remuneratório.
Além disso, o que daqui conclui o acórdão é não poder afirmar-se que a R. actuou de má fé desvinculando-se das obrigações e compromissos contratuais, por ser o acto nulo por falta de poderes, o que consequencia não estar a R. vinculada aos deveres dele emergentes.

Ou seja, e como já se referiu, o acórdão não deu relevo autónomo a esta circunstância da falta de poderes dos administradores como fundamento da nulidade do contrato celebrado invocada pela R. na sua contestação, apenas a relevando para apreciar o comportamento da R. que o recorrente qualificara (nas alegações de recurso, chamando a atenção para que tal questão é de conhecimento oficioso(7) de abusivo e de má fé.
Ora, como ensina o Prof. Antunes Varela (8), “o julgamento das questões invocadas pelo réu como meio de defesa só vale com força de caso julgado em relação ao efeito produzido contra a pretensão do autor, e não em relação a outros efeitos decorrentes do meio de defesa alegado”.
E, também, o Prof. Castro Mendes (9)., “[o] caso julgado não se estende em princípio à solução de uma questão diferente da que decidiu”.
Inexiste, pois, também nesta perspectiva, ofensa de caso julgado.

3.3. Da fixação da matéria de facto

3.3.1. Relativamente à impugnação da matéria de facto que deduziu perante a Relação, o recorrente afirma que o Tribunal da Relação fugiu à questão de se pronunciar sobre o poder que lhe cabia de alterar a matéria de facto (provada ou não provada) pela 1.ª instância, ao referir que o A. não tinha alegado elementos ou factos bastantes que caracterizassem a existência do contrato de trabalho que a própria sentença da 1ª Instância considera terem as partes celebrado.
Sustenta, ainda, em suma: que o documento contratual faz prova plena, nos termos do art° 376º do C. Civil, no sentido de que o A. foi contratado pela R. como Director Coordenador; que no dia 25-07-2001 e uma vez que o A. só foi eleito Administrador em Assembleia Geral de 26-07-2001, não poderia ser nesta qualidade que se deslocou às instalações da Ré, onde esteve todo o dia; que em vários documentos - fls. 97, fls. 371 - a Ré reconhece o A. como Director Coordenador; que o ter sido Director Coordenador, nem é conceito de direito, nem conclusão, pois, trata-se de noção comum, como tal assimilada e passível de indagação factual; que a sua qualidade de trabalhador é reconhecida em documentos bastantes (fls. 97, 369 e 371), designadamente nos descontos para a Segurança Social; que a R. remunerou livremente o A., nos meses de Novembro e Dezembro de 2002, como Director Coordenador; que o acórdão recorrido não dá relevância ao pagamento feito pela Ré ao A. como Director Coordenador, no dia 25-07-2001, por alegadamente o mesmo ter sido ordenado pelo A., mas tem a mesma atitude em relação aos pagamentos efectuados pela Ré ao A., na mesma qualidade de Director Coordenador, nos meses de Novembro e Dezembro de 2002, em conformidade com parecer dos próprios Advogados da Ré, junto aos autos a fls. 576 a 578, que a R. acatou completamente (V. depoimentos das testemunhas FF e GG); que no mesmo sentido temos a circunstância de o A. ter beneficiado de cartão de crédito pessoal, seguros pessoais e viatura, como Director Coordenador, sendo que estamos perante uma categoria, já que o contrato previa que as funções fossem, como foram, de Assessoria à Administração (V. cláusula 33 do contrato de fls. 10); que é inaceitável ter-se a Relação recusado a censurar a 1ª Instância, por não ter dado como provado que o A. se desvinculou do Instituto de Seguros de Portugal, porquanto tal está provado, por não impugnação e confissão, sendo que a desvinculação do A. do INGA está provada pelo Diário da República de fls. 619 e igualmente no que diz respeito à celebração pela Ré de contratos semelhantes ao celebrado com o A, basta ver o constante de fls. 107 a 110 (vide as conclusões 13.ª a 15.ª, 17.ª e 20.ª a 27.ª).

3.3.2. Antes de prosseguir cabe chamar a atenção para o âmbito dos poderes de que dispõe o Supremo Tribunal de Justiça para interferir na fixação dos factos materiais da causa.
Na verdade, o STJ funciona estrutural e constitucionalmente como um tribunal de revista e não como uma 3ª instância, conhecendo unicamente de matéria de direito nos termos do art. 26º da LOFTJ aprovada pela Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro, do art. 87º do CPT e dos arts. 721º e 722º do CPC, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido e não podendo, em regra, alterá-los
Constituindo um tribunal de revista, compete-lhe fundamentalmente apreciar a justeza da aplicação do direito substantivo, incidindo os seus poderes cognitivos sobre a matéria de direito da decisão recorrida (10).
Por isso o n.º 6 do art.º 712º já aqui aplicável(11), veda o recurso para o Supremo das decisões da Relação proferidas ao abrigo dos números precedentes daquele preceito, tornando evidente que não cabe ao STJ censurar se o Tribunal a quo fez um bom ou mau uso dos poderes correspondentes, a menos que essa censura decorra dos poderes próprios que também possui em matéria de facto.
Nos termos do preceituado no art. 722º, nº2 do CPC, aplicável “ex vi” do n.º 2 do art. 729º do mesmo diploma, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, nem o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto da revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, salvo havendo erros sobre regras de direito probatório material que ocorram no Acórdão da Relação, na sentença ou, até, nas respostas à base instrutória.
O art. 729º n.º 3, por seu turno, confere ao Supremo poderes para sindicar a coerência lógico-jurídica e a suficiência da decisão sobre a matéria de facto, permitindo-lhe corrigir as omissões de julgamento e as obscuridades resultantes de contradições insanáveis nessa matéria, impeditivas da aplicação do regime jurídico adequado, ordenando então a volta do processo à 2ª instância para ampliar a decisão de facto em ordem a esta constituir base suficiente para a decisão de direito.
Perante esses descritos poderes, logo se vislumbra que o critério para aferir a admissibilidade de controlo, em sede de decisão factual, por banda do S.T.J., não deve depender da opção, que a Relação tenha feito, sobre o uso ou não uso dos poderes que lhe são cometidos pelo art.º 712º do C.P.C., depende antes do fundamento da impugnação, tendo como parâmetro que a competência do tribunal de revista se circunscreve à violação da lei, é dizer, à matéria de direito.
Deste modo, e como se refere no Ac. do STJ de 21 de Fevereiro de 2006 (12):
- se a censura à decisão da Relação se acobertar em erro de direito, o Supremo pode apreciá--la;
- se, ao invés, estiver exclusivamente em causa a fixação da matéria de facto submetida ao regime geral da prova livre (art. 655.º, n.º 1 do CPC) e desacompanhada da violação de regras de direito probatório material, já o Supremo não pode sindicar a decisão correspondente.

3.3.3. Uma vez aqui chegados, importa, então, apurar, se ocorre fundamento para as pretendidas alterações da matéria de facto.
Deve começar por se dizer que o A. não individualiza com clareza nas conclusões das alegações quais os factos relativamente aos quais considera que a Relação não usou correctamente os meios de que dispunha para alterar a matéria de facto.
Resulta contudo do cotejo das conclusões com as próprias alegações e com os termos em que na apelação foi impugnada a decisão factual da 1.ª instância, que o primeiro facto que o recorrente entende dever ser dado como provado (e que as instâncias consideraram não provado) é o constante do ponto 1 da matéria de facto não provada, que tem o seguinte teor:
“Desde 25 de Julho de 2001, o A. passou a exercer nas instalações da Ré as funções de Director Coordenador”.

3.3.3.1. Relativamente a este facto, começa o recorrente por invocar que o Tribunal da Relação fugiu à questão de se pronunciar sobre o poder que lhe cabia de alterar a matéria de facto, ao referir que o A não tinha alegado elementos ou factos bastantes que caracterizassem a existência do contrato de trabalho. Na mesma linha, defende que ter sido “Director Coordenador” não é conceito de direito nem conclusão.
Não tem, porém, razão.
Na verdade, a Relação enfrentou, e bem, a questão, começando por afirmar que a matéria alegada, na parte que importa - “exercer (...) as funções de Director Coordenador” - contém apenas uma expressão de conteúdo técnico-jurídico, uma conclusão, sendo que essa matéria está directamente relacionada com uma das questões suscitadas na acção.
Afirma a este propósito o acórdão recorrido:
Não tendo o A. alegado nem provado o trabalho que prestou ou as funções que efectivamente desempenhou naquele dia, o tribunal nunca podia dar como provado que o mesmo desempenhou, nesse dia, nas instalações da Ré, as funções de Director Coordenador. Além de não se poder dar como provada uma conclusão, sem conhecer as respectivas premissas (as funções concretas que efectivamente desempenhou), tal matéria, se ficasse consignada na decisão da matéria de facto, nos termos pretendidos pelo apelante, teria sempre de considerar-se como não escrita, nos termos do art. 646º, n.º 4 do CPC, por ser constituída por matéria de direito. Como afirma Abrantes Geraldes, de nada vale a integração dessa matéria na decisão da matéria de facto, na medida em que, se tal ocorrer, a mesma deve considerar-se como não escrita, nos termos do art. 646º, n.º 4 do CPC.
Este raciocínio é exclusivamente de direito, pelo que deve o STJ pronunciar-se sobre o mesmo.
E, fazendo-o, não pode deixar de se sufragar o que pela Relação foi dito.
Na verdade, quando o art.º 646º - que cuida da intervenção e competência do Tribunal Colectivo na direcção e julgamento da causa – estabelece, no seu n.º 4, os limites da validade e atendibilidade das respostas à base instrutória dadas nesse domínio, está a reflectir sobre questões que integram matéria de direito.
Por isso, tem-se entendido que o Supremo é competente para decidir se as correspondentes respostas devem, ou não, ser eliminadas (13) .
No caso em análise, os factos demonstrativos da execução de um contrato de trabalho - atenta a relevância para efeitos de qualificação contratual que tem o modo de execução deste específico negócio de natureza consensual - integravam matéria que dizia respeito ao thema decidendum da acção.
Sabendo o A. que lhe incumbia demonstrar a vigência e execução de um contrato individual de trabalho ao serviço da R. naquele dia 25 de Julho, tinha o ónus de alegar e provar as funções efectivamente exercidas nesse mesmo dia, e o contexto em que as exerceu ou de que emergisse a disponibilidade para prestar a sua actividade profissional de modo subordinado. Só perante tais factos o tribunal poderia, depois, concluir se, nesse dia, o A. executou um contrato individual de trabalho ao serviço da Ré e, também, se as funções eventualmente exercidas ou que se disponibilizou a exercer se enquadram na categoria profissional de “Director Coordenador”, por confronto com o descritivo funcional constante do CCT para o Sector dos Seguros, publicado no BTE n.º 23 de 22 de Junho de 1995(14).

Mas a Relação não se limitou a afirmar – com acerto – que esta alegação que o A. pretende ver dada como provada não contém matéria de facto mas, sim, matéria de direito.
Avançou ainda para a análise da prova produzida (conjugando meios probatórios de natureza testemunhal e documental), pronunciou-se exaustivamente sobre a mesma, e considerou que dela não resulta qualquer elemento de facto que permita afirmar ter o A. prestado trabalho subordinado para a Ré naquele dia e, também, que dela não resulta, sequer, ter o A. estado durante todo o dia na sede da empresa.
Para tanto teceu, além do mais, as seguintes considerações:
“Da prova produzida resulta apenas que entre 20/7/2001 (data da assinatura do contrato de fls. 99 a 105) e 26/7/2001 (dia em que foi eleito e iniciou as funções de Administrador e de Presidente da Ré (cfr. fls. 344/346), o A. apenas se deslocou à empresa no dia 25/7/2001. E fê-lo, não para nesse dia prestar serviço como trabalhador subordinado da empresa, mas para se instalar no gabinete do Presidente da Comissão Executiva, que no dia seguinte iria ser o seu e que acabara de ser desocupado pelo Dr. DD (nesse dia ainda Presidente da Comissão Executiva). Nesse gabinete, esteve o A. nesse dia, durante algum tempo, da parte da manhã e da tarde, a arrumar as suas coisas pessoais e a conversar com a secretária MS, a qual, segundo afirmou em audiência de julgamento, nunca secretariou qualquer Director Coordenador, mas sempre e só Presidentes Executivos da empresa (cfr. cassete n.º 3, lados A e B e cassete n.º 4, lados A e B).
(…)
Quando o A. se deslocou, no dia 25/7/2001, às instalações da Ré, foi logo para se instalar no gabinete da Presidência, não se sentindo minimamente obrigado a apresentar-se à Administração, quanto mais não fosse para a cumprimentar e lhe pedir trabalho. Como, nesse dia, o único membro da Comissão Executiva da Ré, presente todo o dia nas suas instalações, foi o Administrador Eng.º CN, era perante este que o A. se devia ter apresentado e ter pedido indicações sobre o tipo de trabalho a prestar nesse dia. Mas o Eng.º CN, nesse dia 25/7/2001, durante o período de funcionamento da empresa, não foi por ele abordado para se apresentar e lhe pedir trabalho e nem sequer o viu (cfr. n.º 20 da matéria de facto provada). E o Dr. DD – que, no dia 25/7/2001, ainda era Administrador e Presidente da Ré - declarou em julgamento que, nesse dia, não distribuiu nem tinha que distribuir qualquer trabalho ao A., para ele executar como empregado, porquanto apenas o via como alguém que o ia substituir como Administrador e Presidente da empresa (cfr. cassete n.º 2, lados A e B). De resto, como já referimos atrás, o A. nem sequer alegou que trabalho concreto prestou ou que tarefas ou funções efectivamente desempenhou nesse dia 25/7/2001, nem houve uma única testemunha (fosse do A. fosse da R.) que o tivesse visto, nesse dia, a trabalhar para a Ré, na qualidade de Director Coordenador.
Sobre a convicção factual assim alcançada não pode o STJ exercer qualquer censura, na medida em que a matéria respectiva é susceptível de prova não vinculada e as instâncias formaram a sua convicção com base em meios probatórios sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova.

3.3.3.2. Invoca também o recorrente, ainda a propósito desta factualidade, que o documento contratual junto por ambas as partes (a fls. 9-15 e a fls. 99-105), que não foi impugnado nem arguido de falso, faz prova plena de harmonia com o art. 376.º do CC de que o A. foi contratado pela R. para prestar serviço como Director Coordenador.
Desta feita, a questão suscitada reconduz-se à força probatória deste documento, cuja apreciação se integra, como vimos, nos poderes de sindicância do Supremo.
O documento que titula o contrato constitui um documento particular.
Nos termos do preceituado no art. 374º n.º 1 do Cód. Civil “[a] letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado (…)”.
De acordo com o art.º 376º n.º 1 do mesmo diploma “[o] documento particular, cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”.
Por outro lado, o n.º 2 do mesmo preceito estabelece que “[o]s factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos previstos para, a prova por confissão”.
Finalmente, dispõe o art.º 394º n.º 1, ainda do Cod. Civil, ser “inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.
Resulta expressamente do texto contratual que, através do mesmo, o A. se obrigava a prestar a sua actividade profissional à R. como Director Coordenador.
Este facto mostra-se plenamente provado por documento e consta descrito, com maiores desenvolvimentos, que resultam do próprio texto do contrato, no ponto 2.1. da factualidade assente.
Mas o mesmo documento, provando com força probatória plena as declarações atribuídas aos seus subscritores e aquilo que nele foi clausulado, não tem a virtualidade de demonstrar que o A. exerceu as ditas funções.
Do estabelecimento de um programa contratual não resulta, necessariamente, que tal programa tenha sido efectivamente executado.
É aliás relativamente frequente que os tribunais tenham que se debruçar sobre situações em que há discrepâncias, maiores ou menores, entre o que as partes estabelecem nos contratos que exaram e o seu comportamento concreto na execução desses mesmos contratos, designadamente quando enfrentam questões de qualificação contratual.
Segundo Heinrich Horster(15), “Para a qualificação jurídica de um negócio é decisiva não a designação escolhida pelas partes ou o efeito jurídico desejado por elas, mas sim o conteúdo do negócio. Em caso de contradição entre o acordado e o realmente executado, prevalece a execução efectiva”.
Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 2007.03.22 (Recurso n.º 42/07, da 4.ª Secção), a força probatória plena do documento que titula um contrato (naquele caso de prestação de serviços), fixada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, n.º 1, e 376º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, por não ter sido impugnada a veracidade da letra e da assinatura, apenas evidencia a conformidade da vontade declarada das partes, e não impede que se alegue e prove que o contrato foi executado em termos divergentes, de modo a poder atribuir-se-lhe a qualificação jurídica de contrato de trabalho subordinado.
De acordo com o mesmo aresto, também nada obsta, nesse contexto, a que seja admitida a prova testemunhal relativamente ao modo como foi executado tal contrato, visto que esta se reporta, não ao conteúdo do documento com força probatória plena, mas ao modo como se processou, na prática, a execução do contrato, não ocorrendo, nessa hipótese, qualquer violação ao disposto no artigo 394º, n.º 1, do Código Civil.
No caso "sub judice" as instâncias debruçaram-se sobre os diversos meios de prova que lhes incumbia apreciar, incluindo prova testemunhal, avaliando-os e deles retirando os factos que, segundo a sua livre convicção, consideram estar provados, ou não provados, no que diz respeito ao exercício profissional do A. em benefício da R., não podendo o STJ sindicar a apreciação adrede feita ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova consignado no art. 655.º do CPC
Assim, a força probatória do documento de fls. 9-15 queda-se pela demonstração do que ficou consignado no ponto 2.1. da matéria de facto.

3.3.3.3. Ainda no que diz respeito ao facto de o A. ter exercido as suas funções de Director Coordenador como trabalhador da R. desde 25 de Julho de 2001, invoca o recorrente que a Ré o reconhece como tal nos documentos de fls. 97 e 371, bem como é reconhecida a sua qualidade de trabalhador nos documentos de fls. 97, 369 e 371, designadamente nos descontos para a Segurança Social.
Pretende o A. que o documento de fls. 97 faça prova plena de que foi remunerado no dia 25/07/2001 como Director Coordenador, sendo absurdo que se lhe retire força probatória do facto de ter sido ele próprio a mandar processar esse vencimento.
E pretende que o de fls. 371 comprove plenamente a admissão do A. em 25/07/2001 como Director Coordenador.
Defende que em ambos, bem como no de fls. 369, a R. o reconhece como Director Coordenador.
Relativamente a estes documentos ficaram provados os factos que constam dos n.ºs 2.21. a 2.23., a saber:
- A Ré pagou e descontou ao A., segundo as designações aí previstas, os valores de fls. 97 a 98, 365 a 370 (2.21.).
- O A. determinou à referida Secretária da Comissão Executiva, MS, os termos em que deviam ser processadas as quantias relativas ao dia 25 de Julho de 2001, bem como as demais quantias que lhe foram processadas e pagas antes da sua destituição como Administrador da Ré (2.22.).
- Foi também a dita MS que elaborou o escrito de fls. 371, e o remeteu à Softsol, empresa que processava o pagamento dos salários da Ré. (2.23.).
Cremos que a força probatória destes documentos de fls. 97, 369 e 371 não permite que se considere provado mais do que o que consta destes números da matéria de facto, de modo algum demonstrando, com força probatória plena, que o A. passou a exercer funções como trabalhador da R. desde o dia 25 e Julho de 2001
Senão vejamos.
Compulsando os documentos referidos pelo recorrente, verifica-se que o de fls. 97 constitui um “recibo de remunerações” emitido pela R., aí se identificando o A. como Presidente da Comissão Executiva e que nele constam valores pagos relativos ao dia 2001/07/25.
O documento de fls. 369 constitui também um “recibo de remunerações” emitido pela R., relativo ao mês de Dezembro de 2002, aí se identificando o A. como Presidente da Comissão Executiva (designação impressa que foi riscada no documento) e nele constando valores pagos ao A. relativos a esse mês.
Como é o A. quem pretende fazer uso de ambos os recibos, o facto de os mesmos se não mostrarem por si assinados não impede o efeito confessório deles emergente.
Os factos compreendidos nas declarações constantes destes “recibos de remunerações” (fls. 97 e 369) têm-se como provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (art. 376.º do CC), pelo que apenas têm valor confessório as declarações constantes dos recibos enquanto declarações de quitação de débitos, sendo em tal âmbito inadmissível a prova testemunhal (art. 393.º, n.º 2 do CC).
Sobre a natureza daqueles débitos - se constituem efectivamente a contra-prestação de uma prestação de trabalho subordinado - já as referidas declarações não têm valor confessório, uma vez que o art. 376.º, n.º 2 do CC fala em “factos” e não em qualificações jurídicas(16).
O documento de fls. 371, por seu turno, é um documento subscrito pela secretária da Administração da R., com data de 03/08/2001, relativo à remuneração do Presidente da Comissão Executiva, nele se referindo como data de admissão do A. “25 de Julho de 2001” e como “Cargo a essa data” o de “Director Coordenador”.
No que diz respeito a este documento de fls. 371, não é também o mesmo susceptível de demonstrar, com força probatória plena, que o A. foi admitido ao serviço da R. como Director Coordenador em 25 de Julho de 2001.
Desde logo, nada demonstra que a Secretária que o subscreveu tenha poderes para representar a R., pelo que qualquer declaração por esta emitida não é, por si só, idónea a vincular a R. em termos confessórios (arts. 352.º e 353.º, n.º 1 do CC).
Tanto basta para considerar este documento inidóneo para alcançar os efeitos pretendidos.
Ademais, deve acrescentar-se que o facto de o A. ter sido remunerado pela R. nos termos em que o foi - como emerge do ponto 2.21. da matéria de facto - apenas é susceptível de relevar, na sua materialidade, como um eventual indício a ponderar em sede de qualificação jurídica dos factos apurados, a par de outros que apontem, ou não, no sentido da vinculação laboral do A. (para o que assumiria assinalável relevo o próprio exercício profissional em si, que o A. não demonstrou). Porém, nesta sede puramente factual, a força probatória dos documentos invocados pelo recorrente não demonstra mais do que o que ficou a constar da matéria de facto assente pelas instâncias.
Finalmente deve dizer-se, porque o recorrente o alega, que destes documentos nada se retira quanto a terem sido efectivados descontos para a Segurança Social (o único desconto efectuado nos vencimentos referenciados nos recibos reporta-se a um prémio de seguro de doença)(17).
Improcede pois a pretensão do recorrente de ver dada como provada a matéria referente ao alegado exercício laboral ao serviço da R. desde o dia 25 e Julho de 2001 com base nestes documentos.
*
3.3.4. Pretende também o recorrente que se dê como provado o facto que consta do ponto 3 da matéria de facto não provada, com o seguinte teor: Desde aquele dia [25/7/2001], auferia a remuneração mensal de € 4.489,18, acrescida dos prémios de antiguidade previstos no CCT, subsídios de férias e de Natal”.
Para tanto invoca que a R. o remunerou livremente nos meses de Novembro e Dezembro de 2002, como Director Coordenador, acatando o parecer dos seus Advogados de fls. 576 a 578, conforme os depoimentos das testemunhas FF e GG e que no sentido do reconhecimento dessa qualidade, temos a circunstância de o A. ter beneficiado de cartão de crédito pessoal, seguros pessoais e viatura, como Director Coordenador, prevendo o contrato que as funções fossem, como foram, de Assessoria à Administração (cláusula 33 do contrato de fls. 10).
Relativamente à ponderação dos “recibos de remunerações” relativos aos meses de Novembro e Dezembro - fls. 98 e 369 -, nada há a acrescentar ao que já foi dito, valendo quanto ao recibo de Novembro de 2002 - fls. 98 - as considerações já produzidas quanto aos de fls. 97 e 369.
Quanto à ponderação dos depoimentos testemunhais e sua conexão com um parecer de advogados e com aqueles recibos, o inerente juízo probatório escapa à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça. O que o A. pretende, ao fim e ao cabo, é a reapreciação da prova testemunhal produzida e o confronto desta com os documentos que - já se viu - não têm força probatória plena quanto à factualidade que o A. pretende ver demonstrada.
No que diz respeito aos demais elementos que o recorrente invoca, resultam eles mesmos da matéria de facto apurada - vide o ponto 2.25. quanto ao cartão de crédito, à viatura e aos seguros e os pontos 2.26. e 2.27. quanto à opinião dos advogados - constituindo factos provados e a ponderar em sede de qualificação jurídica dos vínculos estabelecidos. Mas não têm a virtualidade de constituir, eles mesmos, a prova do facto continuado relativo ao que o A. auferiu desde o dia 25 de Julho de 2001 (facto que consta do ponto 3 da matéria de facto não provada).
Além disso, não vemos de onde retira o A. a afirmação de que exerceu funções de assessoria à Administração nos meses de Novembro e Dezembro de 2002, com vista a daqui inferir-se o facto de que foi remunerado, não bastando obviamente para o efeito que tal esteja previsto na cláusula 3.ª do contrato, como resulta do já exposto.
Como bem se refere no acórdão da Relação, “não tendo o A. conseguido provar que trabalhou por conta da Ré, ou que esteve à disposição desta, no dia 25/7/2001, e no período compreendido entre 15/11/2002 e 10/1/2003, o tribunal não podia dar como provado que o A., nesse período, auferia a remuneração mensal de € 4.489,18, acrescida dos prémios de antiguidade previstos no CCT, subsídios de férias e de Natal, já que a retribuição é a contrapartida do trabalho prestado e o seu pagamento pressupõe a prestação de trabalho ou, pelo menos, a disponibilidade do trabalhador para a prestação desse trabalho, e essa prestação ou essa disponibilidade não se provaram, no caso em apreço” (cfr. art. 82.º da LCT aprovada pelo DL n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 e o art. 249.º do Código do Trabalho actualmente em vigor).
Deve ainda notar-se que os pagamentos e descontos efectuados pela R. ao A., a que se reportam os recibos invocados a este propósito, estão também contemplados no ponto 2.21. da matéria de facto assente pelas instâncias.

3.3.5. Sustenta ainda o recorrente ser inaceitável ter-se a Relação recusado a censurar a 1ª Instância, por não ter dado como provado que o A. se desvinculou do Instituto de Seguros de Portugal do cargo de Director Coordenador Principal, porquanto tal está provado, por não impugnação e confissão, sendo que a sua cessação de funções de Presidente do INGA está provada pelo Diário da República de fls. 619.
Ora o que o tribunal recorrido afirmou foi que não podia atender a pretensão do apelante de considerar provado o facto de que se desvinculou do contrato com o ISP e do lugar de Presidente do INGA “para poder ingressar na Ré.” (vide a conclusão 9.ª da apelação).
E justificou esta decisão na circunstância de não ter o recorrente especificado quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada, que não foram levados em consideração ou que considera incorrectamente apreciados e interpretados e que, em sua opinião, impunham, em relação a estes pontos, uma decisão diferente da que foi tomada, nem indicado onde se localizam, nessa gravação, o início e o termo de cada um dos depoimentos a reapreciar, o que impede o conhecimento pela Relação daquela matéria em face do art. 690º-A, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPC.
O recorrente não alega que deu cumprimento a estas exigências legais para a reapreciação da matéria de facto, limitando-se a dizer que é inaceitável a recusa da Relação em proceder a tal reapreciação por estarem plenamente provadas as desvinculações em análise.
Ora, o facto que poderia ter relevo para o mérito da acção - designadamente por poder constituir um elemento interpretativo relevante para apurar a vontade das partes quando se vincularam em 20 de Julho de 2001 e para fixar o sentido das estipulações contratuais constantes do documento então subscrito por elas, em face do que estabelece o art. 236.º do CC - não era o da materialidade das desvinculações, mas, sim, a motivação do A. quando a elas procedeu e a sua interligação com a ulterior vinculação do A. à R.
Por isso, o A. alegou, logo no art. 1.º da sua petição inicial, tal motivação.
Quanto às desvinculações em si, uma vez que poderão em abstracto resultar de múltiplas e distintas razões (eventualmente sem qualquer conexão com o contrato celebrado entre as partes), não têm relevo autónomo para figurar na matéria de facto assente nestes autos.
Como resulta do disposto nos arts. 508.º-A, n.º 1, al. e) e 511.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, o juiz, ao seleccionar os factos assentes e ao fixar a base instrutória, selecciona a “matéria de facto relevante para a decisão da causa” que deva considerar-se assente e controvertida, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Só os factos com relevância para a solução do litígio devem figurar nesta peça processual e só estes devem constituir objecto do julgamento da matéria de facto a realizar ulteriormente (18) .
Assim, embora os factos objectivos da rescisão do contrato de trabalho com o ISP e da cessação de funções no INGA constituam factos que não foram impugnados pela R. - limitando-se esta na alegação que fez constar do art. 119.º da contestação a impugnar a motivação do A. quando rescindiu o contrato de trabalho com o ISP e quando cessou funções no INGA - o certo é que não têm relevo autónomo para a solução do litígio.
Quanto à motivação do A. nas desvinculações em análise - para poder ingressar na R., conforme alegou nas alegações da apelação - trata-se de um facto que foi impugnado no art. 119.º da contestação (no qual a R. alega que ignora e não é obrigada a saber se foi para celebrar o contrato com a R., ou para qualquer outro fim, que o A. rescindiu o contrato com o ISP e cessou funções no INGA).
Este facto encontra-se sujeito ao regime da prova “livre” e o documento invocado pelo A. relativamente ao INGA (a cópia do jornal oficial onde foi publicada a exoneração a seu pedido do A. do cargo que desempenhava no INGA) não tem a virtualidade de o demonstrar.
Assim, apesar de o A. identificar nas suas alegações (a fls. 1096) um depoimento testemunhal que terá abordado tal facto, a apreciação da veracidade do mesmo excede os poderes de sindicância do Supremo nesta matéria, nada havendo a alterar.
*
3.3.6. Finalmente, e ainda em sede fixação da matéria de facto, sustenta o recorrente que, no que diz respeito à celebração pela Ré de contratos semelhantes ao celebrado com o A, basta ver o constante de fls. 107 a 110, de fls. 550 e 551 e um depoimento testemunhal, sendo impressionante que a Relação insista que tal não se provou.
Deve dizer-se desde logo que a apreciação da pretensão do recorrente no sentido de se considerar provado terem sido celebrados pela R. contratos semelhantes aos do A. implicaria a decisão de uma “questão nova” não apreciada pelo tribunal da Relação na perspectiva em que agora é colocada ao STJ, uma vez que o recorrente não questionou a decisão de facto da 1.ª instância perante o Tribunal da Relação, no que a esta matéria diz respeito.
Lendo as conclusões das alegações da apelação na parte que respeita à impugnação da matéria de facto (conclusões 1.ª a 9.ª) verifica-se que delas não consta qualquer referência a esta matéria dos contratos semelhantes que a R. celebrara com outras pessoas.
E, por isso, não consta também do acórdão uma só palavra, na parte que reservou à averiguação do erro no julgamento da matéria de facto, sobre outros contratos celebrados pela R.
O recorrente vem questionar na revista a afirmação da Relação de que “não ficou provado no processo ser usual na Ré a celebração de contratos semelhantes ou similares aos dos autos”, fazendo constar a fundamentação desta sua impugnação na parte das alegações que reservou à censura pelo STJ do mau uso feito pela Relação dos poderes de que dispunha para alterar a matéria de facto.
Só que esta afirmação da Relação, que o recorrente agora questiona, não resulta de uma decisão em matéria de facto e foi efectuada já em sede de fundamentação jurídica do acórdão, resultando, por isso, da análise da factualidade que ficou provada a tal propósito.
Na verdade, na sequência da alegação do A. constante dos arts. 39.º da petição inicial e 10.º da resposta, a 1.ª instância veio a considerar provados os factos constantes dos n.ºs 2.29. e 2.30. quanto aos vínculos estabelecidos entre a R. e, respectivamente, o Eng. CN e o Dr. FF, por remissão para os documentos de fls. 548-550 e também de fls. 107-110 (que o A. agora vem invocar para se considerar provado que foram celebrados pela R. contratos semelhantes aos do A.)
E veio a julgar não provado que o Dr. AC e o Eng. LA tivessem celebrado com a R. documento contratual idêntico ao do A. (ponto 8 da matéria de facto não provada a fls. 637).
O Tribunal da Relação não apreciou a decisão fáctica da 1.ª instância a este propósito - nem tinha que apreciar este ponto porque não foi questionado na apelação -, e fez a afirmação que se transcreveu em sede de fundamentação jurídica, já depois de fixada a matéria de facto, na qual fez incluir os pontos 2.29. e 2.30., de onde terá extraído a conclusão de que não ficou provado no processo ser usual na Ré a celebração de contratos semelhantes ou similares aos dos autos.
Assim, quer desde logo por se tratar de questão factual não suscitada perante a Relação, quer também porque se trata de uma afirmação constante da fundamentação jurídica do acórdão, quer ainda porque o modo como foi colocada a questão demanda a apreciação de meios probatórios que escapam à sindicância do STJ, não cabe agora alterar a matéria de facto neste ponto em concreto, sem prejuízo de, na sede própria, se ponderarem os factos que ficaram provados com relevância para esta matéria.
Improcedem, na totalidade, as alegações do recorrente no que diz respeito à decisão da matéria de facto.


3.4. Da validade do “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço” celebrado em 20 de Julho de 2001

No que diz respeito ao mérito da acção, o acórdão recorrido considerou, em suma, que a relação de administração protagonizada pelo A. não podia ser estabelecida ao abrigo do DL n.º 404/91 de 16 de Outubro, que só pode celebrar-se um contrato de comissão de serviço quando a relação estabelecida entre as partes seja configurável, antes de mais, como um contrato de trabalho, que o exercício das funções de administrador societário não pode assentar nunca num contrato de trabalho, que o art. 398.º do CSC e o citado DL n.º 404/91 têm campos de aplicação distintos, que o programa contratual estabelecido no documento de fls. 99-105 não teve correspondência na realidade e que o mesmo é nulo, quer por contrariar normas imperativas de natureza e ordem públicas, quer por ter sido celebrado e desenvolvido com fraude à lei.
Decidiu, ainda, que a R. não actuou de má fé por não estar vinculada aos deveres emergentes do acordo e que, sendo o negócio jurídico nulo, ele não produz quaisquer efeitos.
O recorrente, por seu turno, sustenta que o contrato celebrado entre as partes tem pleno acolhimento no DL n.º 404/91, de 16/10 - que pretendeu criar condições para que, quadros qualificados, como é o caso do A, pudessem assumir funções de Administração, com acautelamento dos seus direitos de trabalhadores e segurança de emprego, pelo recurso à "Comissão de Serviço" -, que o contrato resultou da livre solicitação da Ré ao A e o seu clausulado foi proposto pela Ré e minutado pelos seus advogados, com a livre vontade da Ré e dos seus legais representantes, que o DL n.º 404/91 se concilia com o art. 398.º do CSC, tendo-o derrogado no que diz respeito aos contratos de trabalho com duração inferior a um ano, que este preceito é inconstitucional na sua vertente de direito laboral, que não se verificou fraude à lei, que a R. actuou com abuso de direito e de má fé e que, caso se entenda que o contrato é nulo, a sua execução em várias vertentes implica, por força do disposto no art. 15.º da LCT, a produção de efeitos.

3.4.1. Enfrentemos, em primeiro lugar a questão da qualificação dos vínculos que emergem do acordo junto a fls. 99 a 105 que as partes denominaram de “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço”.
Este acordo consubstancia aquilo que é doutrinalmente comum designar por uma “união de contratos” (assim o entendem, quer o A., quer a R.), na medida em que reúne, num único título, duas molduras contratuais típicas distintas. Nele se cumulam:
- um negócio designado “contrato de trabalho”, regulado sob as cláusulas 1ª a 12ª, e
- um designado “acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço”, regulado nas cláusulas 13ª a 16ª.
O primeiro negócio tem como objecto a contratação do A. para desempenhar, por conta da R., a actividade profissional correspondente à categoria de “Director Coordenador”, sob a égide das disposições legais que disciplinam o contrato individual de trabalho e das estipulações constantes do CCT do Sector dos Seguros.
O segundo tem como objecto o exercício, por parte do A., das funções de administrador da R., a partir de 26 de Julho de 2001, segundo o regime jurídico da comissão de serviço contido no DL 404/91.

3.4.1.1. No que diz respeito ao primeiro contrato - o “contrato de trabalho” -, as cláusulas contratuais convencionadas reconduzem-se, efectivamente, ao modelo previsto no art. 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT) (19).
O A. obrigou-se a prestar a sua actividade profissional à ré, como “Director Coordenador” “ficando assim e no desempenho das atribuições que lhe forem confiadas, sob a autoridade e direcção” da ré, convencionou-se que o contrato, intitulado “de trabalho” se regeria “pelas disposições legais que regulam o contrato individual de trabalho sem termo e pelas disposições do CCT do sector de Seguros”, que não ficaria “sujeito a período experimental” e produziria efeitos desde 25 de Julho de 2001 (cláusulas 1.ª, 2.ª e 12.ª), estipulou-se uma “remuneração mensal de 900.000$00 acrescida dos prémios de antiguidade previstos no citado CCT, bem como de subsídios de Natal de igual valor cada um” (cláusula 3.ª), bem como um “Prémio anual de desempenho de valor igual a três meses da remuneração mensal ilíquida; Cartão de crédito pessoal, no valor mensal de 240.000$00; Viatura da empresa até ao valor de 9.800.000$00, com opção de compra em condições idênticas às praticadas para os quadros superiores da Companhia; Seguros pessoais (doença, acidentes pessoais, vida e responsabilidade civil profissional), nas condições praticadas pela Companhia para os seus quadros superiores” (cláusula 4.ª).
Convencionou-se, ainda, o direito a uma ulterior “pensão complementar de reforma vitalícia calculada nos termos que se encontram presentemente regulados, para a sua situação, no CCT do sector de seguros” (cláusula 6.ª), um “local de trabalho” (cláusula 8.ª) e um “período normal de trabalho de trinta e cinco horas semanais”, bem como a submissão ao “horário de trabalho em vigor na primeira outorgante, sem prejuízo de a sua actividade poder ser exercida em regime de isenção de horário de trabalho se a segunda outorgante assim o desejar” (cláusula 10.ª) prescrevendo-se finalmente os “prazos de denúncia de aviso prévio a observar para a denúncia ou rescisão por parte do segundo outorgante” por remissão para “os constantes do art.º 38.º do Decreto Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro” (cláusula 11.ª).

O que a factualidade apurada denota, contudo, é que o contrato de trabalho que emerge do programa contratual formalmente estabelecido nunca foi executado pelo recorrente.
Não houve qualquer prestação de trabalho por parte deste à R. - quer antes de ser eleito em 26 de Julho de 2001 como administrador, quer depois de ter sido destituído do Conselho de Administração de que fazia parte em 14 de Novembro de 2002 -, nada resultando dos autos para além da actividade desenvolvida pelo recorrente no estrito âmbito da relação de administração.
Nos períodos que antecederam o exercício de administração societária e nos que lhe sucederam não foi exercida pelo recorrente qualquer actividade em benefício da R., nada apontando no sentido de que as relações contratuais estabelecidas entre as partes se tenham desenvolvido num contexto de subordinação jurídica.

3.4.1.2. No que diz respeito ao segundo contrato - “acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço” -, cujo objecto é o exercício, por parte do A., das funções de Administrador da R., a partir de 26 de Julho de 2001, segundo o regime jurídico da comissão de serviço contido no DL 404/91, temos como certo que o A. veio efectivamente a ser eleito administrador da R. através da eleição ocorrida na indicada data, exercendo as correspondentes funções de administração até que veio a ser destituído do cargo por força da deliberação da Assembleia Geral de sócios da R. de 14 de Novembro de 2002.
O A. adquiriu pois a qualidade social de Administrador da R. e exerceu as correspondentes funções no período compreendido entre 26 de Julho de 2001 e 14 de Novembro de 2002, não havendo dúvidas de que se firmou entre as partes uma relação de Administração societária.
No convénio celebrado em 20 de Julho de 2001 - data em que a referida eleição já estava assegurada como resulta da respectiva cláusula 13.ª, n.º 1 - estabeleceu-se que o exercício de tal cargo se processaria, desde o início, ao abrigo do regime jurídico da comissão de serviço contido no DL n.º 404/91, de 16 de Outubro.
Considerou o Tribunal da Relação que não é juridicamente admissível recrutar um administrador societário através de um acordo como este.
Perante a posição assumida pelo recorrente na revista, para aferir da validade do convénio em análise haverá que abordar sucessivamente, os problemas de saber:
- se, à face da nossa lei, é possível acumular a qualidade de administrador societário com a de trabalhador subordinado e em que medida é possível estabelecer relações laborais conexas com a relação de administração,
- qual a natureza jurídica da “comissão de serviço” regulada pelo DL n.º 404/91 e, ainda,
- se é admissível exercer funções de administração societária através de um “acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço” como aquele que se encontra documentado nestes autos.

3.4.2. Conforme têm constituído doutrina e jurisprudência pacíficas, a lei é frontalmente desfavorável ao cúmulo, num mesmo sujeito, das qualidades de Administrador de uma sociedade anónima e de trabalhador, subordinado ou autónomo, dessa mesma sociedade, seja a constituição do vínculo laboral anterior, simultânea ou posterior à da relação de administração.
E revela, além disso, uma particular hostilidade relativamente às situações de trabalho conexas com a relação de Administração.
É o que resulta com clareza do disposto no art. 398.º do Código das Sociedades Comerciais (inscrito no título relativo às sociedades anónimas), que prescreve nos seguintes termos:
1 - Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador.
2 - Quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade ou em sociedades referidas no número anterior, exerça qualquer das funções mencionadas no mesmo número, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem sido celebrados há menos de um ano antes da designação, ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano.
(…)”
Assim, o n.º 1 impede a coexistência do vínculo laboral e de Administrador de uma mesma sociedade ao proibir aos administradores de sociedades anónimas, durante o período para o qual foram designados, o exercício, “na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo” de “quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo”, bem como a celebração de “quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador”.
Por seu turno, o n.º 2 resolve essa incompatibilidade entre os vínculos laboral e de administração pela suspensão do primeiro com a assunção do cargo de Administrador, se tiver sido celebrado há mais de um ano, e pela extinção do mesmo, se tiver sido celebrado há menos de um ano.
Daqui resulta que o exercício das funções de um Administrador societário não pode assentar, nunca, num contrato de trabalho.
Várias razões justificam esta opção legislativa.
Em primeiro lugar, a tutela da independência, autonomia e idoneidade do Administrador. Neste sentido, a norma insere-se num conjunto mais abrangente, que visa evitar conflitos de interesses e garantir que o Administrador social vá agir em conformidade com o art. 64.º do CSC, isto é, prosseguir o interesse social tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. Como se refere no Ac. do STJ de 2007.10.17 (Recurso n.º 1615/07, da 4.ª Secção), “competindo ao conselho de administração de uma sociedade, nos termos do artº 405º do indicado Código, gerir as actividades da sociedade – nestas se incluindo, inter alia, a abertura ou encerramento de estabelecimentos, extensões ou reduções assinaláveis da sua actividade, introdução de modificações importantes na sua organização e projectos de fusão, cisão ou transformação [cfr. alíneas g), h), i) e m) do artº 406º] –, torna-se patente a repercussão que aquela gestão possa, eventualmente, vir a ter no universo dos trabalhadores da sociedade, com a consequente possibilidade de surgimento de conflitos de interesses entre aqueles e esta”.
Além disso, o risco acrescido de fraude na constituição de relações laborais. Como escreve Ilídio Rodrigues (20), “a proibição do cúmulo (…) visa evitar que as garantias de estabilidade concedidas pelo Direito do Trabalho restrinjam o funcionamento efectivo do princípio da livre destituição do administrador, evitando-se abusos e fraudes, nomeadamente através da celebração de um contrato de trabalho fictício, anterior à designação, para garantir ao futuro administrador as regalias laborais após a cessação das suas funções”. Assim, perante a nomeação como administrador da sociedade de um seu trabalhador cujo contrato de trabalho tenha sido celebrado há menos de um ano, o n.º 2 do art. 398.º do CSC estabelece a extinção do contrato por a escassa duração do vínculo fazer avolumar o receio de fraude. Embora a situação se não reconduza à contemplada no art. 398.º, n.º 1, in fine - em que o Administrador utiliza o cargo para obter um vínculo com a sociedade quando cessar funções - existe uma grande afinidade entre elas. É lícito, razoavelmente, temer que o Administrador tenha condicionado a aceitação da designação à obtenção de um vínculo que, apesar de anterior – ao menos formalmente – ao exercício do cargo, se projecta sobretudo no futuro, uma vez cessada a Administração. A questão com que se defronta em tais casos o ordenamento reside justamente em evitar celebrações de contratos temporalmente próximos da designação e presumivelmente fraudulentos, para conseguir a manutenção, após a cessação do cargo de Administrador, de um vínculo remunerado com a sociedade.
Finalmente, o perigo de subversão da hierarquia e da organização empresarial, que situações de confusão ou de ambiguidade de papéis potenciam.
Estas razões conferem à norma um cariz de “ordem pública” e afastam-na da disponibilidade das partes, aplicando-se mesmo contra a vontade destas.
Perante esta regulação normativa, a jurisprudência tem considerado que, para além de ser muito difícil detectar nestes casos em termos fácticos uma situação de subordinação jurídica, a eventual coexistência desta com a aludida qualidade social implica a nulidade do contrato de trabalho por violação da proibição constante do art. 398º do CSC.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 2004.02.11 (Revista n.º 405/03 da 4ª Secção), o preceito do art. 398º, n.º 1 é incontornável, por imperativo, implicando a nulidade do contrato de trabalho que o administrador celebre, ainda que confirmado em Assembleia Geral da sociedade anónima, sendo a deliberação desta também nula de acordo com o que dispõe o art. 56º, n.º 1, al. d) do CSC.
Também o Ac. do STJ de 2004.09.30 (Revista n.º 2053/03, da 4.ª Secção) decidiu que o art. 398º, n.º 1 do CSC estabelece um obstáculo ao estabelecimento e manutenção de relações laborais entre a sociedade e o administrador societário (titular de um órgão social com funções administrativas).
Mais recentemente, o Ac. do STJ de 2007.03.07 (Recurso n.º 4476/06, da 4.ª Secção), considerou que cai sob a alçada o artigo 398º, n.º 1, do CSC, que proíbe a acumulação de funções de administrador com as de trabalhador subordinado, a situação de um presidente da direcção de uma cooperativa que, mantendo-se nessa qualidade, passou a exercer funções de director executivo em regime de trabalho subordinado, através de contrato de trabalho que celebrou com a instituição que dirigia, sendo este contrato nulo nos termos da regra geral do artigo 294º do Código Civil, que, na ausência de regime especial, comina com a nulidade a violação de norma imperativa.
Do mesmo modo, o já citado Ac. do STJ de 2007.10.17 decidiu que uma trabalhadora que tenha sido nomeada administradora da entidade empregadora, por deliberação desta, fica com o seu contrato de trabalho suspenso, nos termos do n.º 2 do art. 398.º do CSC, ainda que mantenha as funções que anteriormente desempenhava. De acordo com este aresto, mesmo que porventura se tivesse demonstrado que as tarefas inerentes à direcção administrativa ou chefia de serviços já tivessem sido cometidas à trabalhadora antes da sua designação para vogal do Conselho de Administração, o seu desempenho, após essa designação, haveria que considerar-se esteado, não no contrato de trabalho subordinado, mas sim no «contrato de administração» ou «de mandato» como administrador.
Haverá pois de concluir-se pela absoluta incompatibilidade dos vínculos laboral e de administração e, também, por uma hostilidade da lei relativamente às relações laborais conexas com a relação de administração, que se traduz numa regulação restritiva da possibilidade de o Administrador assegurar uma futura posição remunerada na sociedade, o que é comum à generalidade dos tipos societários previstos na nossa lei, e que, como salienta o acórdão recorrido, é mais visível e acentuado no domínio das sociedades anónimas, nomeadamente daquelas que, como a R., se encontram estruturadas de acordo com o modelo organizativo enunciado no art. 278º, n.º 1, al. a) do CSC (Conselho de Administração e Conselho Fiscal) (21).

3.4.3. Como resulta do Acordo de Julho de 2001, os seus subscritores lançaram mão da figura contratual da comissão de serviço regulada no Decreto-Lei nº 404/91 para enquadrar o exercício pelo recorrente das funções de Administrador da R.
Na perspectiva do recorrente, o contrato celebrado entre o A. e a R. tem pleno acolhimento no DL n.º 404/91, de 16/10, que pretendeu criar condições para que, quadros qualificados, como é o caso do A, pudessem assumir funções de Administração, com acautelamento dos seus direitos de trabalhadores e segurança de emprego, pelo recurso à "Comissão de Serviço".
Debrucemo-nos pois sobre a natureza jurídica da comissão de serviço, o que é fundamental para aferir da viabilidade do recurso a este modo de vinculação como fonte da relação de Administração das sociedades anónimas.
A comissão de serviço é uma figura oriunda do Direito Administrativo, na vertente relativa ao funcionalismo público (22).
Tendo sido inicialmente admitida no Direito do Trabalho com carácter meramente pontual, por virtude de alguns instrumentos de regulamentação colectiva celebrados no âmbito das empresas públicas - art. 23.º do DL n.º 260/76, de 8 de Abril - acabou por ser consagrada no direito laboral privado, com carácter geral, com o D.L. n.º 404/91 de 16 de Outubro, que, nos termos expressos do sumário constante do jornal oficial, “[e]stabelece o novo regime jurídico do trabalho em comissão de serviço”.
Como se explica no respectivo preâmbulo, é a seguinte a motivação que subjaz à fixação deste regime:
O exercício de funções que pressuponham uma especial relação de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador não apresenta, no quadro do actual regime jurídico do contrato individual de trabalho, qualquer especialidade relativamente ao dos demais trabalhadores.
Hoje em dia, porém, reconhece-se que a necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais implica soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige.
Por outro lado, sendo estes atributos de natureza marcadamente interpessoal, o seu desaparecimento concorre, normalmente, para o desenvolvimento de situações degradadas de relacionamento no trabalho, com consequências prejudiciais para ambas as partes e para outros trabalhadores, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa.”
Este diploma adoptou assim um regime excepcional de recrutamento para o desempenho de cargos que exijam uma relação especial de confiança entre o empregador e o trabalhador e veio possibilitar a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, ou seja, sem que se produza o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade que emerge dos arts. 21º, nº1, alínea d) e 23º da LCT.
Por outro lado, e relativamente à extinção das relações contratuais, veio possibilitar que, a todo o tempo, qualquer das partes faça cessar a prestação do trabalho em comissão de serviço, devendo cumprir o prazo de aviso prévio de 30 ou 60 dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha tido uma duração até dois anos ou mais de dois anos e não carecendo o acto de fundamentação expressa.
Em consonância com a motivação constante do preâmbulo, o instituto em análise rompeu com alguns princípios basilares do direito laboral, designadamente os que se prendem com a tutela da categoria profissional e com o carácter duradouro do vínculo, privilegiando “a transitoriedade da função e a reversibilidade do respectivo título profissional”, bem como a facilidade da sua extinção (23), estabelecendo um regime laboral especial.
Bem se compreende a flexibilização da relação laboral inerente à comissão de serviço: é que ela permite, desde logo, que o empregador ocupe, através de nomeações transitórias, postos de trabalho, que exigem uma relação especial de confiança e que se traduzam em necessidades permanentes da empresa, do mesmo passo que facultam ao trabalhador o exercício de funções a que, de outro modo, dificilmente lograria ascender (24).
Desta motivação, e do modo como são perspectivadas no diploma as especialidades nele previstas face ao regime laboral comum, resulta, com clareza, que a comissão de serviço tem natureza laboral, constituindo um regime laboral especial.
Além disso, diversos são os preceitos que, literalmente, pressupõem tal natureza: o art. 4º, n.ºs 1 e 2 refere-se sempre à “prestação de trabalho em regime de comissão de serviço”, o art. 2.º confere preferência no exercício de cargos em regime de comissão de serviço aos “trabalhadores já vinculados à entidade empregadora” e o art. 6º, sob a epígrafe “aplicação do regime geral”, dispõe que se aplica ao trabalho em comissão de serviço o “regime jurídico do contrato individual de trabalho” em tudo o que não contrarie o disposto do mesmo diploma, sendo ainda de salientar a al. c) do n.º 3 do art. 4.º que pressupõe a persistência do poder disciplinar.
Também a doutrina tem afirmado a natureza laboral da comissão de serviço prevista e regulada no DL 404/91 (25).
No âmbito do actual Código do Trabalho a comissão de serviço encontra-se prevista na Secção V do Capítulo II, que trata precisamente da “Prestação de Trabalho”, e mostra-se regulada em termos essencialmente idênticos aos resultantes do DL n.º 404/91 (26).
Assim, não obstante as particularidades que encerra face ao regime laboral comum, o acordo de comissão de serviço pressupõe sempre um contrato de trabalho (ou pré-existente ou especialmente celebrado para o efeito), pelo que só poderá convencionar-se um contrato de comissão de serviço quando a relação estabelecida entre as partes seja configurável, antes de mais, como um contrato de trabalho, ou seja, quando preencha os elementos típicos desta figura contratual: prestação de actividade, retribuição e subordinação jurídica.
Em suma só é legítimo lançar mão de uma prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, tal como esta se encontra prevista e regulada no DL 404/91, quando se esteja em presença de uma relação que possa constituir objecto idóneo de um contrato de trabalho.
*
3.4.4. Enquanto figura de natureza laboral, a comissão de serviço está abrangida pela incompatibilidade entre os vínculos laboral e de Administração definida pelo art. 398.º, n.º 1 do CSC.
Constituindo aquela figura contratual um mecanismo de nomeação transitória para o exercício subordinado de certos cargos, mostra-se inidónea para suportar a relação de administração que constitui um vínculo não laboral, informado por regras e critérios próprios, bem diversos dos que regem o contrato de trabalho – como a autonomia e independência do Administrador, a sua subordinação ao interesse social e não à maioria que o elegeu ou ao sócio ou grupo de sócios que o nomeou.
Aliás, como se salienta no acórdão recorrido, o próprio regime jurídico-societário de nomeação e destituição de administradores evidencia a inutilidade de recorrer à comissão de serviço para revestir a relação de administração numa sociedade anónima e, sobretudo, a dificuldade ou mesmo impossibilidade em compatibilizar ambos os mecanismos numa mesma situação.
A designação dos Administradores de uma sociedade anónima faz-se segundo mecanismos próprios previstos no direito societário (arts. 391º e segs. do CSC), o qual admite, quanto a este ponto, várias possibilidades, mas não permite o exercício da Administração segundo o esquema laboral da comissão de serviço, v.g. com recurso a contratos expressamente preparados pela anterior administração, como sucedeu no caso em apreço.
Não pode pois subscrever-se a tese do recorrente de que o contrato celebrado em 20 de Julho de 2001, tem pleno acolhimento no DL 404/91, de 16/10, nem que este diploma pretendeu criar condições para que, “quadros” qualificados como ele, pudessem assumir funções de administração com acautelamento dos seus direitos e da segurança no emprego, pelo recurso à “comissão de serviço”.
Não só os objectivos do DL n.º 404/91 (já enunciados) são distintos deste que ora o recorrente lhe assinala, como o art. 398.º do CSC, só por si, obsta a que o esquema laboral da comissão de serviço possa revestir uma relação de Administração societária, como, ainda, é o próprio n.º 2 do art. 398.º que cuida de salvaguardar a segurança no emprego dos trabalhadores “quadros” de uma sociedade que nessa mesma sociedade venham a ser eleitos administradores, com o mecanismo da suspensão do seu contrato de trabalho.
Quanto ao recorrente, não fazia ele parte do quadro de trabalhadores da R. antes de ser contactado pelos administradores cessantes desta para a administrar, não havendo uma relação laboral anteriormente firmada entre as partes a acautelar.
No que diz respeito aos preceitos do DL n.º 404/91 que invoca – o art° 3°, n.º 1, alínea c) que, quando a comissão de serviço é acordada com trabalhador não vinculado anteriormente à empresa, possibilita se convencione um contrato de trabalho para quando cessar a comissão de serviço e o n.º 4, do art° 4° que prevê indemnizações equivalentes às do CCT, sem prejuízo de prevalecerem outras superiores e que, porventura, possam ter sido convencionadas, sendo que, no caso do A, o acordado foi o previsto no art. 77°, n.º2 do CCT do Sector de Seguros –, a sua aplicabilidade ao caso vertente só teria lugar se se admitisse o exercício do cargo de Administrador societário em que foi investido segundo o esquema normativo laboral previsto naquele diploma legal o que, como já se viu, não é admissível.
Em suma, a natureza laboral da comissão de serviço torna insustentável a sua utilização como modo de preencher cargos da Administração societária em sociedades anónimas.

3.4.5. Invoca o recorrente que o art.° 398° do Código das Sociedades Comerciais e o Dec-Lei 404/91 estão perfeitamente harmonizados, considerando-se que o Dec-Lei nº 404/91 derrogou a parte daquele artigo no respeitante aos contratos com menos de um ano.
Para sustentar esta sua posição, louva-se no entendimento do Prof. Raúl Ventura e do Dr. Abílio Neto, quando referem que é inteiramente legal a celebração de contrato para vigorar antes de iniciada a Comissão de Serviço para o exercício de funções de administração (e ser esse o caso do A.) ou celebrá-lo, simultaneamente com o próprio contrato de Comissão de Serviço, como seria o caso do A, se se entendesse que o contrato de trabalho inicial (prévio à assumpção de funções de Administração) não existiu como tal.
Defende ainda que o n.º 1 do art° 398° do CSC proíbe tão só que o próprio Administrador, enquanto tal, celebre contrato de trabalho para vigorar quando cessar a sua função, o que não foi o caso, pois o contrato foi celebrado entre o A e a anterior Administração da Ré.
É certo que o nº 1 do artº 1º do DL nº 404/91, inclui na enumeração dos cargos que podem ser exercidos em regime de comissão de serviço, entre outros, os “cargos de administração”, o que poderá constituir um elemento perturbador e levou já a que se entendesse (embora de forma minoritária) que o DL n.º 404/91 derrogou em parte o art. 398.º do CSC.
Assim, Raúl Ventura considera que nos casos de ter sido estipulado o exercício de um cargo de administração através de uma comissão de serviço com garantia de emprego – art. 4.º, n.º 3 al. a) – e o contrato individual de trabalho ter sido celebrado há menos de um ano, deve considerar-se que o DL n.º 404/91 derrogou o art. 398.º do CSC (27).
Também, Luís Miguel Monteiro considera que não existe incompatibilidade entre a relação de administração e o trabalho subordinado, podendo a administração ser exercida de modo laboralmente relevante, pelo que pode constituir-se a partir de um contrato de comissão de serviço(28).
Não nos parece, contudo, que assim deva considerar-se.
Tendo-se concluído que a relação jurídica do Administrador com a sociedade administrada não pode consubstanciar uma comissão de serviço, então forçoso é concluir que o regime legal da comissão de serviço em nada contende com o regime legal da relação do Administrador com a sociedade.
Os campos de aplicação do DL 404/91 e do art. 398º, n.º 2 do CSC são, na verdade, totalmente distintos: o DL 404/91 respeita às comissões de serviço, isto é, aos contratos de prestação de trabalho segundo o regime especial da comissão de serviço (transitório e reversível) e o art. 398º do CSC respeita à relação do Administrador societário com a sociedade.
A comissão de serviço, mesmo nos casos em que o trabalhador tem uma posição de algum poder na organização do trabalho, não exclui o vínculo de subordinação do trabalhador ao empregador e, por isso mesmo, é inconciliável com a figura do Administrador societário, tal como está caracterizada no Código das Sociedades.
Referindo-se especificamente ao objecto do n.º 1 do art. 1º do DL 404/91, Pedro Romano Martinez estabelece claramente a distinção entre administradores societários e administradores com relação laboral, esclarecendo que, relativamente aos “cargos de administração” a que alude aquele preceito, “não estão em causa os administradores societários, que não têm contrato de trabalho, mas os administradores com relação laboral(29).
Portanto, a entrada em vigor do DL 404/91 não revogou tacitamente, nem sequer em parte, o art. 398º do CSC, apesar do modo como enumera no seu art. 1.º os cargos que podem ser exercidos em regime de comissão de serviço.
Como se refere no acórdão recorrido, “o legislador não utilizou nesta norma o conceito de administração em sentido orgânico estrito – “administração” enquanto órgão de um determinado tipo societário, a sociedade anónima – mas em sentido funcional – “administração” enquanto função a desempenhar pelo trabalhador em comissão de serviço. E mostra-se igualmente pacífico que o legislador jamais quis laboralizar a relação de administração exercida por administradores societários (designados pelo colectivo dos accionistas)”, como foi o caso do recorrente entre 26 de Julho de 2001 e 14 de Novembro de 2002.
Esta distinção fundamental entre cargos de administração exercidos em comissão de serviço e a relação de Administração, tal como a configura o Código das Sociedades Comerciais, fica ainda mais evidenciada se considerarmos que, quer nos termos do art. 3º, n.º 2 do DL 404/91, quer nos termos do art. 668º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho, o cargo ou as funções de administração em comissão de serviço podem ser exercidas com carácter permanente, situação esta que, como é evidente, é absolutamente incompatível com o disposto no art. 391º, no 3 do CSC e, sobretudo, com a norma imperativa constante do art. 403.º, n.º 1, deste mesmo Código que prevê que qualquer membro do conselho de administração pode ser destituído, a todo o tempo, por deliberação da Assembleia Geral.

Aliás muito estranho seria que, devendo este preceito considerar-se revogado nos termos em que o recorrente o defende, nunca os vários diplomas que alteraram o Código das Sociedades Comerciais após a sua publicação em 1986 (30) tenham modificado o regime que emerge dos n.ºs 1 e 2 do respectivo art 398.º no que diz respeito à cessação dos contratos de trabalho com duração inferior a um ano.
Especificamente o DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, que introduziu alterações de relevo no CSC, modificando concretamente o art. 398.º, manteve inalterados os n.ºs 1 e 2 do preceito, cuja redacção continua a ser a que se enunciou.
O mesmo se diga, embora em sentido inverso, dos preceitos laborais que consagram a figura da comissão de serviço.
Não é legítimo admitir que o legislador, ao fixar o novo regime da comissão de serviço no Direito do Trabalho, não tivesse claramente anunciado no preâmbulo do DL. n.º 404/91 (onde é evidente a preocupação de esclarecer o alcance e justificação do instituto) que iria pôr em causa o art. 398.º do CSC, caso fosse essa a sua intenção.
E também o Código do Trabalho - que tanto se afadigou a revogar preceitos e diplomas na sua Lei Preambular -, não é crível que, mantendo no seu art. 244.º a referência aos “cargos de administração” como hipótese em que pode ser convencionada a comissão de serviço, e querendo efectivamente pôr em causa o regime do art. 398.º do CSC, tenha continuado sem nada a dizer a tal propósito.
A única explicação plausível é a de que são efectivamente distintos os campos de aplicação do DL n.º 404/91 e do art. 398.º do CSC, não havendo qualquer incompatibilidade entre os dois preceitos.

Deve ainda referir-se, como faz o acórdão recorrido, que há diversas hipóteses em que o exercício de um cargo de administração é compatível com a prévia celebração de um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, no âmbito e em execução do qual se processa o efectivo desempenho das correspondentes funções [é o que sucede, quer no caso da administração de uma entidade colectiva que não seja uma sociedade comercial por uma outra entidade colectiva que pode celebrar um contrato de trabalho em regime de comissão de serviço com a pessoa singular que a representa no exercício efectivo da administração - que cessa com o final do exercício do cargo em questão, seja porque a própria representada perde a qualidade do seu titular, seja porque, simplesmente, decide mudar de representante -, quer no caso das Sociedades Gestoras de Empresas (DL 82/98, de 2/4), quer no caso das Sociedades Gestoras de Fundos de Investimento de capital de risco (art. 7º do DL 319/2002, de 28/12)].
O mesmo já não sucede em relação às sociedades comerciais, sobretudo em relação às sociedades anónimas que se encontram estruturadas de acordo com o modelo organizativo enunciado no art. 278º, n.º 1, al. a) do CSC, como se verifica com a R.
Nestas sociedades, a natureza laboral da comissão de serviço torna insustentável a sua utilização como modo de preencher cargos da Administração societária por força do art. 398.º, n.º 2 do CSC.
Em suma, o regime da comissão de serviço previsto no DL n.º 404/91 e mantido praticamente inalterado no Código do Trabalho (arts. 244.º e ss.) não interfere, com a estrutura institucional estabelecida para os administradores societários no Código das Sociedades Comerciais, nos termos do disposto nos respectivos arts. 272º, al. g), 278º e 390º e seguintes, não contendendo designadamente com o disposto no art. 398º deste código, o qual expressamente incompatibiliza o exercício pela mesma pessoa das funções de Administrador societário com o exercício de funções ao abrigo do contrato de trabalho, quaisquer que estas sejam.

3.4.6. Já procedemos à qualificação do convénio junto a fls. 99 a 105 que as partes denominaram de “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço”.
Já analisámos os dois modelos contratuais que nele foram convencionados:
- o Contrato de Trabalho, regulado sob as cláusulas 1ª a 12ª, que não teve efectividade prática, já que ao abrigo do mesmo o recorrente não exerceu quaisquer funções de modo juridicamente subordinado;
- o Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço, regulado nas cláusulas 13ª a 16ª, que se destinou a enquadrar o exercício do cargo de Administração societária de que o recorrente esteve efectivamente investido entre 26 de Julho de 2001 e 14 de Novembro de 2002 e que é contrário à lei.
Cabe agora aferir da validade deste convénio.
O acórdão recorrido, para além de afirmar a nulidade do negócio, afirmou ainda que o mesmo foi celebrado em fraude à lei, para contornar os obstáculos previstos no art. 398.º do CSC e para o recorrente poder beneficiar do estatuto e garantias jurídico-laborais que aquela norma proscreve.
Vejamos se assim deve considerar-se.
A figura da fraude à lei pressupõe uma ilicitude indirecta ou oblíqua e tem sido escassamente tratada na doutrina e na jurisprudência, não conhecendo também uma previsão geral na lei civil portuguesa.
Costumam apontar-se duas teorias para a abordagem da figura: a teoria subjectivista (segundo a qual existe fraude à lei quando se consegue um resultado que a lei proíbe, mediante uma conjugação de actos em si lícitos, mas praticados intencionalmente com o fim de obter tal resultado, com animus fraudandi(31) e a teoria objectivista (segundo a qual existe fraude à lei quando da conjugação dos actos permitidos decorre o resultado proibido, independentemente da intencionalidade).
Segundo Castro Mendes, para haver fraude à lei é necessário haver um nexo entre o acto ou actos em si lícitos e o resultado proibido, nexo este que pode resultar:
- subjectivamente da intenção de todos os agentes ou,
- objectivamente da constituição de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, conduza ao resultado proibido.
Sem uma ligação entre o acto em si lícito e o resultado proibido, o primeiro não pode ser tratado como fraudulento(32).
Na palavra de Manuel de Andrade, são fraudulentos os actos que tenham como finalidade “…contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que por essa forma pretendem burlar a lei(33).
De acordo com este Professor, a fraude à lei não é mais do que uma forma oculta de violação da lei e a respectiva teoria nada mais fará do que propor-nos uma directriz interpretativa quanto às leis proibitórias de negócios jurídicos - como sucede com o abuso do direito. Acaba assim por reconduzir a fraude à lei a uma questão de interpretação, em conformidade com a opção feita pelo legislador de 1966 de não inserir no Código Civil um preceito específico sobre o tema (34).
De acordo com Menezes Cordeiro, a fraude à lei também não tem autonomia no direito português e apenas exige uma interpretação melhorada dos preceitos vigentes: (i) se se proíbe o resultado, também se proíbem os meios indirectos para lá chegar; (ii) se se proíbe apenas um meio, fica em aberto a possibilidade de percorrer outras vias que a lei não proíba. A particularidade da fraude à lei residirá, quando muito, “no facto de as partes terem tentado, através de artifícios formais mais ou menos assumidos, conferir ao negócio uma feição inóqua” (35).
Havendo fraude à lei, o negócio é afinal contrário a ela e é, portanto, nulo (arts. 280.º e 294.º do CC)(36).
Mas, só se o resultado obtido com os negócios coincidir com o resultado a que as normas imperativas contornadas pretendem obstar é que poderá afirmar-se a ilicitude por fraude à lei e a consequente nulidade daqueles negócios (37)..

A este propósito o recorrente defende que nada impede a celebração de contrato de trabalho que teve, ab initio, a efectiva vigência de um dia e a sua suspensão para efeito de comissão de serviço do A. como Administrador da Ré, que o DL n.º 404/91 quis garantir segurança e continuidade de emprego aos trabalhadores que, temporariamente e em comissão de serviço, vão desempenhar cargos de Administração, em benefício das empresas a quem dão o seu melhor, numa gestão a que a sua experiência e Know How confere eficácia, vantagens e valor acrescentado, e conclui que “não tem sentido o douto Acórdão recorrido não (38) entender que os contratos enfermam de nulidade por fraude à lei”, por ter o contrato total conformação com o DL nº 404/91, que derrogou parcialmente o art.° 398° do C.S.C. (conclusões 7.ª, 31.ª e 36.ª).
Resulta do já exposto:
- que a relação de Administração é incompatível com uma relação jus laboral (art. 398.º, n.º 1, primeira parte, do CSC);
- que a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, constitui necessariamente uma modalidade do contrato de trabalho e apenas pode abranger as funções previstas no artº 1º do DL nº 404/91 que sejam exercitáveis no âmbito do trabalho subordinado, o que não ocorre com o exercício do cargo de Administrador societário,
- que não é legalmente possível a contratação de quem quer que seja para a Administração de uma sociedade anónima naquele regime de “comissão de serviço”;
- que os administradores não podem aproveitar o cargo para garantir o seu futuro laboral `custa da sociedade administrada (art. 398.º, n.º 1, segunda parte, do CSC);
- que o “contrato de trabalho” apenas formalmente é anterior ao exercício do cargo de administração e foi celebrado pelo recorrente quando para si era certo que iria assumir, como assumiu, as funções de Administrador no dia subsequente à vigência daquele contrato.
Perante as considerações já produzidas quanto a estes aspectos, o teor concreto das cláusulas convencionadas é eloquente, a nosso ver, para demonstrar que com o convénio em análise se pretendeu, efectivamente, contornar os obstáculos previstos na lei das sociedades e alcançar para o recorrente garantias jurídico-laborais que a lei não admite.
Como salientou o acórdão recorrido, bem vistas as coisas, o aparente programa contratual convencionado não tem real correspondência, nem no contexto global do Acordo, nem nas circunstâncias que o antecederam, nem nas ocorrências que lhe sucederam, identificando-se no seu clausulado, estipulações que conformam clara fraude à lei.
Assim é, com efeito.

Na verdade, e em primeiro lugar, resulta com clareza do circunstancialismo apurado que a finalidade que presidiu ao recrutamento do A. para colaborar com a R., foi o exercício dos cargos de membro do Conselho de Administração e Presidente da Comissão Executiva.
Atente-se no facto de as partes terem sujeitado o contrato de trabalho a termo inicial, situando a produção dos seus efeitos na véspera da eleição do recorrente como administrador da apelada (eleição essa que estava já assegurada e era do conhecimento das partes na data da celebração do acordo): tendo o documento sido assinado em 20 de Julho de 2001, a cláusula 2ª, n.º 2 estipula que o contrato de trabalho só produz efeitos em 25 de Julho.
Do mesmo modo a cláusula 13ª, n.º 1, na qual ficou a constar expressamente que as partes prevêem a eleição do A. para o cargo de administrador da Companhia durante o triénio de 2001 a 2003 na Assembleia Geral que iria realizar-se no seguinte dia 26 de Julho.
Conjugando esta cláusula com a carta referida em 2.4. (junta a fls. 328 dos autos) pode afirmar-se que, no momento da assinatura do Acordo, a eleição do recorrente para Administrador da recorrida, mais do que uma previsão era uma certeza, assumindo a intervenção dos administradores da R. (na outorga daquele acordo) um carácter meramente instrumental. Dessa carta que em 19 de Julho de 2001 o representante da accionista maioritária da R. (a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, com 51% do capital) dirigiu ao recorrente, resulta claramente que a finalidade da contratação do A. pela R. foi o exercício do cargo societário, acrescentando a dita carta que tal ocorreria “nas condições que acordámos”. Esta carta esclarece que a eleição do A. teria lugar na Assembleia Geral de 26 de Julho, depreendendo-se do seu texto que a designação estava assegurada. Verifica-se ainda que na referida carta não há uma única palavra acerca da contratação do A. para o exercício do cargo de Director Coordenador da BB Seguros, nela se agradecendo a aceitação do convite “para exercer os cargos de membro do Conselho de Administração e de Presidente da Comissão Executiva”.
Assim, o que se quis com a assinatura do escrito de fls. 99-105 não foi que o recorrente fosse empregado da recorrida por um dia, mas, tão-somente, salvaguardar os seus interesses quando, mais tarde, deixasse de ser Administrador da recorrida.
Aliás, como bem se afirma no acórdão recorrido, se a Ré necessitasse, de facto, de um Director Coordenador, nunca iria contratar para o cargo quem sabia que não iria poder exercer esse cargo nos anos mais próximos, uma vez que, de acordo com o que resulta da cláusula 15.ª, n.º2, as partes previam que o A. se mantivesse naquele órgão de Administração até Dezembro de 2006. Ou seja, a execução do contrato celebrado pelas partes em 20 de Julho de 2001, apenas se verificou em relação ao cargo de Administrador e de Presidente da Comissão Executiva e não em relação ao cargo de Director Coordenador.

Da análise dos “contratos” formalmente estabelecidos (“contrato de trabalho” e “acordo de prestação de trabalho em regime de comissão de serviço”) resulta, ainda, que é através do contrato de comissão de serviço (negócio principal) que as partes visaram realizar o fim que presidiu ao Acordo - o exercício do A. como administrador da Ré - servindo o contrato de trabalho (negócio secundário) para alcançar outros objectivos.
Neste contexto o contrato de trabalho não se destinava à execução efectiva da prestação laboral nos termos nele convencionados, visando apenas dois objectivos: garantir a integração do A. no quadro de pessoal da sociedade, quando ocorresse a sua destituição como administrador, e, ainda, possibilitar a rescisão do contrato nas condições nele negociadas se o recorrente assim o entendesse.
A falta de efectividade do contrato de trabalho confirma que a sua celebração se destinou unicamente a permitir ao A. aceder ao estatuto formal de trabalhador e a acautelá-lo contra uma destituição pela Assembleia Geral em data anterior à que ele e os anteriores administradores da R. previam.
Como o administrador, na vigência das suas funções, não pode celebrar com a empresa contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, que vise uma prestação de serviços quando cessar as funções de administrador (art. 398º, n.º 1 do CSC), inseriu-se no convénio (celebrado pelo recorrente uns dias antes e na certeza de que iria assumir o cargo societário) aquele contrato de trabalho, para produzir efeitos a partir da véspera da eleição do A. para Administrador (cláusula 2.ª, n.º 2), justamente para ultrapassar a proibição legal, e para garantir ao A. a sua ulterior integração na empresa com a categoria de Director Coordenador, com a manutenção, por tempo indefinido, do índice remuneratório próprio de Administrador, fazendo perdurar além da cessação do respectivo mandato o estatuto remuneratório do Administrador.
A celebração do contrato de trabalho (sem efectividade) pouco antes da eleição constituiu o instrumento para violar o art. 398.º, n.º 1, parte final do CSC, que impede os Administradores de celebrarem contrato de trabalho que vise uma prestação de serviços quando cessarem as funções societárias.
Com a convencionada execução do “contrato de trabalho” em data anterior à da comissão de serviço, conseguia-se ainda qualificar a comissão de serviço como “interna”, com a aplicação do regime jurídico emergente do art. 4.º, n.º 3, als. b) e c) e n.º 4 do DL n.º 404/91, que possibilita ao trabalhador após a cessação da comissão de serviço, rescindir o contrato de trabalho que se mantinha recebendo uma compensação calculada com base na sua antiguidade na empresa, sem prejuízo de regimes mais favoráveis fixados em CCT ou contrato de trabalho. Com este enquadramento (de acordo com a cláusula 2.ª, n.º 2, o putativo contrato de trabalho iniciou a produção dos seus efeitos na medida do estritamente necessário a assegurar aquela anterioridade, ou seja, um dia antes da Assembleia Geral) o A. poderia, caso não pretendesse a sua integração na empresa na data da destituição, ver assegurado o pagamento de uma indemnização calculada nos termos fixados pelo n.º 2 da cláusula 77ª do CCT do Sector dos Seguros, contando-se a sua antiguidade desde 1 de Março de 1974 (cláusulas 15ª, n.º 2 e 3ª), ou seja, o pagamento de uma indemnização calculada em termos substancialmente mais favoráveis do que os emergentes da lei societária (art. 430.º, n.º 3 do CSC) e, mesmo, do que os fixados na lei para os casos de rescisão fundada em justa causa ou de despedimento ilícito(39).
Ou seja, a formalização do “contrato de trabalho” - que nos termos clausulados em 20 de Julho de 2001 foi celebrado para vigorar um dia e deveria manter-se suspenso até final de 2006 - destinou-se, apenas, a conferir um suporte jurídico-laboral à relação de Administração que veio a firmar-se entre as partes com a eleição de 26 de Julho de 2001 e a assegurar ao recorrente os objectivos referenciados.
Quanto ao “acordo de prestação de trabalho em regime comissão de serviço”, não se tratou efectivamente de uma verdadeira prestação de trabalho subordinado em comissão de serviço, mas de uma forma de dar cobertura laboral à relação de Administração (a omissão de referência à retribuição da comissão de serviço, no suposto óbvio de o “trabalhador” ser pago como Administrador” - cláusula 14ª - é um sinal evidente desta cobertura).
Além disso, a figura da comissão de serviço foi um veículo para se poderem ultrapassar os limites das indemnizações previstas na legislação das sociedades comerciais (e na própria legislação laboral de despedimento) assim se conseguindo, através da manipulação dos dispositivos legais que regulam este instituto - vg. o estatuído no art. 4º, n.º 4 do DL 404/91 -, ultrapassar largamente o limite, imperativo, imposto aos montantes a atribuir ao Administrador em caso de destituição sem justa causa pelo CSC.
Na verdade, e como resulta do disposto nos arts. 391º, n.º 3 e 430º, n.º 3 das CSC, a destituição sem justa causa do Administrador confere-lhe direito a uma indemnização “pelos danos sofridos”, mas sem que “a indemnização possa exceder o montante das remunerações que receberia até ao final do período por que foi eleito”.
Como refere João Labareda “(40), o que a lei pretende é que em caso algum a indemnização entre em conta com “prejuízos cuja tradução pecuniária envolvesse para a sociedade o dever de pagar mais do que, a título de remuneração de gestão pagaria se o gestor continuasse normalmente em funções até ao termo do contrato”.
In casu, ultrapassaram-se os resultados da aplicação deste critério da lei das sociedades - que se impõe imperativamente à sociedade e ao Administrador - e do próprio critério da lei laboral, através de uma antiguidade convencional e através da equiparação da compensação a atribuir ao A. pela rescisão por sua iniciativa do contrato de trabalho na sequência da cessação da sua comissão de serviço, à aplicação abusiva pelo empregador da sanção de despedimento e através da remissão para o clausulado no CCT do Sector dos Seguros aproveitando o estatuído no art. 4º, n.º 4 do DL 404/91 (cláusulas 3.ª e 15.ª, n.º 2).
Com o contrato documentado a fls. 99-105, o A., em vez de ter apenas direito ao valor previsto na lei societária das remunerações vincendas até ao final do mandato (que terminaria em Julho de 2004), passaria a ter direito a um valor muitíssimo superior – que ascenderia a € 1.311.519,07, segundo as suas contas - sem que outras funções houvesse exercido para a recorrida além das de Administração societária.

Situando-nos agora no plano especificamente laboral, é de notar que a comissão de serviço - criada pelo legislador para exprimir uma realidade normalmente temporária e para evitar situações de excessiva rigidez e irreversibilidade, em que as partes podem livremente e a todo o tempo, fazer cessar essa mesma comissão -, foi aproveitada, neste caso, para obter, precisamente, um fim contrário a esse, ou seja, para tornar o vínculo ainda mais rígido, mais forte e duradouro (até pelo menos 31 de Dezembro de 2006), concentrando as estipulações não nos aspectos essenciais do mesmo, mas sobretudo nos concernentes ao termo da comissão de serviço, pretendendo-se, assim, a pretexto do conteúdo de um contrato de trabalho – que nunca chegou a ser executado -, obter uma indemnização mais vantajosa que a que resultaria do regime comum.
Como também se afirma no acórdão recorrido, a solução emergente do contrato “sub judice” contraria o regime da comissão de serviço, ao tornar excessiva e injustificadamente onerosa para o empregador a sua cessação ad nutum, deixando, assim, de facilitar a reversibilidade e a flexibilidade da situação.

É, pois, evidente o carácter fraudulento do recurso ao mecanismo do contrato de trabalho e da comissão de serviço que o documento de fls. 99-105 corporiza, maxime se se atentar em que a opção pelos esquemas do Direito do Trabalho implicou no caso “sub judice” a criação de uma situação laboral totalmente fictícia entre o Administrador e a sociedade administrada.
Com efeito, analisando os factos efectivamente sucedidos, verifica-se que, ao contrário do que se estabeleceu no contrato (cláusula 2ª, n.º 2) e ao contrário do que o recorrente volta a afirmar na revista (sem fundamento factual bastante), este iniciou a sua actividade em benefício da recorrida apenas como Administrador em 26 de Julho de 2001 e não exerceu funções na qualidade de trabalhador com a categoria de Director Coordenador no antecedente dia 25 de Julho ou em qualquer outro dia, designadamente no período posterior à sua destituição do cargo em 14 de Novembro de 2002.
Da matéria de facto provada resulta, com clareza, que as únicas funções que o A. efectivamente desempenhou para a sociedade, foram as de Administrador e de Presidente da Comissão Executiva, nunca tendo desempenhado funções de Director Coordenador, nem antes nem depois da sua eleição para o Conselho de Administração da Ré.

Assim, e em suma:
O “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço” celebrado em 20 de Julho de 2001 é nulo por contrariar normas imperativas, que têm subjacentes interesses de natureza e ordem pública, ao pretender dar cobertura laboral a uma relação de Administração (art. 294.º do CC).
Uma vez que o exercício do cargo de Administrador eleito pela Assembleia Geral de accionistas de uma sociedade anónima não é recondutível ao conceito de relação jus laboral, o contrato que vise o exercício de tal cargo com estatuto jurídico-laboral viola directamente o regime de incompatibilidade entre funções administrativas e laborais previsto no n.º 1, do art. 398.º do CSC (norma que contém uma proibição imperativa visando, quer salvaguardar valores éticos nas condutas dos administradores das sociedades anónimas, quer evitar que estes aproveitem o cargo para garantir o futuro à custa da sociedade administrada).
Além disso, este convénio foi utilizado para contornar os obstáculos previstos no art. 398º, n.º 1 do CSC e para o apelante poder beneficiar do estatuto e das garantias jurídico-laborais que aquela norma, nas circunstâncias referidas, proscreve, bem como para alcançar valores indemnizatórios expressamente vedados pelo ordenamento societário (art. 430.º do CSC), pelo que é nulo, também, por ter sido celebrado e desenvolvido com fraude à lei (art. 280º, n.º s 1 e 2 do Cód. Civil).


3.5. O relevo do princípio “ pacta sunt servanda”
*
Um dos aspectos a que o recorrente conferiu assinalável relevância na revista reporta-se ao princípio da liberdade contratual.
Invoca o recorrente que as partes contrataram livremente, não contrariando quaisquer normas de interesse e ordem pública, sendo o clausulado elaborado por advogados da recorrida especialistas em direito do trabalho (pacta sunt servanda) e obedeceu aos termos e condições de contratos similares e usuais na Ré, nada impedindo que fosse convencionada a segurança no emprego nos termos em que o foi, pela livre e expressa vontade das partes, já que o A perderia a sua antiguidade profissional e, em qualquer momento poderia ficar, (como ficou), no desemprego, em virtude da sua desvinculação do ISP e do INGA – conclusões 1.ª, 27.ª e 29.ª a 31.ª.

Deve começar por se dizer que não resulta da matéria de facto que a R. celebrasse com outros seus Administradores contratos semelhantes ao que celebrou com o recorrente.
Dos quatro contratos que o A. alegou serem semelhantes ao seu (arts. 39.º da petição inicial e 10.º da resposta) apenas se provaram os factos constantes dos n.ºs 2.29. e 2.30. quanto aos vínculos estabelecidos entre a R. e, respectivamente, o Eng. CN e o Dr. FF, por remissão para os documentos de fls. 548-550 e também de fls. 107-110, declarando-se expressamente como não provado que o Dr. AC e o Eng. LA tivessem celebrado com a R. documento contratual idêntico ao do A. (ponto 8 da matéria de facto não provada).
Ora os documentos de fls. 548-550 traduzem-se numa troca de correspondência que não permite a afirmação de ter sido celebrado com a pessoa em causa (Dr. FF) um contrato idêntico ao do recorrente.
Quanto ao contrato documentado a fls. 107-110, além de - na sua individualidade - não ser evidentemente suficiente para afirmar a invocada usualidade, desconhece-se o condicionalismo factual em que surgiu, não podendo afirmar-se que era idêntico ao do A. (desconhece-se vg. se o mesmo era anteriormente trabalhador da R.). Sem entrar na análise da sua conformidade com a ordem jurídica, deve reparar-se que resulta dos seus termos ter o Eng. CN a qualidade de vogal do Conselho de Administração da R. à data em que foi subscrito e em que foi convencionado, com efeitos retroactivos, o exercício do cargo de vogal da Direcção como um “trabalho em comissão de serviço”.
É pois de acolher a conclusão do tribunal a quo de que não resulta do processo ser usual a celebração pela R. de contratos semelhantes aos dos autos, sendo ainda de acrescentar que o facto de a R. ter eventualmente intervenção em negócios contrários à lei antes de se ter vinculado ao A. não tem a virtualidade de tornar lícito o negócio nulo que com este firmou.

Além disso, a matéria de facto não permite também a afirmação de que o recorrente se desvinculou do contrato com o ISP e do lugar de Presidente do INGA “para poder ingressar na Ré”, como alegara na apelação, ou de que foi esta “a fazer o A. desvincular-se” do seu lugar de Director Coordenador Principal do ISP e a cessar a função de Presidente do INGA, como alegou na revista.
Ainda que o recorrente se tenha desvinculado daqueles organismos, desconhece-se a motivação que o levou a tomar tais atitudes, o que impede se estabeleça qualquer interligação com a sua ulterior vinculação à R. e torna esta factualidade irrelevante para a decisão de mérito do caso “sub judice”.

O que tem efectivamente relevo para apreciar a argumentação que o recorrente desenvolve a este propósito da “pacta sunt servanda” é a consideração de que, como se viu, são de interesse e ordem públicas as normas que estabelecem a proibição da acumulação dos vínculos laboral e de Administração, que procedem a uma regulação restritiva da possibilidade de o Administrador assegurar uma futura posição remunerada na sociedade e que estabelecem limites máximos para os montantes a atribuir ao Administrador societário em caso de destituição sem justa causa (arts. 398.º, n.ºs 1 e 2 e 430.º do CSC).
E sendo normas imperativas, limitam a disponibilidade das partes, como resulta desde logo do disposto no preceito que constitui o pórtico das normas dedicadas pela lei civil aos contratos.
Ao estabelecer sob a epígrafe “Liberdade contratual” que, “[d]entro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as claúsulas que lhes aprouver”, o art. 405.º do CC desde logo enquadra a área em que os particulares podem agir na regulação dos seus interesses por sua própria e autónoma vontade com os denominados “limites da lei”.
Quer a liberdade de celebração, quer a liberdade de conformação do conteúdo dos contratos conhecem restrições resultantes de heterolimitação legal, as quais têm vindo a aumentar no direito contratual contemporâneo, configurando restrições à liberdade contratual que se podem considerar englobadas genericamente nas palavras introdutórias do art. 405.º. Os “limites da lei” visam a tutela de valores colectivos – como sejam a salvaguarda de princípios de ordem pública -, bem como a tutela de interesses das partes – nomeadamente a correcção e justiça substancial das suas relações.
Como refere Almeida Costa, postula-se modernamente uma “concepção de contrato dominada por imperativos éticos e sociais (41) .
A função social do contrato revela-se essencialmente através de normas imperativas que restringem ostensivamente a autonomia individual (embora se reflicta também em normas supletivas destinadas a integrar o conteúdo do contrato ou a disciplinar a sua execução) (42).
Por isso, um dos requisitos da prestação debitória é a licitude. O objecto do negócio tem que ser física e “legalmente possível”, bem como não “contrário à lei” (art. 280.º do CC).
Sendo contrário à lei, como vimos que o é o objecto do convénio celebrado entre as partes em 20 de Julho de 2001, não pode ser invocada a “pacta sunt servanda” que nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar unilateralmente do pactuado e as vincula ao seu cumprimento pontual (art. 406.º do CC).
Improcedem as alegações do recorrente, também nesta matéria.

3.6. Da inconstitucionalidade suscitada

Retomando censura que já produzira na apelação, o recorrente insiste na revista pela inconstitucionalidade do n.º2 do art. 398º do CSC, a fim de se subtrair à aplicação do respectivo regime.
O acórdão recorrido considerou que a norma em apreço não viola a Constituição, pois não cria qualquer novo regime jurídico-laboral nem regula relações laborais, mas tão só matéria importante do foro comercial com reflexos no contrato de trabalho.
Não se desconhece que o Tribunal Constitucional (43), considerou que o n.º 2 do art. 398.º do CSC, na parte em que considera extintos os contratos de trabalho, subordinado ou autónomo, celebrados há menos de um ano contado desde a data da designação de uma pessoa como administrador e a sociedade que, com aquela, estejam em relação de domínio ou de grupo, padece de inconstitucionalidade formal, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55º e na alínea a) do nº 2 do artigo 57º um e outro da Constituição da República Portuguesa.
No caso “sub judice”, contudo, esta questão de inconstitucionalidade não chega a colocar-se na medida em que se concluiu que o Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço é nulo por violação do n.º 1 do art. 398.º do Código das Sociedades Comerciais.
Só se se houvese concluído que se estabeleceu validamente entre as partes um vínculo de acordo com o qual o autor exerceu a sua actividade em benefício da R. de modo juridicamente subordinado antes de ser eleito Administrador, é que se colocaria a questão de saber se, por força da aplicação do n.º 2 do art. 398.º, se verificaria a cessação da relação laboral na data da eleição do A. para o cargo de Administrador (e não a sua suspensão como clausulado - cl. 13.ª, n.º 3).
A questão da constitucionalidade do n.º 2 do art. 398.º do CSC, na parte em que considera extintos os contratos de trabalho, subordinado ou autónomo, celebrados há menos de um ano contado desde a data da designação de uma pessoa como administrador carece, pois, de relevância prática para a solução a adoptar no caso em apreço.
Ora, os tribunais não têm que apreciar questões que signifiquem um mero exercício teórico, sem possibilidade de relevância efectiva, seja qual for a posição que sobre as mesmas venha a ser adoptada (44).
Se o contrato de trabalho é nulo, não há que lançar mão do disposto no art. 398.º, n.º 2 para fazer operar a estatuição no mesmo contida: a extinção do vínculo laboral como consequência da extinção do vínculo de administração por ter o primeiro sido firmado menos de um ano antes da designação.
E, consequentemente, não tem relevo para a solução do caso vertente aferir da constitucionalidade deste preceito no segmento em causa (45).
No contexto da presente decisão, esta questão de constitucionalidade assume contornos de uma verdadeira questão académica, de um puro moot case de todo insusceptível de apresentar relevância substancial no processo, por não ter qualquer interferência na decisão de mérito (46).
Pelo exposto, fica prejudicado o conhecimento da invocada inconstitucionalidade.

3.7. Os efeitos da nulidade do contrato “sub judice

Perante a nulidade do negócio jurídico, o acórdão recorrido lançou mão do disposto no art. 289º do C. Civil e considerou que não tem aplicação o disposto no art. 15º da LCT, que possibilita a produção de efeitos do contrato de trabalho declarado nulo ou anulado em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, atendendo a que o contrato de trabalho em causa não chegou a ser executado.
O recorrente insurge-se contra esta perspectiva invocando, essencialmente, que a execução do contrato, em várias vertentes, como demonstrou, designadamente as disposições relativas à rescisão, implicaria que, por força do art° 15° da L.C.T., a produção de efeitos, como se válido fosse, o que determina a obrigação da Ré pagar ao A, as quantias reclamadas (conclusão 37.ª).
Vejamos.
Nos termos do preceituado no art. 289º do C. Civil, “[a] declaração de nulidade tem efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”
A legislação laboral estabelece um desvio a este regime geral da nulidade dos negócios jurídicos ao dispor no n.º 1 do art. 15.º da LCT, relativamente aos contratos de trabalho inválidos, que “[o] contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução”.
O artigo 115º do Código do Trabalho (que corresponde, com alterações, ao artigo 15º da Lei do Contrato Individual de Trabalho) estabelece idêntico regime.
Admite-se neste domínio uma ficção de validade, de molde a proteger as situações jurídicas constituídas e executadas.
A doutrina costuma justificar o afastamento da regra da retroactividade da declaração de nulidade e da improdutividade jurídica total do negócio nulo - quod nullum est, nullum producit effectum - com base na complexidade da relação laboral e na dificuldade da destruição retroactiva dos seus efeitos (assumindo a prestação do trabalho realizado a natureza de prestação de facere a mesma não é repetível, para além de que a restituição do seu valor, por força dos interesses em presença, nem sempre se configura como socialmente justa) ou, ainda, no escopo protector do trabalhador (47).
No caso “sub judice”, porém, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não chegou a ser executado um qualquer contrato de trabalho: o A. jamais desenvolveu qualquer função na empresa como trabalhador subordinado ao abrigo do contrato formalmente celebrado.
O A. limitou-se a exercer o cargo de membro do Conselho de Administração por eleição em Assembleia Geral até à sua destituição, sendo o vínculo de Administração o único que validamente se constituiu e executou entre as partes.
Não pode considerar-se acto de execução de um contrato individual de trabalho a atitude da R. no sentido de continuar a prestar ao A. a contrapartida convencionada para o exercício do cargo de Administrador após a destituição deste (vencimentos e outras regalias), se não se demonstra que existe correspectivamente a prestação de trabalho subordinado ou a disponibilidade para o prestar.
O mesmo se diga do acto rescisório praticado pelo recorrente.
Como já se referiu, no caso presente as relações contratuais estabelecidas entre as partes não se executaram nos termos pressupostos no conceito contratual enunciado no art. 1.º da LCT (prestação de trabalho, de modo juridicamente subordinado, mediante o pagamento de uma retribuição), o que desde logo obsta a que daquela putativa execução, ou cessação, se retirem os efeitos próprios da execução e cessação de um contrato deste tipo que o art. 15.º da LCT excepcionalmente admite.

3.8. Do abuso do direito

Invoca finalmente o recorrente que a conduta da Ré, tendo assinado, livre e conscientemente, o contrato em causa, vindo depois alegar fraude à lei, tendo ela própria, de má fé e com reserva mental, violado voluntariamente o art° 398° do C.S.C., montando uma armadilha ao A, atirando-o para o desemprego, com a perda da sua antiguidade profissional, constitui manifesto abuso de direito - venire contra factum proprium -, pois compromissos e contratos celebrados entre a Ré e terceiros não podem estar sujeitos a caprichos de mudanças de administradores da Ré, nem a jogos e divisões de accionistas, a que o A é alheio (conclusões 6.ª, 30.ª, 33.ª e 38.ª)
Relativamente a esta matéria, o acórdão recorrido entendeu que, porque o acordo invocado não vincula a R. – por terem os dois administradores subscritores do Acordo invadido a esfera de competência da Assembleia Geral de Accionistas ao determinarem os termos em que o A. iria exercer o cargo de Administrador da sociedade e o respectivo estatuto remuneratório -, não pode dizer-se que a R. actuou de má fé e com reserva mental, na esperança de que a eventual nulidade do contrato a pudesse beneficiar.
Vejamos se pode considerar-se ter a R. actuado com abuso do direito.

Estabelece o art. 334º do C.Civil, sob a epígrafe “Abuso do Direito” que é ilegítimo o exercício de um direito “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
O “direito” que o recorrente invoca ter sido abusivamente exercido é o direito de invocar a nulidade do contrato em que o autor ancora os pedidos que pretende ver atendidos pelo tribunal através da presente acção.
De acordo com a tese do recorrente, tendo as partes contratado livremente, não contrariando quaisquer normas de interesse e ordem pública, a R. vinculou-se para com o A. acima de questões internas da R., não podendo agora invocar a nulidade do contrato.
Ora, a nosso ver, de forma alguma se pode afirmar que houve neste caso um exercício abusivo do direito de defesa da R..

Na verdade, e em primeiro lugar, as normas relativas à inacumulabilidade das qualidades de Administrador societário e de trabalhador subordinado na mesma pessoa e que estabelecem limites máximos para os montantes a atribuir ao Administrador societário em caso de destituição sem justa causa assentam em razões de ordem pública e são imperativas.
Tais normas impedem que se convencione o exercício daquele cargo societário em regime de comissão de serviço laboral e impedem, também, que se utilizem os mecanismos desta figura jurídico-laboral para alcançar valores indemnizatórios superiores aos limites máximos previstos na lei para a destituição ad nutum dos Administradores, o que, como se viu, acarreta a nulidade do contrato celebrado em 20 de Julho de 2001.
Ao recorrente estava vedado exercer o cargo societário para que iria ser eleito ao abrigo daquele esquema contratual laboral e aos administradores da recorrida que o subscreveram estava vedado vincular a recorrida a observar o estatuto laboral que nele convencionaram.
Ainda que tivessem efectivamente poderes para vincular a recorrida, no que diz respeito à fixação dos termos em que o A. iria exercer o cargo de Administrador societário cuja eleição então se previa - o que é francamente discutível em face do que estabelece o art. 409.º, n.º 1 do CSC -, o certo é que a recorrida nunca poderia reconduzir tal exercício ao regime jurídico-laboral da comissão de serviço.
O “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço” celebrado em 20 de Julho de 2001 não é válido, quer perante a lei societária, quer perante o regime laboral especial aplicável às comissões de serviço, por violar regras de cariz imperativo e limitativas da disponibilidade das partes, ou seja, regras que se impõem a ambas as partes do contrato, aplicando-se mesmo contra a sua vontade (48).

Acresce que, no caso vertente, entendemos que o recorrente não se encontrava numa situação objectiva de confiança digna da especial protecção jurídica do instituto do abuso do direito.
Na verdade, e como se refere no Ac. do STJ de 98.06.30 (49), só se pode caracterizar uma conduta como de “venire contra factum proprium” quando se verifiquem três pressupostos:
1º - uma situação objectiva de confiança (uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante relativamente a uma dada situação futura);
2º - investimento de confiança (o conflito de interesse e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte com base numa situação de confiança criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a confiança legítima vier a ser frustrada);
3º - boa fé da contraparte que confiou (a confiança de terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa fé e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico)”.
A proibição do “venire contra factum proprium” está inserida no art. 334º do CC, precisamente no segmento que alude ao excesso manifesto, pelo titular do direito, dos limites impostos pela boa fé(50).
Por isso, assume nesta matéria tanta relevância a boa fé da contraparte e vg. o cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.
Ora, o convénio subscrito contraria normas específicas da lei societária e do DL n.º 404/91 vigente à data da respectiva subscrição.
À recorrida, enquanto sociedade anónima - concretamente aos que em seu nome agiam -, e ao recorrente – com a experiência e conhecimento que o seu passado profissional fazem supor (vide 2.7.) -, era especificamente exigível um maior cuidado e diligência no cumprimento das prescrições legais.
Não pode pois dizer-se que o recorrente, ao convencionar com os então Administradores da recorrida a celebração do contrato em causa e ao subscrevê-lo, actuou de boa fé merecedora da tutela excepcional prevista no art. 334º do Código Civil.
É importante lembrar aqui o teor da cláusula 16ª daquele contrato, nos termos da qual a recorrida se obrigou a diligenciar no sentido de os direitos atribuídos ao recorrente naquele acordo serem assegurados pelos órgãos sociais competentes da própria sociedade, o que evidencia que ambas as partes – ou seja, também o recorrente - tinham consciência que o documento que subscreveram podia não constituir título válido e eficaz de um negócio com o conteúdo que transparece das suas cláusulas e que este só se tornaria vinculativo para a sociedade após a tomada de decisão pelos órgãos competentes.

Em suma, sendo o “Contrato de Trabalho e Acordo de Prestação de Trabalho em Regime de Comissão de Serviço” violador de normas imperativas (cujo respeito se impõe a ambas as partes) e não se verificando uma situação objectiva de confiança do recorrente que mereça a tutela excepcional prevista no art. 334º do CC, não pode afirmar-se que a conduta da recorrida, ao invocar a nulidade daquele contrato na presente acção, consubstancia abuso do direito.
De forma alguma se pode afirmar que a recorrida visou apenas (ou primacialmente) prejudicar o recorrente com a defesa que apresentou, ou que as “utilidades” que para si resultam da defesa apresentada correspondem a “desutilidades” para a outra parte não previstas e cobertas pelo direito de defesa, ou que do mesmo resulte em concreto apenas (ou sobretudo) uma desvantagem para o recorrente (51).
Não excedeu pois a recorrida os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito de defesa e, muito menos, os excedeu “manifestamente(52) como exige o art. 334º do C.Civil para que se considere ilegítimo o exercício desse direito.
Improcede, assim, a tese de que a recorrida abusou do seu direito.

4. Decisão

Face ao exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão impugnado.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 09 de Abril de 2008


Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis
____________________________________

(1) Transcreveram-se também as cláusulas 15.ª e 16.ª do escrito
(2) Enunciou-se brevemente o assunto a que se reporta o documento, para melhor esclarecimento
(3) Procedeu-se a uma transcrição mais completa da carta entregue e constante de fls. 22 dos autos
(4) Vide, entre outros, os Acórdãos do STJ de 2007.11.27 (Revista n.º 2450/07), de 2007.10.31 (Revista n.º 1442/07), de 2007.10.03 (Revista n.º 1796/07), de 2007.03.14 (Revista n.º 3856/06), de 2006.10.18 (Revista n.º 1324/06), de 2006.05.24 (Revista nº 4022/05), de 2003.02.02 (Revista nº 371/05), de 2006.01.12 (Revista nº 2056/01), de 2003.06.04 (Revista nº 3304/02), de 2003.05.03 (Revista nº 4546/02), de 2003.01.29 (Revista nº 455/02), de 2003.01.29 (Revista nº 3497/02), de 2003.02.26 (Revista nº 1915/0), de 2003.04.02 (Revista nº 4539/02), de 2003.04.02 (Revista nº 2245/2000), de 2002.07.04 (Revista nº 1411/02), de 2002.04.10 (Revista nº 1198/01), de 2002.09.25 (Revista nº 3248/01), de 2002.07.04 (Revista nº 1411/02), de 2002.03.20 (Revista nº 3720/01), de 2000.05.16 (Revista nº 343/99) e de 1999.04.14 (in Ac. Doutrinais 456º, p. 1628), todos da 4.ª Secção
(5) Vide Castro Mendes, “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, p. 18.
(6) Sobre o assunto vide Castro Mendes, in ob. citada, pp. 121 e ss
(7) Deve notar-se que na resposta à contestação de fls. 86 e ss. o A. invocou o abuso do direito da R fundando--o, apenas, no facto de esta invocar a nulidade do acordo por não terem os seus subscritores indicado nele a sua qualidade de administradores. Já nas alegações da apelação, o A. fundamenta o abuso do direito que alega no facto de a R. ter invocado todas as excepções alegadas pondo em causa a validade do contrato, e chama a atenção para a oficiosidade do conhecimento do abuso do direito (fls. 743, 765 e ss. e conclusões 20.ª, 34.ª e 35.ª da apelação).
(8) Com Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, p. 694.
(9) Obra citada, p. 353. Este autor chama todavia a atenção para as complicações que surgem quando há coincidência parcial entre a questão resolvida pela decisão transitada e a questão suscitada
(10) Vide o Ac. do STJ de 2007.12.05 (Recurso n.º 2909/07, da 4.ª Secção).
(11) Vide os arts. 8º n.º 2 e 9º do D.L. n.º375-A/99, de 20 de Setembro
(12) Recurso n.º 1043/05, da 4.ª Secção. Vide também o Ac. do STJ de 2004.03.18 (Recurso n.º 2423/03, da 4.ª Secção)
(13) Vide o Ac. do STJ de 2007.11.23 (Recurso n.º 2889/07, da 4.ª Secção), decidindo que numa acção emergente de contrato individual de trabalho, em que se discute se o contrato do autor era de trabalho ou de prestação de serviços, as expressões trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da ré constituem matéria de direito e, se inseridas na matéria de facto, devem ser dadas como não escritas. Igualmente o Ac. do STJ de 2007.01.10 (Recurso n.º 2304/07, da 4.ª Secção), considerando que as expressões «contrato de trabalho verbal», «contrato celebrado por tempo indeterminado» e «despedida pela ré» assumem natureza conclusiva e um claro sentido jurídico, pelo que não podem subsistir no elenco da matéria de facto dada como assente, devendo ter-se como não escritas, nos termos do n.º 4 do artigo 646.º do CPC. Igualmente o de 2007.02.07 (Recurso n.º 3538/06) considerou que numa acção em que se discute se determinado contrato reveste, ou não, natureza laboral, assume cariz conclusivo, e, por isso, deve ter-se por não escrita (art. 646.º, n.º 4, do CPC), a expressão de que a autora trabalhava «sob a autoridade e orientação…», cabendo ao STJ o poder de o fazer.
(14) A categoria profissional de “Director-coordenador” é definida no anexo III daquele instrumento de regulamentação colectiva nos seguintes termos: “É a categoria que deve ser atribuída ao trabalhador que, dependendo directamente do órgão de gestão ou de outro Director-coordenador, coordena dois ou mais directores de serviços que desempenham funções específicas desta categoria, podendo ainda colaborar na elaboração da política e objectivos a alcançar pelas diferentes áreas de acção dele dependentes dentro da empresa, responsabilizando-se pelo seu cumprimento, directamente ou por competência delegada”.
(15) Apud Albino Mendes Baptista, in “Jurisprudência do Trabalho Anotada”, p 56.
(16) Vide neste sentido o Ac. do STJ de 2006.01.12 (Recurso n.º 2558/05, da 4.ª Secção).
(17) Note-se que a informação dos Serviços da Segurança Social prestada nestes autos (e referenciada no ponto 2.31. da matéria de facto) apenas alude a remunerações do autor como “Trabalhador por Conta de Outrem” relativamente ao INGA-Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola. No que diz respeito à BB Seguros, Comp Seguros CC, SA, o extracto de remunerações alude ao autor como “Membro de Órgão Estatutário”.
(18) Referindo a tarefa difícil, mas necessária e fundamental, de distinguir os factos irrelevantes (que devem ser rejeitados) e os factos essenciais à decisão da causa (que devem ser seleccionados), vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in ob. citada, pp. 403 e 417.
(19) Os elementos fundamentais do contrato de trabalho são: (i) a actividade do trabalhador; (ii) a retribuição (correspectivo da disponibilidade da força de trabalho); (iii) a subordinação jurídica (o trabalhador presta a sua actividade, segundo as ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem). No âmbito do Código do Trabalho actualmente em vigor, mantêm-se na definição legal do respectivo art. 10.º os elementos essenciais deste tipo contratual.
(20) In “A Administração das Sociedades por Quotas e Anónimas - Organização e Estatuto dos Administradores”, Lisboa, 1990, p. 307.
(21) Vide a certidão do Registo Comercial de fls. 352 e ss.
(22) Vide Lobo Xavier, in “Curso de Direito do Trabalho”, 1992, p. 345 e Menezes Cordeiro, Da constitucionalidade das comissões de serviço laborais, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXIII, 1991, pp. 129 e ss.
(23) Vide Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª edição, 2006, p. 223 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2000.05.24 (Revista n.º 54/00 da 4ª Secção), de 2000.11.30 (Revista n.º 78/00 da 4ª Secção), de 2002.02.06 (Revista n.º 2393/01 da 4ª Secção), de 2002.01.15 (Revista n.º 338/02 da 4ª Secção) e de 2003.01.15 (Revista n.º 338/02 da 4ª Secção).
(24) Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.02.13 (Revista n.º 4007/07 da 4ª Secção).
(25) Assim, Irene Gomes, no seu estudo Principais aspectos do regime jurídico do trabalho exercido em comissão de serviço, in “Estudos de direito do trabalho em homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea”. Almedina, Coimbra 2004, págs. 243-244, caracteriza a comissão de serviço como uma cláusula acessória aposta a um contrato de trabalho. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13ª ed., pp.. 223 e 158, nota 1, referindo-se ao “estatuto laboral” emergente do acordo de comissão de serviço e que a comissão de serviço pode considerar-se um “contrato especial de trabalho”; Menezes Cordeiro, “Da constitucionalidade das comissões de serviço laborais”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXIII, 1991, pág. 131, aludindo à comissão de serviço como um “novo tipo de contrato de trabalho”; Bernardo Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 1992, pág. 344; Jorge Leite, Comissão de Serviço, Questões Laborais, Ano VII, 2000, pág. 155, escrevendo que o DL n.º 404/91 foi o primeiro diploma a regular com carácter geral a figura da comissão de serviço como “figura de direito privado do trabalho”; Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª edição, 2007, pp. 679 e ss. Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, Coimbra, 2005, p. 499.
(26) Perante o Código do Trabalho, Monteiro Fernandes enquadra a comissão de serviço no âmbito da flexibilidade funcional do trabalhador, in “Direito do Trabalho”, 13ª edição, 2006, pp. 222-224.
(27) In “Novos Estudos sobre Sociedades Anónimas e Sociedades em Nome Colectivo”, Coimbra, 1994, p. 196. Abílio Neto em anotação ao art. 398.º no seu “Código das Sociedades Comerciais/Jurisprudência e Doutrina, 2003”, p. 848, defende que o CSC deve ter-se por revogado no que a comissão de serviço se oponha ao seu regime.
(28) In “Código do Trabalho Anotado”, com Pedro R. Martinez e outros, 5.ª edição, Coimbra 2007, pp. 468 e ss.
(29) In Direito do Trabalho, 4ª edição, Coimbra, 2007, pág. 680. Também Irene Gomes, Principais aspectos do regime jurídico do trabalho exercido em comissão de serviço, in “Estudos de direito do trabalho em homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra 2004, págs. 251 e segs., identifica os conceitos de administração e direcção com a categoria de “trabalhador dirigente”. Vide ainda Bernardo Xavier, “Curso de Direito do Trabalho”, p. 345.
(30) O CSC foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de Setembro, e sofreu as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.ºs 184/87, de 21 de Abril, 280/87, de 8 de Julho, 229-B/88, de 4 de Julho, 418/89, de 30 de Novembro, 142-A/91, de 10 de Abril, 238/91, de 2 de Julho, 225/92, de 21 de Outubro, 20/93, de 26 de Janeiro, 261/95, de 3 de Outubro, 328/95, de 9 de Dezembro, 257/96, de 31 de Dezembro, 343/98, de 6 de Novembro, 486/99, de 13 de Novembro, 36/2000, de 14 de Março, 237/2001, de 30 de Agosto, 162/2002, de 11 de Julho, 107/2003, de 4 de Junho, 88/2004, de 20 de Abril, 19/2005, de 18 de Janeiro, 35/2005, de 17 de Fevereiro, 111/2005, de 8 de Julho, 52/2006, de 15 de Março e 76-A/2006, de 29 de Março.
(31) No domínio dos conflitos de leis em direito internacional privado, o Código Civil opta no art. 21.º por uma concepção subjectivista, ao declarar irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que noutras circunstâncias seria competente.
(32) In “Teoria Geral do Direito Civil”, II, Lisboa, 1979, pp. 334 e ss.
(33) In “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Coimbra, 1992, Vol. II, pág. 337
(34)Vide Rui de Alarcão, “Breve motivação do anteprojecto sobre o negócio jurídico na parte relativa ao erro, dolo, coacção, representação, condição e objecto negocial”, in BMJ 138/120.
(35)In “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo I, Introdução, Doutrina Geral, Negócio Jurídico, Coimbra, 1999, pp. 423 e ss.
(36) Vide o Ac. do STJ de 1995.09.05 (BMJ 347/404).
(37) Vide o Ac. do STJ de 2005.01.25, disponível in www.dgsi.pt sob a referência 04A3915 e o de 2007.10.31, disponível no mesmo sítio sob a referência 07S1260.
(38)A utilização da palavra “não” deve-se a um evidente lapso.
(39) É o seguinte o teor da n.º 2 da cláusula 77ª do CCT do Sector dos Seguros publicado no BTE n.º 23 de 22 de Junho de 1995: “A aplicação abusiva da sanção de despedimento confere ao trabalhador direito ao dobro da indemnização legal, calculada em função da antiguidade
(40) “A Cessação da Relação de Administração” in Direito Societário Português - Algumas Questões, Quid Júris, Lisboa. 1998, p. 96.
(41) Vide Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra, 1984, p. 166 e ss. e 174 e ss. Alude este autor à chamada ordem pública contratual não só como proibitiva (obstando à produção de certos resultados jurídicos) mas sob um ângulo dispositivo (modelando o conteúdo e impondo os efeitos de determinados contratos).
(42) Vide Antunes Varela,” Das Obrigações em Geral”, I, p. 229, nota 1.
(43)Cfr. o Ac. do Tribunal Constitucional de 9 de Outubro de 1996 (DR, II Série, n. 288, de 13 de Dezembro 1996). O Ac. de 30 de Maio de 2001 ( DR, II Série, n.º 254, de 2 de Novembro 2001) aborda o art. 398.º, n.º 2 do CSC na parte em que determina a suspensão dos contratos de trabalho subordinado celebrado há mais de um ano e considera que o mesmo não é formalmente inconstitucional na dimensão normativa questionada, por não implicar uma directa repercussão na situação jurídica dos trabalhadores, na medida em que não inova na regulamentação jurídica substantiva desses trabalhadores, ao invés do referido pelo recorrente.
(44) No sentido de que os tribunais não têm que apreciar questões sem relevância prática, vide os Acs. do STJ de 2004.03.03 (Rev. n.º 4344/03 da 4ª Secção) e de 2004.12.02 (Rev. n.º 1284/04 da 4ª Secção).
(45) No que diz respeito à incompatibilidade entre os vínculos laboral e de Administração consagrada no n.º 1 do art. 398.º, a sua conformidade com o texto constitucional tem sido afirmada, sem que se conheçam discrepâncias, quer pela jurisprudência do STJ, quer pela jurisprudência do Tribunal Constitucional – vide o Ac. do STJ de 7 de Março de 2007 (Recurso n.º 4476/06, da 4.ª Secção) e o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 539/2007 de 30 de Outubro de 2007, que considerou improcedente a ali invocada inconstitucionalidade formal, orgânica e material do n.º 1 do art. 398.º, disponível em www.tribunalconstitucional.pt .
(46) No mesmo sentido, de que não devem conhecer-se questões de constitucionalidade insusceptíveis de influenciar a resolução da questão de fundo e, por isso, despidas de relevância prática, vide os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 478/04, de 7 de Julho de 2004, n.º 275/95 de 31 de Maio de 1995, n.º 974/96, de 11 de Julho de 1996 e n.º 192/91 de 8.5.91, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt e Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional”, 6ª ed., Coimbra 1993, p.1049.
(47) Vide Pedro Madeira de Brito, in “Código do Trabalho Anotado” por Romano Martinez e outros, 5ª edição, 2007, pp. 278 e ss e Júlio Gomes e Catarina Carvalho, “Sobre o regime da invalidade do contrato de trabalho”, II Congresso Nacional de Direito do Trabalho, pp.149 e ss.
(48) No sentido, também, de que o regime da comissão de serviço estabelecido pelo DL n.º 404/91 é imperativo, vide o Ac. do STJ de 2000.11.30 (Rev. n.º 78/00 da 4ª Secção).
(49) In CJ, Acs. do STJ, II, p. 142, aludindo aos ensinamentos de Baptista Machado.
(50) Vide o Ac do STJ de 2003.11.05 (Rev. n.º 118/03 da 4ª Secção).
(51) Vide Coutinho de Abreu, in “Do Abuso do Direito”, Coimbra, 1983, pp. 42 e ss.
(52) No sentido de que o abuso do direito supõe por parte do seu titular um “excesso manifesto”, ou de que exige que o exercício do direito “exceda por forma anómala, desproporcionada e clamorosamente ofensiva, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito”, vide os Acs. do STJ de 1999.11.11 (Rev. n.º 222/98, da 4ª Secção), de 1999.03.11 (Rev. n.º 396/98, da 4ª Secção), de 2001.05.03 (Rev. n.º 586/01, da 4ª Secção), de 2001.03.21 (Rev. n.º 3319/00, da 4ª Secção), de 2003.07.02 (Rev. n.º 842/03, da 4ª Secção) e de 2004.11.17 (Rev. n.º 2603/04 da 4ª Secção).