Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B1356
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: COMPRA E VENDA
DEFEITOS
DENÚNCIA
CADUCIDADE
RECONHECIMENTO
ABUSO DE DIREITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ200905210013567
Data do Acordão: 05/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 217º, 298º, 913º, 914º, 916º, 1225º
Jurisprudência Nacional: SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA 13 DE JANEIRO DE 2009, 08A3878, 8 DE JULHO DE 2003, 03A184; 4 DE JULHO DE 2002, 02B1932
Sumário :
1. Para ser reconhecido ao comprador o direito à reparação dos defeitos do imóvel, é necessário que os denuncie ao vendedor-construtor nos cinco anos posteriores à entrega do prédio e no prazo de um ano a contar do conhecimento, e que a acção correspondente seja intentada no ano subsequente à denúncia.

2. O reconhecimento do direito à eliminação dos defeitos impede a respectiva extinção, por caducidade.

3. Reconhecido o direito à reparação, na sequência de denúncia realizada, não se extingue o direito se a acção não for proposta no prazo de um ano.

4. Devem ser compensados os danos não patrimoniais resultantes de anos de deficientes condições de habitabilidade e de desconforto provocados pelos defeitos de construção da fracção dos autores.
Decisão Texto Integral:



Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA e BB instauraram contra A... – Sociedade de Construções, SA e CC uma acção, na qual pediram a condenação dos réus na realização de determinadas obras de reparação dos defeitos de construção da fracção autónoma designada pela letra S do prédio urbano, situado na Rua de S. Vicente, nº ..., da Freguesia de Alfena, Concelho de Valongo, que a primeira ré construiu e lhes vendeu. O segundo réu foi o director técnico da obra.
Em alternativa, pediram a sua condenação no pagamento do custo previsível da reparação, que estimaram em € 10.882,36 e, em qualquer caso, numa indemnização de € 23.384,16, por danos não patrimoniais, acrescida de juros.
Na contestação, os réus alegaram a caducidade do direito à reparação dos defeitos, sustentaram ter realizado as reparações que lhes competia, invocaram a prescrição do direito à indemnização em relação ao segundo réu e defenderam-se por impugnação.
Houve réplica, na qual os autores contrapuseram que os réus reconheceram os defeitos invocados, não tendo por isso ocorrido caducidade do seu direito.
Após a demais tramitação, por sentença de fls. 357 a acção foi julgada parcialmente procedente. Em síntese, entendeu-se ter ocorrido caducidade do direito de acção, mas constituir abuso de direito, por parte da ré, a invocação de tal excepção; e considerou-se ainda ser fundado o pedido de indemnização, embora em menor quantia do que a pedida. Assim, a ré A... – Sociedade de Construções, SA foi condenada a
“a. Eliminar as fissuras e sinais de humidade existentes no interior da fracção autónoma identificada no ponto 1- da matéria de facto provada;
b. Substituir os tacos levantados, descolorados ou empenados, existentes no pavimento da fracção autónoma identificada no ponto 1- da matéria de facto provada;
c. Instalar na fracção autónoma identificada no ponto 1- da matéria de facto provada um sistema de extracção de ar forçado através de ventilador, cujo funcionamento seja activado quando do início do funcionamento da caldeira”;
d. Pagar aos autores AA e BB a quantia de € 2 500,00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso”.
A ré foi absolvida quanto ao mais; o réu foi totalmente absolvido dos pedidos.

2. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que considerou não verificado o abuso de direito, foi concedido provimento à apelação da ré, que foi absolvida dos pedidos, e negado provimento à dos autores, que pretendiam a condenação do segundo réu.
Os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso foi admitido, como revista e com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões:

«A. O que está em causa neste processo é a correcção de defeitos de construção, num imóvel novo, que nunca deveriam sequer ter ocorrido, sendo inadmissível que depois de terem reiterada e formalmente reconhecido a sua responsabilidade os réus venham, em juízo, tentar fugir às suas responsabilidades invocando a caducidade, quando o decurso do tempo se deveu à boa fé dos Autores para com as ludibriosas soluções apresentadas pelos Réus.
B. Aliás a prova produzida e a audiência de julgamento deixaram bem clara até que ponto vai a má fé dos Réus quando mesmo depois de toda a prova produzida relativamente à existência dos danos e à origem dos mesmos, confirmados pela matéria assente, nas alegações finais é defendida a posição de que os danos nem sequer existem.
C. Conforme se pode ler na douta sentença do Tribunal de 1ª Instância na página 377: “A posição da Ré é, pois, gritantemente contrária à boa fé como regra de conduta que se exige seja respeitada no comércio jurídico, violando os limites impostos por aquela. A consequência de tal actuação é naturalmente a paralisação da faculdade de invocar a caducidade do direito dos autores”.
D. Incompreensivelmente, o entendimento do Tribunal da Relação do Porto foi diferente revogando a sentença da 1ª Instância e absolvendo os Réus, à revelia da prova produzida no presente processo e dos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.06.2003, de 05.03.2004 e de 18.02.2003 (…) onde se pode ler “o facto de os RR assumirem que os defeitos seriam eliminados, constitui reconhecimento da existência destes, tanto para efeitos de denúncia como para impedir a caducidade”.
E. Quanto ao Réu CC este é directamente responsável pelas consequências civis das falsas declarações que prestou de conluio com a Ré A..., pois se não tivesse prestado falsas declarações, nos termos do douto Acórdão proferido pelo Conselho Disciplinar da Ordem dos Advogados, o imóvel em causa não teria a licença de habitabilidade, pelo que jamais teria sido adquirido pelos Autores.»
Terminam sustentando que o acórdão recorrido deve ser revogado e os réus condenados na reparação dos defeitos, ou em alternativa, nos termos pedidos na petição inicial e ainda no pagamento da indemnização de € 23.384,16.
Não houve contra-alegações.

3. A matéria de facto que vem provada é a seguinte:

1. Por escritura pública de compra e venda, hipoteca e fiança, datada de 17 de Agosto de 2000, outorgada no 2º Cartório Notarial do Porto, em que intervieram como primeiro outorgante DD, na qualidade de procurador da ré “A... – Sociedade de Construções, SA”, e como segundos outorgantes os autores AA e BB, foi pelo primeiro declarado que, em nome da sua representada, vende aos segundos, em comum, pelo preço ali definido, a fracção autónoma designada pela letra “S”, correspondente a uma habitação no segundo andar direito frente, com um lugar de garagem denominado G-12, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na rua de S. Vicente, nº .../... e rua Ponte do Arquinho, nº .../..., freguesia de Alfena, Valongo, omisso na matriz, tendo os segundos declarado que aceitam a venda nos termos exarados.
2. A construção, comercialização e venda da fracção aludida em 1. foi da inteira responsabilidade da ré “A... – Sociedade de Construções, SA”.
3. Desde o início do ano de 2001 foram detectadas no imóvel referido em 1. algumas anomalias, que foram vistoriadas pela Câmara Municipal de Valongo, e que consistiam em manchas de humidade na parede e tecto da sala comum e do quarto que, segundo a referida vistoria, indiciava vícios estruturais constituídos por uma deficiente impermeabilização da cobertura e caixilharia, bem como um fraco escoamento das águas pluviais da varanda, tendo a vistoria camarária referido ter detectado ainda a presença de falta de pressão de água e/ou deficiente exaustão da caldeira, que se apagava ao fim de algum tempo de funcionamento, deixando um intenso cheiro a gás.
4. A vistoria referida em 3. e efectuada em Março de 2001 foi comunicada à ré “A... – Sociedade de Construções, SA”.
5. Os autores enviaram à ré “A... – Sociedade de Construções, SA”, a correspondência documentada a fls 48 a 55, 63 a 71 e 86 a 99, que esta recebeu, tendo a ré “A... – Sociedade de Construções, SA” solucionado alguns dos problemas levantados na referida correspondência, realizando obras.
6. No final do mês de Janeiro de 2004 foram realizadas a mando dos réus, na habitação dos autores referida em 1., obras de correcção das humidades.
7. A 22 de Maio de 2002, a ré “A... – Sociedade de Construções, SA” celebrou com a administração do condomínio do prédio onde se situa a fracção referida em 1. o documento designado como acordo e junto a fls. 108.
8. A 16 de Janeiro de 2003 foi realizado um auto de vistoria pelos peritos da Câmara Municipal de Valongo à fracção referida em 1., tendo os mesmos declarado que existiam manchas de humidade e que o pavimento se encontrava a levantar junto à varanda.
9. A habitação dos autores, referida em 1., apresenta fissuras nas paredes do quarto «suite» ...
10. … E na parede exterior nascente do referido quarto existe uma fissura horizontal com empolamento do revestimento a meio …
11. … Que se situa a cerca de 25 cms do tecto e a todo o comprimento da parede.
12. No tecto do quarto “suite” é visível uma fissura que parte do centro da parede exterior nascente até ao ponto de luz.
13. No quarto “suite” são visíveis sinais de humidade nos cantos do tecto que confrontam com a parede exterior.
14. Os factos referidos em 9. a 13. têm origem em infiltrações.
15. A madeira tipo taco que constitui o pavimento do quarto “suite” apresenta abertura nas juntas entre cada taco ...
16. … E descolorações nas mesmas zonas.
17. No pavimento junto à janela, as peças de madeira encontram-se empenadas.
18. Os factos referidos em 15. a 17. têm origem na dilatação causada por excesso de humidade.
19. No quarto virado a nascente, o revestimento da parede interior, sita no alinhamento da torneira do “poliban” do quarto, e confinante com a parede exterior nascente, encontra-se empolado …
20. … O que ocorre devido à presença de humidade.
21. Na parede exterior nascente do quarto virado a nascente existe uma fissura horizontal do lado esquerdo da janela …
22. … Que se situa a todo o comprimento da superfície da parede exterior, atravessando o interruptor da luz …
23. … E ramifica na vertical.
24. Na zona do “hall” de entrada existe uma fissura de configuração vertical …
25. … Que se localiza desde o pavimento até ao tecto, com ramificações horizontais.
26. Na sala é visível uma fissura no tecto, junto ao revestimento da tubagem de extracção de fumos do fogão de sala.
27. Todas as divisões cujo pavimento está revestido a madeira de tacos apresentam as junções entre as peças abertas …
28. … E apresentam descolorações nas juntas …
29. … E peças levantadas e soltas devido ao empeno.
30. Os factos referidos em 9. a 13., 15. a 19. e 21. a 29. têm origem, pelo menos em parte, na infiltração de humidade provinda do exterior do edifício.
31. O equipamento de aquecimento central da casa referida em 1- apenas permite o funcionamento normal pelo período de 15 minutos …
32. … E, decorrido esse período, desliga-se e entra em modo de segurança …
33. … O que se repete no caso de ser novamente ligado.
34. A passagem ao modo de segurança é motivada pela activação da sonda termostática sita na parte superior da câmara de combustão …
35. … E esta é activada quando atinge altas temperaturas derivadas do recuo dos gases de exaustão.
36. O facto referido em 3. ocorre devido à má tiragem da conduta que foi instalada para libertação dos gases resultantes da combustão da caldeira …
37. … E ocorre quando se verifica um menor diferencial de pressão entre o exterior e o interior, dificultando a tiragem …
38. … E se agrava nas condições meteorológicas de nevoeiro, chuva ou elevada humidade.
39. Os factos referidos em 31. a 38. resultam do sistema de evacuação de gases de que a habitação dispõe.
40. Os factos referidos em 31. a 38. cessarão com a instalação de um sistema de extracção de ar forçado através de ventilador ...
41. … Cujo funcionamento seria activado quando do início do funcionamento da caldeira.
42. Para reparação das fissuras e eliminação de sinais de humidade, será gasta quantia não inferior a € 6 307,00, IVA incluído.
43. Na substituição dos tacos levantados, ou descolorados ou empenados, será gasta quantia não inferior a € 4 322,27, IVA incluído.
44. O custo de colocação de um sistema de extracção de ar forçado através de ventilador ascenderá a valor não inferior a € 253,09, IVA incluído.
45. Por iniciativa dos réus foram realizados trabalhos de reparação na parte exterior do edifício em que se integra a fracção referida em 1..
46. Na sequência da vistoria referida em 8-, a ré “A... – Empreendimentos Imobiliários, SA” realizou obras de reparação na habitação pertença dos autores.
47. Em vésperas do nascimento do seu primeiro filho, os autores viram-se obrigados a dormir num colchão no chão da sala, por os quartos estarem inabitáveis.
48. Os autores ficam privados de água quente ao fim de 5 minutos de banho, devido a problemas de funcionamento da caldeira.
49. Os autores viram reduzida a sua qualidade de vida.
50. O réu CC exerceu as funções de director técnico da construção do edifício no qual se integra a fracção referida em 1. [facto que resulta do acordo das partes nos articulados (artigos 7º da petição inicial e 38º da contestação) – nº 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil)].
51. Na sequência de participação apresentada por EE, pela Ordem dos Engenheiros foi aplicada ao réu CC a pena disciplinar de censura registada, por violação das normas consagradas no nº 5 do artigo 86º e no nº 6 do artigo 88º, ambos do Estatuto da Ordem dos Engenheiros [facto que resulta do acordo das partes nos articulados (artigos 33º da petição inicial e 71º a 74º da contestação) – nº 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil)].»

4. Perante estes factos, a 1ª Instância considerou, em síntese, que, tendo a fracção dos autores sido comprada à ré em 17 de Agosto de 2000 e tendo os defeitos sido detectados no início de 2001, não havia “grandes dúvidas que entre a detecção dos defeitos reclamados nos autos (infiltração de humidade e suas consequências, e deficiente funcionamento do sistema de aquecimento central), a sua comunicação à ré A... – Sociedade de Construções, SA (feita em Maio de 2001 – …) e a data da propositura da acção (instaurada a 23 de Maio de 2005) decorreu mais de 1 ano”.
Entendeu, além disso, “inexistir fundamento para concluir, pois, ter qualquer dos réus actuado dolosamente nos termos sancionados pelos artigos 916º e 253º, ambos do Código Civil”; e não ser possível considerar que o reconhecimento do direito invocado pelos autores impediu a respectiva caducidade, apesar de a ré ter reconhecido a “existência dos defeitos reclamados pelos autores”, como o demonstra a realização de “diversas obras (…) com vista a debelar os problemas (…), e de, portanto, não ter caducado o direito de denunciar os defeitos; na verdade, com o reconhecimento “sucede apenas que o exercício do direito a exigir a reparação fica submetido a um novo prazo de caducidade – o prazo para a” propositura “da acção, que, no caso dos autos (…), teria a duração de 1 ano, contado desde o momento em que ocorreu a denúncia ou o acto a esta equiparado. (…)”; não tendo a acção sido intentada dentro desse ano, caducou o direito de a propor.
No entanto, a sentença qualificou como abusivo o exercício do direito de opor a caducidade, por ser “gritantemente contrári[o] à boa fé como regra de conduta que se exige seja respeitada no comércio jurídico, violando os limites impostos por aquela”. Retirou esta conclusão da consideração conjunta da actuação dos autores e da ré, entendendo que esta gerou naqueles a confiança de que não seria necessário recorrer a tribunal para que os defeitos que sempre apontaram fossem corrigidos.
Condenou portanto a ré na reparação dos defeitos, nos termos já indicados e, ponderando os danos não patrimoniais sofridos pelos autores, fixou em € 2.500,00 a compensação a pagar-lhes.
Relativamente ao réu CC, a sentença julgou não existir fundamento legal para a sua condenação.
Diferentemente, a Relação decidiu que os factos provados não suportavam a conclusão de ter havido abuso de direito por parte da ré. Assim, verificando não existir “impedimento à verificação da caducidade, sendo certo que não ocorrem também as restantes causas impeditivas da sua verificação – artigo 331º do Código Civil”, julgou “procedente a excepção de caducidade e absolveu a ré A... dos pedidos”; e confirmou a absolvição do segundo réu.
Tendo em conta as conclusões das alegações dos recorrentes, que delimitam o respectivo objecto (nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil), estão em causa no presente recurso as seguintes questões:
– caducidade do direito à reparação dos defeitos da fracção de que os autores são proprietários;
– montante da compensação por danos não patrimoniais;
– responsabilidade do segundo réu.

5. Tratando-se de uma compra e venda de imóvel destinado “por sua natureza a longa duração”, celebrada em 17 de Agosto de 2000, e sendo a ré, simultaneamente, a construtora do prédio e a vendedora da fracção adquirida pelos autores, é aplicável ao caso o disposto nos artigos 914º, 916º e 1225º do Código Civil, na redacção que aos últimos dois preceitos foi dada pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro.
Segundo este regime, para ser reconhecido ao comprador o direito à reparação dos defeitos, é necessário que os denuncie ao vendedor-construtor nos cinco anos posteriores à entrega do prédio (nº 3 do artigo 916º), e no prazo de um ano a contar do conhecimento; e que a acção correspondente seja intentada no ano subsequente à denúncia. Caso contrário, o direito extinguir-se-á, por caducidade (artigos 917º, 1225º, nº 2 e 3 e 298º, nº 2, do Código Civil) – cfr., por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Janeiro de 2009, disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 08A3878.
Não se põe em dúvida, nesta acção, de que, substantivamente, se verificam os requisitos de relevância dos defeitos cuja reparação se pede, e que são exigidos pelo nº 1 do artigo 913º, também do Código Civil.
Resulta ainda dos factos provados, e as instâncias assim o entenderam, que os defeitos foram denunciados à ré dentro do prazo de garantia de cinco anos e antes de decorrido um ano sobre o seu conhecimento.
Mas resulta igualmente provado que esta acção foi proposta mais de um ano depois da denúncia.
Torna-se, pois, indispensável saber se, como os recorrentes sustentam, se deve entender que a ré reconheceu o seu direito à reparação e se esse reconhecimento impediu a caducidade.

6. Tal como se entendeu na sentença da 1ª Instância (e nada em contrário resulta do acórdão agora recorrido), a actuação da ré, que efectuou diversas reparações “na sequência das reclamações dos autores, e com vista a debelar os problemas pelos mesmos apontados” (pontos 5, 6, 7, 45 e 46 da matéria de facto provada), tem de ser interpretada “como reconhecimento da existência dos defeitos reclamados pelos autores e da assunção de responsabilidade” pelos mesmos.
Na verdade, nenhum obstáculo, nomeadamente de natureza formal, existe a que esse reconhecimento se deduza de factos concludentes, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 217º do Código Civil, como igualmente se entendeu na sentença; e, dados os termos em que a denúncia dos defeitos foi efectuada, nomeadamente revelados pelas vistorias feitas pelos técnicos da Câmara Municipal de Valongo e pela correspondência dirigida pelos autores à ré, considera-se que o respectivo reconhecimento é suficientemente preciso para que os defeitos reconhecidos se possam identificar.
Os prazos em causa nesta acção – para denunciar os defeitos, para propor a subsequente acção – são prazos de caducidade, nos termos do já citado nº 2 do artigo 298º do Código Civil.
Assim, por princípio, apenas a denúncia, ou a efectiva propositura da acção, se for caso disso, impedem a extinção do direito à reparação dos defeitos (nº 1 do artigo 331º); mas o mesmo efeito impeditivo, todavia, tem o reconhecimento desse direito por parte do correspondente obrigado, de acordo com o nº 2 do artigo 331º, também do Código Civil.

7. A questão que especificamente se coloca a este respeito é a de saber se, como entendeu a sentença (e, implicitamente, o acórdão recorrido), uma vez reconhecido o direito à reparação, na sequência de uma denúncia realizada, começa a contar o prazo de um ano para a propositura da acção, extinguindo-se então o direito se esta não for proposta.
Esta construção tem subjacente a ideia de que o direito à reparação como que se desdobra ou decompõe em dois direitos sucessivos: o direito à denúncia do defeito e o direito à propositura da acção destinada a obter a reparação não voluntariamente efectuada.
Não é essa, todavia, a configuração do direito à reparação ou eliminação dos defeitos da coisa vendida. A denúncia é apenas uma condição do seu exercício; o direito de propor a acção traduz tão somente a garantia com que a lei o tutela, nos termos genericamente proclamados pelo nº 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil.
Dir-se-á que a lei prevê dois prazos sucessivos: o de denúncia e o de propositura da acção. A verdade é que esses dois prazos terão aplicação nos casos, provavelmente mais frequentes, de o obrigado não ter reconhecido o direito à reparação, não restando alternativa à parte contrária senão recorrer a juízo.
Em qualquer caso, não há dois direitos cuja extinção pelo decurso do tempo esteja em causa; e não ocorre com a caducidade o que se verifica com a prescrição, quando se verifica um facto interruptivo e começa a contar novo prazo de prescrição (de igual ou diferente duração, conforme as hipóteses).
Isto não significa, naturalmente, que, reconhecido o direito à reparação dos defeitos, deixe de estar sujeito a qualquer prazo a reacção, por parte do seu titular, a uma eventual inacção do obrigado. Como se sabe, quanto mais não seja, todos os direitos disponíveis estão sujeitos às regras gerais da extinção por prescrição.
Nenhuma razão substancial existe, aliás, para obrigar à propositura da acção, em caso de reconhecimento; as razões de certeza e segurança que explicam a caducidade em nada ficam lesadas, a partir do momento em que o direito à reparação foi exercido e reconhecido.
Como se escreveu no acórdão deste supremo Tribunal de 8 de Julho de 2003 (disponível em www.dgsi.pt como proc. nº 03A184), “sendo o direito disponível, quando reconhecido pelo beneficiário da caducidade não faria qualquer sentido compelir o titular a pedir o seu reconhecimento judicial ou a praticar, por inútil, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito à caducidade; quando assim é, "o reconhecimento impede a caducidade tal como a impediria a prática do acto sujeito à caducidade" (VAZ SERRA, BMJ 107.º-232; cfr. ac. RP, 29/2/92, CJ XVII-I-237).”
No mesmo sentido, o acórdão de 4 de Julho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02B1932): “O reconhecimento impeditivo da caducidade que o nº2º do art.331º prevê terá, na verdade, de ter o efeito visado por este instituto, que é o de tornar certa a situação, dispensando o recurso a juízo para esse fim. Tal é, nomeadamente, o que acontece quando o vendedor reconhece os defeitos do que vendeu – ou o fabricante (empreiteiro) reconhece os defeitos do que fabricou: num tal caso, o reconhecimento torna certa a situação: isso mesmo, inclusivamente, sendo o que justifica o efeito impeditivo, que não apenas interruptivo, da caducidade, que é próprio do reconhecimento do direito. É esta, se bem se entende, a lição de Vaz Serra, que esclarece não fazer sentido – não ser razoável – que o titular do direito tivesse de propor a acção no prazo legal apesar de a parte contrária já o ter reconhecido, tendo-se assim tornado certos o direito e a situação. Vale, enfim, a clara lição do Ac.STJ de 26/4/78, BMJ 276/298 ( - IV e V), segundo a qual a caducidade não opera se o devedor, reconhecendo perante o credor a sua obrigação, o convence, por isso mesmo, da desnecessidade de recurso a acção judicial, e o afasta, por isso, de pedir o reconhecimento judicial do direito que lhe assiste – solução que, em vista do reconhecimento pelo devedor, se revela escusada.”

Não se verificou, assim, a extinção, por caducidade, do direito à reparação dos defeitos em causa na presente acção.

8. Relativamente à compensação pelos danos não patrimoniais comprovadamente sofridos pelos autores, há que reconhecer ser pouco mais que simbólico o montante de € 2.500,00.
Para além dos incómodos óbvios que a qualquer pessoa provocam anos de deficientes condições de habitabilidade e de desconforto provocadas pelos defeitos de construção da casa onde moram, provados nesta acção, há que reconhecer que a situação particular dos autores, que se viram impedidos de utilizar os quartos em vésperas de nascimento do primeiro filho e têm filhos pequenos, justifica a atribuição de uma indemnização de montante superior.
Por outro lado, há que considerar a atitude da ré, que reconheceu os defeitos mas os não corrigiu.
Entende-se, assim, ser equitativa a atribuição de uma compensação de € 10.000,00, nomeadamente tendo em conta o tempo que decorreu desde a compra da casa e a propositura da presente acção.
Os juros, todavia, serão contados apenas desde o trânsito em julgado da condenação, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 805º do Código Civil.

9. Os recorrentes sustentam ainda que “ Réu CC este é directamente responsável pelas consequências civis das falsas declarações que prestou de conluio com a Ré A..., pois se não tivesse prestado falsas declarações, nos termos do douto Acórdão proferido pelo Conselho Disciplinar da Ordem dos Advogados, o imóvel em causa não teria a licença de habitabilidade, pelo que jamais teria sido adquirido pelos Autores.”
A verdade é que a matéria de facto provada não é suficiente para fundamentar a responsabilidade do réu, quer pelos defeitos da fracção que adquiriram à ré, quer pelos danos não patrimoniais que os defeitos de construção lhes provocaram.

10. Nestes termos, decide-se:

a) Conceder provimento parcial à revista e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido na parte em que absolveu a ré A... – Sociedade de Construções, SA, dos pedidos e condenar a mesma ré a
– Eliminar as fissuras e sinais de humidade existentes no interior da fracção autónoma identificada no ponto 1- da matéria de facto provada;
– Substituir os tacos levantados, descolorados ou empenados, existentes no pavimento da fracção autónoma identificada no ponto 1- da matéria de facto provada;
– Instalar na fracção autónoma identificada no ponto 1- da matéria de facto provada um sistema de extracção de ar forçado através de ventilador, cujo funcionamento seja activado quando do início do funcionamento da caldeira;
– Pagar aos autores AA e BB a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da condenação até integral reembolso.
c) Quanto ao mais, negar provimento ao recurso.

Custas por ambas as partes, na proporção de 8/10 para a ré e 2/10 para os autores.

Supremo Tribuanl de Justiça, 21 de Maio de 2009

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Salvador da Costa
Lázaro Faria