Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
264/18.3PKLRS.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECLAMAÇÃO
REFORMA DE ACÓRDÃO
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I — Quando estejam em causa nulidades do acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça, existem regras próprias que permitem que, em sede de recurso, sejam supridas as nulidades — nos termos do art. 425.º, n.º 4, do CPP, aplicam-se as regras constantes dos arts. 379.º, e 380.º, do CPP; todavia, o arguido, na reclamação apresentada, não invoca nenhuma das nulidades referidas nestes dispositivos.

II — Havendo normas processuais penais que regulam todo o regime de recursos no processo Penal, e havendo normas processuais que regulam a arguição de nulidades do acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se verifica a condição imposta pelo art. 4.º, do CPP, que permite a aplicação das regras processuais civis apenas quando haja uma omissão.

III — O que o requerente pretende, mais do que arguir invalidades, é que se reexamine o decidido, o que, porém, não é permitido pelo disposto no art.º 613.º, n.º 1, do CPC ex vi art. 4.º do CPP – dado o esgotamento do poder jurisdicional –, nem é viabilizado pelo art.º 616.º, n.º 2, al. a), do CPC, que não tem aplicação em processo penal.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 264/18.3PKLRS.L1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1. Em primeira instância, entre outros, o arguido AA, identificado nos autos, e julgado em tribunal coletivo no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Oeste (Juízo Central Criminal ..., Juiz ...), foi julgado e condenado nos seguintes termos:

«(...)ai) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão (caso II.XI., residência de BB);

aj) Condenar o arguido AA, como co-autor material de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (casos II.XVI., II.XVII., II.XXVII. e II.XI., residência de CC);

ak) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis meses de prisão (caso II.XII.);

al) Condenar o arguido AA, como co-autor material de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.XV. e II.XXVI.);

am) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (caso II.XVIII.);

an) Condenar o arguido AA, como co-autor material de dois crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.X. e II.XIII.);

ao) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (caso II.XX.);

ap) Operando a requalificação jurídica dos respectivos factos da acusação/pronúncia, condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alíneas f) e h) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (caso II.XXIV.);

aq) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (caso II.XXIII.);

ar) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de roubo qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nº 2, 73º e 210º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (caso II.XXI.);

as) Operando a requalificação jurídica dos respectivos factos da acusação/pronúncia, condenar o arguido AA, como autor material de quatro crimes de condução de veículo automóvel sem carta de condução, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 2/98, de 3-1, com referência ao artigo 121º, nºs 1 e 4 do Código da Estrada, na pena de 8 (oito) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (dias 14, 16, 20 e 29-1-2020);

at) Em cúmulo jurídico das penas mencionadas nas alíneas ai) a as), condenar o arguido AA na pena única de 12 (doze) anos de prisão (artigo 77º, nºs 1 e 2 do Código Penal);

au) Absolver o arguido AA dos demais crimes por que vem acusado/pronunciado; (...)

bm) Ordenar que, no caso de o ADN dos arguidos (...) AA, (...) ainda não constar na base de dados de perfis de ADN, transitado que seja em julgado o presente acórdão, sejam recolhidas amostras dos ADN destes arguidos e que os perfis resultantes das amostras sejam inseridos na base de dados de perfis de ADN para efeitos de investigação criminal, sendo a respectiva recolha solicitada ao Instituto Nacional de Medicina Legal - Delegação ... (artigos 5º, nº 1, 8º, nº 2 e 18º, nº 3 da Lei nº 5/2008, de 12-2);

bn) Condenar solidariamente os arguidos (...) AA, (...) nas custas do processo, fixando a taxa de justiça em 6 UC a cargo do arguido DD, em 5 UC a cargo dos arguidos AA e EE, em 4 UC a cargo dos arguidos FF e GG e em 3 UC a cargo da arguida HH (artigos 513º, nºs 1 a 3 e 514º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais); (...)

bv) Ordenar a restituição ao arguido AA dos bens e dinheiro que lhe foram apreendidos (fls. 2411), o qual se adverte que deve requerer o seu levantamento no prazo máximo de 60 dias, findo o qual, se não o fizer, tais bens e dinheiro consideram-se perdidos a favor do Estado (artigo 186º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal);

bw) Declarar perdidos a favor do Estado os veículos automóveis de matrículas ..-..-UV e ..-..-LM (fls. 2311/2316 e 2461/2463) [artigo 110º, nº 1, alínea b) do Código Penal].

bx) Ordenar a restituição dos bens apreendidos que foram identificados pelos respectivos donos, conforme a factualidade provada sob os itens VI., IX., XIV., XVII., XXIX. e XXXIII., os quais serão notificados para procederem ao seu levantamento, nos termos do artigo 186º, nº 3 do Código de Processo Penal; (...)

ca) Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por II e por JJ contra os arguidos (...) AA e (...) e, em consequência, condenar estes arguidos/demandados no pagamento às demandantes da quantia de 870,00 € (oitocentos e setenta euros) e no pagamento de 500,00 € (quinhentos euros) à demandante II, acrescida de juros, vencidos desde 29-1-2020, à taxa legal, sobre a quantia de 870,00 €;

cb) Condenar os demandados arguidos (...) AA e (...) nas custas relativas ao pedido de indemnização civil formulado por II e JJ (artigo 523º do Código de Processo Penal, artigo 527º, nºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil e artigo 6º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais);

cc) Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por KK contra os arguidos (...) AA e (...) e, em consequência, condenar estes arguidos/demandados no pagamento ao demandante da quantia de 180,89 € (cento e oitenta euros e oitenta e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, e de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros, vencidos desde 12-12-2020, à taxa legal, sobre a quantia de 180,89 €, e de juros vincendos;

cd) Condenar os demandados arguidos (...) AA e (..) nas custas relativas ao pedido de indemnização civil formulado por KK (artigo 523º do Código de Processo Penal, artigo 527º, nºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil e artigo 6º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais);

ce) Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado por LL contra os arguidos (...) AA e (...) e, em consequência, condenar cada um destes arguidos/demandados no pagamento à demandante da quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros);

cf) Condenar os demandados arguidos (...) AA e (...) nas custas relativas ao pedido de indemnização civil formulado por LL (artigo 523º do Código de Processo Penal, artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e artigo 6º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais); (...)

ch) A título de reparação por danos não patrimoniais, condenar os arguidos (...)AA e (...), solidariamente, no pagamento de 15.000,00 € (quinze mil euros) a MM (artigo 16º, nº 2 do Estatuto da Vítima e artigos 67º-A, nº 3 e 82º-A, nº 1 do Código de Processo Penal);

ci) Ordenar que seja dado conhecimento a NN e a MM do decidido em sede de reparação às vítimas, com nota do trânsito em julgado do acórdão; e

cj) Ordenar a oportuna remessa de boletins ao registo criminal [artigo 374º, nº 3, alínea d) do Código de Processo Penal].»

2. Vários arguidos, entre eles o agora reclamante, inconformados com a decisão, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 17.05.2022, julgou parcialmente procedentes os recursos interpostos, nomeadamente quanto ao arguido AA tendo decidido:

«(...)

AA

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (caso II.XI., residência de BB);

- como co-autor material de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (casos II.XVI., II.XVII., II.XXVII. e II.XI., residência de CC);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (caso II.XII.);

- como co-autor material de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) e 3 (três) meses de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.XV. e II.XXVI.);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (caso II.XVIII.);

- como co-autor material de dois crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.X. e II.XIII.);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão (caso II.XX.);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alíneas f) e h) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (caso II.XXIV.);

- como co-autor material de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (caso II.XXIII.);

- como co-autor material de um crime de roubo qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nº 2, 73º e 210º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 3 (três) anos de prisão (caso II.XXI.);

- como autor material de quatro crimes de condução de veículo automóvel sem carta de condução, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 2/98, de 3-1, com referência ao artigo 121º, nºs 1 e 4 do Código da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (dias 14, 16, 20 e 29-1-2020).

E na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

3. Inconformados com a decisão, interpuseram os arguidos recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 29.09.2022 decidiu:

«a) corrigir, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.05.2022 (...)

b) rejeitar o recurso da arguida GG por inadmissibilidade legal;

c) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA;

d) conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos DD e OO da PP e, revogando a decisão recorrida, condenar

. o arguido DD na pena única de 16 anos de prisão,

. o arguido OO da PP na pena única de 10 anos de prisão.»

4. Vem agora o arguido AA requerer, ao abrigo do disposto no art. 666.º e 616.º, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 4.º, do Código de Processo Penal, a reforma do acórdão nos seguintes termos:

«1 – No âmbito destes autos, na 1.ª Instância, por Acórdão prolatado em 28 de setembro de 2021, o arguido AA foi condenado, pela prática, em coautoria material dos seguintes crimes:

a) de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão (caso II.XI, residência de BB);

b) de 4 (quatro) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (casos II.XVI, II.XVII, II.XXVII e II.XI, residência de CC);

c) de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (caso II.XII);

d) de 2 (dois) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.XV e II.XXVI);

e) de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (caso II.XVIII);

f) de 2 (dois) crimes de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, n.os 1 e 2, 73.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.X e II.XIII);

g) de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23.º, n. n.os 1 e 2, 73.º, 203.º, n.º 1, e 204.º, n. n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (caso II.XX);

h) de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alíneas f) e h), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (caso II.XXIV), sendo certo que, neste segmento, foi operada a requalificação jurídica dos factos da acusação/pronúncia;

i) de 1 (um) crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (caso II.XXIII); e

j) de 1 (um) crime de roubo qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, n.º 2, 73.º e 210.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.os 1, alínea h), e 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (caso II.XXI.).

l) O arguido foi ainda condenado pela prática, em autoria material, de 4 (quatro) crimes de condução de veículo automóvel sem carta de condução, p. e p. pelo artigo 3.º, n.os 1 e 2 do Dec.-Lei n.º 2/98, de 3-1, com referência ao artigo 121.º, n.os 1 e 4, do Código da Estrada, na pena de 8 (oito) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (dias 14, 16, 20 e 29-1-2020) sendo certo que, nesta parcela, foi operada a requalificação jurídica dos factos da acusação/pronúncia.

m) Em cúmulo jurídico, que englobou as supraditas penas, foi condenado na pena única de 12 (doze) anos de prisão (artigo 77.º, n.os 1 e 2, do Código Penal).

2 – Interposto recurso da referida decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 17/05/2022, decidiu conceder parcial procedência ao recurso do arguido AA, nos seguintes termos:

“AA

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (caso II.XI., residência de BB);

- como co-autor material de quatro crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (casos II.XVI., II.XVII., II.XXVII. e II.XI., residência de CC);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão (caso II.XII.);

- como co-autor material de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 2 (dois) e 3 (três) meses de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.XV. e II.XXVI.);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (caso II.XVIII.);

- como co-autor material de dois crimes de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão por cada um desses dois crimes (casos II.X. e II.XIII.);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nºs 1 e 2, 73º, 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e) do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão (caso II.XX.);

- como co-autor material de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alíneas f) e h) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão (caso II.XXIV.);

- como co-autor material de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 4 (quatro) anos de prisão (caso II.XXIII.);

- como co-autor material de um crime de roubo qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, nº 2, 73º e 210º, nºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea h) e nº 2, alínea e), do mesmo diploma, na pena de 3 (três) anos de prisão (caso II.XXI.);

- como autor material de quatro crimes de condução de veículo automóvel sem carta de condução, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do Dec.-Lei nº 2/98, de 3-1, com referência ao artigo 121º, nºs 1 e 4 do Código da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão por cada um desses quatro crimes (dias 14, 16, 20 e 29-1-2020).

E na pena única de 9 (nove) anos de prisão.”

3– O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de29/09/2022, ora reclamado, considerou que o recurso deve ser rejeitado no segmento respeitante às condenações atinentes aos crimes de furto qualificado, furto qualificado na forma tentada, roubo qualificado, roubo qualificado na forma tentada e condução de veículo automóvel sem carta de condução e nas penas parcelares que lhes correspondem – todas elas inferiores a 8 anos de prisão.

4 – Afirmou-se no acórdão reclamado, visto o disposto nos artigos 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível na parte em que confirmou in mellius a condenação da 1.ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), apenas podendo ser apreciado pelo tocante à pena única que lhe foi imposta por ser superior a 8 anos de prisão – de forma exata, 9 anos de prisão.

5 – Pelo referido motivo, decidiu-se que apenas cumpria conhecer da pena única superior a 8 anos de prisão – e não também da medida da pena correspondente às penas parcelares.

6 – Todavia, a sobredita decisão cauciona-se em um normativo legal que o reclamante considera inconstitucional, na interpretação que lhe é dada pelo Acórdão reclamado: o artigo 400.º, n.º 1, al. f), do CPP.

7 – Dispõe o predito normativo que não é admissível recurso “[d]e acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;”

8 – Na perspetiva do reclamante, o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal é inconstitucional, quando interpretado no figurino de não permitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (na hipótese de as penas parcelares não serem superiores a 8anos, mas a pena única se configurar superior), em caso de arguição de questões de direito, atinentes à qualificação jurídica e à determinação da pena (além das questões que, nessa pressuposição, o Supremo Tribunal de Justiça deva conhecer ex officio), que estejam correlacionadas com os crimes apropositados e com as penas parcelares que lhes foram aplicadas.

9 – Salvo o devido respeito por opinião diversa, no caso em apreço, tendo o arguido interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em que requereu, inter alia, o conhecimento de questões de direito, conexas com a medida concreta das penas parcelares, esse recurso era e é sempre admissível, sob pena de violação do disposto nos artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

10 – A problemática aqui em tela imbrica-se à exegese atinente ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), que dispõe não ser admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

Com a sobredita alínea, pretendeu-se adstringir o triplo grau de jurisdição aos casos de maior merecimento penal – nesse recortado, permite-se, então, a recorribilidade da dupla conforme.

Diante da sinalizada redação, numa interpretação a contrario, conclui-se que, no caso de a Relação, em recurso, proferir acórdão condenatório que confirme decisão de 1.ª instância, é admissível recurso para o Supremo Tribunal, contanto que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos: é, pois, a superior gravidade da condenação, com privação da liberdade que exceda 8 anos, que enseja a intervenção de uma terceira instância.

“Agora é omitido esse sintagma [“mesmo em caso de concurso de infrações”], o que, face aos antecedentes jurisprudenciais, parece apontar para que diversamente se deva entender que o limite de 8 anos se refere à pena aplicada, seja em caso de infracção única, seja em caso de cúmulo jurídico.”[1]

Ora, sendo certo que o punctum saliens se consolida aqui na pena efetivamente aplicada e na respetiva gravidade, o Supremo Tribunal de Justiça deve rever, no caso em pauta, todas as questões de direito que lhe foram submetidas no recurso interposto pelo arguido (designadamente a medida da pena referente às penas parcelares) e as que deva conhecer ex officio, que estejam concatenadas com os crimes cogitados nos presentes autos, em cujo apartado foi aplicada, em cúmulo jurídico, uma pena superiora8anosdeprisão –concretamente, 9 anos de prisão.

Pode, por conseguinte, inferir-se, que o legislador, na envolvência de um condicionalismo correspondente ao dos presentes autos, não quis, de facto, arredar/apartar a possibilidade de o recurso ter a predita amplitude. Tanto vale por dizer que os brocardos latinos ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir), verba cum effectu sunt accipienda (não se presumem, na lei, palavras inúteis) e uni lex voluit dixit, ubi noluit, tacuit (quando a lei quis, dispôs, quando não, calou), têm aqui uma plena e axiomática aplicação.

11 – Em jeito sinótico: se é verdade que o citado artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP adjetiva no sentido de irrecorribilidade, tal deve adstringir-se unicamente aos acórdãos condenatórios que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, seja em caso de infração única, seja em caso de cúmulo jurídico; diante disso, tendo sido aplicada uma pena única superior a 8 anos, não podia ter sido feita a interpretação consolidada em não tomar conhecimento, maiormente, da questão de direita justaposta à medida concreta das penas parcelares/singulares    aplicadas, sob pena de violação de direitos e garantias constitucionalmente consagradas.

12 – Dispõe o artigo 379.º, n.º 2, do CPP que “[a]s nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.

13 – Assim, o reclamante entende que se impunha ao STJ, além do mais, conhecer do seguinte: i) da opção incorreta pela pena de prisão, quando se impunha a pena de multa, pelo que tange aos crimes de condução de veículo sem habilitação legal; ii) da determinação da medida concreta das penas parcelares [no que afeta aos pontos i) e ii), vejam-se as conclusões 37 a 51]; e, de forma reflexa, do cúmulo jurídico consequente (conclusões 52 a 54) e da suspensão da execução da pena (conclusões 55 a 63).

14 – Desta sorte, em vista das considerações sinalizadas, além das questões de conhecimento oficioso, deverá o STJ conhecer da materialidade indigitada no precedente número 13, devendo ser julgado que o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal é inconstitucional, quando interpretado na aceção de não permitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em caso de arguição de nulidades do acórdão e de invocação de questões de direito, referentes à qualificação jurídica e à determinação da pena, que se mostrem conexas com os pertinentes crimes e com as penas parcelares correspondentes, na hipótese de ser aplicada, em cúmulo jurídico, uma pena única de prisão superior a 8 anos.»

            5. No Supremo Tribunal de Justiça, permitiu-se o contraditório do Ministério Público que considerou:

«(...) Dispõe o artigo 400.º do C.P.P., sob a epígrafe Decisões que não admitem recurso, e no que ora importa:

1 Não é admissível recurso:

(...)

f) - De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(...)

Atente-se na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) que incide sobre a irrecorribilidade de decisões como a ora em apreciação:

É o caso do acórdão de 11 de Abril de 2012 (disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.), assim sumariado:

I – É admissível recurso para o STJ nos casos contemplados no art.º 432º do CPP, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o art.º 433º do mesmo diploma legal.

II. Com a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos das decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, restringindo- se a impugnação daquelas decisões para o STJ, no caso de dupla conforme, apenas a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 8 anos (cf. art.º 400º, nº 1, al. f), do CPP).

III. Esta solução quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1ª instância não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do nº 1 do art.º 32º da CRP. De facto, o direito ao recurso em matéria penal, inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa, está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a CRP se bastar com um duplo grau.

IV. A noção de dupla conforme inclui a confirmação de uma decisão da 1ª instância pela Relação, quando apenas parcial, se bem que traduzindo-se, exactamente, por força da intervenção do tribunal superior, numa melhoria da posição processual do condenado, que ainda assim «obtém ganho de causa».

Neste acórdão, em que se inventaria a vasta jurisprudência do S.T.J. que, desde a alteração ao artigo 400º do C.P.P., operada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, e até à data da sua prolação, adoptou a compreensão nele perfilhada, consagra-se o entendimento, como se vê, da irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, mesmo quando seja apenas parcial a confirmação, e principalmente, como aí se refere, quando, por força da intervenção do tribunal superior, se verifique uma melhoria da posição processual do condenado que assim “obtém ganho de causa.”

No caso concreto dos autos, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa no julgamento do recurso apresentado pelo arguido AA, confirmou in mellius a condenação do arguido, ora requerente, por diversos crimes em penas de prisão  inferiores  a 8 anos de prisão, e baixou a pena única de 12 anos de prisão aplicada na primeira instância , para 9 anos de prisão.

Portanto, foi confirmada a decisão da primeira instância sendo que, em penas parcelares inferiores a 8 anos e pena única superior a 8 anos.

Nesta mesma linha de compreensão, atente-se em diversas outras decisões do S.T.J.:

Veja-se o acórdão de 10-09-2014 (Processo n.o 714/12.2JABRG.S1, 5a Secção,

Relatora: Conselheira Helena Moniz, in www.stj.pt):

Apenas poderá haver dupla via de recurso em matéria de direito, se houver um recurso (prévio) sobre a matéria de facto e de direito para a Relação, e a pena aplicada e confirmada (pela Relação) seja superior a 8 anos, podendo então haver novo recurso para o STJ;

Todavia se se tratar de um caso de concurso, e a pena única for superior a 8 anos e as penas parcelares inferiores a 8 anos, tendo havido recurso prévio para a Relação em matéria de facto e de direito, apenas se pode conhecer novamente em matéria de direito das penas superiores a 8 anos (não se devendo conhecer das parcelares inferiores a 8 anos e confirmadas pela Relação, pois já tiveram um grau de recurso.

Ou o acórdão de 08-10-2014 (Processo n.o 81/14.0YFLSB.S1, 3a Secção, Relator:

Conselheiro Maia Costa, in www.stj.pt):

Conforme jurisprudência generalizada do STJ, a al. f) do nº 1 do art. 400º do CPP ao vedar o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios das Relações proferidos em recurso que confirmem a decisão de 1ª instância e apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, impõe a irrecorribilidade, quando a pena conjunta é superior a 8 anos de prisão, das penas parcelares que não excedam essa medida.

Tendo havido “dupla conforme”, ou seja, tendo a Relação confirmado a decisão condenatória da 1ª instância e dado que todas as penas parcelares são inferiores a 8 anos, só a pena única ultrapassando essa medida, fica prejudicada a apreciação das demais questões colocadas.

Ou ainda o acórdão de 02-12-2015 (Proc. n.o 5887/05.8TBALM.L1.S1 – 3.a Secção,

Relator: Conselheiro João Silva Miguel, in www.stj.pt):

Na formulação do art.º 400º, nº 1, al. f), do CPP, na redação introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, o legislador veio vedar a possibilidade de recurso para o STJ de acórdão de tribunal da relação que confirme decisão de 1ª instância e aplique penas de prisão iguais ou inferiores a 8 anos, tendo implícito que a convergência de duas decisões, em 1ª instância e na Relação, conforma o seu acerto e a desnecessidade de repetir a argumentação perante outra instância.

Em caso de concurso de crimes ou das questões que lhes respeitem só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida.

É pressuposto de inadmissibilidade de recurso para o STJ de acórdão do tribunal da Relação, nos termos da alínea f) do nº 1 do art. 400º, do CPP, que o acórdão do tribunal da Relação confirme decisão do tribunal da 1ª instância, e que a pena aplicada pelo tribunal de 2ª instância não seja superior a 8 anos.

A irrecorribilidade da decisão do tribunal de 2ª instância tem pressuposta a confirmação da decisão que apreciou, ou, no dizer do código, que confirme decisão de 1ª instância.

O recurso é assim inadmissível e a tanto não obsta o despacho de admissibilidade, proferido no tribunal recorrido, por tal despacho não vincular o tribunal superior (art. 414º, nº 3, do CPP) (sublinhado nosso).

Como o acórdão de 13-04-2016 (Processo nº 294/14.4PAMTJ.L1.S1 – 3.a Secção,

Relator: Pires da Graça, in www.stj.pt):

Se houve confirmação pela Relação da decisão da 1ª instância - a chamada dupla conforme - não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400º, nº 1, al. f), do CPP, na nova redacção introduzida pela Lei 48/2007, sobre as penas parcelares, não superiores a 8 anos de prisão, apenas sendo possível o recurso quanto à pena única em que os mesmos arguidos foram condenados.

As posteriores leis de alteração do CPP, a Lei 26/2010, de 30-08, a Lei 20/2013, de 21-02 e a Lei 27/2015, de 14-04, não alteraram esse entendimento, o qual não é inconstitucional, uma vez que o art.º 32º, nº 1, da CRP ao garantir o direito ao recurso, garante o duplo grau de jurisdição, mas não duplo grau de recurso, sendo este determinado pela forma prevista no diploma legal adjectivo.

Considere-se ainda o acórdão de 02-05-2018 (Processo nº 51/15.0PJCSC.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos, in www.stj.pt):

Sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, e tendo sido integralmente confirmadas no acórdão da relação de que se recorre, verifica-se a existência de dupla conforme, pelo que as mesmas são insusceptíveis de recurso em conformidade com o disposto nos artigos 400º nº 1, al.) f) a contrario e 432º, nº 1 al.) b), ambos do CPP.

Abrangidos pelo caso julgado firmado e inerente irrecorribilidade, estão igualmente as questões que se prendem com a decisão de perdimento a favor do Estado dos valores e dos veículos automóveis referidos. Abrangido pela irrecorribilidade, igualmente fica prejudicado o conhecimento das alegadas nulidades das escutas telefónicas, da nulidade do acórdão recorrido por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por erro notório na apreciação da prova ou por omissão de pronúncia e da alegada violação do princípio in dúbio pro Reo.

E, ainda o acórdão de 24-02-2021 (Processo no 7447/08.2TDLSB.L1.S1, 3ª secção, Relator: Conselheiro Sénio Alves, in www.dgsi.pt):

No seguimento de jurisprudência uniforme deste STJ, que acolhemos, a pena aplicada tanto é a pena parcelar, cominada para cada um dos crimes, como a pena única/conjunta, pelo que, aferindo-se a irrecorribilidade separadamente, por referência a cada uma destas situações, os segmentos dos acórdãos proferidos em recurso pelo tribunal da Relação, atinentes a crimes punidos com penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, são insuscetíveis de recurso para o STJ, nos termos do art.º 432.º, nº 1, b), do CPP.

Esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares. A não apreciação dessas questões elencadas pelo reclamante é, portanto, consequência directa da rejeição do recurso, quanto às penas parcelares.

Face ao exposto,

E atentando na jurisprudência uniformemente sedimentada ao longo do tempo, na sua quase totalidade, leva-nos a concluir,

Ser Irrecorrível a decisão firmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, apenas resultando “elegível” para recurso a matéria relativa à pena única a que foi condenado o ora requerente AA, por superior a 8 anos de prisão.

E sobre o seu alcance, verifica-se que, exceptuado tal ponto, a irrecorribilidade estende-se a toda a decisão, abrangendo todas as questões relativas à actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação, sejam de constitucionalidade, substantivas ou processuais, confirmadas pelo acórdão da Relação (como se escreveu, a tal propósito, no acórdão de 22-04-2020, do S.T.J., processo nº 63/17.0T9LRS.L1.S1,

Relator: Conselheiro Nuno Gonçalves):

 “ou, de forma ainda mais esclarecedora, esta irrecorribilidade abrange, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente, as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, concurso efectivo de crimes/crime continuado e com a determinação das penas parcelares. A não apreciação dessas questões elencadas pelo reclamante é, portanto, consequência directa da rejeição do recurso, quanto às penas parcelares (cfr. citado acórdão de 24- 02-2021).

Por outro lado, da conformidade constitucional da compreensão exposta, dá-nos conta o acima citado acórdão de 13-04-2016, e bem assim o acórdão de 19-01-2017, proferido no processo nº 215/08.3JBLSB.C1.S1, 5ª secção, Relator: Conselheiro Arménio Sottomayor, in www.stj.pt, em que se firmou o entendimento de que a interpretação do art.º 400º nº 1 al. f) do CPP, segundo a qual são irrecorríveis as questões respeitantes aos crimes singulares punidos com pena não superior a 8 anos de prisão em que tenha havido confirmação, em recurso, por parte do tribunal da relação, não padece de qualquer inconstitucionalidade, nem viola o disposto nos arts 29º e 32º nº 1 da CRP.

Também pelo Acórdão nº 186/2013 do Tribunal Constitucional, publicado no D.R. nº 89, Série II, de 09-05-2013, foi decidido não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do nº 1, do artigo 400º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.

Prejudicadas ficam, por conseguinte, a apreciação e discussão de todas as questões suscitadas no recurso que não tenham a ver com a medida da pena unitária aplicada ao recorrente.

Face ao exposto, e porque o Acórdão proferido neste STJ, não nos suscita reparo,

- Promovemos o indeferimento do requerido.»

6. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

O arguido vem requerer a reforma da decisão do Supremo Tribunal de Justiça à luz dos arts. 666.º e 616.º, ambos do CPC ex vi art. 4.º, do CPP, por considerar que a não apreciação do recurso interposto, quanto à parte da decisão recorrida que conheceu dos crimes em particular, por existência de dupla conforme in mellius constitui uma interpretação inconstitucional do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, quando relativamente a cada um dos crimes se alegam questões de direito e “designadamente” quando se impugna a medida da pena.

O art 666.º, n.º 1, do CPC refere-se aos vícios e reforma do acórdão considerando-se que “É aplicável à 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos 613.º a 617.º, mas o acórdão é ainda nulo quando for lavrado contra o vencido ou sem o necessário vencimento.” Este dispositivo encontra-se integrado no Capítulo III referente ao recurso de apelação. Ou seja, não só a letra da lei é clara considerando que se aplica este dispositivo aos acórdãos prolatados em 2.ª instância, normalmente, os acórdãos prolatados pelo Tribunal da Relação, como sistematicamente esta regulamentação refere-se aos acórdãos em recurso de apelação e não em recurso de revista. O que parecia expressamente confirmado pelo disposto no art. 679.º, do CPC, que em sede de recurso de revista determina: “São aplicáveis (...) as disposições relativas ao julgamento da apelação, com exceção do que se estabelece nos artigos 662.º e 665.º e do disposto nos artigos seguintes.”. Todavia, por força do disposto no art. 685.º do CPC, às “nulidades dos acórdãos” (epígrafe do dispositivo) prolatados pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de recurso de revista é aplicável o disposto no art. 666.º, do CPC.

Porém, havendo disposições próprias no âmbito do Código de Processo Penal, não há qualquer fundamento legal para aplicação das regras do CPC, isto porque, nos termos do art. 4.º, do CP, apenas “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.”

Ora, quando estejam em causa nulidades do acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça, existem regras próprias que permitem que, em sede de recurso, sejam supridas as nulidades. Nos termos do art. 425.º, n.º 4, do CPP, aplicam-se as regras constantes dos arts.  379.º, e 380.º, do CPP. Todavia, o arguido não invoca nenhuma das nulidades referidas nestes dispositivos, pretendendo apenas “recorrer” da decisão que não conheceu de parte do seu recurso com os fundamentos expostos no acórdão em questão.

Havendo normas processuais penais que regulam todo o regime de recursos no processo Penal, e havendo normas processuais que regulam a arguição de nulidades do acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se verifica a condição imposta pelo art. 4.º, do CPP, que permite a aplicação das regras processuais civis apenas quando haja uma omissão.

Não havendo nulidades a suprir nos termos dos art. 379.º e 380.º, do CPP, ex vi art. 425.º, n.º 4, do CPP, decide-se pelo indeferimento do requerido. Tanto mais que aquilo que o arguido pretende, como bem explicita no ponto 14 do requerimento agora apresentado (e transcrito supra) é o conhecimento das seguintes questões: “i) da opção incorreta pela pena de prisão, quando se impunha a pena de multa, pelo que tange aos crimes de condução de veículo sem habilitação legal; ii) da determinação da medida concreta das penas parcelares [no que afeta aos pontos i) e ii), vejam-se as conclusões 37 a 51]; e, de forma reflexa, do cúmulo jurídico consequente (conclusões 52 a 54) e da suspensão da execução da pena (conclusões 55 a 63).”. Mas, está esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal de Justiça. Além disto, o que o requerente pretende, mais do que arguir invalidades, é que se reexamine o decidido, o que, porém, não é permitido pelo disposto no art.º 613.º, n.º 1, do CPC ex vi art. 4.º do CPP – dado o esgotamento do poder jurisdicional –, nem é viabilizado pelo art.º 616.º, n.º 2, al. a), do CPC, que não tem aplicação em processo penal.

Tendo em conta a conclusão a que chegámos, não se pode conhecer das questões alegadas neste requerimento.

III

Conclusão

Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir o requerido pelo arguido AA.

Custas 3 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de novembro de 2022

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama

João Guerra

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[1]  - Veja-se Simas Santos/Leal Henriques, Recursos Penais, 9.ª Edição, Rei dos Livros, 2020, pp. 45-46.