Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
373/20.9T8OVR-A.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO BARATEIRO MARTINS
Descritores: PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
VENCIMENTO ANTECIPADO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
CONTRATO DE MÚTUO
PRESCRIÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
A circunstância de, em consequência da perda do benefício do prazo, se vencerem e tornarem exigíveis todas as prestações de um mútuo liquidável em prestações, não altera o prazo de prescrição das prestações (de 5 anos, de acordo com o art. 310.º/e) do CC), sendo que o termo inicial (de tal prazo prescricional de 5 anos), em relação a todas as prestações que em tal data hajam ficado vencidas, se situa e começa a contar na data desse vencimento.
Decisão Texto Integral:





Processo: 373/20.9T8OVR-A.P1.S1
6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório
AA, com os sinais dos autos, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe moveu (a si e a BB e mulher, CC) a Banco 1..., SA. – para haver dela (e dos referidos BB e CC) a quantia de 39.572,29€, acrescida de juros de mora vincendos e imposto de selo, com fundamento em dois contratos de mútuo nos quais intervieram os referidos BB e CC como mutuários e como fiadora e principal pagadora a embargante – veio deduzir embargos à execução, alegando, em síntese, a prescrição, por respeitarem os títulos dados à execução a contratos de mútuo celebrados em 2004, nos termos dos quais foi acordada a restituição do capital mutuado em prestações, estando por isso o crédito exequendo sujeito ao prazo de prescrição estabelecido no art. 310.º/e) do CC, prazo que já havia decorrido aquando da sua citação para a presente execução.
Contestou a embargada/exequente, sustentando, em súmula, que ocorrendo, face ao incumprimento dos mutuários, o vencimento imediato de todas as prestações em 2008 e 2010 (relativamente a cada um dos contratos de mútuo), o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário de 20 anos (do art. 309º do CC) e não o quinquenal estabelecido na alínea e) do art. 310º do CC, mais invocando ocorrer a situação enquadrável no art. 311.º/1 do CC.
Findos os articulados, foi dispensada a audiência prévia, após o que o Exmo. Juiz, considerando que o estado do processo permitia conhecer imediatamente do mérito da causa, proferiu saneador-sentença, em que julgou a instância totalmente regular – estado em que se mantém – e em que julgou procedentes os embargos e determinou a extinção da execução quanto à embargante.
Inconformada, apelou a exequente/embargada, recurso que, por Acórdão da Relação ... de 22/03/2022, foi julgado totalmente improcedente.
Ainda inconformada, interpõe agora a exequente/embargada o presente recurso de revista excecional – admitida pela “Formação” a que alude o art. 672.º/3 do CPC – visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que julgue improcedentes os embargos e que determine a continuação da execução contra a embargante.
Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:
(…)
I - O presente recurso de apelação tem por objeto o acórdão proferido pela Relação ..., que julgou a apelação improcedente e, em consequência, confirmou a sentença recorrida, a qual determinou a extinção da execução, ao declarar prescrito o crédito exequendo, relativo aos contratos de mútuo celebrados entre as partes em 16/12/2004;
II. O Tribunal a quo considerou ser aplicável ao caso em apreço a alínea e) do artigo 310º do Código Civil;

III.  À hipótese dos autos aplica-se o prazo ordinário de prescrição, nos termos dos artigos 309º e 311º/1 do Código Civil, quanto ao capital e o prazo breve de cinco anos quanto aos juros, mas apenas quanto aos juros vencidos há mais de cinco anos antes da data em que se procedeu à liquidação do montante em dívida, que, no caso dos autos, ocorreu em 19/02/2020;

IV. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as disposições dos artigos 310º alínea e) 306º nº 1, 309º, 311º nº 1, 323º, nºs 1 e 2, 326º e 327º do Código Civil;
V. Foi dado como provado pelo Tribunal a quo que os mutuários a partir de 16/10/2010 e 16/03/2008, deixaram de efetuar o pagamento das prestações a que se haviam vinculado através dos contratos de mútuo celebrados entre a recorrente e recorrida, melhor identificados nas alíneas a) e j) da factualidade dada como provada

VI. Em face do não pagamento das prestações naquelas datas, e tendo presente o teor dos contratos de mútuo e documentos complementares juntos com o requerimento executivo, a partir das datas mencionadas a exequente ficou com o direito a considerar vencidos os empréstimos e consequentemente exigível e em mora todo o seu crédito – ut resulta da factualidade dada como provada, alíneas h), q) e v);
VII. Pelo que, em face dos indicados factos, ficou a Exequente com o direito a considerar vencidos os empréstimos e consequentemente exigível e em mora todo o seu crédito;

VIII. A exequente pediu a cobrança coerciva do valor peticionado, invocando o vencimento antecipado de toda a divida;

IX. Conforme resulta do requerimento executivo, a exequente procedeu à liquidação dos montantes em divida em 19/02/2020;

X. A exequente valeu-se do disposto no artigo 781º do Código Civil, o que significa que o prazo de pagamento escalonado das prestações anteriormente acordado deixa de estar em vigor;

XI. Desfeito o plano de amortização da divida inicialmente acordado, os valores em divida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros;
XII. O crédito exequendo não é relativo a qualquer quota de amortização, mas sim à globalidade do capital em divida, acrescido dos juros de mora contratualmente estabelecidos;
XIII. Pelo que a alínea e) do artigo 310º do Código Civil não poderá ser aplicável aos autos, pois estamos em presença de uma única obrigação, jamais podendo ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo;

XIV. No que concerne aos juros, apenas estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos para aquém da data da liquidação do montante em dívida – 19/02/2020, sendo devidos todos os demais e ainda os que se forem vencendo até integral pagamento;

XV. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não aplicou como devia as normas dos artigos 310º alínea e), 310º alínea d), 306º nº 1, 323º nºs 1 e 2, 326º e 327º, todos do Código Civil, à matéria de facto dada como provada, assim violando tais disposições substantivas;

XVI. A questão jurídica objeto do presente recurso assume, pois, contornos de indiscutível relevância jurídica, afeta interesses de particular relevância social, para além de estar em oposição com outro acórdão, já transitado, proferido pela Relação ..., no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito;
XVII. Impõe-se, assim, uma clarificação do prazo de prescrição das quotas de amortização do capital mutuado pagáveis com juros em caso de incumprimento dos devedores e consequente vencimento antecipado da totalidade das prestações;
XVIII. Deve, assim, o acórdão recorrido ser revogado, proferindo-se acórdão que reconheça a aplicabilidade do prazo ordinário de prescrição nos termos dos artigos 309º e 311º nº 1 do Código Civil ao caso em apreço, conferindo assim à Exequente, ora Recorrente, o direito de exigir aos embargantes/recorridos a totalidade do capital vencido, bem como os juros que se venceram há menos de cinco anos antes de 19/02/2020 e os que se foram vencendo posteriormente, determinando-se o prosseguimento da execução para cobrança coerciva do valor do capital em divida e do valor correspondente aos juros não prescritos.
No caso de se entender que a obrigação em causa nos autos é uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo e que o prazo de prescrição aplicável é o prazo de 5 anos:
XIX. Sempre deverá o acórdão proferido ser revogado e substituído por outro, que reconheça que o prazo de cinco anos se conta de cada uma das quotas de amortização de capital e juros, conferindo assim à Exequente, ora Recorrente, o direito de exigir aos embargantes/recorridos a totalidade do capital e dos juros que, à data de 19/02/2020, se tivessem vencido há menos de cinco anos, bem como o capital e os juros que se foram vencendo posteriormente, determinando-se o prosseguimento da execução para cobrança coerciva do valor do capital e juros não prescritos (…)”

A executada/embargante respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma processual ou substantiva, designadamente, as referidas pelo recorrente, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – Fundamentação de Facto
Factos Provados
a) Em 16 de Dezembro de 2004, o Banco exequente celebrou com os executados BB e mulher, CC, um contrato de mútuo com hipoteca e fiança (ref.ª ... ...85), prestada pela executada AA, mediante o qual emprestou a quantia de 97.200,00€, conforme instrumento de contrato que se encontra junto por cópia como doc. n.º 1 em anexo à petição executiva, cujos dizeres se dão integralmente reproduzidos;
b) A quantia mutuada foi entregue à parte devedora, na data da celebração do referido contrato, através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número ...00, a ela pertencente, e destinou-se à aquisição de imóvel para habitação própria permanente da parte devedora;
c) Ficou determinado na cláusula 4ª do documento complementar ao contrato já indicado que o empréstimo venceria juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante), acrescida de um diferencial de 2,125 pontos percentuais, com arredondamento para o ¼ por cento imediatamente superior;
d) Ficou, ainda, convencionado que, para efeitos do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 220/94, de 23 de agosto, a taxa nominal e a taxa anual efetiva (TAE), uma e outra calculadas nos termos do referido diploma, seriam, respetivamente, de 4,375% e de 4,464%, e que, em caso de mora, os respetivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Banco 1..., SA. para operações ativas da mesma natureza (à data da outorga do contrato de 8,246%, ao ano), acrescida de uma sobretaxa de 4%, ao ano, a título de cláusula penal;
e) Ficou, também, determinado que ficariam por conta da parte devedora e seriam por ela pagas quaisquer despesas resultantes de qualquer avaliação que a Banco 1..., SA., ora exequente, mandasse efetuar ao imóvel hipotecado (fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano descrito na CRP ... com o n.º ...91, da freguesia ...), bem como todas as despesas relacionadas com a segurança e cobrança do empréstimo, incluindo, designadamente, honorários dos advogados e de solicitadores e as derivadas da celebração do contrato e seu distrate, do registo da hipoteca e seu cancelamento ou renúncia;
f) Nos termos da cláusula 14ª do documento complementar anexo ao contrato já indicado, as partes convencionaram que o extrato da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela Banco 1..., SA. e relacionados com o presente contrato, serão apresentados por esta para efeitos de prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judicial dos créditos que deles resultem em qualquer processo;
g) As partes convencionaram que o prazo de reembolso do empréstimo seria de 37 anos, a contar da data da celebração do mesmo, sendo amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros, tendo-se vencido a primeira prestação no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes;
h) Ficou, ainda, convencionado que a Banco 1..., SA. poderia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento se o imóvel hipotecado fosse alienado sem o seu consentimento ou no caso de incumprimento, por parte dos executados, de qualquer obrigação decorrente do contrato, nos termos da cláusula 13.ª, alínea d) do documento complementar anexo ao contrato já indicado;
i) Para garantia das obrigações decorrentes do empréstimo supra identificado, a executada AA responsabilizou-se como fiador e principal pagador por tudo quanto viesse a ser devido à ora exequente, tendo, ainda, declarado renunciar ao benefício da excussão prévia e dado o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e, bem assim às alterações de prazo ou moratórias e aceitou que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito fosse também aplicável à fiança;
j) Em 16 de Dezembro de 2004, o Banco exequente celebrou com os executados BB e mulher CC, um contrato de mútuo com hipoteca e fiança (ref.ª ... ...85), prestada pela executada AA, mediante o qual emprestou a quantia de 15.300,00€, conforme instrumento de contrato que se encontra junto por cópia como doc. 10 em anexo à petição executiva, cujos dizeres se dão inteiramente reproduzidos;
k) A quantia mutuada foi entregue à parte devedora, na data da celebração do referido contrato, através de crédito lançado na conta de depósito à ordem número ...00, a ela pertencente, e destinou-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis;
l) Ficou determinado na cláusula 3ª do documento complementar ao contrato já indicado que o empréstimo venceria juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a seis meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média essa designada por indexante), acrescida de um diferencial de 2,125 pontos percentuais, com arredondamento para o ¼ por cento imediatamente superior;
m) Ficou, ainda, convencionado que, para efeitos do disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 220/94, de 23 de Agosto, a taxa nominal e a taxa anual efetiva (TAE), uma e outra calculadas nos termos do referido diploma, seriam, respetivamente, de 4,375% e de 4,464%, e que, em caso de mora, os respetivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Banco 1..., SA. para operações ativas da mesma natureza (à data da outorga do contrato de 8,246%, ao ano), acrescida de uma sobretaxa de 4%, ao ano, a título de cláusula penal;
n) Ficou, também, determinado que ficariam por conta da parte devedora e seriam por ela pagas quaisquer despesas resultantes de qualquer avaliação que a Banco 1..., SA., ora exequente, mandasse efetuar ao imóvel hipotecado (fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano descrito na CRP ... com o n.º ...91, da freguesia ...), bem como todas as despesas relacionadas com a segurança e cobrança do empréstimo, incluindo, designadamente, honorários dos advogados e de solicitadores e as derivadas da celebração do contrato e seu distrate, do registo da hipoteca e seu cancelamento ou renúncia;
o) Nos termos da cláusula 13ª do documento complementar anexo ao contrato já indicado, as partes convencionaram que o extracto da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela Banco 1..., SA. e relacionados com o presente contrato, serão apresentados por esta para efeitos de prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, a justificação ou a reclamação judicial dos créditos que deles resultem em qualquer processo;
p) As partes convencionaram que o prazo de reembolso do empréstimo seria de 37 anos, a contar da data da celebração do mesmo, sendo amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros, tendo-se vencido a primeira prestação no correspondente dia do mês seguinte ao da celebração deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes;
q) Ficou, ainda, convencionado que a Banco 1..., SA. poderia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento se o imóvel hipotecado fosse alienado sem o seu consentimento ou no caso de incumprimento, por parte dos executados, de qualquer obrigação decorrente do contrato, nos termos da cláusula 12.ª, alínea d) do documento complementar anexo ao contrato já indicado;
r) Para garantia das obrigações decorrentes do empréstimo supra identificado, a executada AA responsabilizou-se como fiador e principal pagador por tudo quanto viesse a ser devido à ora exequente, tendo, ainda, declarado renunciar ao benefício da excussão prévia e dado o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e, bem assim às alterações de prazo ou moratórias e aceitou que a estipulação relativa ao extrato da conta e aos documentos de débito fosse também aplicável à fiança;
s) No âmbito do processo de execução n.º 1973/08...., que correu termos neste Juízo de Execução, em 05/08/2011, a agora exequente Banco 1..., SA. Geral de Depósitos, SA, apresentou-se a reclamar créditos contra BB, emergentes dos seguintes contratos:
- escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, lavrada em 16/Dezembro/2004, de fls. 70º a 72º do Livro ...54... no ... Cartório Notarial ..., e respetivo documento complementar que a integra, mediante a qual a Banco 1..., SA. concedeu ao ali executado BB e mulher, CC, um empréstimo no montante de noventa e sete mil e duzentos euros (97.200,00€) – cfr. art. 12.º daquela reclamação de créditos;
Alega, para tanto, que, a partir de 16.10.2010, os mutuários/executados deixaram de efetuar o pagamento das prestações a que se haviam vinculado, conferindo, assim, à Banco 1..., SA. o direito a considerar vencido o empréstimo e, consequentemente, exigível e em mora, todo o seu crédito, tendo a Banco 1..., SA. direito a haver dos executados o capital em dívida, no montante de 89.862,72€ (cfr. arts. 17.º, 18.º e 19.º daquela reclamação de créditos);
- escritura de mútuo com hipoteca e fiança, lavrada em 16/Dezembro/2004, de fls. 73º a 74º vº do Livro ...54... do ... Cartório Notarial ..., e respetivo documento complementar que a integra, a Banco 1..., SA. concedeu ao ali executado BB e mulher, CC, um empréstimo no montante de quinze mil e trezentos euros (15.300,00 €) – cf. art. 1.º daquela reclamação de créditos;
Alega, para tanto, que, a partir de 16.03.2008, os mutuários/executados deixaram de efetuar o pagamento das prestações a que se haviam vinculado, conferindo, assim, à Banco 1..., SA. o direito a considerar vencido o empréstimo e, consequentemente, exigível e em mora, todo o seu crédito, tendo a Banco 1..., SA. o direito a haver dos executados o capital em dívida, no montante de 14.723,94€ (cfr. arts. 6.º, 7.º e 8.º daquela reclamação de créditos);
t) No âmbito do apenso da reclamação de créditos referido na alínea anterior, o ali reclamado BB foi notificado, nos termos do disposto no art. 866º do CPC/61, para impugnar os créditos reclamados pela Banco 1..., SA. Geral de Depósitos, SA e pelo Instituto de Segurança Social, IP, por carta expedia em 11/10/2011, que não foi devolvida;
u) Na fase da venda do processo executivo n.º 1973/08...., foi adjudicado à exequente Banco 1..., SA. Geral de Depósitos, SA a fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano descrito na CRP ... com o n.º ...91, da freguesia ..., pelo preço de 90.000,00€, conforme título de transmissão datado de 30/01/2013;
v) Em relação ao contrato nº ... ...85, os mutuários, em 16/10/2010, deixaram de efetuar o pagamento das prestações a que se haviam vinculado através do referido contrato; e em relação ao contrato n.º ... ...85, os mutuários, em 16/03/2008, deixaram de efetuar o pagamento das prestações a que se haviam vinculado através do referido contrato;
w) À data de 19/02/2020, encontram-se em dívida, relativamente a cada um dos contratos, os seguintes valores:
- Contrato Nº ... - ... ...85 - capital: 0,00€ - juros de 16/11/2010 a 19/02/2020: 8.559,82€ - comissões: 150,93€ - total: 8.710,75€; a partir de 20/02/2020, inclusive, a dívida será agravada diariamente no montante de 0,20€, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, que inclui uma sobretaxa de 3% ao ano, de harmonia com o artigo 8º do Decreto-Lei nº 58/2013, de 8 de Maio;
- Contrato Nº ... - ... ...85 - capital: 14.723,94€ - juros de 16/03/2008 a 19/02/2020: 15.563,83€ - comissões: 573,77€ - total: 30.861,54€; a partir de 20/02/2020, inclusive, a dívida será agravada diariamente no montante de 4,78€, encargo correspondente a juros calculados à taxa de 10,246%, que inclui uma sobretaxa de 3% ao ano, de harmonia com o artigo 8º do Decreto-Lei nº 58/2013, de 8 de Maio.
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III – Fundamentação de Direito
Os autos e a revista colocam-nos perante a questão, repetida e frequente, da prescrição das quotas de amortização do capital pagáveis com juros no caso de, em razão do incumprimento de uma delas, haver sido declarado o vencimento de todas as quotas de amortização.
Questão esta – saber se passa a ser aplicável o prazo ordinário de prescrição de 20 anos ou se continua a ser aplicável o prazo de prescrição de cinco anos do art. 310.º/e) do C. Civil – que tem suscitado alguma divergência jurisprudencial, razão pela qual a recorrente, para ultrapassar o obstáculo da “dupla conforme” colocado pelo art. 671.º/3 do CPC, invocou ser indispensável “uma clarificação do prazo de prescrição” (cfr. conclusão XVII), invocação essa que foi aceite, tendo sido admitida a “Revista Excecional”.
Sucede que, entretanto, no pretérito dia 30/06/2022, este Supremo, em Pleno das Seções Cíveis, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, ainda inédito (não publicado), tirado por unanimidade, clarificou a questão, fixando, no segmento uniformizador, a seguinte jurisprudência:
“I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Temos pois, como se antevia, face à corrente jurisprudencial largamente dominante neste Supremo, que foi fixada jurisprudência no sentido que foi seguido nas decisões proferidas pelas Instâncias, o que significa, naturalmente, a total improcedência da presente revista.
Como é referido no Acórdão recorrido, “(…) de modo constante e reiterado, o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo que em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada umas prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas frações: uma de capital e outra de juros), no sentido do art. 310º, e) do CC e que – o que releva à presente apelação – a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado de incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.
(…)
São essas prestações (mensais, iguais e sucessivas), resultantes do acordado plano de amortização, que se mostram devidas e exigíveis, mesmo que haja incumprimento por banda do devedor – e por isso que, ainda que ocorra antecipação do vencimento das prestações, face ao disposto no art. 781º do CC, a prescrição ‘não pode pôr-se em relação às quotas em dívida como um todo, mas em relação a cada uma delas, pois o seu pagamento ficou assim escalonado’, não relevando para o problema o facto de se vencerem, em razão do não pagamento dumas, todas as prestações posteriores, pois nesse caso a ‘prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização, não ao todo em dívida.
Tendo sido acordado um plano de amortização com prestações mensais, iguais e sucessivas, englobando capital e juros (assim ocorreu no caso dos autos – vejam-se as alíneas g) e p) dos factos provados), são estas que são exigíveis e não já a totalidade do capital em dívida, aplicando-se-lhes, quer parcelar quer globalmente, a prescrição quinquenal do art. 310º do CC – o ‘vencimento imediato de todas as prestações por via da falta de pagamento de uma deles, nos termos do artº 781º do CCiv, implica apenas e tão só isso mesmo: o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo; não tem por efeito alterar a natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada’, continuando a ser devidas todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida, não interferindo essa antecipação do vencimento com o ‘tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento.
(…)
Conclui-se, assim, que às prestações mensais, de capital e juros, devidas pelos mutuários (e seus fiadores), para restituição de capital e remuneração do mútuo, se aplica a prescrição quinquenal prevista nas alíneas d) e e) do art. 310º do CC, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.
Conclusão a que não obsta o facto de o crédito estar incorporado em títulos executivos (escrituras públicas de mútuo com fiança e hipoteca) – o que ‘releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada’, sim a ‘estrutura do direito de crédito da embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.
De todo o modo, a aplicação do art. 311º do CC (e, logo, a violação do preceito, como defendido pela apelante) é de recusar por não se verificar, no caso, a superveniência do título – os títulos (escrituras públicas) foram constituídos aquando do nascimento do crédito exequendo, não lhe sobrevindo, como é pressuposto no preceito.
Tendo os mutuários deixado de efetuar o pagamento das prestações a que se vincularam nos contratos de mútuo celebrados com a embargada em 16/10/2008 e 16/03/2008, respetivamente, e tendo a embargada, pelo menos em 2011, invocado o direito a exigir a totalidade da dívida (valendo-se, por isso, do vencimento antecipado de todas as prestações) ao reclamar os créditos em execução que corria termos contra o mutuário (alíneas s) e v) dos factos provados), tem de concluir-se que o direito da embargada a exigir todas as prestações se iniciou (art. 306º, nº 1 do CC) então, ou seja, tem de considerar-se que o termo inicial do prazo de prescrição quinquenal se iniciou quando a embargada considerou vencidas todas as prestações, em razão do incumprimento dos mutuários, exigindo o pagamento de todas elas.
Esse momento em que a embargada considerou vencidas todas as prestações, a coberto do art. 781º do CC é que marca o início do prazo da prescrição, não a liquidação operada pela embargada em vista da instauração da execução apensa – e por isso que quando a executada fiadora foi citada no âmbito da execução apensa já haviam decorrido mais de cinco sobre a data em que qualquer umas prestações (de capital e juros) podia ter sido exigida aos mutuários, face ao vencimento antecipado, pelo que todas as prestações que integravam esse crédito se mostravam então prescritas. (…)”
E é exatamente este entendimento que está sustentado e fez unânime vencimento no AUJ, entretanto tirado, em 30/06/2022.
Ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do art.º 781.º do C. Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos do art. 310.º/e) do C. Civil; prazo esse que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado (por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cfr. art. 306.º/1 do C. Civil).
Efetivamente, para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil[1], não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas – continuam a ser quotas de amortização do capital – só se alterando o momento da sua exigibilidade, o que também significa que o aproveitamento da faculdade prevista no art. 781.º do C. Civil não equivale à resolução contratual, não se estando na relação de liquidação (mas ainda na ação de cumprimento) quando, ao abrigo do art. 781.º do C. Civil, se pede o pagamento de todas as prestações.
O que ainda significa, no que aqui interessa, que, vencendo-se e tornando-se exigíveis todas as prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, a prescrição quinquenal não tem como termo inicial, em relação a cada uma das prestações, a data de vencimento (de cada uma dessas prestações) constante do plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes, mas sim que a prescrição quinquenal se reporta e conta em relação a todas as prestações a partir da data – termo inicial – em que foi exercida a faculdade prevista no art. 781.º, ou seja, a partir da data em que se venceram e tornaram exigíveis todas as prestações.
O que no caso dos autos/revista, como bem se observa no Acórdão recorrido, ocorreu pelo menos em 2011 – quando a recorrente invocou o direito a exigir a totalidade da dívida na reclamação de créditos da anterior execução – tendo que concluir-se que o direito da embargada a exigir todas as prestações se iniciou (art. 306.º/1 do CC) então, ou seja, que o termo inicial do prazo de prescrição quinquenal (em relação a todas as prestações) se iniciou pelo menos em 2011, tendo assim tal prazo já decorrido na totalidade quando, em 2020, a aqui recorrente intentou a presente execução, sendo que, por isso, quando a executada/fiadora (e ora embargante) foi citada no âmbito da execução já haviam decorrido mais de cinco anos sobre a data em que todas as prestações (de capital e juros) podiam ter sido exigida aos mutuários, pelo que todas as prestações que integravam esse crédito se encontravam prescritas, como foi declarado e decidido nas Instâncias, conduzindo – com o que se concorda, como se antecipou – à procedência dos embargos e à extinção da execução em relação à embargante.
Podendo ainda acrescentar-se – mais uma vez em total concordância com o Acórdão recorrido – que o invocado art.º 311.º/1 do C Civil não é ao caso aplicável.
Diz tal preceito que “o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”, porém, como também se refere no citado AUJ de 30/06/2022, “é pacífico que os títulos dados à execução são constituídos por escritura pública e documento particular de empréstimo, enquadráveis nas normas do art.º 703.º n.º1 als. b) e d) do Código de Processo Civil e que o citado art.º 311.º n.º1 do Código Civil alude ao título executivo que sobrevier ao direito e não ao título que lhe seja contemporâneo.
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IV - Decisão
Nos termos expostos, nega-se a revista.
Custas da revista a cargo da exequente/embargada.
Lisboa, 12/07/2022

António Barateiro Martins (Relator)

Luís Espírito Santo

Ana Moura Resende

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] Como é doutrina comum, o art. 781.º do C. Civil não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações, que não prescinde que o credor manifeste a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui; o que, no caso, aconteceu com a reclamação de créditos deduzida na anterior execução.