Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
83/07.2TTVIS.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: LOCAL DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
DEVER DE OBEDIÊNCIA
PENA DISCIPLINAR
SUSPENSÃO
SANÇÃO ABUSIVA
ABANDONO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :

I - Tendo as partes contratualmente definido que o Autor – trabalhador – prestaria o seu trabalho em qualquer prédio rústico que se encontrasse, naquele momento ou futuramente, sob a exploração da Ré – entidade empregadora – e que o Autor dava desde logo o seu acordo a qualquer mudança de local de trabalho que viesse a ser decidida pela Ré, é de concluir que aquilo que as partes definiram como sendo o local de trabalho, ou seja, o espaço geográfico no qual deveria ser realizada a prestação do trabalhador, não correspondia a um específico, concreto e imutável lugar geográfico.
II - Pese embora a cláusula aposta no contrato segundo a qual o Autor prestaria o seu trabalho em qualquer prédio rústico que se encontrasse futuramente sob a exploração da Ré comporte um grau de indeterminação, na medida em que a coordenada geográfica em concreto fica dependente de uma eventualidade, sempre essa indeterminação seria resolvida pelo empregador, atendendo aos poderes que a lei lhe confere, constantes do art. 150.º do Código do Trabalho, com observância também do que neste dispositivo se comanda: fixação dos termos da prestação do trabalho dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, sendo, assim, também convocável o que se dispõe no art. 400.º, n.º 1, do Código Civil, isto é, o apelo à equidade e à boa fé que deve presidir à feitura dos negócios jurídicos.
III - O que a equidade e a boa fé na celebração dos negócios jurídicos impedem é que a determinação a efectuar no seguimento do poder conformativo do empregador possa ser de tal sorte ampliada que venha a implicar um desbordar dos próprios limites espaciais do local da prestação do trabalho e dos normativos regentes do contrato.
IV - Assim, situando-se o novo local de prestação de trabalho do Autor a apenas cerca de 20 quilómetros do local em que tal prestação era desenvolvida aquando da celebração do contrato, demorando cerca de 15 minutos a efectuar o aludido percurso, e dispondo-se a Ré a disponibilizar ao Autor um veículo para a sua deslocação, não é minimamente sustentável dizer-se que a indicação do novo espaço geográfico em que o Autor iria levar a efeito a prestação do seu trabalho não se continha nos poderes de determinação da Ré do local de trabalho daquele e dentro do clausulado do contrato de trabalho entre ambos firmado.
V - Tratando-se de uma situação de amplitude da definição do local de trabalho, amplitude essa não ilícita, quer do ponto de vista da outorga do clausulado, quer do ponto de vista da sua concretização, entende-se que a indicação dada ao Autor para ir laborar para Carregal do Sal – quando, até então, laborara em BB – não consubstanciou uma transferência para um outro local de trabalho, apelante aos preceitos insertos nos arts. 315.º a 317.º do Código do Trabalho.
VI - Desta forma, a sobredita indicação não tinha que seguir o procedimento previsto no art. 317.º e o não acatamento da determinação dela constante tem que ser perspectivado como uma desobediência a uma ordem legítima da entidade empregadora, passível de ser disciplinarmente punida.
VII - Por isso, a sanção de 20 dias de suspensão pela Ré imposta ao Autor não pode ser considerada abusiva.
VIII - Tendo o Autor gozado férias e cumprido o período de suspensão atinente à sanção disciplinar que lhe foi aplicada, concluindo que o cômputo de ambos os períodos terminara em 11 de Outubro de 2006, e tendo-se, a partir de então, colocado numa postura de ausência do local de trabalho determinado pela sua entidade empregadora, é de concluir que, na data em que a Ré lhe comunicou a invocação da cessação do contrato de trabalho por abandono – invocação essa operada por carta registada datada de 11 de Outubro de 2006 –, ainda não estavam dados pelo Autor mais de dez dias úteis seguidos de ausência.
IX - Daí que, ex vi do n.º 2 do art. 450.º do Código do Trabalho, não se possa presumir abandono do trabalho por parte do Autor, sendo que a Ré não logrou provar comportamentos do Autor que permitissem concluir ser intenção deste não mais retomar ao serviço.
X - Em consequência, a invocação, levada a efeito pela Ré, da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do Autor, nos termos da equiparação comandada no n.º 4, do aludido art. 450.º, configura um despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I. O autor AA instaurou, em 31.01.2007 (ver fls.1), a presente acção declarativa, de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a ré Sociedade BB, S.A., peticionando:
a) A declaração de ilicitude do seu despedimento;
b) A condenação da ré no pagamento de € 3.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c) A condenação da ré no pagamento de € 12.946,71, a título de indemnização em substituição da reintegração;
d) A condenação da ré no pagamento de todas as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;
e) Que se declare abusiva a sanção disciplinar aplicada ao autor em 2006;
f) A condenação da ré no pagamento da quantia de € 8.312,50, a título de indemnização pela aplicação da sanção abusiva;
g) A condenação da ré no pagamento das diuturnidades que nunca lhe foram pagas, no valor de € 3.663,90;
h) Os juros de mora vencidos e os vincendos sobre as quantias peticionadas até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em resumo:
Trabalhou para a ré a partir de Setembro de 2000.
Em 11/10/2006, a ré comunicou-lhe que o contrato tinha cessado, por abandono do trabalho.
Todavia, o seu contrato não cessou por abandono de trabalho, mas sim na sequência de um despedimento ilícito promovido pela ré.
Acrescentou, ainda, que, em 2006, a ré lhe aplicou a suspensão do trabalho, com perda de retribuição pelo período de 20 dias, sanção esta que é manifestamente abusiva.
Citada a Ré, teve lugar a audiência de partes, não tendo sido possível obter a conciliação entre as partes, pelo que aquela contestou, alegando em síntese, a existência de fundamento para a aplicação da sanção disciplinar e, bem assim, a assumpção, pelo trabalhador, de comportamento consubstanciado no abandono do trabalho.
Conclui pela improcedência da acção, pugnando pela sua absolvição dos pedidos.

No despacho saneador, foi dispensada a selecção de factos assentes e a base instrutória.

Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré no pagamento, ao Autor, da quantia de € 122,50, a título de diuturnidades, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde o dia 1 de cada um dos meses imediatos àquele a que respeita a diuturnidade.

Inconformado, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou o recurso improcedente e confirmou, na integra, a sentença.

II. Novamente inconformado, o Autor interpôs a presente revista, na qual formula as seguintes conclusões:
1.° - O Tribunal a quo interpretou incorrectamente o disposto no n.° 3 do art. 315.° do C.T., no sentido de excluir a necessidade de comunicação fundamentada e por escrito a que se refere o art. 317.° do C.T., normativo que também não aplicou e deveria ter aplicado in casu, devido à outorga da referida cláusula., sustentando a tese de que o não acatamento dessa ordem verbal de mudança de local de trabalho traduziu uma violação do dever de obediência, cfr. art. 121.° n.° 1 alínea d), do C.T.
2.° - Na verdade e de acordo com o art. 317.° do Código do Trabalho, salvo motivo imprevisível, e in casu não houve qualquer imprevisibilidade, a decisão de transferência de local de trabalho deveria ter sido comunicada ao Recorrente, devidamente fundamentada e por escrito, com trinta dias de antecedência, nos casos previstos no artigo 315.°, ou com oito dias de antecedência, nos casos previstos no artigo 316.°, e isto apesar do referido acordo precipitado na referida cláusula inserida no referido contrato de trabalho junto a fls. 140 e 141.
3.° - Salvo melhor opinião e apesar da cláusula inserida no referido contrato de trabalho, o artigo supra citado exige à entidade patronal a comunicação prévia, devidamente fundamentada e por escrito e, conforme a factualidade julgada por provada, não foi observado nenhum destes procedimentos por parte da Recorrida, que são cumulativos.
4.° - Consequentemente, o Recorrente entende que o Tribunal a quo, tal como o Tribunal de l.ª instância, deveria ter aplicado e não aplicou in casu o art.° 317.° e ainda os art.s 315.° e ou 316.°, todos do Código do Trabalho, considerando que não foi observado o procedimento legalmente exigido à Recorrida para poder ordenar ao recorrente a mudança do local de trabalho.
5.° - O Tribunal a quo também não soube interpretar correctamente, aplicando ao caso concreto o art. 315.° e ss., do C.T. porquanto, a razão do aviso prévio na mudança do local de trabalho e ao contrário do entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo tanto existe caso esta mudança resulte directamente da lei ou de uma qualquer estipulação contratual das partes. Assim, neste caso em que há mobilidade, a exigência de aviso prévio escrito fundamentado aplica-se, sem distinção, aos casos previstos nos art.s 315.° e 316.° do C.T., remissão em bloco feita pelo art.° 317.° do C.T. para tais preceitos.
6.° - Consequentemente, a sanção que foi aplicada ao recorrente na sequência de procedimento disciplinar, nomeadamente a suspensão do trabalho com perda de retribuição pelo período de 20 dias, face ao disposto no art. 374.° do C.T., deve ser considerada abusiva porquanto violou o n.° 1 do art. 374.° do C.T., que o Tribunal a quo não soube interpretar e aplicar in casu.
7.° - A Requerida tinha marcado, antes da suspensão provisória e a definitiva o gozo das suas férias para o mês de Agosto de 2006, mas o Tribunal a quo parece não ter relevado este facto, que também foi provado, e entendeu que apesar do período da suspensão provisória mais o definitivo ter sobreposto integralmente ao gozo das férias, o Recorrente deveria ter comparecido no seu posto de trabalho em 21 de Setembro de 2006, desconsiderando deste modo o direito ao gozo efectivo das férias a que tinha direito cfr. o art. 211.° do C.T. e fazendo uma má aplicação do art. 121.° n.° l, aliena d), do mesmo diploma.
8.° - A recorrida apesar da suspensão provisória e a definitiva com que sancionou o recorrente não lhe comunicou e deveria ter comunicado quando deveria regressar ao trabalho.
9.° - Após ter cessado estes períodos de suspensão e gozado as suas férias é que o recorrente teria o dever de comparecer no seu posto de trabalho, em Santar ou no Carregal do Sal.
10.° - E a recorrida, sabendo muito bem dos motivos da sua ausência, apenas quando o recorrente regressa ao trabalho e se apresenta em Santar é que considera o seu abandono, imediatamente após ter dado uma nova ordem, que uma vez mais não foi acatada, para este ir trabalhar para Carregal do Sal.
11.° - Podemos questionar se houve ou não legitimidade para o recorrente não acatar novamente uma mesma ordem emanada verbalmente pela recorrida para ir trabalhar para Carregal do Sal, considerando que houve ou não violação do dever de obediência, mas já não aceitamos o entendimento do Tribunal a quo que a mesma factualidade traduza posteriormente uma situação de abandono.
12.° - Mais, o tribunal a quo concluiu pela falta de comparecência, sem ter conhecimento dos dias úteis seguidos que o recorrente alegadamente faltou, fazendo uma má interpretação e aplicação do art. 450.° do C.T. e verificação dos seus pressupostos ao caso em concreto.
13.° - Consequentemente não houve por parte do recorrente abandono de trabalho mas sim uma recusa legítima em acatar uma ordem emanada pela recorrida, incorrendo o Tribunal a quo em erro na determinação da norma aplicável, pois nunca deveria aplicar in casu o art. 450.° do Código do Trabalho, mas sim a alínea d) do n.° 1 in fine, do art. 121.° do Código do Trabalho e ainda o art. 429.º alínea a) do mesmo diploma, revogando a sentença recorrida e condenado deste modo a recorrida no pedido.

A Ré contra-alegou, defendendo a improcedência da revista.

No seu douto Parecer, ao qual nenhuma das partes ofereceu resposta, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de dever ser negada a revista.

III. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1. O autor, sob as ordens, instruções e fiscalização da ré, exerceu, desde 18/9/2000, as funções atinentes à categoria profissional de Encarregado de Sector, competindo-lhe, nomeadamente, dirigir e orientar uma unidade de exploração agrícola.
2. As partes assinaram o documento reproduzido a fls. 140 e 141, intitulado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, datado de 18/9/2000, cujo teor se dá por reproduzido,
3. Constava do artigo segundo desse contrato que o trabalho do segundo contraente – o ora autor – seria prestado em qualquer prédio rústico que se encontre actual ou futuramente sob a exploração da primeira contraente (a ora ré); e que o segundo contraente dava o seu acordo a qualquer mudança de local de trabalho que viesse a ser decidida pela primeira contraente – a ora ré.
4. Até 5 de Julho de 2006, desempenhava as suas funções para a ré sempre na unidade de exploração agrícola sita em Santar, Nelas.
5. Como contrapartida pelo trabalho prestado a favor da ré, o autor auferia uma retribuição base mensal que, à data do seu despedimento, ascendia ao montante de € 872,35, acrescida de € 186,20, a título de isenção de horário de trabalho.
6. Até Julho de 2006, a ré só detinha as várias propriedades no Concelho de Nelas.
7. O autor, nos finais de Junho ou inícios de Julho de 2006, teve conhecimento, através da ré, que a sociedade D....S.... tinha adquirido a maior parte do capital daquela.
8. Na sequência de tal aquisição vários equipamentos que a ré tinha em Santar foram, conforme ele soube, instalados no Concelho de Carregal do Sal, numa unidade industrial que pertence à D....S.... - Sociedade Vitivinícola, S.A. e que foi cedida à ré a fim de esta aí ultimar a preparação dos seus vinhos e proceder à sua análise, engarrafamento e expedição.
9. Foi proposto ao autor, pelo representante da “D....S...., S.A.”, que assinasse o documento reproduzido a fls. 17 e 18, do qual constava que a partir do dia 1 de Julho de 2006 passaria a trabalhar por conta e sob a direcção desta sociedade, com o mesmo salário e categoria profissional que vinha auferindo e exercendo; e que a “D....S...., S.A.” assumia perante o ora autor todos os direitos e obrigações da Sociedade Santar, S.A., designadamente antiguidade, direito a férias e subsídio de férias.
10. O autor não aceitou assinar aquele documento.
11. O autor conhecia a sociedade “D....S...., S.A.”, a qual é uma das empresas vitivinícolas mais conceituadas e conhecidas da região do Dão.
12. A 14 de Julho de 2006, a ré endereçou ao autor a nota de culpa junta a fls. 21 a 27, na qual considerava que os factos aí descritos constituíam fundamento para despedimento.
13. A ré acusava o autor de, nos dias 10 e 11 de Julho desse ano, não ter respeitado a ordem dada por um superior hierárquico para se apresentar ao trabalho em Carregal do Sal, tendo-se apresentado em Santar.
14. O autor apresentou a resposta à nota de culpa reproduzida a fls. 177 a 184.
15. A ré considerou provados os factos descritos na nota de culpa e aplicou-lhe a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição pelo período de 20 dias (doc. fls. 29).
16. Essa decisão disciplinar foi comunicada ao autor através de carta remetida em 25 de Agosto de 2006.
17. A ré descontou nos vencimentos do autor a quantia de € 831,25, correspondente aos 20 dias de suspensão com perda de retribuição.
18. A ré tinha fixado o período de férias do autor para o mês de Agosto de 2006.
19. No dia 5 de Julho de 2006, o Eng.° CC, Administrador da Ré, comunicou ao autor que este passaria a exercer funções noutra exploração, sita em Carregal do Sal.
20. Nesse dia 5 de Julho e na sequência da comunicação do administrador da ré, o autor esteve nas instalações de Carregal do Sal, para onde se deslocou em viatura cedida por esta.
21. Nos dois dias imediatos – 6 e 7 de Julho – compareceu também em Carregal do Sal.
22. Na segunda-feira seguinte, dia 10 de Julho, o autor compareceu na sede da ré, em Santar. Quando se apercebeu aí da presença do autor, o Eng.° CC comunicou-lhe novamente que as suas funções seriam exercidas em Carregal do Sal.
23. O autor respondeu ao mencionado administrador da ré, na presença de algumas pessoas, que o seu local de trabalho era ali (referindo-se a Santar, Nelas) e que queria que a ordem para ir para Carregal do Sal fosse dada por escrito.
24. Ainda nesse dia 10, o Eng.° CC disse ao autor que possivelmente na semana seguinte iria desempenhar funções já não em Carregal do Sal mas sim em Evoramonte, no Alentejo, para o que teria uma viatura à disposição. O autor respondeu que o seu local de trabalho era em Santar e que queria a ordem por escrito.
25. No dia 11 de Julho, o autor voltou a comparecer na sede da ré, em Santar, e novamente o Eng.° CC lhe comunicou que se devia dirigir a Carregal do Sal. O autor voltou a afirmar que pretendia a ordem por escrito e não se apresentou para trabalhar em Carregal do Sal, tendo-se mantido na sede da ré.
26. A referida exploração de Carregal do Sal dista cerca de 20 quilómetros de Santar, demorando cerca de 15 minutos a percorrer essa distância.
27. A ré comunicou ao autor que tinha um veículo ao seu dispor para se deslocar até Carregal do Sal.
28. A ré celebrou com a sociedade “D....S...., S.A.” um contrato de comodato das instalações desta em Carregal do Sal (reproduzido a fls. 162 e 163).
29. Tendo a ré transferido para aí todo o seu equipamento e passando a engarrafar, rotular, armazenar e expedir os seus produtos e que o autor, no exercício das suas funções, acompanhava.
30. No dia 11 de Outubro de 2006, o autor apresentou-se nas instalações da ré, em Santar. Questionado pelo eng.° CC, declarou que tinha cumprido o período de suspensão e tinha gozado férias.
31. O eng.° CC disse para o autor que o local de trabalho era em Carregal do Sal. O autor disse que queria a ordem por escrito.
32. Desde 7 de Julho de 2006, o autor não voltou a aparecer nas instalações de Carregal do Sal, para trabalhar.
33. A ré comunicou ao autor, por carta registada datada de 11/10/2006, que o período de suspensão tinha terminado em Setembro e que não compareceu para retomar o trabalho nem justificou o motivo da ausência, pelo que invocava a cessação do contrato de trabalho por abandono.
34. A ré aplicou a outro seu trabalhador, eng.° EE a mesma pena disciplinar que aplicou ao autor. Ambas as decisões foram proferidas na mesma data, reportando-se a factos semelhantes.
35. A ré veio a comunicar ao eng.° EE o abandono do trabalho.

IV. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões (arts. 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do CPC, na redacção em vigor à data da propositura da acção), as questões em apreço na revista interposta pelo Autor circunscrevem-se a saber se lhe foi, pela Ré, aplicada sanção disciplinar abusiva e se existiu, ou não, da sua parte, abandono do posto de trabalho.
Ambas as instâncias negaram, no que àquelas vertentes recursórias concerne, as pretensões do Autor. O Acórdão recorrido, após ter negado provimento ao recurso de apelação interposto pelo Autor, na parte atinente à impugnação da matéria de facto, veio , igualmente, a negar provimento às demais pretensões daquele, coincidentes com aquelas que agora são objecto do presente recurso de revista.
Teceu, para o efeito, as seguintes considerações:
A questão atinente à caracterização da sanção aplicada ao autor como abusiva ou não abusiva passa por saber se este podia ou não recusar-se a ir trabalhar para Carregal do Sal como lhe havia sido determinado pela ré.
O autor alega que a sua recusa em prestar o seu trabalho foi legítima porquanto a ré não lhe comunicou por escrito a decisão da transferência com trinta dias de antecedência tal como determina o disposto no art° 317° do CT.
Contrapõe a ré com o que as partes acordaram aquando da celebração do contrato de trabalho - cláusula 2.ª deste contrato - e com o disposto no n.° 2 do art.° 315.°do CT.
A referida cláusula reza o seguinte: “1 - O trabalho do segundo contraente - o ora autor - será prestado em qualquer prédio rústico que se encontre actual ou futuramente sob a exploração da primeira contraente - a ora ré-; 2 - O segundo contraente dá o seu acordo a qualquer mudança de local de trabalho que viesse a ser decidida pela primeira contraente - a ora ré”.
Da conjugação do teor desta cláusula contratual como disposto no n° 3 do citado art° do CT entende a ré que a vontade das partes foi no sentido de quererem excluir a necessidade de comunicação a que se refere o art° 317 do CT.
Esta disposição legal visa proteger o trabalhador de forma a que este não se depare com uma imediata e inesperada transferência do seu local de trabalho com o inerente prejuízo para a sua vida familiar e social.
Visa tal norma dar ao trabalhador a possibilidade de organizar esta sua vida antes da concreta efectivação da transferência.
Ora, considerando o fim visado com tal norma, a razão do aviso prévio na mudança do local de trabalho tanto existe caso esta mudança resulte directamente da lei ou de estipulação contratual das partes. No caso de mobilidade, a exigência de aviso prévio escrito fundamentado aplica-se, sem distinção, aos casos previstos de mobilidade previstos nos art°s 315° e 316° do CT; e daí a remissão em bloco - e não para um número em concreto - feita pelo art° 317° para tais preceitos.
Por isso, não colhe a argumentação da ré quando afirma que a comunicação referida no art° 317° do CT estava, no caso, dispensada em virtude do teor da cláusula 2ª do contrato de trabalho.
Mas daqui poder-se-á concluir que o autor podia legitimamente recusar-se a cumprir a ordem de transferência?
Se estivéssemos perante um caso de mobilidade, a resposta tinha de ser afirmativa.
A mobilidade (possibilidade de modificar o local de trabalho) pressupõe a transferência do trabalhador para um sítio diferente do seu local de trabalho.
Se ao trabalhador for exigido que se desloque ou apresente noutro ponto que cabe dentro do seu local de trabalho, não estamos perante um caso de mobilidade – não lhe sendo aplicável o regime dos art°s 315°, 316° e 317° do CT – mas antes perante um caso de definição do local de trabalho.
O art° 154° n° 1 do CT estipula que “o trabalhador deve, em principio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do disposto nos art°s 315° a 317º”.
Considerando o teor do n° 1 da cláusula 2ª do contrato de trabalho, tem de entender-se que as partes definiram como local de trabalho do autor qualquer prédio rústico que se encontre actual ou futuramente sob a exploração da primeira contraente: cláusula esta, no nosso entender, perfeitamente lícita pois a definição do local de trabalho “pode, evidentemente, comportar uma margem de incerteza e ambiguidade futura (…) as partes podem definir o local de trabalho com relativa amplitude (..)" - Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, 2007, págª 638.
Por outro lado, considerando o tipo de actividade exercida pelo empregador (na área agrícola da produção de vinhos) e às funções desempenhadas pelo trabalhador (encarregado de sector competindo-lhe, nomeadamente, dirigir e orientar uma unidade de exploração agrícola), entendemos ser perfeitamente lícito e não abusivo a consignação contratual do local de trabalho deste como qualquer prédio rústico que se encontre actual ou futuramente sob a exploração da ré.
Na sequência do contrato de comodato junto a fls, 162 e 163, a ré transferiu para Carregal do Sal todo o seu equipamento aí passando a ultimar os vinhos, a proceder à sua análise, engarrafamento, rotulagem e expedição (n°s 7, 8, 28 e 29 da matéria de facto assente).
Ou seja: a localidade de Carregal do Sal deve considerar-se como sendo um dos locais de trabalho que as partes contratualizaram, pelo que não se estando perante um caso de mobilidade não há que chamar à colação o disposto nos art°s 315° a 317° do CT.
Por isso mesmo, não podia o autor ter-se recusado em ir trabalhar para Carregal do Sal nem tão pouco exigir que a ordem de transferência lhe fosse dada por escrito.
Acresce que o autor reside em Viseu e que entre Santar e Carregal do Sal distam apenas cerca de 20 quilómetros, demorando cerca de 15 minutos a percorrer essa distância, ou seja, a ida para Carregal apenas implicava que, por dia, o autor tivesse de percorrer uma pequena distância acrescida, continuando a exercer a sua actividade perto da sua residência, não resultando dessa ida para Carregal qualquer alteração substancial no modo de vida familiar e/ou social do autor, tanto mais que a ré lhe disponibilizou veículo automóvel para se deslocar para essa localidade.
Assim, dentro dos princípios da colaboração das partes e da boa fé na execução dos contratos nada justificava a atitude do autor ao recusar-se ir prestar a sua actividade para Carregal do Sal.
Consequentemente, a sanção que lhe foi aplicada na sequência de procedimento disciplinar - suspensão do trabalho com perda de retribuição pelo período de 20 dias - não pode, face ao disposto no art° 374° do CT, ser considerada abusiva.
c) Da cessação do contrato de trabalho:
Para melhor análise e compreensão desta questão há que atentar na seguinte resenha cronológica:
- 05/07/06: pelo administrador da ré é comunicado ao autor que este passaria a exercer funções noutra exploração em Carregal do Sal;
- 05/07/06: o autor esteve nas instalações do Carregal;
- 06 e 07/07/06: o autor compareceu em Carregal;
- 10/07/06: o autor compareceu em Santar tendo-lhe sido dito que as suas funções deviam ser exercidas em Carregal. O autor disse que o seu trabalho era ali e que queria que a ordem para ir para o Carregal fosse dada por escrito;
- 11/07/06: o autor volta a comparecer em Santar; foi-lhe novamente comunicado que se devia dirigir para Carregal, tendo voltado a afirmar que pretendia a ordem por escrito;
- 14/07/06: a ré endereçou ao autor a nota de culpa, tendo decidido suspender preventivamente o autor;
- 25/07/06: o autor remete à ré resposta à nota de culpa;
- 25/08/06: a ré comunica ao autor decisão final: 20 dias de suspensão com perda de retribuição;
- 11/10/06: a ré comunica por carta ao autor que considerou a cessação do contrato por abandono de trabalho.
- 11/10/06: o autor apresentou-se em Santar e declarou que tinha cumprido o período de suspensão e gozado férias. Foi-lhe dito que o seu local de trabalho era em Carregal tendo insistido que queria a ordem por escrito.
De notar ainda que a ré tinha fixado o período de férias do autor para o mês de Agosto de 2006.
Considerando que o autor esteve em gozo de férias durante todo o mês de Agosto de 2006 e que lhe foi aplicada a sanção disciplinar de 20 dias de suspensão do trabalho (decisão que lhe foi comunicada através de carta de 25/08, ou seja, durante o período de férias), devia ter-se apresentado para trabalhar no dia 21 de Setembro (logo que decorridos os períodos de férias e de suspensão) e não apenas em 11 de Outubro de 2006.
Ora, entre 21/09 e 11/10 decorreram precisamente 13 dias úteis seguidos sem que o autor tenha comunicado à ré o motivo da sua ausência pelo que o abandono de trabalho terá de se presumir.
Presumindo-se este abandono, cabia ao autor ilidir tal presunção mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação de ausência, o que não fez, limitando-se a comparecer em Santar no dia 11/10/06 dizendo que tinha gozado férias e cumprido o período de suspensão que lhe tinha sido aplicado a título de sanção.
Não tendo sido ilidida a presunção é de concluir que o contrato de trabalho cessou por abandono de trabalho já que esta figura jurídica equivale à denúncia desse mesmo contrato – n.° 4 do art° 450° do CT.
Não houve despedimento ilícito, não merecendo provimento a apelação.” (Fim de transcrição).

No que respeita à natureza abusiva ou não da sanção disciplinar aplicada ao Autor, os argumentos expendidos no Acórdão recorrido não se afiguram susceptíveis de infirmação por força do que, em sede de recurso de revista, foi alegado pelo Autor.
Aliás, saliente-se que este Supremo Tribunal teve já ensejo de se pronunciar acerca de questão de facto e de direito com contornos absolutamente idênticos à que é objecto do presentes autos, tendo aí chegado a um veredicto cujo sentido é em tudo idêntico ao vertido no acórdão recorrido (cfr. o Acórdão proferido na Revista n.º 84/07.0TTVIS.C1.S1, de 10 de Dezembro de 2009, acessível em www.dgsi.pt).
Vejamos.
Invoca o Autor, em abono da tese que perfilha, que a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela Ré – consistente na suspensão de funções, pelo período de 20 dias, com perda de retribuição – consubstancia sanção de natureza abusiva, convocando, para o efeito, o disposto no art. 374.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Não aduz o Autor, perante o elenco consagrado no citado normativo, qual a previsão legal a que, especificamente, se refere. Todavia, depreende-se da sua alegação que pretende aludir à alínea b) do n.º 1 daquele preceito, onde se dispõe: “1 – Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador: (…) b) recusar-se a cumprir ordens a que não devesse obediência, nos termos da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 121.º (…)”.
Preceituando, por sua vez, o art. 121.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, do Código do Trabalho:
1 – Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: (…) d) cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias;(…) 2 – O dever de obediência, a que se refere a alínea d) do número anterior, respeita tanto às ordens e instruções dadas directamente pelo empregador como às emanadas dos superiores hierárquicos do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhes forem atribuídos.”
Em rigor, pois, afirma o Autor que a sanção disciplinar que lhe foi aplicada, na medida em que assente em factos que, ao contrário do afirmado no processo disciplinar que lhe foi movido pela Ré, não consubstanciam a violação do dever de obediência, é abusiva. Ou, noutro prisma, na medida em que não devia obediência à ordem que lhe foi transmitida, toda e qualquer sanção disciplinar que lhe fosse aplicada assumiria tal natureza.
Para o efeito, aduz o Autor que a ordem que lhe foi transmitida para ir exercer funções para Carregal do Sal – sendo que, desde a sua admissão, as exercia em Santar –, porque violadora do disposto no bloco normativo composto pelos arts. 315.º a 317.º, do Código do Trabalho, é ilegal e, por conseguinte, não lhe devia obediência.
Tal como se considerou no acima enunciado Acórdão desta secção, cuja menção aqui se justifica por força da similitude da situação de facto sobre a qual se debruçou, “[d]e harmonia com o que se prescreve nos números 1 e 2 (quanto a este último na sua parte relevante) do art. 154º, n.º 1, do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, artigo esse inserido no Capítulo II intitulado Prestação do trabalho, o trabalhador deve, em princípio, realizar a sua prestação no local de trabalho contratualmente definido, sem prejuízo do disposto nos artigos 315.º a 317.º, encontrando-se ele adstrito às deslocações inerentes às suas funções.”
À semelhança do que se verificou na situação abordada no citado Aresto, também, in casu, Autor e Ré, aquando do início da relação laboral, firmaram um contrato de trabalho cujo teor era, no que ora importa, o seguinte:
“(…)
ARTIGO PRIMEIRO
(ÂMBITO E CATEGORIA PROFISSIONAL)
A PRIMEIRA CONTRAENTE contrata o SEGUNDO CONTRAENTE, e este aceita, para, sob a sua autoridade e direcção, exercer as funções de Encarregado de Sector, exercendo a função respectiva com a seguinte caracterização sumária; dirigir e orientar, de acordo com as instruções superiores, um determinado sector de exploração agrícola da PRIMEIRA CONTRAENTE, bem como outras que a PRIMEIRA CONTRAENTE o possa legalmente incumbir.
ARTIGO SEGUNDO
(LOCAL DA PRESTAÇÃO DE TRABALHO)
1. O trabalho do SEGUNDO CONTRAENTE será prestado em qualquer prédio rústico que se encontre actual, ou futuramente, sob a exploração da PRIMEIRA CONTRAENTE.
2. O SEGUNDO CONTRAENTE desde já dá o seu acordo a qualquer mudança de local de trabalho que venha a ser decidida pela PRIMEIRA CONTRAENTE.
(…)”.
E abordando, especificamente, o teor das cláusulas constantes do contrato de trabalho firmado entre as partes naquela acção (em tudo idênticas às que acima se deixaram transcritas), prossegue o citado Acórdão, pertinentemente – por isso o continuamos a seguir de perto – dizendo que “das citadas estipulações contratuais ressalta, desde logo, que aquilo que, doutrinalmente, é definido como sendo o local de trabalho, ou seja, o espaço geográfico no qual deve ser realizada a prestação do trabalhador, não correspondia, de acordo com a normação privada estabelecida entre as partes, a um específico, concreto e imutável lugar geográfico. Na verdade, o local definido no acordo negocial abarcava qualquer prédio rústico que, aquando da firmação do contrato, se encontrasse sob a exploração da ré, ou que futuramente se encontrasse nessas condições.
No que tange aos prédios rústicos que, ao tempo da celebração do contrato, se encontravam explorados pela ré, torna-se nítido que o clausulado em causa nenhuma indeterminação contém.
Já no que concerne aos prédios que eventual e futuramente viessem a estar nessas circunstâncias, certamente que se poderá colocar um grau de indeterminação, pois que a coordenada geográfica em concreto sempre dependeria de uma eventualidade.
Porém, esta particular indeterminação, no modo de ver deste Supremo, no contexto do concreto negócio jurídico, não irá, sem mais e com esteio no nº 1 do art. 280.º do Código Civil, implicar a nulidade desse específico clausulado.
Na verdade, uma tal indeterminação é resolvida por uma das partes outorgantes – o empregador – no âmbito dos poderes que a lei lhe confere no art. 150.º do Código do Trabalho, com observância também do que nesse dispositivo se comanda – fixação dos termos da prestação do trabalho dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, pelo que aqui seria convocável o normativo ínsito no n.º 1 do art. 400,º do Código Civil, com apelo à equidade e à boa fé que deve presidir à feitura dos negócios jurídicos (cfr., sobre o problema, Catarina Carvalho in A Mobilidade Geográfica dos Trabalhadores, Memórias do VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho, 43).
Sendo assim, e arredada que fica a nulidade a que acima nos reportámos, há que convir que no negócio celebrado entre autor e ré ficou assente entre as partes nele intervenientes que o primeiro se dispôs a efectuar a sua prestação de trabalho em qualquer prédio rústico que esta explorasse ou viesse a explorar.
Abra-se aqui um parêntesis para referir que, de acordo com um declaratário normal postado na posição do autor (cfr. art. 236.º do Código Civil), a asserção “exploração”, utilizada no n.º 1 do “ARTIGO SEGUNDO” do contrato, não podia deixar de ser interpretada como abarcando um prédio rústico no qual a ré desenvolvia a sua actividade industrial, ou parte dela, independentemente da forma jurídica que desse origem e viesse a presidir a essa actividade de “exploração”, motivo pelo qual se não pode considerar que, como no caso aconteceu, se a ré viesse a prosseguir actividade (ou parte dela) num certo prédio, em determinada coordenada espacial, por via de um qualquer negócio de cedência celebrado com a respectivo detentor, esse prédio não se encontrava em regime de “exploração” pela mesma ré.
É de evidência que, segundo os considerandos que já se efectuaram, na eventualidade de a ré vir a «explorar» um prédio cuja localização era de tal modo longínqua, referentemente à dos prédios que «explorava» ao tempo da celebração do contrato de trabalho que a vinculou ao autor, por forma a acarretar para este último prejuízos sérios por uma prestação de trabalho no novo local, já não se poderia lançar mão do raciocínio a que apelámos quanto à solução de ultrapassagem da aparente indeterminação do local de trabalho. E isso porque, na sequência desses considerandos, a equidade e a boa fé que devem informar a celebração dos negócios jurídicos impediria que a determinação a efectuar no seguimento do poder conformativo do empregador pudesse ser de tal sorte ampliada que viesse a implicar, em direitas contas, um desbordar dos próprios limites espaciais do local da prestação do trabalho e dos normativos regentes do contrato.(Fim de transcrição).
Conclui o citado aresto aduzindo que a factualidade ali apurada não era susceptível de conduzir a um tal raciocínio.
E o mesmo sucede no presente caso.
É certo que o Autor exerceu, desde o início do contrato de trabalho firmado com a Ré, funções em Santar, Nelas (factos provados ns.º 1 e 4). Mas, tal como acima se referiu e tal como emerge do contrato de trabalho que firmou, não menos certo é que estava ciente que as poderia vir a exercer noutros locais onde a Ré passasse a desenvolver a sua actividade. Tendo a Ré, na sequência da celebração de um contrato de comodato, transferido todo o seu equipamento para umas instalações sitas em Carregal do Sal e aí passando a engarrafar, rotular, armazenar e expedir os seus produtos – tarefas essas que o Autor, no exercício das suas funções, acompanhava – e ponderando que tais instalações distavam, de Santar, cerca de 20 Km, demorando o respectivo percurso cerca de 15 minutos, não é minimamente sustentável considerar que a indicação do novo local em que o Autor passaria a prestar o seu trabalho se não continha nos poderes de determinação da Ré, no que, em tal domínio, concerne, antes se integrando, ao invés, dentro do poder de conformação que à Ré assiste, mormente por efeito do clausulado do contrato de trabalho firmado. A tudo acresce a circunstância de a Ré ter colocado ao dispor do Autor um veículo, a fim de efectuar as deslocações para Carregal do Sal, o que demonstra, com maior evidência, a boa fé que terá presidido à sua decisão.
Daí que se imponha concluir, como se concluiu no Aresto que temos vindo a citar, desde já se anunciando a confirmação, neste domínio, do Acórdão recorrido e, consequentemente, a improcedência, neste concreto domínio, do recurso interposto pelo Autor:
Justamente (…) porque se coloca, afinal, uma situação de amplitude da definição do local de trabalho (ou, se se quiser, uma situação decorrente de uma cláusula de mobilidade em sentido amplo – cfr. Joana Nunes Vicente, Cláusulas de mobilidade geográfica, em Questões Laborais, nº 27) amplitude essa não ilícita, quer do ponto de vista da outorga do clausulado, quer do ponto de vista da sua concretização, entende-se que, no caso sub specie, a indicação dada ao autor para ir laborar para Carregal do Sal não consubstanciou uma transferência para um outro local de trabalho, apelante aos preceitos insertos nos artigos 315.º a 317.º do Código do Trabalho (cfr., nesse sentido, Pedro Madeira de Brito in Código do Trabalho Anotado, de Pedro Romano Martinez e outros, 6ª edição, em anotação ao artº 315º).
Sequentemente, aquela indicação não tinha que seguir o procedimento previsto no art. 317.º e, desta arte, o não acatamento da determinação dela constante tem de ser perspectivado como uma desobediência a uma ordem legítima da entidade empregadora, passível de ser disciplinarmente punida.
Por isso, a sanção de 20 dias de suspensão imposta pela ré não pode ser considerada abusiva.
Não merece, por isso, censura a decisão que, a este respeito, foi tomada no acórdão revidendo.”

Censura, seguidamente, o Autor o Acórdão recorrido, na concreta vertente em que considerou não ter aquele ilidido a presunção de abandono do posto de trabalho e daí que, em consequência, lhe não tenha reconhecido o pedido de declaração de ilicitude do despedimento de que alegou ter sido alvo, com as inerentes consequências.
Aduz o Autor, em síntese, que o Acórdão recorrido desconsiderou o facto de os períodos de suspensão – provisória e definitiva – se terem sobreposto ao período de férias, mais desconsiderando o direito ao gozo de férias que lhe é conferido pelo art. 211.º do Código do Trabalho. Mais aduz que era dever da Ré comunicar-lhe a data em que deveria comparecer ao serviço, face à coincidência temporal de cumprimento das suspensões e das férias.
De acordo com o disposto no art. 450.º, n.º 1, do Código do Trabalho, “considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de não o retomar”. Mais dispõe o n.º 2 do citado preceito, que “presume-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência”. Pode o trabalhador, no entanto, ilidir tal presunção, mediante a prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência (n.º 3 do mesmo artigo).
Tal como nos refere Maria do Rosário Palma Ramalho- In (1), a situação correspondente ao abandono do trabalho pressupõe “(…) a verificação de dois requisitos cumulativos: a ausência do trabalhador ao serviço; e a verificação de factos que, com toda a probabilidade, revelem a sua intenção de não retomar o trabalho”. Ou, visto de outro prisma, conforme tem vindo a ser o entendimento deste Supremo Tribunal, a figura jurídica do abandono do trabalho integra dois elementos: (i) um objectivo, que consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo de laboração, (ii) um elemento subjectivo, traduzido num “animus” extintivo, que se capta através de algo que o revele ou que exteriorize factos que, de acordo com a lei, com toda a probabilidade revelem a intenção de não retomar o trabalho-(2). Trata-se, aqui, como tem vindo a ser defendido pela doutrina, de uma ausência qualificada, uma vez que às faltas têm que acrescer factos que, com toda a probabilidade, indiquem que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho. Essa intenção, conforme refere Júlio Gomes (3)., “(…) há-de revelar-se com toda a probabilidade, não sendo de modo algum suficiente a mera verosimilhança, já que também aqui a vontade de demissão, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca”.
O n.º 2, do art. 450.º, estabelece, como dito, uma presunção de abandono do trabalho, sempre que a ausência do trabalhador se prolongue por um período igual ou superior a 10 dias úteis seguidos, ausência essa que concorre com a circunstância de o trabalhador não comunicar o que a motiva, cabendo ao empregador que invoca a cessação do contrato por abandono do trabalhador o ónus de alegar e provar os factos integradores dos requisitos do abandono do trabalho, o que abrange, justamente, os factos que suportam a presunção.
A ilisão da presunção incumbe ao trabalhador, que tem que provar que houve um motivo de força maior que impediu a comunicação da ausência.
Será, pois, em face das considerações antes expostas que se deverão enquadrar juridicamente os factos e, feito tal enquadramento, concluir pela procedência ou improcedência desta concreta vertente recursória impulsionada pelo Autor.
Os factos relevantes para o efeito são os seguintes:
O Autor, tendo sido admitido ao serviço da Ré no ano de 2000, desempenhou, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, as suas funções, até 5 de Julho de 2006, na unidade de exploração agrícola sita em Santar, Nelas.
O Autor, nos finais de Junho ou inícios de Julho de 2006, teve conhecimento, através da Ré, que a sociedade D....S.... tinha adquirido a maior parte do capital daquela. Na sequência de tal aquisição vários equipamentos que a Ré tinha em Santar foram, conforme foi do conhecimento do Autor, instalados no Concelho de Carregal do Sal, numa unidade industrial que pertence à D....S.... - Sociedade Vitivinícola, S.A. e que foi cedida à ré a fim de esta aí ultimar a preparação dos seus vinhos e proceder à sua análise, engarrafamento e expedição.
Nessa sequência, e para o que ora releva, a Ré determinou que o Autor passasse a desempenhar as suas funções em Carregal do Sal – não mais em Santar –, determinações que reiterou nos dia 10 e 11 de Julho de 2006, mas que o Autor não respeitou.
Com base em tal desrespeito, a Ré moveu ao Autor procedimento disciplinar, com intenção de despedimento, tendo-lhe comunicado, em 14 de Julho de 2006, a nota de culpa e a suspensão provisória de funções (cfr. documento de fls. 19 dos autos).
A Ré veio a considerar provados os factos descritos na nota de culpa e aplicou ao Autor a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição pelo período de 20 dias. Tal decisão foi comunicada ao Autor através de carta remetida em 25 de Agosto de 2006 (sendo que, dos factos provados, não resulta a data em que chegou ao seu conhecimento).
De salientar que está provado que a Ré tinha fixado o período de férias do Autor para o mês de Agosto de 2006.
No dia 11 de Outubro de 2006, o Autor apresentou-se nas instalações da Ré, em Santar. Questionado pelo eng.° CC, declarou que tinha cumprido o período de suspensão e tinha gozado férias.
Finalmente, está provado que a Ré comunicou ao autor, por carta registada datada de 11/10/2006, que o período de suspensão tinha terminado em Setembro e que não compareceu para retomar o trabalho nem justificou o motivo da ausência, pelo que invocava a cessação do contrato de trabalho por abandono.
O teor literal da referida carta é o seguinte:
“(…)
SANTAR, 2006 OUTUBRO 11
EX.MO SR. ENG.
Na sequência do processo disciplinar que foi movido a V.ª Ex.ª foi decidido, por esta Sociedade, aplicar-lhe a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição pelo período de 20 dias.
Ora, como V.ª Ex.ª sabe o período de suspensão a que acima nos reportamos já terminou no passado mês de Setembro do corrente ano, pelo que a partir da data em que terminou a suspensão dever-se-ia ter apresentado ao trabalho.
Dado que o Sr. Eng. não compareceu para retomar o trabalho, nem minimamente, sequer justificou o motivo da ausência perante a entidade patronal, entendemos que não pretende continuar a ser trabalhador da Sociedade Santar S A, por abandono do seu posto de trabalho.
Assim, dado que V.ª Ex.ª abandonou o trabalho durante 10 dias úteis seguidos, vimos nos termos e para os efeitos do n.º 5 do artigo 450º do Código do Trabalho invocar a cessação do contrato de trabalho por abandono por parte do Ex.mo Sr. Engenheiro”.

Esta a factualidade pertinente, sendo certo que, ao contrário do vertido no Acórdão recorrido, se entende não ser a mesma suficiente para configurar a existência de abandono do trabalho por parte do Autor. Com efeito, previamente ao recurso aos factos integradores da presunção – linha que veio a ser a seguida pelo Acórdão recorrido – necessário é que tais factos configurem, como dito, uma ausência ao serviço e, bem assim, um comportamento do trabalhador que permita inferir, com segurança, ser sua vontade não mais retomar o trabalho, sendo certo que também a prova dos factos integradores deste comportamento incumbe ao empregador, enquanto factos constitutivos do direito à invocação da cessação do contrato por “rescisão” por banda do trabalhador. E, perante o enquadramento factual exposto, é patente não dispor a Ré de factos que permitissem inferir, com segurança, não ser mais vontade do Autor retomar o trabalho.
Note-se que, em 14 de Julho de 2006, foi comunicada ao Autor a instauração de procedimento disciplinar e, concomitantemente, comunicada a suspensão provisória de funções, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 1, do Código do Trabalho. A esta suspensão provisória não colocou a Ré termo senão aquando da comunicação ao Autor, datada de 25 de Agosto de 2006, da sanção disciplinar de suspensão de funções, com perda de retribuição.
Sendo que a Ré havia fixado ao Autor o gozo de férias para o mês de Agosto.
Neste quadro, o facto de o Autor não comparecer ao serviço jamais poderia ser pela Ré configurada, com segurança, como uma situação de abandono do posto de trabalho, pois que não podia desconhecer que ao Autor haviam sido, por si, Ré, fixadas férias cujo gozo deveria ter ocorrido em Agosto e que, por virtude do procedimento disciplinar que lhe moveu, com as apontadas incidências na prestação do trabalho, seria absolutamente verosímil que aquele tivesse entendido que as gozaria no período imediatamente subsequente.
Aliás, só assim se compreende a afirmação que o Autor profere perante o Eng.º Pedro Vasconcelos em 11 de Outubro de 2006: que havia cumprido as suspensões e gozado férias (cfr. facto provado n.º 30). Aliás, a boa fé na execução do contrato impunha à Ré um outro comportamento, que passava, perante as apontadas incidências, pela comunicação de qual o dia que entendia ser aquele em que o Autor se deveria apresentar ao trabalho.
Não será, ainda, despiciendo notar que a factualidade atrás relatada revela um quadro de conflitualidade entre as partes e daí a apontada exigibilidade comportamental da Ré.
É certo que o contrato de trabalho, sendo, por natureza, um vínculo sinalagmático, exige que ambas as partes se comportem dentro dos parâmetros da boa fé.
Sucede, porém, que foi a Ré quem despoletou o procedimento disciplinar – cuja validade e bondade aqui se não discutem nem se colocam em causa – e, face ao momento em que tal ocorreu, não poderia desconhecer as efeitos que causaria, mormente, a possível confundibilidade dos períodos de suspensão com o gozo de férias.
Daí que não pudesse, com segurança, inferir que, findos os períodos de suspensão, o Autor não se apresentasse por ser sua vontade não retomar ao trabalho. Aliás, a própria comunicação da Ré, que acima se deixou transcrita, é absolutamente reveladora. Na verdade, em parte alguma do citado documento aduz a Ré a partir de que data entende estar o Autor ausente, sem justificação, ao trabalho. Dizer, como o faz a Ré no aludido escrito, que o período de suspensão terminara no passado mês de Setembro é claramente insuficiente, bastando para demonstrar esta afirmação aduzir que tal mês se compõe de 30 dias e se, por exemplo, se entendesse que o período de suspensão terminaria, precisamente, no dia 29 de Setembro de 2006 (dia 30 correspondeu a um Sábado), então, em 11 de Outubro de 2006, ainda se não teriam perfeito dez dias úteis de ausência do Autor ao serviço, mas apenas oito dias úteis.
Significa o exposto que, por um lado, a Ré não logrou provar comportamentos do Autor que permitissem concluir ser intenção deste não mais retomar ao serviço; o recurso à presunção, para além de pressupor a sobredita prova, pressupunha, igualmente, a prova exacta dos dias úteis que o Autor havia faltado ao serviço sem justificação, o que, face à ambiguidade da carta remetida ao Autor, não é possível apurar.
Conclui-se dizendo que, atentas a natureza excepcional e consequências do abandono do trabalho, não se deve proceder com ligeireza à qualificação jurídica desta figura.
A ausência ao serviço, para constituir abandono do trabalho, tem que traduzir um incumprimento voluntário e injustificado do contrato de trabalho – que não criado por um circunstancialismo externo passível de induzir a um comportamento de abstenção ao trabalho erroneamente justificado – revelador da ruptura tácita do contrato.
Ora, in casu, embora se admita que a Ré pudesse configurar como injustificada a ausência do Autor – embora subsista a dúvida quanto ao termo inicial dessa injustificação – não podia desconhecer ou, pelo menos, não podia deixar de admitir, face ao procedimento disciplinar que lhe moveu, à sanção que, nessa sequência, lhe aplicou e ao período de férias que lhe havia fixado, que não fosse intenção do Autor fazer cessar o contrato. E daí que não pudesse recorrer, como recorreu, à figura do abandono do trabalho.
Assim, a cessação do contrato de trabalho operada pela Ré, com fundamento no não provado abandono do trabalho, e porque vigorava entre as partes um contrato de trabalho (por tempo indeterminado), configura um despedimento ilícito, com as inerentes consequências legais, já que não precedido de processo disciplinar.

Com base nesse despedimento, peticionou o Autor o pagamento, pela Ré, da indemnização de antiguidade – pela qual optou, logo, na petição inicial, em substituição da reintegração –, das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até trinta dias antes da data da propositura da acção, bem como de uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no valor de € 3.000,00.

Os dois primeiros pedidos procedem.
Assim, e quanto ao primeiro, e uma vez que, como dito, o Autor optou, expressamente, pela indemnização de antiguidade, há a ponderar, por força do disposto no art.º 439.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho, a antiguidade do Autor – reportada a 18 de Setembro de 2000 – , a retribuição base que auferia, bem como as diuturnidades, estas no valor mensal de € 7,00 (cfr. sentença, nesse ponto transitada, que julgou procedente o pedido do Autor no tocante ao pagamento de diuturnidades, desde Setembro de 2005, no valor mensal de € 7,00).
E, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 439º do CT, entende-se adequado arbitrar tal indemnização à razão de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, calculada desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão.
Face ao grau de ilicitude da actuação da R. e ao valor da retribuição auferida pelo A., reputamos inadequada a fixação de uma tal indemnização em termos próximos do limite máximo previsto no n.º 1 do art.º 439º, como o A. peticionou.
Como ponderado no Acórdão desta secção de 27 de Maio de 2010, proferido na Revista n.º 467/06.3TTCBR.C1.S1-(4), a fixação de uma indemnização de antiguidade próxima desse limite máximo, deve ficar reservada para situações de grosseira violação/omissão procedimental e, bem assim, para aquelas em que a sanção deva considerar-se ostensivamente violadora de princípios fundamentais e estruturantes, maxime, o da igualdade, o que, in casu, não se afigura ocorrer.
Tal indemnização ascende, até à presente data, ao montante de Euros 8.793,50 [(872,35 x 10 anos)] + (€ 7,00 x 10 anos)] e a ela acrescem os juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da presente decisão e até efectivo e integral pagamento.

No que se refere ao segundo dos pedidos formulados, o A. tem direito a haver da R. as importâncias das retribuições que deixou de auferir desde 31 de Dezembro de 2006 (correspondente ao trigésimo dia anterior à propositura da acção, propositura que ocorreu em 30.01.2007) e até à data do trânsito em julgado do presente Acórdão- (5).
No cálculo das prestações vencidas e vincendas deve tomar-se em conta os subsídios de férias e de Natal devidos ao trabalhador.
Na fixação de tais importâncias (à excepção das respeitantes ao subsídio de Natal), ter-se-á em consideração o que resulta do facto provado sob o n.º 5 – atinente à retribuição base bem como ao valor que auferia a título de isenção de horário de trabalho –, bem como as diuturnidades que, na 1.ª instância, por decisão nesse ponto transitada, foi reconhecido serem devidas ao Autor, no valor já assinalado de € 7,00, mensais.
No que toca ao cálculo dos subsídios de Natal e como resulta da conjugação dos art.ºs 250º e 254º do CT e tem sido a orientação pacífica desta Secção Social, só se atenderá à retribuição base e às diuturnidades.

É possível, desde já, liquidar as retribuições vencidas desde a citada data de 31.12.2006 até à data do encerramento da discussão em 1ª instância (ocorrida em 31 de Janeiro de 2008).
Fazendo-o, apura-se a quantia global de € 16.047,92 [(€ 872,35 x 15 meses) + (€ 186,20 x 14 meses) + (€ 7,00 x 15 meses) + (€ 872,35 + € 186,20 + € 7,00 : 12 x 1 x 2) + (872,35 + € 7,00 : 12 x 1 x 1)], a título de retribuições, férias, subsídios de férias e subsídios de Natal.
A tal quantia acrescem as retribuições vencidas e vincendas a contar do encerramento da discussão em 1ª instância e até ao trânsito em julgado da presente decisão.
Contando-se juros de mora à taxa legal sobre as respectivas verbas parcelares, desde o vencimento destas e até integral pagamento.


O Autor pediu, também, a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 3.000,00, a título de danos não patrimoniais.
Não logrou, porém, provar – como lhe cabia, por força do disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil – factos constitutivos desse direito, mais concretamente que tenha sofrido danos dessa natureza em consequência da actuação da R., que, como vimos, se reconduz a um despedimento ilícito.
Assim, improcede esta pretensão do A. (art.º 516º do CPC).

V. Assim, acorda-se em, concedendo, parcialmente, a revista do Autor e revogando, em parte, a decisão recorrida:
a) declarar ilícito o despedimento de que o A. foi alvo;
b) condenar a Ré a pagar-lhe a indemnização de antiguidade calculada desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão, à razão de 30 dias por cada ano completo ou fracção de antiguidade, com juros de mora, à taxa legal, desde a data do referido trânsito e até efectivo e integral pagamento, sendo que, até à presente data, tal indemnização ascende a € 8.793,50 (oito mil setecentos e noventa e três euros e cinquenta cêntimos);
c) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 16.047,92 (dezasseis mil e quarenta e sete euros e noventa e dois cêntimos), a título de retribuições, férias, subsídios de férias e subsídios de Natal vencidos no período compreendido entre 31 de Dezembro de 2006 e 31 de Janeiro de 2008, a que acrescem as quantias vencidas e vincendas posteriormente, a esse título, até ao trânsito em julgado do presente acórdão;
Sobre as respectivas verbas parcelares (incluindo as que integram a mencionada quantia global) incidem juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento das mesmas e até integral pagamento.
d) No mais, julga-se a revista improcedente.

Custas, nas instâncias e no Supremo, pelo Autor e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 15 de Setembro de 2010

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão Grandão

___________________

(1)- In Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2.ª Edição Revista e Actualizada, 2008, pág. 943.
(2)- Cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 26 de Março de 2008 e de 3 de Junho de 2009, proferidos, respectivamente, na Revista n.º 2715/07 e na Revista 3696/08, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
(3)- In “Direito do Trabalho”, Volume I, “Relações Individuais de Trabalho”, Coimbra Editora, 2007, pág. 1072
(4)- Acessível em www.dgsi.pt.
(5) - Vejam-se o art.º 437º, n.ºs 1 e 4 do CT e o Ac. do STJ, de Uniformização de Jurisprudência, nº 1/2004, de 09/01.