Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B885
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUCAS COELHO
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ200505200008852
Data do Acordão: 05/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO.
Decisão: INDEFERIMENTO.
Sumário : I - Instaurada execução no tribunal do Porto, que se reconheceu incompetente em razão do território, declarando competente o tribunal do Funchal, para onde, transitado o despacho, o processo foi remetido (artigo 111.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), a questão da competência territorial fica definitivamente resolvida, não podendo este outro tribunal declarar-se, por seu turno, incompetente (n.º 2 do mesmo artigo);

II - Mercê de ulterior despacho de incompetência do tribunal do Funchal com trânsito em julgado, não surge, todavia, um conflito negativo de competência a solucionar no caso pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigos 116.º e segs.), posto que a contradição entre as duas decisões, versando dentro do processo sobre a mesma questão da competência, se resolve ope legis pela prevalência da primeira (artigo 675.º).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I
1. "A", S.A., com sede nessa cidade, instaurou no 4.º Juízo Cível da comarca do Porto, em 12 de Setembro de 2003, contra B, residente em Guimarães, execução sumária para pagamento de quantia certa (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro), alegando ser portador de uma livrança no quantitativo de 656 694$00 (3 275,58 €), subscrita pelo executado a seu favor, em 16 de Agosto de 2001, a pagar em 24 de Setembro de 2002, na agência do exequente no Porto - tudo conforme consta do título -, a qual não foi paga pelo executado no lugar e data do vencimento, nem posteriormente.

Acrescem ao montante da livrança os juros legais desde a data do vencimento até integral pagamento, e o imposto do selo sobre estes, liquidando-se os juros vencidos e o imposto devido até à data da instauração da execução nas somas de 185,05 € e 10,96 €, respectivamente.

Montando assim a quantia exequenda a 3 471,58 €, nomeia à penhora bens móveis da casa do executado, bem como os saldos das contas e os títulos em seu nome existentes nas instituições bancárias que enuncia.

2. O Ex.mo Juiz do 4.º Juízo Cível do Porto, conhecendo, todavia, oficiosamente da incompetência em razão do território [artigo 110.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil], proferiu despacho, em 2 de Dezembro de 2002, julgando aquele tribunal incompetente para a execução e declarando a competência do tribunal da comarca do Funchal.

Pondera, com efeito, ser competente para a execução, nos termos do n.º 1 do artigo 94.º do mesmo corpo legislativo «o tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida».

E considerando a acção executiva fundada em requerimento de injunção no qual havia sido aposta a fórmula executória, revestindo a obrigação dele constante carácter pecuniário, conclui, à luz do artigo 774.º do Código Civil, que a prestação do devedor executado deve ser efectuada «no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento», ou seja, na cidade do Funchal, onde se situa a sede do banco exequente (artigo 12.º, n.º 3, do Código das Sociedades Comerciais).

Determina consequentemente a remessa dos autos ao tribunal assim declarado territorialmente competente, após o trânsito em julgado do despacho (artigo 111.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

3. Mediante despacho, de 8 de Janeiro de 2004, o Ex.mo Juiz do 3.º Juízo Cível do Funchal, ao qual veio a ser distribuída a execução sub iudicio, declarou, por seu turno, oficiosamente a incompetência territorial desse tribunal, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, posto que a acção executiva se funda numa livrança da qual consta a cidade do Porto como lugar de pagamento.

Ordena a notificação do Ministério Público e do exequente para efeitos da resolução do conflito negativo de competência.

4. É, pois, a solução deste conflito que o banco exequente vem solicitar a este Supremo Tribunal de Justiça - conforme os artigos 116.º, n.º 1, e 117.º do Código de Processo Civil -, sumariando no requerimento inicial os elementos que vêm de se relatar.
II
Tudo ponderado, cumpre decidir.

1. Efectivamente, o processo de resolução dos conflitos de competência encontra--se gizado nos artigos 117.º e seguintes.

Mas logo no frontispício do iter processual respectivo adverte o n.º 1 do artigo 118.º: «Se o juiz ou relator entender que não há conflito, indefere imediatamente o requerimento.»

Pensa-se ser este justamente o nosso caso.

Tratando-se de incompetência relativa, dispõe o n.º 2 do artigo 111.º que «a decisão transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência»; ainda «que esta tenha sido oficiosamente suscitada».

Por isso o efeito típico da remessa do processo ao tribunal competente (n.º 3 do mesmo artigo) - tal como o legislador da Reforma de 1995/1996 assinala no relatório preambular do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro -, onde passa a tramitar, ficando o mesmo inibido de conhecer da própria competência territorial.

2. Foi o que sucedeu na situação sub iudicio.

O 4.º Juízo Cível da comarca do Porto reconheceu-se incompetente em razão do território para a presente execução, declarando competente o tribunal do Funchal.

Transitado, pois, esse despacho e para aí remetida a execução, não podia já este outro tribunal julgar-se incompetente.

O problema da competência territorial ficara, pois, resolvido pelo despacho com trânsito do tribunal do Porto.

E não surge um conflito negativo a solucionar pelo Supremo, mercê do ulterior despacho também transitado em julgado do 3.º Juízo Cível da comarca do Funchal, posto que a contradição entre as duas decisões, versando dentro do processo sobre a mesma questão da competência, se resolve ope legis pela prevalência da primeira (artigo 675.º do Código de Processo Civil) (1) ..
III
Nos termos expostos, encontrando-se fixada a competência territorial do tribunal do Funchal para a execução, inexistindo, por consequência, conflito negativo a decidir pelo Supremo Tribunal de Justiça, tem de indeferir-se, sem desprimor, o requerimento neste sentido apresentado pelo exequente.
Sem custas.

Lisboa, 20 de Maio de 2005
Lucas Coelho
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
-----------------------------------
(1) No sentido exposto, o acórdão do Supremo, de 2 de Julho de 1992, «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 419, págs. 626 e segs., e respectiva anotação onde se aduzem pertinentes subsídios doutrinários; muito recentemente, na mesma linha, o acórdão, de 17 de Fevereiro de 2005, conflito n.º 3944/04, 2.ª Secção