Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/13.5TCGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE ESCLARECIMENTO PRÉVIO
CRÉDITO À HABITAÇÃO
SEGURADORA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO DE GRUPO / RAMO VIDA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, pp.46-47.
- Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 500.º, 800.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 3 A 5, 639.º, N.º 1, 672.º, N.º 1, ALÍNEA C).
D.L. N.º 176/95, DE 27-07: - ARTIGO 1.º, ALÍNEA H), 4.º.
D.L. N.º 446/85, DE 25-10, ALTERADOS PELOS DEC.-LEIS N.º 220/95, DE 31-08, N.º 249/99, DE 07-07, E N.º 323/2001, DE 17-12: - ARTIGOS 5.º E 6.º, 11.º.
D.L. N.º 72/2008, DE 16-04: - ARTIGOS 78.º, 79.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14/05/1996, PUBLICADO NO DR N.º 144/96, SÉRIE II, DE 24/06/1996.
- DE 17/02/2009, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 08A3761 JSTJ000, PUBLICADO NA CJSTJ, TOMO I, P. 102 E DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 29/10/2009, PROCESSO N.º 2157/06.8TVLSB.SL.
-DE 04/05/2010, PROCESSO 3272/04.8TBVISC.1.S1, IN CJSTJ, TOMO III, P. 63 E TAMBÉM DISPONÍVEL EM WWW.DGSI
-DE 21/2/2013, PROCESSO N.º 267710.6TBBCL.GL.S1, DE 29/5/2012, PROCESSO N.º 7615/06. 1TBVNG. P1.S1, DE 13/1/2011, PROCESSO N.º 1443/04. 6TBGDM.PI.S1, DE 20/1/2010, PROCESSO N.º 294/06. 8TBOAZ.P1, DE 12/10/2010, PROCESSO N.º 646/05. OTBAMR.GI.S1, DE 22/1/09, PROCESSO N.º 08B4049.
Sumário :
I - No tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, nos termos do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 27-07, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido.

II - O incumprimento desse dever leal de informação e esclarecimento não se comunica à seguradora, salvo convenção em contrário, porquanto, no referido tipo de contrato de seguro de adesão, não se configura que o tomador do seguro intervenha como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora, não se encontrando, por isso, fundamento normativo para imputar a esta, as consequências da atuação irregular do tomador na comercialização do produto financeiro em causa.

III - Nessa conformidade, não está vedado à seguradora invocar a seu favor contra os segurados aderentes as cláusulas gerais e particulares sobre o âmbito e exclusões do risco assumido no contrato de seguro, sem que a estes seja lícito contrapor o incumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte do tomador do seguro.

IV - Não obstante, o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base um espécimen contratual elaborado pela seguradora, sendo esta também pessoalmente responsável pelos vícios ou insuficiências do mesmo e que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, por parte do tomador do seguro, podendo assumir então a qualidade de co-autora do facto lesivo e culposo imputável à mesma.

V - Impende ainda sobre a seguradora o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações complementares necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual.

VI - Embora se acolha a orientação normativa jurisprudencial seguida no acórdão-fundamento, em detrimento da perfilhada no acórdão recorrido, atendendo ao circunstancialismo especificamente provado no presente caso, que diverge em parte essencial da situação versada naquele acórdão-fundamento, na esteira do também ali doutrinado, quanto ao dever de informação por parte da seguradora, considera-se que, face a tal circunstancialismo, é imputável à Ré Seguradora, a título de negligência, a omissão do dever de informação do conteúdo das cláusulas contratuais de que agora se pretende prevalecer, em relação ao tomador do seguro, o que se afigura obstativo do cabal cumprimento do subsequente dever de informação por parte deste perante os segurados-aderentes.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA e marido BB (A.A.) instauraram, em 18/01/2013, junto das Varas de Competência Mista de Guimarães, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a CC - Companhia de Seguros, S.A., agora designada DD - Seguros, S.A. (R.), alegando, em síntese, que:

. Os A.A. negociaram com a Caixa Geral de Depósitos (CGD) a concessão de um empréstimo para aquisição de habitação própria permanente, o qual veio a ser formalizado em 20/06/2002, no valor de € 78.560,67;

. Na mesma data, a CGD concedeu aos A.A. outro empréstimo no valor de € 16.210,93;

. Para a concessão desses empréstimos, a CGD exigiu que, além da garantia real e/ou pessoal, fosse efetuado um seguro de vida, por via do qual, em caso de morte ou invalidez total e permanente, o credor instituído tivesse direito ao pagamento imediato do valor correspondente ao capital mutuado e seguro, ainda não amortizado;

. Nessa base, em 20/06/2002, foram subscritos seguros do ramo vida, para cada pessoa a segurar, conforme a apólice n.º ..., sendo cada um deles no valor dos empréstimos concedidos;

. Em virtude da doença, a A. não exerce qualquer atividade profissional nem aufere qualquer rendimento, tendo-lhe sido diagnosticada, em 11/ 05/2012, uma incapacidade permanente global de 68%, decorrendo o processo de concessão de reforma por invalidez;

. O A. marido encontra-se desempregado e aufere um subsídio de desemprego no montante de € 500,00;

. Em 05/07/2012, foi feita participação à R. da situação de doença da A., com a apresentação do documento comprovativo da mesma e do atestado multiuso a atestar a incapacidade permanente global de 68%;

. A R., em agosto de 2012, enviou à A. uma cópia das cláusulas gerais e particulares da apólice do seguro, mais não fazendo do que solicitar informações e documentação.

Concluem os A.A. a pedir a condenação da R.:

 a) – a pagar ao beneficiário instituído, CGD, S.A., nos termos contratuais, o capital em dívida à data do trânsito em julgado da decisão condenatória ou de homologação de acordo;

 b) – a pagar aos A.A. os valores correspondentes ao capital seguro por eles pago mensalmente ao beneficiário, CGD, correspondente às prestações dos financiamentos concedidos, desde a data da incapacidade da 1.ª A, em 11/05/2012, até à data indicada, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal;

 c) - a restituir aos A.A. o valor dos prémios mensais pagos por estes referentes aos contratos identificados pela apólice n.º …, desde a data da participação do sinistro, 05/07/2012, até integral pagamento do capital seguro, acrescido dos juros vencidos e vincendos à taxa legal.

2. A R. contestou, alegando que:

. O objeto do seguro compreende os riscos de morte ou invalidez total e permanente ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo ao beneficiário designado o pagamento do capital seguro, em caso de morte ou invalidez total e permanente;

. A A. tem uma incapacidade permanente global de 68%, mas não obteve, por parte da instituição de segurança social, o reconhecimento da sua situação de invalidez total e permanente, porque ainda não foi declarada reformada, tal como exige o contrato de seguro.

Concluiu assim pela improcedência da ação.

3. Os A.A. replicaram a sustentar que, tanto no ato da celebração dos contratos como posteriormente, não lhes foi explicado ou entregue qualquer documento com as condições gerais e particulares da apólice, pelo que se devem ter por excluídas dos contratos de seguro em referência as cláusulas contratuais ínsitas nos documentos juntos com a contestação.

4. Findos os articulados, realizou-se a audiência preliminar, no decurso da qual, foi fixado o valor da causa, proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com a organização da base instrutória, conforme a ata de fls. 134-142.

5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença (fls. 187-199), em 03/03/2014, na qual foi integrada a decisão de facto e a respetiva motivação, julgando-se a ação procedente e condenando-se a R. em tudo o que fora peticionado.  

6. Inconformado com tal decisão, a R. apelou dela para o Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida, embora por fundamento diverso, conforme o acórdão de fls. 261-270, de 15/09/2014.

7. Novamente inconformada com aquela decisão, veio a R. interpor recurso de revista, a título excecional, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Não obstante a confirmação pelo Tribunal da Relação de Guimarães da decisão de 1.ª instância, confirmação esta feita "sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente", o presente recurso de revista excecional é admissível por, no caso, estarem preenchidos os pressupostos referidos na alínea c) do n.º 1 e na alínea c) do n.º 2 do art.º 672.º do CPC, ou seja, por o acórdão recorrido estar em contradição com o acórdão do STJ, de 25/06/2013, proferido no âmbito do processo n.º 24/10.0TBVNG.P1. S.1, da 7.a Secção;

2.ª - No acórdão recorrido, adotou-se o entendimento de que, embora e quando se está perante uma situação de seguro de grupo, o ónus da prova relativamente à obrigação de comunicação ao aderente/pessoa segura de determinada ou determinadas cláusulas contratuais gerais impenda sobre o tomador do seguro, nos termos do que dispõe o artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26-07, vigente à data da respetiva adesão, essa obrigação e esse ónus não desonera a seguradora de cumprir a sua obrigação de igualmente comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro ao aderente, nos termos e em cumprimento do que dispõe o artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10;

3.ª - Porém, no acórdão-fundamento, entendeu-se que o regime legal aplicável nestes casos é o do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26-07 e não o artigo 5.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, por aquele primeiro diploma estabelecer um regime especial, que se sobrepõe e prevalece sobre o regime regra das cláusulas contratuais gerais, pelo que é efetivamente ao banco/tomador do seguro quem compete, exclusivamente, a obrigação de comunicação e explicitação adequada ao aderente acerca do teor das cláusulas do seguro de grupo, pelo que a seguradora não pode ser responsabilizada pela omissão desse dever, assim podendo opor ao aderente certa cláusula, ainda que esta não lhe tenha sido comunicada e explicitada pelo tomador do seguro, nem por ela própria seguradora.

4.ª - Ambos os acórdãos são idênticos no que se refere ao caso apreciado em cada um deles, estando também neles versada a mesma questão fundamental de direito, como é a questão de saber sobre quem compete, no âmbito dos seguros de grupo do ramo vida a que aderem os mutuários nos contratos de empréstimo ou crédito para habitação, a obrigação de comunicar e explicitar as respetivas contratuais gerais; se o Banco/tomador do seguro, se a seguradora, ou eventualmente até ambos - e, bem assim, se a omissão por parte do banco/tomador do seguro se repercute na esfera jurídica da seguradora, ao ponto de esta não se poder prevalecer da cláusula contratual geral em causa perante o aderente/pessoa segura.

5.ª - Ambos os acórdãos foram produzidos no domínio da mesma legislação, mais concretamente as normas do CC e as dos Dec.- Leis n.º 176/95, de 26/07 e n.º 448/85, de 25/10, não se tendo identificado qualquer AUJ versando sobre a questão em causa.

6.ª - Verificam-se, assim, os pressupostos e requisitos previstos na alínea c) do n.º 1 e alínea c) do n.º 2 do art.º 672.º do CPC, pelo que deverá ser admitido presente recurso de revista excecional, para efeitos do seu julgamento.

7.ª - No acórdão recorrido entendeu-se que a R., aqui recorrente, não cumpriu com o seu ónus de prova do cumprimento do dever de comunicação e explicitação das cláusulas contratuais gerais, em especial da cláusula das condições gerais do contrato de seguro em discussão que define os requisitos que devem cumulativamente estar preenchidos para que a pessoa segura - no caso, a A. mulher - se possa considerar, para efeitos do funcionamento da cobertura do mesmo seguro, numa situação de incapacidade total e permanente, e mais particularmente ainda, o terceiro desses requisitos, o qual seja o de essa incapacidade total e permanente estar "reconhecida previamente pela ISS, pela qual a pessoa segura se encontra abrangida ou pelo tribunal de trabalho ou, caso a pessoa segura não se considere abrangida por nenhum regime ou ISS, por Junta Médica (cfr alínea V dos factos assentes), dever esse que sobre a mesma R. impendia por força do n.º 1 do art.º 5.º do DL n.º 446/85, de 25/10, pelo que muito embora sobre o banco/tomador do seguro impendesse também similar dever de comunicação por força do artigo 4.º do DL n.º 176/95, de 26/07, vigente à data das respetivas adesões ao seguro, a R. seguradora não fica desonerada também desse dever e, por isso, não pode prevalecer-se da cláusula em causa, que se tem por excluída como determina a alínea a) do artigo 8.º do referido DL n.º 446/85.

8.ª - No entanto, tal não é o entendimento mais correto, pelo menos no que a casos como o presente diz respeito, pois o mesmo não toma em linha de conta a especificidade e peculiar estrutura do contrato de seguro de grupo que aqui se discute, sendo antes de ser perfilhado o entendimento e tese exposta no aqui acórdão-fundamento, isto é, que, por causa estrutura peculiar do contrato de seguro de grupo, é ao tomador do seguro que compete, exclusivamente, o dever de comunicar e esclarecer as cláusulas contratuais gerais do seguro, não se repercutindo e eventual omissão desse dever na esfera jurídica da seguradora.

9.ª - Embora seja pacífico que a cláusula das condições gerais do contrato de seguro em causa e reproduzida sob a alínea V-) dos factos assentes, seja uma cláusula contratual geral e, por isso, sujeita ao regime previsto no Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, designadamente ao dever de informação e esclarecimento à parte em relação à qual essa cláusula preconcebida é apresentada, o que é facto é que, atendendo à estrutura específica do contrato de seguro em causa - seguro de grupo - a verdade é que o dever de informação respetivo competia não à seguradora aqui recorrente, mas antes à tomadora e beneficiária desse seguro, ou seja, a Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

10.ª - Com efeito, o caso presente prende-se com um contrato de seguro de grupo, o qual se traduz no contrato entre uma seguradora e um tomador do seguro, e ao qual aderem posteriormente pessoas ligadas a este tomador do seguro, mais concretamente e no caso, pessoas que contraíssem junto da CGD, S.A., empréstimos no contexto do regime geral do sistema de crédito à habitação.

11.ª - Na verdade, trata-se de um esquema contratual com uma estrutura tripartida e algo complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido piano de seguro; ou seja, a seguradora e o tomador do seguro (a instituição bancária) celebram entre si um contrato (de seguro) que vai funcionar como o quadro em que posteriormente e no futuro se estabelecem as situações ou relações de seguro (situações de risco) propriamente ditas.

12.ª - Assim, o tomador de seguro - a instituição bancária que concede os créditos ou mútuos - é, efetivamente, uma das três partes contratuais e não mera intermediária ou mediadora entre a seguradora e a pessoa aderente, agindo no seu interesse e por conta própria, e não meramente por conta e no interesse da seguradora.

13.ª - Enquanto verdadeira parte contratual, a instituição bancária - ao mesmo tempo tomadora do seguro e deste beneficiária - está obrigada ao dever de informação das cláusulas contratuais gerais do contrato a que os interessados aderem, o que igualmente lhe advém de, na prática, ser tal instituição bancária que exige a celebração do seguro como condição para concessão dos créditos, ser quem intervém na formação do contrato e na decisão de contratar por parte dos potenciais aderentes, ser quem recolhe todas as informações dos terceiros para verificação dos requisitos de adesão e ser quem, depois de obter o assentimento ou consentimento no sentido da adesão por parte dos terceiros envia as propostas à segurada a fim de serem por esta aceites ou, eventualmente, rejeitadas.

14.ª - No processo negocial de adesão do contrato de seguro deste tipo, a intervenção da seguradora é meramente residual, restringindo-se a emitir a sua declaração de aceitação das propostas apresentadas, em momento posterior e subsequente à obtenção do consentimento dos interessados por parte da instituição bancária.

15.ª - A violação do dever de informação por parte do Banco/tomador do seguro e respetivas consequências não se estendem ou repercutem na esfera jurídica da seguradora, uma vez que a entidade bancária é uma verdadeira parte contratual na estrutura das relações de risco em presença, sendo que da adesão, por parte dos interessados, ela própria tira benefício e proteção dos seus interesses, agindo portanto por conta própria e defendendo interesses próprios distintos dos da seguradora, sendo, de resto, as duas pessoas jurídicas distintas.

16.ª - Além disso, a entidade bancária pode ser ela própria responsabilizada pela omissão do dever de informação, pelo que não colhe o argumento de que a final poderá ficar prejudicado sem proteção o terceiro aderente, alheio à violação do dever de informação.

17.ª - Assim, deverá antes entender-se que, no domínio do Dec.-Lei n.º 176/95, o dever de cumprimento da obrigação de comunicação e informação das cláusulas do seguro competia exclusivamente ao tomador do seguro e, mais ainda, no caso concreto de um seguro de grupo do ramo vida destinado a vigorar na execução de contratos de crédito bancário à habitação, sendo que o regime estabelecido naquele diploma, por ser um regime especial, sobrepõe-se ao regime regra da comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais estatuído pelo Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10.

18.ª - De resto, não se vê que justificação coerente pode haver para exigir, relativamente ao mesmo facto e comportamento e no domínio das mesmas relações contratuais, a duplicação do dever de comunicar e informar sobre as cláusulas contratuais gerais de um seguro de grupo, ou seja, ao lado do dever que recai sobre o banco/ tomador do seguro, por estar presente no momento da adesão da pessoa segura, o acrescido, mas idêntico e destinado à mesma finalidade, dever de comunicação e informação por parte da seguradora.

19.ª - Aliás, tal falta de justificação do cumprimento do mesmo dever por duas vezes, por diferentes pessoas ou partes contratuais e até em momentos diferentes, mais se evidencia quando se tome em linha de conta o que se extrai do entendimento do aqui acórdão-fundamento, ou seja, que a circunstância de o dever de comunicação e esclarecimento vir a pertencer, exclusivamente, ao banco/tomador do seguro, se prende, exatamente, na “peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados”, o que determina que não se encaixe na previsão do regime regra das cláusulas contratuais gerais, o qual pressupõe uma relação bipartida, ou apenas entre dois contraentes, ou seja, entre o elaborador das cláusulas contratuais gerais e aderente.

20.ª - Por todo o exposto, a conclusão derradeira a retirar para o caso em concreto é a de que, por um lado, não era à seguradora e R. que competia cumprir qualquer dever de comunicar e explicitar a cláusula das condições gerais em questão, mas sim e exclusivamente à CGD, S.A., respetivo tomador do seguro, e que, por outro lado, a omissão de tal dever não se repercute na esfera jurídica da R. seguradora, pelo que esta pode opor à A. mulher a cláusula em questão, legitimamente recusando o funcionamento da cobertura do seguro em causa, por não estarem, relativamente à A., preenchidos todos os requisitos previstos nas condições gerais do contrato de seguro para se estar perante uma situação definida como sendo, para efeitos desse seguro, de incapacidade total e permanente, faltando para tal que a A. demonstrasse, como era seu ónus enquanto alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito, que a sua incapacidade tinha sido “reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social” pela qual a mesma se encontrasse abrangida, ou pelo Tribunal do Trabalho, ou caso a mesma não se encontrasse abrangida por nenhum regime ou instituição de Segurança Social, por Junta Médica.

21.ª - Ao não estar verificado esse requisito, à R. seguradora era legítimo recusar fazer funcionar a cobertura correspondente do seguro em causa, pelo que a pretensão da A. não deveria ter sido reconhecida pela decisão da 1.ª instância, nem tão pouco confirmada pelo acórdão recorrido, mas ser a ação julgada improcedente, por não provada.

22.ª - Pelas razões expostas, no acórdão recorrido, ocorre violação substantiva consistente em erro de interpretação e aplicação, entre outras, das normas contidas nos artigos 5.o, n.º 3, 6.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, artigo 4.o do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26/07 e artigo 342.º do CC.


Pede a R. recorrente que seja admitido o recurso de revista excecional, por verificação dos requisitos previstos na alínea c) do n.º 1 e alínea c) do n.º 2 do artigo 672.º do CPC e dado provimento ao mesmo recurso, revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-se o mesmo por outro que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, com a absolvição total da R. de todos os pedidos contra ela formulados.

8. Por seu lado, o A. apresentou contra-alegações a sustentar, em primeira linha, a inadmissibilidade da revista e, subsidiariamente, a sua improcedência. 

9. O coletivo da formação de três juízes deste Supremo Tribunal a que se refere o n.º 3 do art.º 672.º do CPC, julgou verificado o fundamento invocado para a revista excecional, previsto na alínea c) do n.º 1 daquele normativo, conforme o acórdão proferido a fls. 380-382, de 13/01/2015, decisão esta que se tem por definitiva, nos termos do preceituado no n.º 4 do mesmo artigo.   


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, tendo em conta que a presente revista foi admitida a título excecional com fundamento na alegada contradição entre o acórdão aqui recorrido e o acórdão-fundamento, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, o objeto deste recurso incide:

(i) - Em primeira linha e nuclearmente, sobre a questão, apreciada nos acórdãos ora em confronto, de saber a quem incumbe o dever de comunicação ao aderente das cláusulas contratuais gerais constantes de um contrato de seguro de grupo do ramo vida, associado a um contrato de concessão de crédito para habitação;

(ii) - E, subsidiariamente, no caso de procedência daquela questão, sobre a sua repercussão no mérito da pretensão em apreço.


De referir que, como já foi dito, a questão preliminar controvertida sobre a admissibilidade do recurso encontra-se já definitivamente julgada pelo acórdão de fls. 380-382, não cumprindo aqui ocupar-nos dela.          


III – Fundamentação   

 

1. Factualidade dada como provada pela na 1.ª Instância


Vem dada como provada pelas Instâncias a factualidade que aqui importa reordenar, para uma melhor compreensão de todo o universo fáctico relevante, nos termos seguintes[1]:    

1.1. Os autores (A.A.) negociaram com a Caixa Geral de Depósitos, numa das suas agências de Guimarães, a concessão de um empréstimo para aquisição de habitação própria permanente – alínea A) dos factos assentes;

1.2. Para a concessão de crédito bancário, a Caixa Geral de Depósitos exigiu aos A.A. a celebração do contrato de seguro de vida com a R. que assegurasse a cobertura de riscos de morte e invalidez total e permanente – alínea H) dos factos assentes;

1.3. Na documentação apresentada aos A.A., para a concretização da operação de financiamento, fazia parte uma proposta de adesão aos mencionados seguros, a subscrever junto da R. – alínea I) dos factos assentes;

1.4. O empréstimo referido em 1.1 foi formalizado no dia 20 de junho de 2002, por via da celebração de um contrato de mútuo no valor de € 78.560,67, (setenta e oito mil quinhentos e sessenta euros e sessenta de sete cêntimos), conforme documento de fls. 14-28 – alínea B) dos factos assentes;

1.5. Na mesma data, foi concedido aos A.A., pela mesma instituição financeira, um empréstimo no valor total de € 16.210,93 (dezasseis mil duzentos e dez euros e noventa e três cêntimos) – alínea C) dos factos assentes;

1.6. A Caixa Geral de Depósitos exigiu como contrapartida da concessão dos empréstimos, para além da habitual garantia real e/ou pessoal, uma outra garantia, traduzida num seguro de vida, por via do qual, em caso de morte ou invalidez total e permanente das pessoas, aqui A.A., o credor, Caixa Geral de Depósitos, enquanto beneficiário instituído pelo respetivo contrato de seguro teria direito ao pagamento imediato do valor correspondente ao capital mutuado e seguro, ainda não amortizado – alínea D) dos factos assentes;

1.7. Após consentimento dos A.A., entre estes e a Companhia de Seguros CC, agora designada por DD Seguros, em 20 de junho de 2002 e nas instalações da entidade bancária, foram celebrados dois contratos de seguro, um para cada pessoa segura, aqui A.A., titulados pelo mesmo número de apólice ... – alínea E) dos factos assentes;

1.8. Foi subscrito seguro do ramo vida, na modalidade de Caixa Seguro Vida – Protecção Mais (sem período de carência), cada um deles segurando o valor do empréstimo concedido de € 78.560,67 e € 16.210,93, respetivamente com referência aos citados documentos – alínea F) dos factos assentes;

1.9. Após obtenção do consentimento por parte dos A.A., na celebração de tal contrato, a Caixa Geral de Depósitos, como tomador do seguro, enviou à R. a proposta de seguro, que foi aceite, sendo emitida, em 20/ 06/2002, a respetiva apólice, sob o n.º ... – alínea J) dos factos assentes;

1.10. Dos documentos referidos acima resulta, em resumo, o seguinte: 

  - O contrato de seguro tem início em 20/06/2002;

   - Em caso de Invalidez Total e Permanente, a R. responsabiliza-se pelo pagamento do capital seguro no valor de € 78.560,67 a que corresponde o n.º de adesão ... e do capital seguro no valor de € 16.210,93 correspondente ao n.º de adesão 10074847;

   - É instituído como beneficiário e tomador do seguro a Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

- São pessoas seguras os aqui A.A., AA (n.º de adesão …) e BB (n.º de adesão …)

alínea K) dos factos assentes;

1.11. As condições particulares são as que se encontram espelhadas no documento denominado “Seguro de vida de Grupo - Temporário Anual Renovável - Condições Particulares - Apólice n.º …” – alínea S) dos factos assentes;

1.12. O objeto do seguro: riscos de morte ou invalidez total e permanente ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez total e permanente – alínea T) dos factos assentes;

1.13. Nos termos do artigo 3.º das referidas Condições Particulares, na garantia de Invalidez Total e Permanente por Doença entende-se por “inválido” a pessoa segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes – alínea U) dos factos assentes;

1.14. Nas condições gerais, definido o que se deve entender por “Invalidez Total e Permanente”:

  “ … é a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:

  a) - A Pessoa Segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;

  b) - Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data da avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes; e,

   c) - Seja reconhecida previamente pela Instituição da Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontra abrangida ou pelo Tribunal do Trabalho, ou caso a Pessoa Segura não se considere abrangida por nenhum regime ou instituição de Segurança Social, por Junta Médica.”

alínea V) dos factos assentes;

1.15. Estipula-se, no ponto 2.2. do artigo 8.º das Condições Gerais da Apólice, que constituem obrigações da pessoa segura (…)

  “c) 2, Em caso de invalidez:

  “- Promover o envio a médico designado pelo Segurador de relatório do médico assistente que indique as causas, a data do início, a evolução e as consequências da lesão corporal e ainda a informação sobre o grau de invalidez verificada e a sua provável duração (…)

  “- Entregar documento comprovativo do reconhecimento da invalidez emitido pela Instituição da Segurança Social ou pelo Tribunal de Trabalho (…);

  “- Enviar documento descrevendo a actividade profissional ou ocupação principal exercida pela pessoa segura antes da invalidez;

  “- Enviar atestado médico de incapacidade multiusos. “

alínea W) dos factos assentes;

1.16. No ato da celebração dos contratos de seguro subscritos pelos A.A. em 20 de junho de 2002, ou posteriormente, não foi explicado, informado nem sequer disponibilizado qualquer documento contendo as condições particulares ou gerais da apólice n.º … – respostas aos artigos 1.º e 10.º da base instrutória;

1.17. Antes, durante ou depois da celebração dos contratos de seguro, nunca foi solicitada aos A.A. qualquer informação relativamente ao estado de saúde, designadamente, da AA – resposta ao art.º 2.º da base instrutória;

1.18. Em data que os A.A. não podem precisar, foi-lhes disponibilizado um documento, referente à apólice de seguro de ambos, datado de 28/10/2010, no qual se menciona expressamente como cobertura da apólice:

“Morte, Invalidez Total e Permanente de grau igual ou superior a 66,6% por Doença e Invalidez Total e Permanente de grau igual ou superior a 50% por acidente.”

alínea L) dos factos assentes;

1.19. Os A.A., até á presente data, continuam a pagar mensalmente, por débito em conta bancária a favor da R., o valor referente aos prémios dos contratos de seguro supra identificados, no montante total e mensal de € 74,14, (n.º de adesão … = € 37,07 e n.º de adesão …= € 37,07) – alínea M) dos factos assentes;  

1.20. Em 17 de julho de 2011, a 1ª A. esteve internada no Centro Hospitalar do Alto Ave em consequência da ingestão de elevada quantidade de comprimidos – resposta ao art.º 3.º da base instrutória;

1.21. Da nota de alta de 19-07-2011, resultam ainda como antecedentes pessoais da 1.ª A.: “Síndrome depressivo, acompanhamento em Consulta de Psiquiatria (Dr.ª EE); tentativa de enforcamento, tendo ficado internada em Psiquiatria (Braga) de 31/03 a 21/04” – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.22. Em 23 de janeiro de 2012, a 1.ª A. necessitou de recorrer às Urgências do Hospital Sr.ª da Oliveira, em Guimarães, novamente em resultado de sobredosagem ou envenenamento, apresentando como história da doença antecedentes de Intoxicação Medicamentosa Voluntária – resposta ao art.º 5.º da base instrutória;

1.23. Nesta sequência, de 27 de fevereiro de 2012 a 12 de março de 2012, segundo declaração e informação clínica de alta da Casa de Saúde do Bom Jesus, conforme documento de fls. 40, a 1.ª A., AA, esteve ali internada tendo como diagnóstico “Reacção Depressiva e Perturbação da Personalidade” – resposta ao art.º 6.º da base instrutória;

1.24. Do resumo de observação clínica decorrente do internamento referido supra resulta que a 1.ª A. apresenta “Sintomatologia depressiva em fase de agravamento no contexto de fatores vivenciais adversos. Padrão comportamental algo disfuncional” – resposta ao art.º 7.º da base instrutória;

1.25. A 1.ª R. foi sujeita a junta médica realizada no Ministério da Saúde - ARS Norte, na sequência da qual foi emitido, em 11 de maio de 2012, atestado médico de incapacidade multiuso onde lhe é diagnosticada uma incapacidade permanente global de 68% (sessenta e oito por cento) – alínea P) dos factos assentes;

1.26. Em 11 de maio de 2012, foi conferida à 1.ª A. uma incapacidade permanente global de 68%, conforme decorre do atestado de junta médica – alínea G) dos factos assentes;

1.27. Em virtude dos factos expostos, o aqui signatário, em representação da 1ª A., fez, em 5 de julho de 2012, a competente participação da situação de doença desta, anexando documento comprovativo da mesma, designadamente a cópia do atestado multiuso no qual se atesta incapacidade permanente global de 68% – alínea Q) dos factos assentes;

1.28. Em cumprimento parcial do solicitado na mesma, os serviços da R., em agosto de 2012, enviaram cópia das alegadas cláusulas gerais e particulares da apólice de seguro contratada com os aqui A.A. – alínea R) dos factos assentes;

1.29. Segundo o atestado médico mais recente emitido pela Dr.ª FF, do Centro de Saúde de Guimarães, em 09 de novembro de 2012, conforme documento de fls. 37:

“AA nascida a 02-12-1967, portadora do CC n.º …, tem diagnóstico de depressão registado no processo clínico desde 2005.

Esta patologia tem-se agravado ao longo dos últimos anos, com manifestações severas, necessidade de internamentos e acompanhamento em consulta hospitalar de Psiquiatria”

alínea O) dos factos assentes;

1.30. A 1.ª A., AA, tem 44 anos e sofre de doença do foro psiquiátrico – alínea N) dos factos assentes;

1.31. Em virtude da doença de que padece a 1.ª A., não pode exercer qualquer atividade profissional nem aufere qualquer rendimento, decorrendo, nesta data, o processo de concessão de reforma por invalidez – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

1.32. O 2.º A. marido, por via da atual conjuntura económico financeira, encontra-se desempregado – resposta ao art.º 9.º da base instrutória.


2. Do mérito do recurso


2.1. Enquadramento preliminar


O objeto da presente ação inscreve-se no âmbito de um contrato de seguro de grupo contributivo, celebrado em 20/06/2002, no qual figuram a ora R., como seguradora, a Caixa Geral de Depósitos, como tomadora e credora beneficiária do seguro, e os A.A., cada um deles como aderente-segurado. Este contrato tem por escopo garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelos A.A., como mutuários, em dois empréstimos para habitação própria permanente contraídos, na mesma data, com a Caixa Geral de Depósitos, em caso de morte ou invalidez total e permanente de qualquer daqueles mutuários. 

Os A.A. vieram, pois, acionar judicialmente aquela garantia perante a R. seguradora com fundamento na incapacidade permanente global de 68% da A. AA, desde 11/05/2012, conforme participação feita àquela seguradora em 05/07/2012.

Porém, a R., invocando as condições gerais e particulares da apólice dos referidos contratos de seguro, excecionou no sentido de que, embora a A. tenha uma incapacidade permanente global de 68%, não obteve ainda, por parte da instituição de segurança social, o reconhecimento da sua situação de invalidez total e permanente, tal como exige o contrato de seguro.

Em face disso, os A.A. responderam que nem no ato da celebração dos contratos nem posteriormente lhes foi explicado ou entregue qualquer documento com as condições gerais e particulares da apólice, pelo que se devem ter por excluídas deles as cláusulas contratuais ínsitas nos documentos juntos com a contestação.


Sucede que a 1.ª instância considerou que, embora, nos termos do art.º 4. do Dec.-Lei n.º 176/95, de 25/07, incumbisse ao banco mutuante, como tomador de seguro, informar os segurados das circunstâncias a ter em conta para que a seguradora considerasse verificada a invalidez total e permanente, as consequências da omissão desse dever estendem-se à seguradora, não podendo esta opor aos segurados tal omissão do tomador, já que este age como mediador, por conta e em benefício daquela. E, como essa prova não foi feita, teve por excluídas as cláusulas de que a R. se pretendia prevalecer, julgando a ação procedente.

Por sua vez, o acórdão recorrido, depois de caracterizar o tipo de contrato de seguro em referência e o regime legal aplicável, considerou também, em argumentário mais desenvolvido, que, não se tendo provado que nem as condições particulares nem as gerais dos contratos de seguro tivessem sido comunicadas como deviam, as mesmas se tinham por excluídas em relação à própria seguradora, confirmando assim o decidido em 1.ª instância.


É, pois, face a esse entendimento que a R. veio interpor a presente revista, a título excecional, ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do art.º 672.º do CPC, invocando a contradição entre tal entendimento e o seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/06/2013, proferido no processo n.º 24/10.0TBVNG.P1.S1., transitado em julgado em 11/07/2013, conforme certidão junta a fls. 336 a 369.


2.2. Quanto à questão subjacente à invocada oposição de julgados

 

Segundo a alínea c) do n.º 1 do citado art.º 672.º é permitido o recurso de revista, a título excecional, quando:

O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Para tal efeito, importa, pois, que a alegada oposição de acórdãos se inscreva no âmbito da mesma legislação, no sentido de que as decisões em confronto tenham convocado um quadro normativo ou regras de conteúdo e alcance substancialmente idênticos, ainda que porventura incluídos em dispositivos legais distintos[2].  

Por sua vez, tal oposição tem de incidir sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspetiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas[3].

Assim, a oposição deve revelar-se frontal nas decisões em equação, que não implícita ou pressuposta, muito embora não se mostre necessária a verificação de uma contradição absoluta, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dictum)[4]. Essa oposição só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado, como, aliás, se considerou no acórdão do STJ, de 17/02/2009, proferido no processo 08A3761 JSTJ000[5].

        

No confronto dos arestos em referência, constata-se que o acórdão recorrido, no que aqui releva, considerou o seguinte:   

«Também não se desconhece a norma inserta no art.° 4.°, n.° 1, do DL 176/95, segundo a qual, nos seguros de grupo, cabe ao tomador do seguro prestar aos segurados as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro.

Porém, e seguindo a orientação maioritária da segunda instância não desconhecendo que a orientação ao nível da jurisprudência do STJ é diferente (Ver por ex os acórdãos deste Supremo Tribunal datados de 25/06/2013, 02/12 de 2013 e 21/02 de 2013 este com voto de vencido do Dr Pires da Rosa) entende-se que a falta de informação do banco se repercute necessariamente na ré/seguradora, não podendo esta invocar a exclusão de uma cobertura, contida numa cláusula que não haja sido devidamente comunicada ou informada pelo tomador, já que a seguradora e tomador de seguro prosseguem objectivos lucrativos comuns ou complementares, sendo este angariador na celebração do concreto contrato com os autores (crédito à habitação/seguro de vida).

Como nos disse a testemunha GG “Cada agência é um mediador de seguros oficialmente reconhecido pelo Instituto Seguros de Portugal e todos os seus funcionários fizeram curso e são reconhecidos pelo mesmo Instituto como agentes de seguros. Estes reconhecimentos ocorreram há mais de 10/12 anos”.

De facto o segurado-aderente contrata em primeira linha com o tomador mas é a Seguradora quem recebe as declarações de adesão ao contrato de seguro e, que considerou os segurados/participantes, como integrados ou não ao abrigo das condições estipuladas na apólice, nos termos relatados pela testemunha GG.

E como se escreve em acórdão recente desta Relação proferido no processo 2045/08.3TBFAF.G1 com data de 03.07.2014, “A seguradora enquanto credora das obrigações que o segurado assume no referido contrato, incluindo a do pagamento do prémio não se pode alhear dos termos e condições em que os segurados aderem ao seguro de grupo e lhes prestam ou não o dever de informação sobre o seu conteúdo.

A falta de dever de informação reflecte-se no próprio contrato de adesão, na sua conexão com a seguradora, afetando a falta de informação a relação jurídica entre segurador-tomador de seguro, entre segurado-seguradora ou ente tomador de seguro-seguradora (eventual direito de regresso) não deixando a seguradora de responder perante o segurado pela ausência dessa informação por parte do tomador do seguro.

Acresce que do ponto de vista dos segurados beneficiários é indiferente saber quem tinha o dever legal de os informar pois, ao celebrarem um contrato de seguro na presença do tomador mas que vincula um terceiro (a seguradora), confiam que qualquer deles tinha o dever de informar e que ambos (seguradora e tomador) ficam vinculados ao cumprimento integral do contrato.

Também como se refere no recente Ac. R.P. de 27.02.2014 (P.º n.º 2334/10.7TBGDM.P1) e demais jurisprudência nele citada “o preceito do artigo 4.º, n.º 1, do DL n.º 176/95 não colide com o regime do DL n.º 446/85, quanto à obrigação de informação”. Na verdade, o seu alcance restringe-se às relações entre o segurador e o tomador. Como decorre claramente do preâmbulo desse diploma, em trecho aliás recorrentemente citado no texto do acórdão, mas cujas implicações não parecem ter sido correctamente apreendidas – “Pretende-se, assim, definir algumas regras sobre a informação que, em matéria de condições contratuais e tarifárias, deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro pelas seguradoras que exercem a sua actividade em Portugal. Pretende-se igualmente com esta nova regulamentação reduzir o potencial de conflito entre as seguradoras e os tomadores de seguro, minimizando as suas principais causas e clarificando direitos e obrigações”.

O dever de informação impende inequivocamente sobre a seguradora. Mas, para reduzir o potencial conflito entre tomadores e seguradoras, clarificaram-se os direitos e obrigações. Nas relações entre estes, como é óbvio. Pelo que, com esse necessariamente restrito âmbito, a obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do DL nº 176/95 (ora artigo 78.º, n.º 1, do DL n.º 72/2008), informar “os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”, nunca poderá valer como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, a este validamente oponível pela seguradora, perante o mesmo a isentando desse dever.

Pelo exposto, concluímos que a exclusão da cláusula em apreço do contrato tem eficácia que se estende também à seguradora.

 Em suma, se a actuação da entidade bancária na comercialização de um determinado produto financeiro for susceptível de acarretar a exclusão de cláusulas do contrato de seguro, responderá a seguradora perante o segurado pelas consequências daí decorrentes, sem prejuízo de poder, eventualmente, e em momento subsequente, vir accionar o intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado - v. neste sentido e a título meramente exemplificativo, Ac. R.P. de 27.02.2014 (Pº 2334/10.7TBGDM.P1) e demais jurisprudência nele citada, Ac R. L de 26.03.2013 (Pº 411/10.3TBTVD.L1.7); Ac R.C de 09.01.2012 (Pº 27/10.4T2AND.C1) e desta Relação de Guimarães citada na sentença recorrida.

É que, como se refere no Ac. STJ de 06.02.2007 (P.º 06A4524), se estamos a falar de cláusulas contratuais, que pressupõem sempre um acordo de vontades (art. 232.º do Código Civil) obtido, ou no seguimento de negociações prévias das propostas, ou mediante mera adesão, não faria qualquer sentido, por contrário a esses princípios gerais, atribuir relevância a quaisquer cláusulas que porventura constassem de um documento que titula o contrato, ou faz parte integrante do contrato, sem que delas fosse dado prévio conhecimento ao aderente, de modo a poder decidir livremente se pretende aderir ou não aderir a esse clausulado. Tais cláusulas nunca poderiam vincular os aderentes pela óbvia razão de que nunca a elas aderiram.

Podemos afirmar que «tendo em consideração que o contrato de seguro é normalmente celebrado com recurso a clausulados pré-estabelecidos, a consequência da falta de comunicação ou informação é especialmente grave, dado que se consideram excluídas dos contratos as condições que não tenham sido adequadamente comunicadas e/ou informadas, nos termos do artigo 8.º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais».

Deste modo, a «exclusão de cláusulas contratuais gerais não impede a subsistência do contrato, desde que tal seja possível».

Esta circunstância «terá como consequência imediata que a seguradora não poderá invocar uma exclusão a uma cobertura, contida numa cláusula que não foi devidamente comunicada ou informada pelo intermediário, porque essa exclusão se vai ter por excluída do contrato. Logo vigora a cobertura, neste sentido Cf Paula Ribeiro Alves, Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo, Estudos de Direitos dos Seguros, Almedina  pp. 30 a 32

Transpondo estes considerandos para o caso em apreço, temos por certo que os AA celebraram um contrato de seguro, nos termos que constam da respetiva apólice. Porém, quer as condições particulares quer as gerais não lhes foram comunicadas como deviam (conforme resulta da resposta de “ não provados” aos arts 1 e 10 da base instrutória), logo os respectivos conteúdos não comunicadas não vigoram e as consequentes exclusões, conforme bem decidiu a decisão recorrida.

 E excluídas as clausulas não comunicadas fica prejudicada a apreciação da outra questão colocada na contestação e na motivação reportada à necessidade da invalidez total e permanente ser reconhecida pela Instituição de Segurança social ou Tribunal de Trabalho (porque prevista em clausula não comunicada).

Tal argumentário foi sumariado nos seguintes moldes:

«1. Estando perante uma situação de seguro de grupo em que é invocada a existência de uma cláusula contratual geral e a sua não comunicação prévia e respectiva explicação do teor a um aderente, o ónus da prova relativamente a tal facto impende sobre o tomador do seguro, de acordo com a repartição do ónus da prova - artigo 4.° do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26/07 - artigo 78.° do DL n.º 72/2008, de 16/04 (com o mesmo âmbito do anterior) e pelo artigo 342.° do CC.

2. O contrato de seguro de grupo que tenha um clausulado elaborado apenas pela Ré Seguradora aceite pelo Banco tomador e que o apresenta para a aceitação pelos aderentes ao Seguro de Grupo, e em que os aderentes nada possam opor e/ou modificar nesse clausulado, deve qualificar-se como um contrato de adesão, sendo regido pelo conjunto de normas que se aplicam a este tipo de contratos, entre os quais, o Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações entretanto introduzidas pelos Decretos-Leis 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 07 de Julho).

3. Apesar de impender sobre o Banco, enquanto tomador do seguro, a obrigação geral de comunicação e explicação das cláusulas do contrato, essa obrigação não desonera a Seguradora de cumprir a sua obrigação de comunicar e explicar as condições gerais do contrato de seguro de grupo ao aderente, uma vez que ela é a responsável primeira por essa comunicação no âmbito dos contratos de adesão, conforme decorre do artigo 5.° do DL 446/85, acima citado.

4. Celebrado um contrato de seguro de grupo contributivo (seguro de vida, associado a um crédito à habitação, sendo mutuário uma pessoa singular), com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, às quais o segurado se limitou a aderir, pode convocar-se para a resolução do litígio o regime jurídico instituído pelo Dec.-Lei 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 220/95, de 31/08 e Dec. Lei 249/99 de 07/07.

5. O art. 4º do Dec. Lei 176/95 de 26/07 (com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 60/2004 de 22 de Março) tem especialmente como destinatários a instituição bancária e a seguradora, definindo a cargo de quem — entre o tomador de seguro e a seguradora — fica o dever de informação sobre as coberturas abrangidas, as cláusulas de exclusão etc; A ratio do preceito foi dirimir eventuais conflitos entre estas duas entidades, estabelecendo uma norma delimitadora susceptível de derrogação por aquelas partes (n°4 do preceito), sendo o segurado alheio a esta equação, relevando ainda o preceito porquanto dele se infere, por um raciocínio de exclusão, que não é ao segurado que incumbe o ónus de alegação e prova da ausência de comunicação.

6. Não se provando a comunicação de uma cláusula do contrato de seguro, alusiva ao âmbito da cobertura, não pode a seguradora prevalecer-se daquele normativo (art 4º do Dec.-Lei 176/95) para, perante o segurado, se ilibar ao pagamento do capital seguro - o que não impede que o possa fazer perante a entidade bancária, beneficiária da prestação.»

Por seu lado, no acórdão-fundamento, proferido no quadro de uma ação cujo objeto se inscrevia também no âmbito de um contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, instaurada pelos segurados aderentes contra a seguradora, em que se discutia, precisamente, as consequências jurídicas do incumprimento do dever de informação e esclarecimentos aos aderentes de cláusulas de exclusão do risco, considerou-se o seguinte:

«Resulta, por seu lado, da matéria de facto fixada pelas instâncias que a R./seguradora nunca informou os AA. do teor da referida cláusula de exclusão, limitando-se a remeter-lhes o referido doc. de fls. 30, após subscrição do contrato de seguro, sendo que, aquando da subscrição do contrato aos balcões do Banco, os funcionários deste explicaram aos subscritores o conteúdo geral do seguro que iriam contratar, designadamente o valor dos prémios mensais, sem, todavia, lhes explicarem as exclusões do âmbito de cobertura da apólice.

A questão debatida no presente recurso tem, pois, a ver com a definição das consequências jurídicas a atribuir ao incumprimento do dever de informação e esclarecimento aos aderentes do teor da referida cláusula de exclusão do risco, no caso de a causa de incapacidade do segurado ser - como foi no caso dos autos - devida a doença do foro neurológico - identificando qual o sujeito sobre que incidia tal obrigação de esclarecimento e determinando se o respectivo incumprimento é susceptível de se repercutir na esfera jurídica do outro contraente, apesar de sobre ele não incidir uma obrigação de explicitação e esclarecimento do aderente ao seguro de grupo.

Quanto ao primeiro aspecto, é incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4.° do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.

Note-se que este regime legal continua a vigorar, no essencial, no âmbito do DL n.º 72/08 (art. 78.º), apesar da preocupação, bem expressa na tutela acrescida dos aderentes no âmbito da regulamentação do seguro de grupo contributivo, ao afirmar-se: «Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador de seguro individual. Como tal, importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato».

Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato: saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes.

Perante esta incidência subjectiva do dever de informação e esclarecimento, colocado expressa e legalmente a cargo do tomador de seguro, será possível e com que fundamento material - fazer incidir os efeitos do incumprimento sobre a esfera jurídica do outro contraente - a seguradora - apesar de esta não estar legalmente vinculada a tal obrigação de esclarecimento do aderente no momento da subscrição do contrato?

Saliente-se, desde logo, que - como parece evidente - a seguradora responde pelo incumprimento de quaisquer obrigações acessórias a que a lei a vincule; assim, por exemplo:

a) - o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base ou matriz um espécimen elaborado pela seguradora – pelo que, se este documento padecer de vícios ou insuficiências que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, é evidente que a seguradora responde também pelas consequências de tal incumprimento, na medida em que surge, neste caso, como verdadeira co-autora do facto lesivo (por isso, não estará a responder objectivamente por uma omissão culposa de outro sujeito contratual, o tomador de seguro, mas antes, subjectivamente, por um facto pessoal, como autora de um comportamento negligente que lhe é directamente imputado). E, assim, se do documento elaborado pela seguradora constarem, por exemplo, cláusulas contratuais de conteúdo equívoco, que acabem por determinar deficiente compreensão do aderente acerca do seu efectivo âmbito, temos como certo que será plenamente aplicável, mesmo no confronto da seguradora, o regime constante do art. l 1.º do DL 446/85 (cfr. Ac. de 29/10/09, proferido pelo STJ no P. 2157/06.8TVLSB. Sl).

Note-se que os recorridos afloram, de algum modo, esta questão na sua contra alegação, ao sustentarem ser equívoca a referida cláusula de exclusão, por deficiente redacção da expressão «seja portadora», por poder inculcar a ideia de que só estariam excluídas patologias já existentes à data da adesão ao seguro: e, se assim fosse, seria obviamente de imputar directa e subjectivamente à seguradora tal equivocidade de redacção da cláusula em causa.

Porém, o argumento não procede no plano substancial, já que não se considera existir qualquer equivocidade relevante da dita cláusula, por ser evidente a qualquer contraente que o sentido de tal cláusula não poderia deixar de ser o da exclusão de doenças do foro psiquiátrico surgidas supervenientemente à celebração do contrato de adesão: na verdade, as doenças já existentes à data da subscrição do seguro, independentemente da sua natureza, estão como é patente - obviamente excluídas, pela natureza das coisas, do risco a assumir pela seguradora, no âmbito da típica relação aleatória que sempre caracteriza o contrato de seguro;

b) - o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual: assim, se tivesse sido alegado e ficasse demonstrado que a seguradora incumpriu este dever acessório de esclarecimento complementar, legalmente colocado a seu cargo, é evidente que a sua responsabilidade decorreria directa e integralmente deste facto pessoal – e não do anterior incumprimento do dever de esclarecimento adequado pelo tomador de seguro, no momento da adesão.

Ora, assente que – no caso dos autos, perante os factos alegados – apenas está em causa o incumprimento pelo tomador de seguro da específica obrigação de informação e esclarecimento do aderente, prevista no n.º l do art. 4.º do DL 176/95, importa determinar se tal incumprimento é susceptível de se projectar – e a que título – na esfera jurídica do outro interessado – a seguradora – em ter-mos de ser oponível pelo aderente do seguro de grupo à seguradora a não vigência da dita cláusula, por não devidamente explicitada no momento da subscrição do contrato.

Saliente-se que a estratégia processual seguida pelos AA., ao demandarem apenas a seguradora, e não também o banco/tomador de seguro – apesar de, como se viu, a este ser imputável em primeira linha o incumprimento do dever de informação e esclarecimento do aderente – inviabiliza naturalmente que, à revelia de tal entidade, se possam discutir na presente acção as consequências de tal omissão negligente, de modo a perspectivar quais serão, neste caso, as formas possíveis de tutela do interesse do consumidor / aderente no âmbito de um seguro de grupo contributivo: ou seja, mesmo que se entenda que a omissão do dever legal de informação e esclarecimento por parte do banco/tomador de seguro se não pode repercutir na esfera jurídica da seguradora, nem por isso se poderá, sem mais, concluir que o aderente fica totalmente desprotegido, sendo necessário averiguar – naturalmente no confronto do banco/demandado – quais os mecanismos existentes para tutela jurídica do aderente, no confronto do tomador de seguro que incumpriu a obrigação acessória a que estava legalmente vinculado.

6. No que se refere à eventual repercussão na esfera jurídica da seguradora da omissão culposa do dever de informação e esclarecimento a que estava vinculado o banco/tomador de seguro aquando da adesão das pessoas seguras, existe efectivamente o conflito de entendimentos jurisprudenciais que está na base da admissão da presente revista excepcional – importando, todavia realçar que, ao nível da jurisprudência do STJ, tem prevalecido, de modo reiterado, o entendimento que subjaz ao acórdão fundamento (vejam-se, nomeadamente, os Acs. de 21/2/13 – P. 267710.6TBBCL.Gl.S1 -, de 29/5/12 – P.7615/06. 1TBVNG. P1.S1 -, de 13/1/11 - P.º 1443/04. 6TBGDM.PI.S1 -, de 20/1/10 – P. 294/06. 8TBOAZ.P1 - de 12/10/10 – P. 646/05. OTBAMR.GI.S1 -, de 22/1/09 – P. 08B4049), sustentando-se em todos eles que não está vedado à seguradora, única demandada na lide, opor ao aderente a cláusula de exclusão em causa, por a omissão do dever de comunicação ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.

Saliente-se que o entendimento jurídico subjacente ao acórdão recorrido – e sustentado na contra alegação dos AA./recorridos – conduziria inelutavelmente à criação de uma divergência entre o conteúdo do contrato base, celebrado entre banco e seguradora e que irá servir de matriz às múltiplas adesões dos subscritores que integram o grupo de interessados em questão e o conteúdo ou teor de um certo e concreto contrato de adesão: na verdade, na relação contratual base, acordada entre aquelas duas entidades colectivas, estava cabalmente excluído o risco de cobertura da incapacidade do aderente que resultasse de determinado tipo específico de patologias, ao passo que – não sendo tal cláusula excludente aplicável no âmbito de uma concreta adesão, por via do incumprimento da obrigação de informação por parte do tomador de seguro e sendo a ineficácia da cláusula excludente plenamente oponível à seguradora – resultaria obviamente ampliado o leque de coberturas emergente desse particular contrato de adesão, que assim se autonomizaria do referido contrato base.

E, neste peculiar circunstancialismo, seria, em última análise, a seguradora a parte efectivamente prejudicada, já que via ampliado o leque dos riscos contratados com o banco/tomador de seguro – e com base nos quais vinha sendo calculado o prémio de seguro devido – não por via de uma conduta que lhe fosse directa e pessoalmente imputável, mas exclusivamente com fundamento no incumprimento culposo de um dever legalmente imposto a outro sujeito, o banco/ tomador de seguro - por, no caso dos autos, se não conseguir vislumbrar qualquer comportamento deficiente ou irregular que se pudesse imputar-se à própria seguradora: na verdade, funcionando a invocada oponibilidade à seguradora da deficiente comunicação da cláusula de exclusão, imputável exclusivamente ao tomador de seguro, este veria integralmente asseguradas as prestações convencionadas no âmbito da concessão de crédito, sem ter de suportar os riscos de uma possível insuficiência económica dos devedores/ aderentes, em prejuízo manifesto da seguradora – que passava a ter de assumir um leque alargado de riscos, superior ao convencionado pelas partes no contrato base, apesar de a conduta irregular ser exclusivamente imputável ao banco/tomador de seguro.

Significa isto que a responsabilidade acrescida da seguradora por um sinistro cujo risco não estaria contratualmente coberto só poderia assentar num fenómeno de responsabilização objectiva que, como se referiu, no caso dos autos se não vislumbra, perante a matéria de facto fixada, qualquer comportamento irregular ou deficiente que lhe possa ser subjectivamente imputado, com base num juízo de censura.

Ora, como fundamentar tal responsabilização objectiva da seguradora pelo incumprimento de uma obrigação legal do tomador de seguro?

Uma perspectiva possível seria a da invocação do regime da responsabilidade do comitente por actos do comissário ou de representantes legais ou auxiliares, decorrente das previsões normativas dos arts. 500.° e 800.° do CC: nesta óptica, - perante os interesses económicos coincidentes que estão por detrás da figura do seguro de grupo e a circunstância de seguradora e tomador de seguro integrarem, em muitos casos, os mesmos agrupamentos ou conglomerados económico-financeiros, prosseguindo objectivos lucrativos comuns ou complementares - tender-se-ia a qualificar a actividade do banco como intermediário ou angariador na celebração dos concretos contratos com os aderentes - sendo precisamente nesta actividade de intermediação, consubstanciada na promoção e comercialização de produtos financeiros complementares (crédito à habitação/seguro de vida), que se poderia encontrar fundamento normativo para imputar à seguradora as consequências da actuação irregular do seu associado e mediador na comercialização do produto financeiro em causa.

Não parece, porém, que esta visão prático-económica do fenómeno do seguro de grupo possa, sem mais, – num sistema normativo que não previa (e continua a não prever, apesar da regulamentação mais minuciosa que o DL 72/08 adoptou do seguro de grupo e da preocupação de acrescida tutela do segurado nos seguros contributivos – cfr. o disposto no art.º 79.º, remetendo para o plano geral da responsabilidade civil as consequências do incumprimento dos deveres de informação legalmente previstos) a comunicabilidade à seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação a cargo do tomador de seguro - alterar a estrutura e fisionomia jurídica fundamentais desse tipo negocial, assente numa relação contratual básica estabelecida entre duas entidades (tomador de seguro/seguradora), colocadas em plano de total paridade jurídica (o contrato de seguro acordado entre ambas não pode obviamente configurar-se como contrato de adesão), nenhuma das quais se pode considerar juridicamente como intermediária, auxiliar ou comissário da outra no momento da subscrição das concretas adesões ao clausulado estabelecido.

E, deste modo, como se decidiu no acórdão fundamento, a circunstância de, por omissão do dever de informação, imputável exclusivamente ao banco/tomador de seguro, ter ocorrido um vício na formação do contrato subscrito pelo aderente não é susceptível de se repercutir na esfera jurídica da seguradora, levando a alterar aquela relação base, decorrente da contratação entre seguradora e tomador de seguro, em termos de ter de ser por aquela entidade assumido um risco acrescido, não contemplado nas cláusulas inseridas naquele contrato fundamental.

Não parece, por outro lado, que se possa falar – como pretendem os recorridos - de abuso de direito da seguradora, ao procurar prevalecer-se do regime legal que efectivamente coloca a cargo do tomador de seguro o dever de informação, sustentando que lhe não podem ser opostas as consequências do incumprimento por outrem ( que não é juridicamente seu intermediário ou comitente ) de uma obrigação legal – não se vendo em que termos poderia tal invocação afrontar a cláusula geral do abuso de direito, constante do art.334.° do CC.»

De todo o doutrinado no indicado aresto extraiu-se a seguinte súmula:

«1. Num seguro de grupo, não está vedado à seguradora, única demandada na lide, opor ao aderente certa cláusula de exclusão do risco, por a omissão do dever de informação e esclarecimento ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.

2. Na verdade, não se mostrando legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro - e não podendo o tomador de seguro considerar-se juridicamente como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora no momento da concreta adesão das pessoas seguradas – carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objectiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente, não demandado pela interessado/aderente.»

Perante o exposto, mostra-se claro que o entendimento adotado no acórdão-fundamento é no sentido de que:

(i) - no tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, nos termos do art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 176/95, de 25/07, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido;

(ii) - o incumprimento desse dever legal de informação e esclarecimento não se comunica à seguradora, salvo convenção em contrário, porquanto, no referido tipo de contrato de seguro de adesão, não se configura que o tomador do seguro intervenha como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora, não se encontrando, por isso, fundamento normativo para imputar a esta, as consequências da atuação irregular do tomador na comercialização do produto financeiro em causa;

(iii) – nessa conformidade, não está vedado à seguradora invocar a seu favor contra os segurados aderentes as cláusulas gerais e particulares sobre o âmbito e exclusões do risco assumido no contrato de seguro, sem que a estes seja lícito contrapor o incumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte do tomador do seguro;

(iv) - não obstante isso, o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base um espécimen contratual elaborado pela seguradora, sendo esta também pessoalmente responsável pelos vícios ou insuficiências do mesmo e que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, por parte do tomador do seguro, podendo assumir então a qualidade de co-autora do facto lesivo e culposo subjetivamente imputável à mesma;

(v) – impende ainda sobre a seguradora o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações complementares necessárias à efetiva compreensão da disciplina contratual. 

Na verdade, esta orientação jurisprudencial colide com o acórdão recorrido na parte em que perfilhou o entendimento de que «se a actuação da entidade bancária na comercialização de um determinado produto financeiro for susceptível de acarretar a exclusão de cláusulas do contrato de seguro, responderá a seguradora perante o segurado pelas consequências daí decorrentes, sem prejuízo de poder, eventualmente, e em momento subsequente, vir accionar o intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado», nos termos acima extratados.

Sobre a questão essencial aqui em foco não existe acórdão de uniformização de jurisprudência.

        

Posto isto, antes de mais, importa reter que, no caso versado no acórdão-fundamento, da matéria de facto fixada pelas instâncias resultava que:

«A R./seguradora nunca informou os A.A. do teor da referida cláusula de exclusão, limitando-se a remeter-lhes o referido doc. de fls. 30, após subscrição do contrato de seguro, sendo que, aquando da subscrição do contrato aos balcões do Banco, os funcionários deste explicaram aos subscritores o conteúdo geral do seguro que iriam contratar, designadamente o valor dos prémios mensais, sem, todavia, lhes explicarem as exclusões do âmbito de cobertura da apólice.»

Já, no caso dos presentes autos, da factualidade provada respiga-se, com especial destaque, que:

. Após consentimento dos A.A., entre estes e a Seguradora, em 20 de junho de 2002 e nas instalações da entidade bancária, foram celebrados dois contratos de seguro, um para cada pessoa segura, aqui A.A., titulados pelo mesmo número de apólice … – ponto 1.7. correspondente à alínea E) dos factos assentes;

. Foi subscrito seguro do ramo vida, na modalidade de Caixa Seguro Vida – Protecção Mais (sem período de carência), cada um deles segurando o valor do empréstimo concedido de € 78.560,67 e € 16.210,93, respetivamente com referência aos citados documentos – ponto 1.8. correspondente à alínea F) dos factos assentes;

. Após obtenção do consentimento por parte dos A.A., na celebração de tal contrato, a CGD, como tomador do seguro, enviou à R. a proposta de seguro, que foi aceite, sendo emitida, em 20/06/2002, a respetiva apólice, sob o n.º … – ponto 1.9. correspondente à alínea J) dos factos assentes;

. Dos documentos referidos acima resulta, em resumo, o seguinte: 

  - O contrato de seguro tem início em 20/06/2002;

  - Em caso de Invalidez Total e Permanente, a R. responsabiliza-se pelo pagamento do capital seguro no valor de € 78.560,67 a que corresponde o n.º de adesão … e do capital seguro no valor de € 16.210,93 correspondente ao n.º de adesão …;

  - É instituído como beneficiário e tomador do seguro a Caixa Geral de Depósitos, S.A.;

- São pessoas seguras os aqui A.A., AA (n.º de adesão …) e BB (n.º de adesão …)

ponto 1.10 correspondente à alínea K) dos factos assentes;

. As condições particulares são as que se encontram espelhadas no documento denominado “Seguro de vida de Grupo - Temporário Anual Renovável - Condições Particulares - Apólice n.º ...” – ponto 1.11. correspondente à alínea S) dos factos assentes;

. O objeto do seguro: riscos de morte ou invalidez total e permanente ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez total e permanente – ponto 1.12 correspondente à alínea T) dos factos assentes;

. Nos termos do artigo 3.º das referidas Condições Particulares, na garantia de Invalidez Total e Permanente por Doença entende-se por “inválido” a pessoa segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6%, de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes – ponto 1.13. correspondente à alínea U) dos factos assentes;

. Nas condições gerais, definido o que se deve entender por “Invalidez Total e Permanente”:

“ … é a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:

 a) - A Pessoa Segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;

  b) - Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data da avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias pré-existentes; e,

c) - Seja reconhecida previamente pela Instituição da Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontra abrangida ou pelo Tribunal do Trabalho, ou caso a Pessoa Segura não se considere abrangida por nenhum regime ou instituição de Segurança Social, por Junta Médica.”

ponto 1.14 correspondente à alínea V) dos factos assentes;

. Estipula-se, no ponto 2.2. do artigo 8.º das Condições Gerais da Apólice, que constituem obrigações da pessoa segura (…)

   “c) 2, Em caso de invalidez:

   “- Promover o envio a médico designado pelo Segurador de relatório do médico assistente que indique as causas, a data do início, a evolução e as consequências da lesão corporal e ainda a informação sobre o grau de invalidez verificada e a sua provável duração (…)

   “- Entregar documento comprovativo do reconhecimento da invalidez emitido pela Instituição da Segurança Social ou pelo Tribunal de Trabalho (…);

   “- Enviar documento descrevendo a actividade profissional ou ocupação principal exercida pela pessoa segura antes da invalidez;

   “- Enviar atestado médico de incapacidade multiusos. “

ponto 1.15 correspondente à  alínea W) dos factos assentes;

. No ato da celebração dos contratos de seguro subscritos pelos A.A. em 20 de junho de 2002, ou posteriormente, não foi explicado, informado nem sequer disponibilizado qualquer documento contendo as condições particulares ou gerais da apólice n.º … – ponto 1.16 correspondente à respostas aos artigos 1.º e 10.º da base instrutória;

. Antes, durante ou depois da celebração dos contratos de seguro, nunca foi solicitada aos A.A. qualquer informação relativamente ao estado de saúde, designadamente, da AA – ponto 1.17 correspondente à resposta ao art.º 2.º da base instrutória;

. Em data que os A.A. não podem precisar, foi-lhes disponibilizado um documento, referente à apólice de seguro de ambos, datado de 28/10/2010, no qual se menciona expressamente como cobertura da apólice:

“Morte, Invalidez Total e Permanente de grau igual ou superior a 66,6% por Doença e Invalidez Total e Permanente de grau igual ou superior a 50% por acidente.”

- ponto 1.18 correspondente à alínea L) dos factos assentes.


Com vem caracterizado pelas instâncias e como já foi acima referido, estamos no âmbito de um contrato de seguro de grupo contributivo[6], do ramo Vida, celebrado em 20/06/2002, no qual figuram a ora R., como seguradora, a Caixa Geral de Depósitos, como tomadora e credora beneficiária do seguro, e os A.A., cada um deles como aderente-segurado, contrato esse que tem por escopo garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelos A.A., como mutuários, em dois empréstimos para habitação própria permanente contraídos, na mesma data, com a Caixa Geral de Depósitos, em caso de morte ou invalidez total e permanente de qualquer daqueles mutuários. 

À data da celebração do referido contrato de seguro, o mesmo regia-se pelo regime geral estabelecido nos artigos 425.º e seguintes do Código Comercial, entretanto substituídos pelo regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04, que passou a aplicar-se ao conteúdo dos contratos celebrados antes do seu início de vigência mas ainda subsistentes, com a ressalva de certas especificidades.


A par disso, o artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26-07, estabelecia que:

1. Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.

2. O ónus de prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador de seguro.

3. Nos seguros de grupo contributivo, o incumprimento referido no n.º 1 implica para o tomador de seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.

4. O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 seja assumida pela seguradora.

5. Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.

Este normativo foi também substituído pelo art.º 78.º do regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04, o qual mantém, no entanto, o ónus do tomador do seguro de informar e esclarecer os aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assumido.

Como se refere no acórdão-fundamento “este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, sobrepõe-se naturalmente ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes”.

Todavia, há que ter presente que, na relação entre seguradora e tomador de seguro, impende sobre aquela o ónus de informar este, mormente, sobre as cláusulas de cobertura do risco, de forma, obviamente, a que o tomador de seguro possa cumprir o seu subsequente dever de informação perante os segurados aderentes, nomeadamente, quando se trate de condições contratuais gerais, nos termos estabelecidos nos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25-10, alterados pelos Dec.-Leis n.º 220/95, de 31-08, n.º 249/99, de 07-07, e n.º 323/2001, de 17-12. 

Assim, nos termos do citado art.º 5.º:

1 – As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.

2 – A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3 – O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

        

E nos termos do artigo 6.º:

   1 – O contratante que recorre a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.

  2 – Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

Sucede que a presente ação de acionamento da garantia do seguro foi instaurada pelos segurados-aderentes somente contra a seguradora, tendo-se esta limitado, na contestação, a convocar as cláusulas gerais e particulares de cobertura do risco, constantes da apólice n.º -…, emitida em 20/06/2002, e a refutar o dever de informação aos aderentes que lhe vinha imputado.

Com efeito, a R. seguradora nem sequer alegou que tais cláusulas tivessem sido negociadas ou explicadas ao tomador do seguro, sendo que as suas especificidades são de molde a justificar um tal comportamento, em especial quanto às condições de verificação da aludida incapacidade permanente, como são as que constam do ponto 2.2 do artigo 8.º das Condições Gerais da Apólice enunciadas no ponto 1.15 da factualidade provada.

Ora, dos factos provados – repita-se - o que se extrai é que:

. Após consentimento dos A.A., entre estes e a Seguradora, em 20 de junho de 2002 e nas instalações da entidade bancária, foram celebrados dois contratos de seguro, um para cada pessoa segura, aqui A.A., titulados pelo mesmo número de apólice …;

. Foi subscrito seguro do ramo vida, na modalidade de Caixa Seguro Vida – Protecção Mais (sem período de carência), cada um deles segurando o valor do empréstimo concedido de € 78.560,67 e € 16.210,93, respetivamente com referência aos citados documentos;

. Após obtenção do consentimento por parte dos A.A., na celebração de tal contrato, a CGD, como tomador do seguro, enviou à R. a proposta de seguro, que foi aceite, sendo emitida, em 20/06/2002, a respetiva apólice, sob o n.º …;

. No ato da celebração dos contratos de seguro subscritos pelos A.A. em 20 de junho de 2002, ou posteriormente, não foi explicado, informado nem sequer disponibilizado qualquer documento contendo as condições particulares ou gerais da apólice n.º … (sublinhado nosso)

        

Deste acervo factual, o que se conclui é que, no ato de celebração dos contratos de seguros com a subscrição das respetivas propostas entre a Seguradora, a Caixa Geral de Depósitos e os ora A.A. como aderentes-segurados, nem posteriormente, foi explicado, informado nem sequer disponibilizado qualquer documento contendo as condições gerais e particulares da apólice n.º …. 

Isto só pode significar que a própria R. Seguradora não disponibilizou a qualquer dos intervenientes naquele ato as referidas condições gerais e particulares, mormente a que passou a constar do ponto 2.2 do artigo 8.º das condições gerais, de que agora se pretende prevalecer, o que, por si só seria impeditivo do cabal cumprimento do subsequente dever de informação por parte do próprio tomador do seguro. De resto, como ficou dito, nem a R. alegou que tivesse disponibilizado então aquele documento a qualquer das partes contratantes.

Ora, como se considera no acórdão-fundamento recai também sobre a seguradora o dever de informação ao tomador do seguro, de modo a que este possa cumprir, por sua vez, a obrigação de informar o segurado-aderente, sendo, nessa medida, pessoalmente responsável pelos vícios ou insuficiências que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, por parte do tomador do seguro, assumindo então a qualidade de co-autora do facto lesivo e culposo subjetivamente imputável à mesma.  

Se assim é no caso de vícios ou insuficiências, por maioria de razão o será quando nem sequer são disponibilizados os conteúdos das condições gerais e particulares indispensáveis à definição da cobertura do seguro e das suas exclusões.

Nessa conformidade, afigura-se que o factualismo provado acima destacado permite, ainda assim, imputar, direta e pessoalmente, à R. Seguradora a violação culposa do dever de informação ao tomador do seguro, de modo a obstar à subsequente e cabal informação deste aos aderentes-segurados sobre o teor das cláusulas de que se pretende agora prevalecer.   

Em suma, muito embora seja de acolher aqui a orientação normativa jurisprudencial seguida no acórdão-fundamento, em detrimento da perfilhada no acórdão recorrido, ainda assim, atendendo ao circunstancialismo especificamente provado no presente caso, que diverge em parte essencial da situação versada naquele acórdão-fundamento, na esteira do também ali doutrinado, quanto ao dever de informação por parte da seguradora, considera-se que, face a tal circunstancialismo, se mostra imputável à R. Seguradora, a título de negligência, a omissão do dever de informação do conteúdo das cláusulas contratuais de que se pretende prevalecer, em relação ao tomador do seguro, o que, consequentemente, se afigura obstativo do cabal cumprimento do subsequente dever de informação por parte desse tomador perante os segurados–aderentes.

Nesta linha de entendimento, não nos resta senão concluir pela exclusão de tais cláusulas, nos termos considerados pelas instâncias, ainda que radicando em fundamentação diferente. 

Aqui chegados, perante tal exclusão e consequente improcedência da questão fundamental em que se funda, em especial, a presente revista, tem-se por prejudicada a questão subsidiária quanto ao mérito da causa.


IV - Decisão


Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, ainda que com fundamento diferente.

As custas do recurso são a cargo da Recorrente.

Lisboa, 20 de maio de 2015

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

João Luís Marques Bernardo

_____________________
[1] Perante a constatada enunciação dos factos provados pelas instâncias, não se pode aqui deixar de anotar que o método, aliás frequente, de sequenciar os mesmos, sem a preocupação de os reordenar lógica e cronologicamente, não se afigura o mais curial, sabido como é que o seu parcelamento, em sede da base instrutória, por decorrência do ónus de impugnação, os desmembra dos nichos contextuais em que foram alegados pelas partes e que, por isso, devem ser reconduzidos à sua ordenação primitiva, sob pena de prejudicar a sua coerência semântica e de forma ainda a facilitar a apreensão sincrónica de toda a factualidade provada.     
[2]  Este propósito, vide Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116; e ainda o AUJ do STJ, de 14/05/1996, publicado no DR n.º 144/96, Série II, de 24/06/1996.   
[3] Vide Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116; e ainda o acórdão do STJ, de 04-05-2010, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Sebastião Póvoas, no processo 3272/04.8TBVISC.1.S1, in CJSTJ, Tomo III, p. 63 e também disponível na Internet http://www.dgsi. pt/jstj
[4] Neste sentido, vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, pp.46-47.
[5] Acórdão relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Salazar Casanova, publicado na CJSTJ, Tomo I, p. 102 e disponível na Internet http://www.dgsi. pt/jstj.
[6] Nos termos da definição dada no art.º 1.º, alínea h), do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26-07, entende-se por “Seguro de grupo contributivo” – seguro de grupo em que os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio.