Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8346/15.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
COMUNICAÇÃO
OMISSÃO DE FORMALIDADES
INEFICÁCIA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBJECTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra, p. 68;
- Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, Volume III, Coimbra, p. 235;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, p. 318.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU), LEI N.º 6/2006, DE 27-02, ALTERADA PELAS LEIS N.º 31/2012, DE 14-08 E N.º 79/2014, DE 19-12: - ARTIGOS 9.º, N.ºS 1 E 6 E 50.º.
CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS (CIMI): - ARTIGOS 38.º E SS..
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-05-2018, PROCESSO N.º 1848/16.0YLPRT.L1.S2.
Sumário :
I - A Lei n.º 6/2006, de 27-02 (alterada pelas Leis n.º 31/2012, de 14-08 e n.º 79/2014, de 19-12) – que aprovou o NRAU – estabeleceu, além do mais, um regime especial de actualização das rendas antigas, consagrando, para esse efeito, uma norma transitória a prever a aplicação da lei nova aos contratos de arrendamento celebrados para fins não habitacionais antes da entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30-09.

II - O procedimento de actualização da renda por iniciativa do senhorio, em contrato de arrendamento para fim não habitacional, passou, assim, a ficar sujeito às formalidades previstas nos arts. 50.º e ss. do NRAU, sendo que a especificidade e o rigor a elas inerente se explicam, em boa parte, pela circunstância de estar em causa um procedimento extraordinário e também a negociação de um novo contrato integrado num verdadeiro processo negocial obrigatório.

III - A transição para o NRAU e a actualização da renda dependem da iniciativa do senhorio, o qual deve comunicar ao arrendatário a sua intenção, mediante carta registada com AR ou escrito entregue em mão (art 9.º, n.os 1 e 6, da Lei n.º 6/2006), indicando: (i) o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; (ii) o valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 38.º e ss. do CIMI, constante da caderneta predial urbana; e (iii) cópia da caderneta predial urbana.

IV - Sendo os factos que permitem concluir pela legalidade do procedimento constitutivos do direito que o senhorio pretende fazer valer – direito à actualização/aumento da renda –, é sobre si que impende o ónus da sua alegação e prova (art. 342.º, n.º 1, do CC).

V - A falta dos requisitos previstos no citado art. 50.º do NRAU ou o não cumprimento das regras relativas à forma e ao destinatário da comunicação têm como consequência a sua ineficácia, tudo se passando como se a mesma não tivesse sido feita.

VI - Extraindo-se da factualidade provada que para além do 3.º andar do prédio, também um sótão integrava o objecto do contrato de arrendamento, apesar de nele não estar expressamente previsto, é de concluir que a comunicação feita pela senhoria à arrendatária, com a indicação do valor da renda actualizada e do valor do locado apenas no que se refere ao mencionado 3.º andar, não cumpriu cabalmente as exigências expressas no art. 50.º do NRAU, o que acarreta a sua ineficácia para os fins pretendidos pela recorrente (transição para o NRAU, actualização da renda e resolução do contrato por falta de pagamento da renda pelo valor que a autora entende ser-lhe devido).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



      AA intentou o presente processo comum de declaração (despejo) contra a Casa da Comarca da … - Associação Regionalista, pedindo:

- que fosse decretada a resolução do arrendamento com fundamento na falta do pagamento de rendas por período superior a dois meses;

- a condenação da ré no despejo e na desocupação imediata do locado, bem como na sua entrega à autora, totalmente devoluto de pessoas e bens;

- a condenação da ré no pagamento à autora das rendas em dívida referentes de Dezembro de 2014 a Abril de 2015, num total já vencido de 4586,85€, acrescido de juros civis à taxa legal desde o vencimento até efectivo e integral pagamento;

- a condenação da ré no pagamento à autora de indemnização desde a data da citação e até entrega efectiva do locado, correspondente ao dobro da renda mensal de 1016,70€, no valor mensal de 2033,40€;

- a condenação da ré em sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no art. 829-A , nºs 1 e 4, do Código Civil, nos seguintes termos:

a) pagamento de uma quantia pecuniária correspondente a 1/30 da renda, equivalente a 33,90€, por cada dia de atraso na entrega do locado devoluto;

b) aplicação de uma taxa anual de 5% desde o trânsito em julgado da decisão condenatória sobre os montantes em dívida relativos à obrigação de pagamento das rendas já vencidas e à indemnização pedida (2033,40€).

Para fundamentar as pretensões deduzidas alegou, em síntese, que é proprietária de um prédio de que faz parte o andar dado de arrendamento à ré e que, por carta de 14/10/2014, desencadeou o processo para a transição do contrato de arrendamento para o regime do NRAU e actualização da renda, nos termos legais, para 1016,70€, o que a ré não aceitou, continuando a pagar o valor da renda antiga. Por carta de 13/12/2015 a autora comunicou à ré a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento das rendas, encontrando-se em dívida, de Dezembro de 2014 a Fevereiro de 2015, o diferencial entre uma e outra.

A ré contestou por impugnação e por excepção. No âmbito desta última alegou ser nula a carta da autora por violar normas do regime de transição em causa e ter procedido ao pagamento das rendas, embora pelo valor antigo. Mais invocou a caducidade do direito da autora à resolução do contrato e a existência de falhas na avaliação do imóvel.

Concluiu pela improcedência da acção e, prevenindo a sua eventual procedência, deduziu reconvenção, na qual pediu a condenação da autora no pagamento da quantia de 121.259€ a título de indemnização pela denúncia do contrato de arrendamento, pelos valores que entregou e pelas obras que fez.

    A autora replicou, impugnando a facticidade atinente às excepções e à reconvenção e defendendo a sua improcedência.


Posteriormente, a ré informou que havia efectuado uma transferência bancária para a conta da autora, nos termos do artigo 33º nº 10 do NRAU.

Em resposta a autora defendeu a inaplicabilidade do disposto naquele normativo, por não ter havido denúncia do contrato de arrendamento, e impugnou o valor depositado, que qualificou de extemporâneo, nos termos do artigo 1084º nº 3 do Código Civil e 14º nº 3 do NRAU.


Realizado o julgamento e proferida sentença, foram a acção e a reconvenção julgadas parcialmente procedentes, decidindo-se:

- reconhecer a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta do pagamento de rendas e condenar a ré no despejo e na desocupação imediata do locado, bem como na sua entrega à autora livre de pessoas e bens, e ainda no pagamento à autora das rendas vencidas de Dez2014 a Maio2015 - (as quantias correspondentes à diferença entre as efectivamente pagas e a nova renda de 1076,70€) e vincendas até efectiva entrega do locado, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde o vencimento de cada renda até pagamento. Mais condenou a ré, a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento da quantia de 33,90€ por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de restituição do locado, absolvendo a ré do mais pedido;

- condenar-se a autora a pagar à ré quantia a liquidar ulteriormente correspondente ao valor da reparação de emergência de parte da cobertura efectuada entre 2010 e 2011;

- do mais pedido foram a autora e a ré absolvidas.


Inconformada, apelou a ré.

O Tribunal da Relação, por acórdão de 6 de Dezembro de 2017, proferiu a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julga-se procedente o recurso quanto à decisão da acção, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que julgou procedente parcialmente a acção e substituiu-se a mesma por esta que agora julga a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados pela autora.

Esta revogação da sentença faz cair, por arrastamento, a condenação da autora em parte do pedido reconvencional que agora se julga também totalmente improcedente, indo a autora absolvida de todos os pedidos reconvencionais, revogando-se por isso, também nesta parte, a sentença.

O recurso da autora fica prejudicado, ficando as custas de parte da ré a cargo da autora.

As custas de parte da ré, quanto à acção e quanto ao seu recurso, são a suportar pela autora em 22,44%.

As custas de parte da autora, quanto à acção e quanto ao recurso da ré, seriam a suportar pela autora em 77,56%, mas a ré está dispensada do pagamento de custas, por ter apoio judiciário.»


Recorre agora a autora de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

Na sua alegação formulou extensas conclusões que se transcrevem:

«1. O Acórdão recorrido chumbou a acção por ter considerado ineficaz a comunicação da senhoria para actualização da renda para todo o espaço arrendado, referindo que parte do imóvel não está abrangida pelo arrendamento, quando afinal está, implicando tal que ao inquilino não foram fornecidos os elementos que a lei impõe, designadamente o valor da renda peio espaço total arrendado.

2. Recorre-se do apontado fundamento, não em abstracto, enquanto ponto de sumário jurisprudencial, mas tal como configurado e aplicado pelo tribunal recorrido no vertente caso concreto.

3. Ao apreciar o pedido, o tribunal tem de considerar a causa de pedir enunciada na petição inicial, e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada peio autor; simetricamente, sendo o R. recorrente, ao apreciar o pedido por aquele formulado por via de recurso de revogação de sentença com determinado fundamento, o tribunal ad quem tem de considerar esse fundamento tal como enunciado pelo Réu Recorrente na Alegação e nas Conclusões, e não pode basear o acórdão de mérito que lhe concede provimento, em fundamento diverso ou não invocado peio recorrente, (nº 2 do artº Ó089, nº 1 do artº 609º, e alínea e), do nº 1, do artº 615º, ex vi artº 663º, nº 2, e 6óó9, nº1. todos do CPC).

4. Questões, na acepção destas normas, são matérias trazidas aos autos e submetidas à decisão do Tribunal, nos precisos termos e com o objecto e o fundamento com que foram suscitadas pelas partes, para obter determinado efeito jurídico, procedentes de determinado facto jurídico, tendo em vista uma relação de causalidade entre o facto jurídico causal concretamente invocado de que a pretensão procede -a causa de pedir-, e o concreto efeito jurídico pretendido, decorrente desse facto, - o pedido -.

5. Decorre dos princípios da autonomia da vontade e do dispositivo que se o tribunal concede à parte o efeito jurídico que aquela pretende obter, mas procedendo de facto jurídico diverso do invocado, estará a julgar extra vel ultra petitum, sendo nula a sua decisão, nos termos do artº 159, nº1, alínea e) do CPC; ao julgar procedente determinada pretensão nuclear formulada pela parte, o Tribunal deve, sob pena de nulidade, fazê-lo quer no que respeita ao pedido quer no que respeita à causa de pedir

6. A improcedência da acção sustentada pela Ré tem como pedido e causa de pedir principal a declaração de inidoneidade da carta da Autora de 14.10.2014 para operar a transição para o NRAU e proceder à actualização da renda, resultante de a senhoria com ela ter praticado acto simulado, e, por isso, nulo, ao pretender, não esses efeitos, mas a resolução do contrato de arrendamento, através da redução do seu objecto, impossibilitante da respectiva manutenção.

7. Já o acórdão revidendo, entendeu coisa muito diversa, afastando expressamente as teses da 'nulidade por simulação' e da 'resolução do contrato por redução do seu objecto'.

8. O tribunal a quo decidiu que a carta da senhoria era ineficaz para realizar os seus fins legais, e designadamente a actualização da renda, com o fundamento de que nessa comunicação, ao pôr em causa aquilo que é o objecto do contrato, dizendo que uma determinada parte do imóvel não faz parte do mesmo, tal se reflectir no valor da renda e na susceptibilidade de satisfazer as finalidades do arrendatário, e nessa medida não lhe dar minimamente o conhecimento dos elementos necessários para a tomada conscienciosa daquelas decisões.

9. Enquanto o tribunal a quo entendeu que a comunicação da Autora pecava por falta de elementos informativos essenciais impostos nas normas dos artºs 30º e 50º do NRAU, sem os quais o inquilino ficava impossibilitado de tomar conscienciosamente as decisões que se lhe impunham, já a Ré entendeu que, não obstante a comunicação da senhoria lhe fornecer todos os elementos essenciais, e legalmente exigidos, para tomar as competentes decisões, que inclusivamente tomou, a verdade é que a senhoria nunca pretendeu, senão simuladamente, actualizar a renda e transitar o arrendamento para o regime do NRAU, mas apenas o que quis foi operar a resolução do contrato por redução do objecto do arrendamento, impossibilitando dessa forma a sua manutenção: ou seja, sendo parecido o efeito jurídico produzido, é diversa a causa de pedir que o produz, ou o seu fundamento.

10. Tanto que a Ré se considerou de posse dos elementos necessários para a tomada conscienciosa das decisões aludidas, que expressamente as tomou de forma e sentido inequívocos, sem reservas de qualquer tipo, ou dependência tais decisões de qualquer termo ou condição e as comunicou à Autora na sua carta-resposta de 06.11.2014, na qual não apenas se opôs às pretensões propostas pela Autora, como contrapropôs um montante alternativo para o valor da renda, e ainda invocou a circunstância da alínea b), do nº 4, do artº 51º, do NRAU para limitar o montante legalmente admissível para o aumento da renda!

11. Ao decidir como decidiu, o TRL decidiu extra vel ultra petitum, estando por isso ferido de nulidade que expressamente se argui (alínea e), do nº 1, do artº 615º, ex vi artº 666º, nº1 do CPC).

12. A parte da comunicação da A. de 14.10.2014 que o TRL considerou excessiva ou abusiva, e desvirtuante da essência e da função da comunicação da senhoria para actualização da renda, é o seu penúltimo parágrafo, em que se afirma a falta de título para a R. ocupar e utilizar o sótão

13. Trata-se de uma afirmação assente em pressuposto meramente factual, que resulta da simples leitura do texto do contrato de arrendamento, consistente na circunstância de o mesmo constar como objecto locado apenas o terceiro andar, mas não já o sótão; a conclusão objectiva da falta de título para a utilização do sótão decorre automaticamente dessa constatação.

14. A Autora apenas se viria a tornar proprietária da totalidade do prédio onde o locado se situa, e por isso a adquirir a posição de senhoria no contrato de arrendamento sub judice, no ano de 1972 (Factos 1, 25 e 26), por legado por morte de BB, a última sobrevivente das primitivas senhorias.

15. O contrato foi celebrado por escrito e assinado em 25.02.1956. ou seja, há quase 62 anos, sem intervenção de qualquer dos actuais intervenientes processuais, ou actuais representantes das partes. E sobre as circunstâncias em que se iniciou a utilização do sótão, nenhuma prova relevante foi produzida, tendo a Recorrida ensaiado várias explicações, como o próprio acórdão revidendo reconhece, explicações essas paradoxais (doação, usufruto, etc), que não convenceram o tribunal de primeira instância, nem o TRL, e por isso a Ré não logrou provar!

16. As razões e o circunstancialismo que envolveram o início da utilização e fruição do sótão pela arrendatária, bem como toda a fase pré-contratual e a própria assinatura do contrato, sem intervenção de qualquer das partes ou intervenientes processuais vivos, e não havendo sido produzida nessa matéria qualquer prova procedente, permanece envolta em mistério, sobre o qual não foi possível lançar qualquer luz,

17. É, assim, muito provável terem essas ocupação e utilização ficado a dever-se a mera tolerância das primitivas senhorias, como uma espécie de comodato precário e gratuito.

18. Como entre 1972 e a entrada em vigor da Lei n9 ó de 2006 de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n5 31/2012 de 14 de Agosto, apenas foi possível à senhoria proceder aos aumentos anuais de rendas por aplicação automática de um coeficiente legal anualmente aprovado por Portaria do Governo, apenas com a entrada em vigor do identificado diploma legal passou a vigorar um regime transitório (até que se venha a atingir o regime de rendas livres), que lhe consentiu um aumento superior, cujo montante, segundo só então constatou, dependia do VPT do imóvel, determinado pela AT nos termos do CIMI, e constante da Caderneta Predial.

19. Sabendo que a sua inquilina utilizava e fruía o 3º andar e o sótão, que estava excluído da Caderneta Predial, na proposta de aumento de renda que fez resolveu chamar a atenção de que a falta de qualquer título que legitimasse a sua ocupação pela CCS lhe conferia o direito de, a todo o tempo, considerar essa ocupação carecida de título, solicitando a sua desocupação.

20. Achou que, não obstante serem inequívocos os termos e condições em que pretendia propor a transição para o regime do NRAU e actualizar a renda de todo o locado que a CCS vinha ocupando e utilizando, se nada fizesse ou dissesse, como que estaria a sub administrar os seus interesses, e a conluiar com uma situação de indefinição que a poderia prejudicar no dia em que pretendesse realmente fazer algo de mais concreto! Não se vendo que tenha exorbitado ou abusado do seu direito, nos termos do artº 334º do CC.

21. A A. não propôs a quem pagava x por 100, a pagar o mesmo por 2/3 de 100; diversamente, podendo legalmente pode cobrar 1/15 do VPT de x + y por x + y, ao cobrar apenas 1/15 de x por x + y, estava objectivamente a beneficiar o seu devedor, em seu próprio prejuízo: a A. ateve-se a 1/15 anuais do VPT apenas do 32 andar, ou seja, parte do locado.

22. Na prática o arrendamento do sótão, devidamente actualizado, passaria a sair à R. a custo ZERO' não fora aquela ter incorrido na falta de pagamento de rendas por tempo suficiente para integrar fundamento de resolução do contrato de arrendamento!

23. Aliás, a Recorrente acharia justo e equitativo que o valor da renda por si proposta, por corresponder a apenas 1/15 anuais do VPT do 3S andar, e inexistindo título para a ocupação do sótão, se deveria referir apenas ao arrendamento do 32 andar, devendo, quanto ao sótão, ou ser apresentado título para a ocupação verificada, ou ser-lhe o mesmo restituído. Apenas não agiu em conformidade, vindo a ser convencida em julgamento de que o sótão sempre tinha feito parte do locado, com o que se conformou.

24. Como o próprio acórdão revidendo reconhece, nem a carta da senhoria de 14 de Outubro, nem a douta sentença de primeira instância, tinham, por si sós, o poder de reduzir o objecto do contrato de arrendamento ou obter a resolução do contrato através desse objectivo.

25. É, por isso, desproporcionado censurar e acautelar um estado de coisas correspondente a uma situação de facto que não só não se verificava, como não se verifica, como não poderia sequer verificar-se pelo simples trânsito em julgado da douta decisão final dos autos, e por isso nunca seria prejudicial à Recorrida!

26. Reconhecendo isso expressamente o Tribunal a quo (que nem a comunicação da Autora de 14.10.2014, nem o trânsito em julgado da douta sentença de primeira instância, poderiam, em circunstância alguma, conduzir e ter como efeito a redução do objecto do arrendamento, ou a redução drástica do gozo da coisa locada, tornando dessa forma impossível ou insustentável a manutenção do arrendado e forçando à resolução do contrato e das relações contratuais), ao decidir como decidiu, incorreu em contradição directa entre a sua própria fundamentação e a decisão que, a final, proferiu, o que nos termos da primeira parte, da alínea c), do nº1, do artº 615º ex vi artº 666º. nºs 1) do CPC, constitui igualmente causa de nulidade do acórdão.

27. A ora Recorrida tomou e considerou a carta da Recorrente com o valor e o sentido do artº 50º do NRAU, que a Autora lhes pretendeu conferir, de impulsionar o processo de transição para o regime do NRAU e proceder à actualização da renda nos termos propostos, o que bem revela que os compreendeu, interiorizou, assimilou, e aceitou.

28. a) Não põe, em momento algum, em causa a validade da comunicação, com os sentido e alcance estabelecidos na lei, que revela compreender; b) é quanto a essas questões, com esse sentido, que expressamente toma posição logo nos pontos 1 e 2; c) invoca a circunstância da alínea b), do nº 4, do artº 51º do NRAU, para estabelecer o critério de actualização da renda; d) opõe-se expressamente à transição do contrato de arrendamento para o regime do NRAU, para os efeitos do artº 54º, nºs 1, 2 e 3; e) afirma expressamente considerar que interpretou o valor da renda proposto pela senhoria como Incluindo o sótão' -cfr. pontos 3, in fine e 7-; 0 põe em causa o VPT determinado pela AT, em função do coeficiente de vetustez utilizado na fórmula de cálculo aplicada, o que tem efeitos na fixação do valor da renda a actualizar, e g) faz uma contraproposta ã proposta da Autora no que respeita ao valor da renda.

29. Desmentindo em toda a sua extensão a tese do acórdão recorrido da ineficácia da carta para atingir os seus fins ou produzir os seus efeitos, e revelando à exaustão que a mesma foi tomada com o sentido que a lei lhe assinala nos artºs 30º e 50º do NRAU, cumprindo eficazmente a sua função e produzindo os seus efeitos na sua plenitude!

30. Além disso, tal carta não pode ser isolada do sentido geral da acção, da própria p.i., e de todos os demais elementos constantes dos autos, tendo sido entendida e tomada com o sentido de que a Relação a pretende esvaziar; cumpriu assim a sua função, e deu oportunidade à Recorrida, e, no seguimento, também à Recorrente, de exercerem todas as prerrogativas legais que ao arrendatário e ao senhorio assistem, nos termos dos artºs 51º e seguintes e 33º. Nºs 1 a 7 do NRAU face a recepção de carta para actualização de renda e transição para o regime do NRAU.

31. Na Conclusão 2 das Alegações de Apelação da CCS, o TRL foi chamado a pronunciar-se sobre o teor e a validade daquela carta, não isoladamente considerada, como se de uma acção de simples apreciação se tratasse, mas no contexto e com o significado que consta das Conclusões 3 e 4; pelo que tinha que ser apreciada pelo Tribunal a quo como inserida no sentido de conjunto da posição assumida pela Autora em toda a acção, e muito especialmente atendendo ao sentido geral da p.i., do pedido na mesma formulado a final pela Autora, e da concreta reacção da Ré à mesma, na prática ignorados no acórdão revidendo.

32. Não corresponde à verdade que a Autora tenha alguma vez pretendido reduzir o objecto do contrato, ou atribuir a renda que nessa carta propôs apenas a parte do imóvel que a Ré vinha ocupando e utilizando.

33. O parágrafo da carta que o acórdão crucifixo é perfeitamente admissível enquanto legítima pressão negocial para obter a imediata aceitação sem reservas do objecto da sua proposta de aumento de renda e transição para o regime do NRAU.

34. Das normas dos artºs 186º, nº 2, alínea a), e nº 3, e 574º, nº 2, do CPC, resulta que nos articulados iniciais e principais dos processos civis comuns -a petição inicial e a contestação-, o legislador exclui a ineptidão e a nulidade de um acto processual integrante da falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido e da causa de pedir, se a outra parte revelar que interpretou convenientemente o acto, e reagir como tendo entendido plenamente os seus sentido e alcance; ou seja, em situações perfeitamente análogas, levando em consideração a posição da contraparte no seu conjunto, e muito especialmente o modo como reagiu ao acto posto em causa, o próprio legislador estabeleceu que se devem considerar sanadas ope legis os respectivos vícios (ineptidão e nulidade)!

35. O legislador, como é óbvio, não podia prever especialmente a hipótese de a comunicação a que se referem os artºs 30º e 50º do NRAU, abordar outras questões ou conter outros elementos, para além dos fins específicos a que se destina, nem previu que fosse abordada a questão de falta de título para ocupação e utilização de parte do locado, expressamente excluída do objecto do contrato formal de arrendamento!

36. O Tribunal a quo, ainda que lhe assistisse a razão substancial, no que se não concede, foi mais papista que o Papa, ao ser mais exigente que o próprio legislador em situação absolutamente análoga de 'deficiência' do acto, mas muito mais formal e relevante do que a dos autos, pelo que a analogia se justifica ao abrigo do disposto no artº 10º do Código Civil.

37. A invocação da analogia para sustentar a aplicação ao caso dos autos da solução mais pragmática, e que melhor serve o princípio da economia processual, acolhida pelo legislador para os articulados principais do processo civil comum, é a de aproveitar o acto se se revelar que ele cumpriu plenamente a sua função e o seu desígnio, e ambas as partes revelaram que assim foi, e é a que melhor se insere no conjunto da posição assumida peia parte;

38. Ao nível da racionalidade e da lógica, a invocação do argumento a maiori ad minus, significa que, se o legislador consente, desde que o Réu revele que interpretou convenientemente petição inicial inepta por falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, a sanação de tais vícios, então, por maioria de razão, também há-de consentir, até por apelo ao princípio de adequação formal, que, quando um arrendatário que revelou, pelos termos em que lhe respondeu, ter interpretado a comunicação do senhorio como proposta de transição para o regime do NRAU e actualização da renda, com aplicação no período transitório de uma renda de determinado valor para a totalidade do imóvel que vinha ocupando e utilizando, que tal comunicação continha todos os elementos necessários a uma resposta esclarecida e conscienciosa a tais questões, seja considerada válida e apta a cumprir plenamente a sua finalidade legal, e como tal, eficaz, não obstante na comunicação a que se referem os artºs 30º e 50º do NRAU a senhoria ter abordado a questão de falta de título formal para a ocupação e utilização de parte do locado!

39. E o mesmo argumento a maiori ad minus se aplica quanto ao valor da renda proposta pela senhoria, ora Recorrente: com efeito, se o legislador consente que, no período transitório para o regime do NRAU, em certas circunstâncias, o senhorio possa exigir do inquilino que ocupa um terceiro andar e um sótão de um edifício uma renda de montante anual correspondente a 1/15 do VPT determinado pelas Finanças para todo esse espaço, por maioria de razão, e até com vantagem económica para o inquilino, também consentirá que, para o mesmo espaço, seja exigida uma renda inferior, de montante correspondente a 1/15 do VPT apenas do terceiro andar.

40. A administração da justiça consiste no julgamento das causas pela aplicação da lei aos casos concretos, i. é, proceder à justa composição dos litígios, atendendo às circunstâncias próprias e especificidades em que se contextualizam; não se trata de uma actividade teórica, de uma função abstracta, mas antes da consideração de todas e cada uma das especificidades do caso concreto que se lhes depara; ao decidir como decidiu a questão sobre a qual nos vimos debruçando, o tribunal a quo não cumpriu a função da justa composição do litígio, nem atingiu o desiderato de aplicar a lei ao caso concreto.

47. A decisão recorrida obrigará ao tempo necessário ã repetição de toda a tramitação até ao trânsito em julgado de uma decisão final numa nova acção judicial, protelando uma situação de real injustiça no caso concreto por mais alguns anos, em violação do princípio da "economia processual', na sua dimensão de dever de tentar obter o máximo resultado na actuação do direito com o mínimo emprego possível de actividades processuais, e do dever de gestão processual que sobre o juiz impende, com o conteúdo constante do artº 6º do CPC !

42. Se a carta da senhoria como se afirma no acórdão, deixasse a inquilina na ignorância sobre o valor da renda que teria de passar a pagar pelo sótão, nem qual o valor da renda que deveria propor pelo conjunto, como se explica que a Recorrida tenha respondido, escrevendo expressamente, no ponto 7. da sua carta (fls. 34) que "o valor exigido tem como limite máximo 1/15 do valor do locado, ALÍNEA A) DO Nº 2 DO ARTº 35º, incluindo o sótão, como referimos." e que "em Assembleia Geral realizada dia 05/11/2014 foi deliberado contrapropor, mesmo sem conhecimento do valor patrimonial (alegada ignorância resultante de uma alegada reclamação por si feita às Finanças, relacionada com pretenso erro no coeficiente de vetustez aplicado na avaliação feita no ano de 2012, a que alude nos pontos 9. a 14. da sua carta) a renda de € 6.000,00/ano, em duodécimos de € 500,00 (quinhentos)."?

43. O tribunal a quo reconhece que "da carta/comunicação da Autora, só por si, não resultaram, nem nunca resultariam, as consequências invocadas pela Ré; por exemplo, mesmo que a Ré não reagisse, a Autora não poderia obter, só pela carta, a restituição daquela parte do imóvel (sótão), pois que teria de o fazer através de uma acção de reivindicação (e esta só procederia se o tribunal não fosse convencido de que o contrato de arrendamento abrangia essa porte), a não ser que a Ré a restituísse voluntariamente, mas aí, à carta da Ré, ter-se ia juntado a actuação concordante da Ré.": como então pretender que a CCS pudesse ter interpretado a comunicação da Autora com uns sentido e alcance que aquela não só não tinha como reconhecidamente em circunstância nenhuma poderia ter? Tanto mais que a resposta a essa carta dada pela Ré revela que a interpretou com o sentido e a função que ela teve, e que são os que a lei lhe assinala!

44. A comunicação de 14.10.2014, apesar de ter levantado a questão factual e verdadeira da falta de título para a ocupação do sótão, continha todos os elementos que facultavam à CCS todas as informações que lhe permitiam avaliar a correcção e a razoabilidade do aumento comunicado, a fim de que pudesse formar, como efectivamente formou, uma vontade esclarecida sobre a manutenção do arrendamento.

45. Se a renda que até aí vinham pagando de € 98.73 passaria a ser de € 1.016.70 a expressão "aumento para" utilizada na carta da senhoria, tem justamente esse significado.

46. O próprio acórdão revidendo reconhece expressamente que não é verdade que a senhoria não tenha pretendido com a sua comunicação actualizar a renda, mas antes resolver o contrato (1ª parte da conclusão 3 da Apelação), ou reduzir o objecto do arrendamento (2ª parte), ou que a sua carta integra simulação, ou que tenha imposto condição resolutivo do contrato, ou que tenha denunciado ou alterado o contrato, ou que tenha operado alteração das circunstâncias com base nas quais o contrato foi celebrado, ou que tenha conduzido e causado a impossibilidade do seu cumprimento (conclusões 4, 8, 9, 10, 11 e 14).

47. Cai, assim, por terra a tese da ineficácia ou inidoneidade de tal carta para desencadear a transição do contrato para o novo regime e para a actualização da renda.    Por isso o tribunal a quo afirma-o mas não indica, que elementos essenciais são esses que faltavam à comunicação da Autora para cumprir o seu desígnio, ou para que estivesse completa.

48. A circunstância de a Autora, no final da carta, denunciar a falta de titulo de ocupação e utilização do sótão pela Ré, não altera nem anula o sentido de que o valor por si proposto no início da carta para a renda actualizada era para todo o locado (o imóvel de que V. Exas são arrendatárias e eu sou senhoria"), e não apenas para parte dele, sentido esse captado e assimilado pela Ré, que assim o entendeu e interpretou, ao ponto de contra propor o valor de € 6.000,00 anuais, em duodécimos, para o mesmo preciso espaço; o significado de uma contraproposta de um valor de uma renda, é justamente o de propor outro valor para a mesma com o mesmíssimo objecto!

49. À troca de cartas de 14.10 e de 06.11 de 2014, seguiu-se ulterior troca de correspondência, e toda a fase dos articulados e de instrução do processo, das quais, no seu conjunto, resulta inequívoco que o que se discutia era a actualização para € 1.016,70, de uma renda que até aí vinha sendo do montante de míseros € 98,73, referindo-se, evidentemente, ao mesmo objecto.

50. O acórdão revidendo, perdeu esta visão de conjunto, fixando-se na árvore mas descurando a floresta! A questão da ocupação do sótão foi esmorecendo, e perdendo relevância no cruzamento das posições das partes, até porque ambas perceberam que a partir do momento em que se materializou o fundamento do despejo, por incumprimento por mais de dois meses (na versão do NRAU à data em vigor) da obrigação do pagamento da renda, tal discussão perdeu toda a relevância, porque dúvidas não havia e se tornou óbvio que, a haver fundamento de despejo, seria de todo o espaço ocupado e utilizado pela CCS, e não apenas de parte dele, apesar da contraversão inicial.

51. Quer a renda nova se referisse apenas ao terceiro andar, ou ao terceiro andar e ao sótão, em qualquer dos casos, e pecando o montante proposto por deleito em relação ao legalmente consentido em benefício da inquilina, ela deixou de ser paga pelo montante sempre devido por mais de dois meses, pelo que em qualquer das duas hipóteses tinha de ter-se por verificado aquele fundamento legal para o decretamento do despejo.

52. Com o decurso de dois meses em que a Ré, ora recorrida, não pagou a renda pelo montante que a lei, em qualquer caso, consentia à Autora fazer a actualização, tal circunstância prejudicou qualquer decisão sobre o objecto do arrendamento incluir ou não o sótão, porque o montante de € 1.016.70 proposto e pedido pela senhoria, calculado sem considerar o VPT do sótão, seria sempre devido, ainda que apenas abrangesse o terceiro andar.

53. Dispõe o artº 608º, nº 2, do CPC, aplicável aos acórdãos, que "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada peta solução dada a outras; (...)", não passando de mera alegação instrumental do objecto da acção, feita pela Autora, com base na análise do texto do contrato escrito de arrendamento, não se trata claramente de questão de que o tribunal devesse conhecer oficiosamente, porque em parte alguma a lei lho impõe; e, pela análise quer do pedido formulado pela Autora, quer do pedido reconvencional formulado pela Ré, não se trata de questão que as partes hajam suscitado ou submetido ao tribunal para que a decidisse, a de saber se o objecto do locado abrange também o sótão ou apenas o 3º andar, como consta da letra do contrato; e por não ter quaisquer efeitos práticos, ou obrigar a diferente decisão final da acção consoante o entendimento que sobre o seu objecto se tivesse, ficou prejudicada a partir do momento em que que se completou a factualidade integrante do fundamento legal de despejo invocada como causa de pedir, ou seja, assim que se completaram dois meses sem que a Ré tivesse pago o montante de renda sempre legalmente devido, qualquer que fosse a resposta àquela alegação factual.

54. Não corresponde à verdade que a douta sentença de primeira instância, e a Autora sugerem ler a comunicação da Autora de 14.10.2014 "sem o parágrafo final"; mas quer a Autora, e porventura a sentença da primeira instância, mas também a Ré CCS, entenderam secundarizar aquele aspecto, ou seja, passá-lo para segundo, ou mesmo terceiro ou quarto plano, face à compreensão e consciência que adquiriram do verdadeiro objecto da acção, e talvez por se terem apercebido da sua total e absoluta irrelevância em relação ao mesmo, e ao desfecho da acção.

55. O Tribunal o quo faz uma interpretação deformada do sentido desse último parágrafo, e de forma redutora não reconhece que o litígio, em que à partida as partes têm as suas posições extremadas e aparentemente inconciliáveis, ao longo do processo, e até ao encerramento da discussão em primeira instância, se vai compondo num processo dinâmico e evolutivo, de preferência de aproximação das partes, se possível, e, em qualquer caso, visando a fixação dos factos relevantes para a justa composição do litígio, aplicando a lei ao caso concreto, com todas as suas particularidades e especificidades - cfr. arts 588º e 611º, nº 1, do CPC-.

56. Cumpre perguntar: de que forma melhor se alcança neste caso concreto a justa composição do litígio e a aplicação da lei ao caso concreto? Levando em consideração a materialidade demonstrada, e designadamente o ter sido dando como provado que o locado abrange ab initio o sótão, e considerar a renda sempre paga, bem como o montante actualizado proposto pela Autora senhoria à sua inquilina na sua comunicação de 14.10.2014. como abrangendo o 3g andar e o sótão, como a própria CCS o tomou na resposta de 6 de Novembro seguinte a essa comunicação, considerando que a inquilina CCS persistiu em não pagar o montante legalmente consentido proposto pela senhoria, independentemente do que ele abrangesse, pois o valor da renda proposto pela Autora e consentido por lei estaria sempre coberto pela renda actualizada, abrangendo ou não o sótão e decidindo não pôr termo ao litígio, com base num mero detalhe que a própria demandada subestimou, e dando por perdidos os cerca de mais de 3 anos decorridos desde que a A. impulsionou o processo para a transição para o NRAU e actualização da renda, forçando, em violação do princípio da economia processual, a repetição de todo o processo, e dando por perdido todo o processado?

57. Subsidiariamente, seria sempre possível abstrair do malfadado penúltimo parágrafo da comunicação da autora, pela sua irrelevância prática, aproveitando apenas a parte relevante do resto da comunicação: são as figuras da conversão e da redução dos negócios jurídicos (lato sensu), previstas nos artºs 292º e 293º do Código Civil,

58. Ainda que se entendessem improcedentes a tese principal e as propostas soluções subsidiárias e alternativas, nos termos expostas, em qualquer caso, sempre teria aplicação o nº 1, do artº 1040º do Código Civil que, sob a epígrafe "Redução da renda ou aluguer" estabelece, no caso de a redução do gozo da coisa ocorrer sem ser imputável ao locatário, há lugar a redução da renda proporcional ã extensão da diminuição.

59. O acórdão recorrido violou as normas dos artºs 581º, 608º, 609º, 611º, 615º e 635º todos do CPC, bem como os princípios da autonomia da vontade e do dispositivo, da economia processual, e o dever de gestão processual, tal como estabelecido no artº 6º do mesmo diploma, e ainda as normas dos artºs 30º e 50º do NRAU, e dos artºs 292º,293º e 1040º do Código Civil.

Termos em que se espera ver provida a Revista, e revogado o acórdão do Tribunal da Relação de … de 06.12.2017, ora impugnado, com todas as legais consequências»


A ré, por sua vez, aduziu na contra-alegação a seguinte síntese conclusiva:

1 O teor da carta de fls 23 é falsa material e intelectualmente.

2 Não é idónea para a senhoria proceder à actualização da renda.

3 A Senhoria não pretendeu a actualização da renda, mas a resolução do contrato, bem sabendo que a redução do objecto tornaria impossível a manutenção do arrendado,

4 A carta da senhoria insere - se na estratégia prevista no artigo 240º, 244º e segs do C Civil - simulação que expressamente se invoca.

5 Nulidade que afecta todo o processo, tornando nula a iniciativa da senhoria, incluindo o pedido e a causa de pedir.

6 A senhoria sabia sobejamente desse facto desde o início do arrendamento -1956 - como resulta de toda a prova testemunhal carreada para os autos.

7 O sótão sempre fez parte do espaço que a Casa utilizou como objecto do arrendado, globalmente considerado, durante mais de 60 anos.

8 A retirada do sótão por iniciativa unilateral da senhoria é impor uma condição sem a qual o contrata não teria sido celebrado ou se - Io- ia em moldes completamente diferentes,

9 A senhoria violou gravemente os termos e condições do contrato ao reduzir drasticamente da coisa locada, tornando insustentável as relações contratuais, artigo 437º CC

10 A senhoria introduziu uma verdadeira e grave condição resolutiva, impossibilitando qualquer actualização de renda. Agora duplamente agravado (o aumento) pela subida do valor e redução do objecto 790º do C. Civil

11 Bem andou o douto acórdão ao tonar ineficaz a denúncia do contrato, revogando -se a sentença recorrida, na parte em que julgou procedente parcialmente a acção e substituindo-se a mesma por esta que agora julga a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados peia autora

12 O sótão é e sempre foi um espaço essencial para as actividades da Casa.

13 Aquela carta denuncia imediatamente o contrato, sendo a actualização da renda, um mero pretexto, para esbulhar a inquilina de todo ou parte do arrendado, alterando unilateral e substancialmente o seu objecto.

14 O sótão, faz parte do arrendado, desde a assinatura do contrato da Casa da Comarca da …, cujo objecto se mantém inalterado desde o seu início.

15 Ora, desde 1956 que a Casa ocupa, como arrendatária o sótão, exercendo aí diversas actividades. Tem móveis, quarto de dormir e sala de reuniões, correspondente em tudo ao exercício do direito de propriedade, nos termos, entre outros.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentos:

De facto:

Os factos provados, organizados por ordem de precedência lógica, são os seguintes:

1. A Autora é a única proprietária do prédio urbano constituído pelo edifício sito em Lisboa, na Rua … n.º 165 e 173, freguesia da …, actual freguesia de …, composto por duas lojas, rés-do-chão e três andares, registado a seu favor sob o número 91/200081002 (anterior descrição número 4976 no Livro nº 15) na CR Predial de Lisboa e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 34 tendo a propriedade lhe advindo por legado por morte de BB, então única proprietária, e mostrando-se esta aquisição inscrita a favor da autora pela apresentação 1 de 1973/06/26.

2. O prédio referido em 1 é de construção pombalina, sendo o seu interior formado pela gaiola de Santo André e as divisões secundárias por tabique.

3. Na data da celebração do contrato de arrendamento o locado era novo a estrear tendo resultado de obras de ampliação do prédio acabadas de fazer.

4. Por contrato escrito celebrado em 25/02/1956 CC, DD e BB, na qualidade de proprietárias, deram de arrendamento à ré, na qualidade de inquilina, que por sua vez aceitou arrendar, o terceiro andar, com entrada pelo nº 171, do edifício identificado em 1., pelo prazo de 6 meses, renováveis, com início em 01/03/1956, pela renda mensal de 1500$, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito.

5. O locado destinava-se a “sede da arrendatária, posto clínico e habitação do contínuo, podendo a inquilina dar festas e bailes, nenhum outro destino lhe podendo ser dado sem consentimento escrito do senhorio.”

6. Na cláusula 5ª consta: “o inquilino obrigou-se a não realizar no andar arrendado quaisquer obras ou benfeitorias, sem expresso consentimento das senhorias, ou do seu procurador, dado por escrito.”

7. Na cláusula 6ª consta: “o inquilino não terá direito de retenção ou de indemnização por obras ou benfeitorias, as quais uma vez feitas, considerar-se-ão pertença do prédio e não poderão ser levantadas ou demolidas.”

8. E na cláusula 9ª: “É expressamente proibida a sublocação, salvo no caso de autorização por escrito das senhorias, quer no todo, quer em parte.”.

9. O óbito de BB e a transmissão da qualidade de proprietária e senhoria à autora no ano de 1972 foi comunicado à ré.

10. A partir dessa data a ré passou a pagar a renda à autora.

11. A ré vem utilizando um sótão existente no edifício, com entrada no 3º andar.

12. O sótão é um espaço independente que dá directamente para as escadas.

13. Desde o início do arrendamento que o sótão foi utilizado pela ré como utente exclusiva, com chave.

14. No sótão estão instalados alguns serviços da ré.

15. A autora sempre soube que a ré ocupava o sótão.

16. Tal ocupação era pública e sem oposição de ninguém.

17. Pelo menos, desde o momento em que a autora passou a ser senhoria que os familiares desta e seus colaboradores tiveram acesso ao sótão para fazerem reparações pontuais no telhado.

18. A autora autorizou, a pedido da ré, em 16/08/1979, a abertura de uma janela interior entre as duas salas contíguas à cozinha e a reparação do telhado, desde que efectuados no período dos dois meses seguintes, sendo a reparação do telhado a expensas da ré.

19. Em 1984, junto das finanças, a ré respondeu ao pedido de avaliação fiscal da autora, tendo referido que esta “nunca fez quaisquer obras ou benfeitorias”; “as canalizações estavam podres”; “o soalho e as paredes estavam em péssimo estado de conservação”; “a construção não tinha o mínimo de condições”; “na data do contrato de arrendamento a senhoria recebeu uma quantia e foi acordado que não actualizaria a renda enquanto se mantivesse a actual inquilina” e que “as instalações primitivas eram autênticos pardieiros, tendo a casa feito obras.”.

20. A autora autorizou, a pedido da ré, em 08/05/1995, a conclusão da limpeza do sótão, a reparação e limpeza do beirado do telhado, a reparação e impermeabilização de uma chaminé anexa à varanda de tardoz, a substituição do lava-louça da cozinha, e a remodelação da casa de banho das senhoras, desde que executadas e concluídas no prazo de um ano.

21. A autora autorizou, a pedido da ré, em 17/01/2000, e desde que executadas num prazo de 90 dias, conforme orçamento e aditamento de EE de 17/11/1999 e de 14/12/1999:

- no telhado: levantamento na zona da cumeada sobre a sala da retaguarda onde se verificava a infiltração que danificou o tecto da mesma, reparação dos barrotes e vigamento na mesma área com correcção da inclinação necessária para a reconstrução do algeroz, igual procedimento na zona envolvente da chaminé, limpeza de todo o telhado e substituição das telhas partidas, reparação e isolamento do beirado do telhado que dá para retaguarda, a colocação de tela ao longo da parede e aplicação de tinta de areia, o reboco e pintura da chaminé – a expensas da autora;

- na sala de jogos: o revestimento do tecto a pladur, o reboco e pintura das paredes e a reparação e pintura das janelas;

- na cozinha e bar: o picamento dos rebocos apodrecidos, novo reboco e pintura;

- no corredor, três gabinetes, e casas de banho: reparação e pintura a tinta plástica dos tectos e paredes, reparação e retoque de portas e guarnecimentos com uma demão de tinta de esmalte;

- no salão: reparação e pintura a tinta plástica dos tectos e paredes, reparação e pintura por carpinteiro a tinta de esmalte das caixilharias, fornecimento e colocação de corrimão em ferro na varanda da frente, pintura do mesmo e respectivas grades.

22. Antes de 2001 a ré efectuou obras no locado, designadamente de pinturas de paredes interiores, tectos (incluindo reparação de fendas, fissuras e superfícies existentes, fornecimento de materiais) no que despendeu quantia não apurada.

23. A autora autorizou, a pedido da ré, em 25/03/2004, cfr. descrição em orçamento de FF de 15/02/2004, a demolição das duas casas de banho existentes, demolição do esgoto da cozinha, refazer as duas casas de banho, incluindo a construção de uma parede de alvenaria na casa de banho dos homens para separação da sanita e outra na casa de banho das senhoras para criar dois gabinetes de sanita, fornecimento de azulejo e mosaico de cor clara, loiças sanitárias e torneiras, execução das redes de água em tubagem inox, exterior, e de esgotos em PVC, e pintura dos tectos das casas de banho, a expensas da ré.

24. Em 2004 a ré, com a autorização da autora, procedeu à renovação total das instalações sanitárias (incluindo revestimentos, loiças, torneiras) e redes de águas e esgotos e demolição de esgoto da cozinha, no que despendeu quantia que não foi possível apurar.

25. Entre 2008 e 2009 a ré procedeu à reparação total do tecto do salão (nascente) com forra em madeira envernizada e à pintura total de paredes interiores, tectos, pintura final (incluindo reparação de fendas, fissuras e superfícies existentes, fornecimento de materiais), no que despendeu quantia que não foi possível apurar.

26. Entre 2010 e 2011 procedeu a uma reparação de emergência de parte da cobertura (incluindo aplicação de telas asfálticas e selantes aquosos) tendo gasto quantia que não foi possível apurar.

27. A autora nunca se fez representar por qualquer procurador, sendo apenas coadjuvada pelo marido e filhos.

28. Em 2001 a autora liquidou uma reparação do telhado que importou em 400.000$.

29. A revisão do sistema eléctrico do 3º andar foi efectuada em inícios de 1988 pela GG - Instalações e Reparações, Lda, juntamente com outros trabalhos eléctricos em todo o edifício, que importaram em 198.000$, que a autora suportou e liquidou.

30. As reparações nas escadas, foram efectuadas no ano de 2002 pela HH & Filhos, S.A., e importaram em 1171,18€, que a autora suportou e liquidou.

31. Ao longo dos sucessivos anos a autora foi procedendo aos aumentos de renda legalmente admitidos pela aplicação dos coeficientes anuais de actualização publicados pelo INE sendo a renda, em Setembro de 2014, no valor de 98,73€.

32. No prédio referido em 1 o coeficiente de vetustez do 3º andar é de 0,55 e o do r/c e andares inferiores é de 0,40.

33. A autora dirigiu à ré a seguinte carta registada com aviso de recepção, datada de 14/10/2014:

«Assunto: Transição para o NRAU e actualização da renda

Exmos. Senhores,

Nos termos dos arts 30 e seguintes e 50 e seguintes da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, de 14/08, é da iniciativa do senhorio o desencadear do processo para a transição para o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano) e actualização da renda, nos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes de 1990 e não habitacionais celebrados antes do Decreto-Lei n° 257/95 de 30 de Dezembro.

Assim, relativamente ao imóvel correspondente ao terceiro andar do edifício sito na Rua …, n° 173, 1110 - Lisboa, avaliado, nos termos dos arts. 38 e seguintes do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) em 183.000€, de que Vªs. Exas. são arrendatários e eu sou senhoria, para a transição do contrato para o NRAU e actualização da renda, venho propôr um aumento da renda para o valor mensal de 1016,70€, sendo a duração do contrato para fim misto por um prazo de cinco anos.

Para o efeito, anexo cópia da Caderneta Predial respectiva [do que resultava que o locado tinha sido avaliado pelas Finanças no ano de 2012 nos termos dos arts 38 e ss do CIMI e que o seu VPT tinha sido determinado em 183.000€, sendo o valor da renda proposta correspondente a 1/15 do referido VPT: 12]

Aproveito a oportunidade para comunicar que, tendo chegado ao meu conhecimento que Vªs Exas. procederam à abusiva ocupação e utilização do sótão do edifício, situação que presentemente se verifica, e para a qual não dispõem de qualquer título legítimo, deverão proceder à imediata desocupação e devolução do mesmo, com entrega da respectiva chave de acesso, no prazo máximo de 30 dias a contar da recepção da presente carta, sem o que me verei forçada a recorrer aos meios legais para o efeito, com a inerente responsabilização de Vªs. Exas pelos prejuízos resultantes de todo o tempo da ocupação indevida».

34. A ré respondeu à autora através da seguinte carta, datada de 06/11/2014:

«ASSUNTO: Actualização da renda do 3° andar da Rua … n.º 171

Exma. Senhora

Acusamos a recepção da v/ carta, à qual, por imperativo legal, passamos a responder:

1. A determinação do valor da renda é encontrada, nos termos do art. 35/2-a e b, por remissão do art. 54/2, dado que no caso concreto se verifica a alínea b do n.º 4 do art. 51, ambos da Lei 31/2012 [não juntou documento comprovativo]

2. A arrendatária opõe-se a que o contrato fique sujeito ao NRAU, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 54 da mencionada Lei (regime transitório).

3. Por outro lado, existe uma contradição insanável na v/carta que convém referir:

- Por um lado, estão a reivindicar o sótão, quando têm conhecimento, desde o início do contrato, que o sótão sempre fez parte do arrendado; por outro, exigem a renda de acordo com a avaliação global.

4. Há mais de 58 anos que ali funciona uma das finalidades do arrendado (posto clínico, habitação e actividades culturais, incluindo festas e bailes).

5. A Casa desconhecia que detinha a posse do sótão noutra qualidade que não fosse a de inquilina. Nunca escondeu a posse do sótão, incluindo a pessoas das relações da Senhoria.

6. Pela caderneta predial junta com a v/carta mostra-se que o sótão está anexo ao 3° andar.

7. O valor exigido tem como limite máximo 1/15 do valor do locado, al. a do n.º 2 do art. 35, incluindo o sótão, como referimos.

8. O valor do locado corresponde ao valor da avaliação – al. b do n.º 2 do art. 35.

9. Acontece que, por uma simples leitura da caderneta verificamos uma discrepância que afecta a Senhoria, mas no caso concreto e, tendo em conta a legislação actual, também a inquilina, corno aliás poderão verificar, deste modo,

10. O valor da avaliação do 3° andar terá de obedecer aos mesmos critérios que estiveram na base da avaliação dos diversos andares e lojas, como partes integrantes do mesmo prédio.

11. Em todas as divisões e andares do prédio inscrito sob o artigo 29, da Rua … 171, o coeficiente de vetustez aplicado foi de 0,40.

12. Por erro ou por outro motivo que desconhecemos, o coeficiente aplicado ao 3º andar, isoladamente foi de 0,55, sem qualquer razão aparente.

13. Já reclamamos junto das Finanças a discrepância encontrada.

14. Enquanto não tivermos a resposta das finanças, não temos o conhecimento correcto do valor patrimonial do 3° andar.

No entanto, dado o interesse que a Casa tem para uma Região da Beira Interior Sul, pobre e quase deserta, manifestado pelos diversos Municípios da mesma, em Assembleia Geral realizada dia 05/11/2014, foi deliberado contra propor, mesmo sem o conhecimento do valor patrimonial, a renda de 6000€/ano, em duodécimos de 500€.

EM ANEXO: Enviamos as declarações já recebidas das Câmaras Municipais de Proença-a-Nova e de Vila de Rei e logo que possível enviaremos as restantes [a primeira em papel timbrado e datada de 04/11/2014 e a segunda em papel sem qualquer timbre e não datada]

Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos,

         (Presidente da Direcção).

35. A essa carta respondeu a autora através de carta de 20/11/2014, na qual declarou o seguinte:

- não resultar de qualquer dos documentos remetidos a comprovação de que a Casa da Comarca da … seja uma associação privada sem fins lucrativos, regularmente constituída, que se dedica à actividade cultural, recreativa ou desportiva não profissional, e declarada de interesse público ou de interesse nacional ou municipal;

- que a comprovação da natureza de ‘associação privada sem fins lucrativos’, do respectivo objecto, e da sua constituição regular, está sujeita a um regime de prova legal, o que significa que apenas pode ser feita por documento autêntico, constituído por certidão registal do acto de constituição, bem como dos estatutos actualizados;

- que a comprovação da existência da ‘declaração de interesse público ou de interesse nacional ou municipal´ também está sujeita a um regime de prova legal (nos termos dos art. 6/2 e 8 do DL 460/77, de 7/11, com a redacção que lhe foi dada pelo DL  391/2007 de 13/12);

- que, por essas razões, nos termos do disposto no art. 51/6 da Lei 6/2006 de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14/08, não poderia a ré prevalecer-se da circunstância prevista no art. 50/4-b;

- que a dúvida levantada relativamente à aplicação de um coeficiente de vetustez no cálculo pelas finanças do valor tributário do 3º andar superior ao dos outros andares e lojas não tinha nenhuma razão de ser, já que, como era do conhecimento da ré, o 3º andar não existia na construção original do edifício, e apenas foi edificado em 1956 e logo estreado pela Casa da Comarca da … com uma renda mensal de 1500$;

- que, em qualquer caso, não foi comprovada por qualquer forma a reclamação alegadamente apresentada pela ré junto das finanças referente a erro no coeficiente de vetustez aplicado na avaliação do locado;

- que, pelas razões expostas, a carta da ré valia apenas como mera oposição ao valor da renda por si proposto e proposta de um novo valor;

- e, em consequência, comunicou a autora, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 52, 33, nºs 1 e 5-b, e 35/2, alíneas a e b, da Lei 6/2006 de 27/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14/08, que não aceitava o valor da renda proposta pela ré, do montante de 500€ mensais e que procedia à actualização da renda mensal para o valor de 1016,70€ ficando o contrato de arrendamento imediatamente submetido ao NRAU, com prazo certo de 5 anos, com efeitos a partir da renda referente a Dezembro de 2014.

36. A ré enviou à autora carta datada de 19/12/2014 com o seguinte teor:

«ASSUNTO: Contrato de Arrendamento com actualização de renda na Rua da Madalena n.º 171

            EXMA. SENHORA

Acusamos a recepção da v/carta, bem como anotamos as ilegalidades nela contidas.

Mantemos tudo quanto dissemos na nossa comunicação anterior no concernente ao coeficiente de Vetustez, ao interesse público da Casa, a nível regional, abarcando os cinco concelhos da zona do Pinhal Sul.

A anotação do código errado Vetustez implica a alteração do valor patrimonial da fracção, bem como do valor da renda.

Para se ter uma noção do que era o andar quando foi dado de arrendamento à Casa da Comarca da …, juntamos uma contestação da avaliação fiscal apresentado em 20/03/1984, onde se escreve a ausência completa de obras por parte da senhoria, as canalizações podres, soalhos e paredes em péssimo estado de conservação, não tendo a construção o mínimo de condições de conforto.

Por outro Lado, na data de realização do contrato de arrendamento, conforme carta que se junta, a senhoria recebeu 40.000$ para afixação da renda em 1.500$ e a imutabilidade do contrato. DOC. 1

As instalações primitivas, reconstruidas pela inquilina eram autênticos pardieiros, tendo a Casa feito avultadas obras, conforme contestação que se junta como documento n.º 2.

Por outro lado, deveria a senhoria aplicar o n.º 5 do art. 332 do Regime Transitório, tendo em conta a natureza mista do contrato e a incerteza do valor patrimonial.

Desconhece-se a inquilina, se a senhoria pretende manter a mesma renda e contrato, ou proceder de Outro modo.

À cautela, lembramos que, tratando-se de contrato que destina a fracção a sede da arrendatária, posto clinico e habitação do contínuo, podendo a inquilina dar festas e bailes, assiste à inquilina o direito de receber a indemnização prevista no art. 33/5-a, tendo em conta a renda pedida pela senhoria e a contraproposta da inquilina, a indemnização ascende a 45.480€.

Às obras que ao longo dos 58 anos a casa foi realizando no arrendado como a senhoria e o seu procurador, normal e atempadamente, tinham conhecimento e davam autorização, como pode ser facilmente testemunhado por dezenas de directores que passaram pela Casa da Comarca da … ao longo destes anos, importam conforme documento junto (DOC. Nº 3) em 60,300€.

O valor de 40.000$ entregue em 1956, atendendo ao coeficiente de desvalorização da moeda, constante no art. 502 do CIRS equivaleria actualmente a Pte. 3.091.600$, correspondendo a 15.458€.

Se, a pretensão da senhoria era a denúncia do contrato, na entrega das chaves, terá que pagar à inquilina 121.238€.

Quanto ao Sótão este é uma fracção independente que deita directamente para uma parte comum do prédio, as escadas.

Ora, desde 1956 que a Casa ocupa e tem a posse pela prática reiterada, com publicidade, com móveis, quarto de dormir e sala de reuniões, correspondente em tudo ao exercício do direito de propriedade, nos termos, entre outros, dos arts. 1260, 1263, 1317, todos do CC, o sotão desde 1956 que é propriedade da casa adquirido por usucapião.

            Com os nossos cumprimentos

            A Direcção»

37. A autora enviou à ré carta datada de 12/01/2015 (cfr. doc. de fls. 159 a 161).

     «Assunto: Transição para o NRAU e actualização da renda

            Exmos. Senhores,

Acuso recebida a vossa carta datada de 19/12/2014, e os três documentos à mesma anexa, que mereceram a minha melhor atenção, mas que nada acrescentam à vossa anterior comunicação de 06/11/2014, e, consequentemente, em nada alteram a posição comunicada na minha anterior carta de 20/11/2014.

            Não deixo, no entanto, de salientar o seguinte:

1. O documento junto sob o n° 1 é um documento interno vosso que, contráriamente ao que afirmam, não corresponde a qualquer carta que me tenha sido enviada, nem dele resulta aquilo que afirmam resultar, sendo totalmente irrelevante;

2. A actualização da renda a que procedi, resultou da mera aplicação automática dos novos critérios legais à avaliação oficiosa das Finanças efectuada em 2013 nos termos dos ares. 38° e seguintes do CIMI, sendo por isso também totalmente irrelevante o documento n° 2 que Vas. Exas. juntam;

3. O regime resultante das alterações à Lei 6/2006, introduzidas pela Lei 31/2012 não faz depender a matéria da transição param NRAU e actualização da renda de quaisquer obras que o inquilino se ache no direito de reclamar, sendo, por isso, igualmente irrelevante o documento junto sob o n° 3;

4. Em qualquer caso, sempre chamo a atenção de V's. Exas. para o teor das cláusulas quinta e sexta do contrato de arrendamento, plenamente em vigor, por cujos termos "o inquilino obriga-se a não realizar no andar arrendado quaisquer obras ou benfeitorias, sem expresso consentimento das senhorias, ou do seu procurador, dado por escrito.", e "o inquilino não terá direito de retenção ou de indemnização por obras ou benfeitorias, as quais uma vez feitas, considerar-se-ão pertença do prédio e não poderão ser levantadas ou demolidas.”

4. Face à posição por Vªs. Exas. assumida na v/ carta de 06./11/2014, está plenamente justificada a posição que vos comuniquei nos pontos 3 e 4 da minha carta de 19/11/2014, com expressa aplicação, entre outras disposições legais, do disposto no art. 33/5-b da Lei 6/2006, na redacção que lhe foi dada pela Lei no 31/2012;

5. Quanto ao sótão, resulta da mera contradição flagrante entre o que agora alegam e o que consta dos pontos 3 a 6 da vossa anterior carta de 06/11/2014, a total falta de fundamento para o absurdo direito que se arrogam.

Em face do exposto, comunico-vos que, na falta de regularização das rendas nos termos devidos, já dei expressas instruções ao meu Advogado para dar entrada imediata ao procedimento de despejo.

            Com os meus melhores cumprimentos»

38. A ré continuou, até ao presente, a transferir mensalmente para a conta bancária da autora o montante mensal de 98,73€.

39. A autora dirigiu à ré carta registada com aviso de recepção, datada de 13/02/2015, na qual lhe comunicou expressamente a cessação do arrendamento por falta de pagamento das rendas devidas nos meses de Dezembro de 2014 e Janeiro e Fevereiro de 2015, e que, encontrando-se então em dívida o diferencial entre o valor mensal da renda antiga e o valor da renda actualizada num total de 2961,90€ iria diligenciar pelo imediato despejo do locado nos termos do disposto no art. 9 da Lei 6/2006 de 27/02 com as alterações introduzidas pela Lei 31/2012 de 14/08.

40. Por carta datada de 02/03/2015 a ré acusou expressamente a recepção da carta da autora.

41. No mês de Março de 2015 a ré transferiu para a conta da autora o valor da renda no valor de 98,73€.

42. A p.i. deu entrada em 24/03/2015.

43. Em 08/05/2015 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 802,54€ com a menção “remanescente rendas Novembro a Dezembro.”

44. Em 08/05/2015 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 802,54€ com a menção “remanescente rendas janeiro a fevereiro”.

45. Em 09/05/15 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 802,54€ com a menção “remanescente rendas março a abril”.

46. Em 08/05/2015 a ré procedeu à transferência para a autora da quantia de 401,27€ com a menção “remanescente renda maio”.


De direito:

     Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da autora, recorrente, sem prejuízo da apreciação de questão de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:

- nulidade do acórdão recorrido por oposição entre os fundamentos e a decisão (conclusões 12. a 26. da revista);

- nulidade do acórdão recorrido por consubstanciar uma decisão além do pedido (conclusões 1. a 11. da revista);

- eficácia da declaração negocial parcialmente reproduzida no ponto n.º 33 do elenco dos factos provados (conclusões 27. a 59. da revista).


1. Sustenta a recorrente que o acórdão recorrido incorreu em oposição entre os fundamentos e a decisão em virtude de ter reconhecido que nem a comunicação mencionada no ponto n.º 33 do elenco factual, nem o trânsito em julgado da sentença apelada, poderiam ter como efeito a redução do objecto do arrendamento.

A oposição entre os fundamentos e a decisão, causa de nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º ex vi artigo 666.º, ambos do Código de Processo Civil, consubstancia um vício real de raciocínio do julgador que se traduz no facto de a fundamentação (as premissas do silogismo judiciário) se mostrar incongruente com a decisão (conclusão) que dela deve logicamente decorrer.

Assim, deparamo-nos com este vício sempre que as premissas apontem inexoravelmente para um determinado sentido decisório, vindo, porém, a decisão a revelar-se em antinomia ou, pelo menos, em dissonância com esse sentido.

No caso vertente, o aresto impugnado, corroborando o que se decidira em 1.ª Instância, concluiu que o objecto mediato do contrato de arrendamento que vigorou entre as partes contemplava o sótão mencionado nos pontos n.º 11 a 17 do elenco factual, daí se podendo depreender que, efectivamente, a concreta configuração do mesmo era insusceptível de ser modificada por via de uma simples missiva.

A decisão tomada – que, no aqui releva, revogou a sentença apelada e julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pela Autora –, baseou-se, como adiante melhor se verá, na constatação de que a comunicação parcialmente reproduzida no ponto de facto n.º 33 era ineficaz para desencadear a actualização da renda e a transição para o NRAU nos termos aí preconizados.

O que, desde logo, evidencia o desacerto da arguição.

Na verdade, não se constata que exista uma contradição insanável entre as premissas menores (factuais e/ou jurídicas) e a premissa maior (a decisão tomada) do silogismo judiciário. É, aliás, premente constatar que o reconhecimento em causa não apresenta qualquer relação com a fundamentação que sustentou a decisão. 

A argumentação aduzida ex adverso pela recorrente (mormente na conclusão 25.) convoca, na verdade, a problemática do erro de julgamento por erro de valoração dos factos, mas não é reconduzível à ilogicidade que caracteriza a aludida nulidade da decisão, que se não verifica.


2. Entende a recorrente que, ao declarar a inidoneidade da comunicação parcialmente reproduzida no aludido ponto de facto n.º 33, o Tribunal da Relação se afastou do pedido e da causa de pedir contidas nas alegações da recorrida.

A nulidade invocada consubstancia-se no desrespeito pelo comando contido no n.º 1 do artigo 609.º do mesmo diploma, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido, a que corresponde o brocado latino ne eat iudex ultra vel extra petita partium.

A nulidade em causa encontra-se, assim, em estrita relação com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio, o qual constitui uma emanação do princípio dispositivo (n.º 1 do artigo 3.º do Código de Processo Civil).

Daí que, fora dos casos legalmente previstos (de que é exemplo o disposto no n.º 3 do artigo 609.º do Código de Processo Civil), não seja processualmente admissível condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (n.º 1 do mesmo preceito), pois, ao infringir esse comando, o Tribunal ultrapassa o limite imposto por lei ao seu poder de jurisdição (cfr. Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, vol. III, Coimbra, pág. 235, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, pág. 68 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra pág. 318).

Regressando ao caso em apreço, há a constatar que o acórdão recorrido não contém qualquer segmento condenatório, tendo absolvido a ré, ora recorrida, dos pedidos formulados pela recorrente e absolvido esta dos pedidos reconvencionais por aquela deduzidos.

Por isso e sem necessidade de quaisquer outros considerandos, impõe-se, logicamente, concluir pela improcedência da arguição.

Mas, sem embargo dessa óbvia conclusão e em homenagem ao princípio iura novit curia (n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil), deve a arguição ser reconduzida aos precisos termos em que deve ser dirimida, isto é, à nulidade por incursão em excesso de pronúncia (parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do mesmo diploma), como, de resto, acaba por ser enunciado pela recorrente na conclusão 53.ª.

Importa ter presente que, no contexto de um recurso e em regra, as conclusões do recorrente definem e delimitam o seu objecto, ou seja, as questões a apreciar pelo tribunal superior (cfr. n.º 3 do artigo 635.º do Código de Processo Civil), desempenhando, naquele âmbito, uma função similar àquela que é reconhecida à causa de pedir e ao pedido.

Nas conclusões da apelação, a apelante, ora recorrida, inscreveu:

1. O teor da carta do ponto 10 dos factos provados é falso material e intelectualmente.

2. Não é idónea para a senhoria proceder à actualização da renda, nos termos do artigo 50 do NRAU.

3. A senhoria não pretendeu a actualização da renda, mas a resolução do contrato, bem sabendo que a redução do objecto tornaria impossível a manutenção do arrendado.

4. A carta da senhoria insere-se na estratégia prevista nos artigos 240 e 244 e segs do CC - simulação que expressamente se invoca.

5. Nulidade que afecta todo o processo, tornando nula a iniciativa da senhoria, incluindo o pedido e a causa de pedir.

E, no pertinente segmento do acórdão recorrido, lê-se que a propósito da comunicação em causa: “ela já tem razão em considerar que a carta da autora (…) é ineficaz (…) para desencadear a transição do contrato para o novo regime e para actualização da renda.

A esta argumentação, que é nela que se concretiza o bom entendimento das conclusões da ré, quer a sentença recorrida, quer a autora, não dão resposta, desconsiderando-a. As razões da autora são boas para afastar tudo o mais que, formalmente, era dito pela ré, mas não para afastar o essencial, que era o facto de a comunicação, nos termos que foi feita, ser ‘inidónea’ à actualização da renda para todo o espaço realmente arrendado.”.

Da consideração destes elementos resulta que o aresto impugnado, ao concluir pela ineficácia da dita comunicação, se conteve nos estritos limites delineados pelas conclusões da apelação formulada pela recorrida, conhecendo, em concreto, de uma questão que por ela fora suscitada – qual seja, a invalidade, em sentido lato, da dita comunicação – para o que, a título instrumental, se revelava necessário abordar a temática da inclusão do sótão no locado.

Convém, aliás, não esquecer que, como já aflorámos, o juiz tem o dever de participar na indagação do direito, sem que tal tarefa se quede confinada à alegação jurídica feita pelas partes (artigo 5º nº 3 do Código de Processo Civil).

Por isso, tem-se por não verificada a nulidade fundada em excesso de pronúncia.


3. Ingressemos, agora, na resolução da questão de mérito suscitada na revista.

Dos pontos n.º 1, 3, 4 e 5 do elenco dos factos provados extrai-se que as partes estiveram vinculadas por um contrato de arrendamento que data de 25 de Maio de 1956. Esse contrato tem como objecto o 3º andar de um prédio urbano, tendo sido convencionado que o imóvel se destinaria a fim preponderantemente não habitacional (parte final do n.º 2 do artigo 204.º, artigos 1022.º, 1023.º, 1064.º e n.º 1 do artigo 1067.º, todos do Código Civil).

Mais resulta que, por intermédio da carta reproduzida no ponto n.º 33 dos factos provados, a autora, na qualidade de senhoria, tomou a iniciativa de desencadear o processo de transição do arrendamento para o regime emergente da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção emergente da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto (doravante, apenas NRAU) e de proceder à actualização da renda.

É neste contexto factual que se enquadra a questão a resolver.

Perante este enunciado, é de convocar o que escrevemos no acórdão proferido no processo n.º 1848/16.0YLPRT.L1.S2 no dia 24 de Maio de 2018 a respeito das exigências legais que devem constar da comunicação a realizar pelo locador ao locatário pela sua pertinência e adequação ao caso vertente.

Ali e a este respeito, exarámos: 

A Lei n.º 6/2006, de 27-02 (alterada pelas Leis n.º 31/2012, de 14-08, e n.º 79/2014, de 19-12), aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), onde, para além do mais, estabeleceu um regime especial de actualização das rendas antigas.

Consagrou, para esse efeito, uma norma transitória em matéria de actualização das rendas (artigo 27°) a prever a aplicação da nova lei aos contratos de arrendamento celebrados para fins não habitacionais antes da entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30-09.

Logo, ao contrato de arrendamento em causa nos autos, celebrado em 1986, é aplicável a lei nova (NRAU com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14-08) no segmento respeitante à actualização do valor da renda.

Já a Lei n.º 79/2014, de 19-12, que reviu o regime jurídico do arrendamento urbano e, para além do mais, alterou algumas normas respeitantes ao procedimento de actualização de rendas, não tem aplicação, in casu, visto o procedimento para actualização da renda ter decorrido antes da sua entrada em vigor (cfr. artigo 6.°).

O procedimento de actualização da renda por iniciativa do senhorio, em contrato de arrendamento para fim não habitacional, passou, assim, a ficar sujeito às formalidades previstas nos artigos 50.° e seguintes do NRAU, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14-08.

A especificidade e o rigor impresso às formalidades exigidas explicam-se, em boa parte, pela circunstância de este não configurar um procedimento ordinário, mas antes um procedimento tendente a uma actualização extraordinária da renda.

Como nota Francisco de Castro Fraga (Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação: António Menezes Cordeiro, Almedina, 2014, pág. 483), «A expressão "actualização de renda" (...) não tem em vista a que vem regulada no 1077.º do CC (estipulada pelas partes ou, supletivamente, com periodicidade anual, de acordo com os coeficientes de actualização correspondentes à variação de preços no consumidor, sem habitação - 24.º desta Lei) mas uma correcção ou actualização extraordinária que não se confunde e se sobrepõe a ela. Pena foi que o legislador não tivesse optado por uma destas expressões, que evitaria confusões terminológicas e chamaria desde logo a atenção para a diferente natureza de uma e outra»

A transição para o NRAU e a actualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, o qual deve comunicar ao arrendatário a sua intenção, indicando: (i) o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; (ii) o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI constante da caderneta predial urbana; (iii) cópia da caderneta predial urbana (art.º 50.º da Lei n.º 31/2012).

Desencadeado o procedimento de actualização da renda previsto no aludido artigo 50º, mediante carta registada com aviso de recepção ou escrito entregue em mão, nos termos do artigo 9.°, n.º 1, ou n.º 6 da Lei n.º 6/2006, «o senhorio tem plena liberdade para transmitir ao arrendatário o valor da renda pretendida (...) mas tem o ónus de enviar ao arrendatário, nessa comunicação, uma cópia da caderneta predial urbana da qual conste o valor do local arrendado (calculado nos termos do artigo 38. ° do CIMI» (MARIA OLINDA GARCIA, Arrendamento Urbano Anotado, Regime substantivo e processual (Alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), Coimbra Editora, 3.ª edição, 2014, páginas 142, 163 e 164).

A razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.° e seguintes do CIMI, prende-se com a possibilidade de esse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos artigos 33.°, n.º 5, aI. b), 35.°, n.º 2, als. a), e b), 54.°, n.º 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, especialmente, quando se verifique oposição do arrendatário, conforme sucedeu no caso dos autos. (…)

No presente caso, os factos que permitem concluir pela legalidade do procedimento são constitutivos do direito que o senhorio pretende fazer valer direito à actualização/aumento de renda -, pelo que sobre si impende o ónus da respectiva alegação e prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). (…)

A razão da complexidade do processo de actualização das rendas nos contratos anteriores a 1990 prende-se com o facto de, por um lado, não se tratar de um mero aumento da renda, pois que em causa está também a negociação de um novo contrato integrado num verdadeiro processo negocial obrigatório, e, por outro lado, com a necessária e articulada conjugação entre o mercado do arrendamento e a avaliação fiscal do património a tributar. (…)

A falta dos requisitos materiais previstos no citado artigo 50.° ou o não cumprimento das regras relativas à forma e destinatário da comunicação tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita.”.


Tendo por base estas considerações e procedendo à valoração dos factos provados, podemos considerar que a análise dos três primeiros parágrafos que compõem a missiva reproduzida no ponto de facto n.º 33 conduz à conclusão de que, pelo menos num prisma estritamente formal, foram respeitados os requisitos previstos pelas als. a) a c) do artigo 50.º do NRAU.

Porém, não se pode olvidar o conteúdo do último parágrafo dessa missiva.

Por seu intermédio, a recorrente, reputando a ocupação e a utilização do sótão (descrito nos pontos n.os 11 e 12 do elenco factual) pela recorrida abusiva e carecida de título legítimo, interpelou-a admonitoriamente para proceder à sua imediata desocupação e à entrega da respectiva chave.

Do teor deste segmento da referida declaração negocial extrai-se, sem necessidade de qualquer esforço exegético, mas sempre à luz das regras que regem a interpretação das declarações negociais (artigos 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, ambos do Código Civil), a conclusão de que, ao tempo da sua subscrição a recorrente professava o entendimento de que o sótão em questão não integrava o arrendado, o que, aliás, foi reafirmado nas conclusões 13.ª e 19.ª da minuta recursória (só em julgamento se convenceu do contrário, como se alega na conclusão 23.ª).

Contudo, tal entendimento não encontra correspondência no modo como desde o início da relação arrendatícia se vem processando o uso daquele espaço (cfr. pontos n.os 13 e 14 do elenco factual), já que ficou demonstrado que o sótão foi utilizado em exclusivo pela ré, com uso de chave, desde o início do arrendamento e a recorrente estava perfeitamente a par dessa utilização e nunca se lhe opôs (pontos de facto n.os 12, 15 a 17 do mesmo elenco). E, não se evidenciando que essa ocupação e utilização estivessem legitimadas por qualquer outro título (mormente, um contrato de comodato, como, a dado passo, aventou a recorrente), é de convir que esse uso se processava ao abrigo do sobredito contrato de arrendamento, o que, aliás, não vem discutido na revista.

Tal constatação conduz-nos à conclusão de que, apesar de não estar expressamente previsto no contrato de arrendamento (cfr. ponto n.º 5 do elenco factual), o sótão sempre integrou o respectivo objecto.

Com base naquelas constatações, urge considerar que a indicação do valor da renda actualizada e o valor do locado feita no segundo e no terceiro parágrafo da dita comunicação da autora são imprecisas e insuficientes, já que se referem, unicamente, ao terceiro andar do prédio, excluindo o sótão utilizado pela ré desde o início do contrato de arrendamento, em exclusivo, sem qualquer oposição e com o conhecimento da autora, que sempre soube que a ré o ocupava.

Daí que, consequencialmente, se deva considerar que, afinal, a exigência da indicação do valor da renda proposta e do valor do locado (alíneas a) e b) do artigo 50.º do NRAU) não se mostram perfeitamente cumpridas.

Como se disse, tal acarreta a ineficácia da comunicação em causa para os fins pretendidos pela recorrente, quais sejam, num primeiro momento, a transição para o NRAU e a actualização do valor da renda e, já no contexto desta acção, a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda pelo valor que a autora entende ser-lhe devido.

É esta importância do cumprimento defeituoso dessas exigências, sendo tal relevância impassível de se esbater pelo ulterior desenvolvimento factual já que, como bem se percebe, trata-se de um elemento fulcral ao sucesso das pretensões deduzidas na presente acção.  

Não se trata aqui de censurar o errado julgamento expresso pela recorrente na aludida comunicação.

Apenas se constata o cumprimento defeituoso de exigências legais que, como vimos, encontram (como as demais) fundamento na circunstância de a comunicação em causa dar início a um verdadeiro processo negocial obrigatório encetado com vista à formação de um novo contrato e, bem assim, na necessária conjugação entre o mercado do arrendamento e a avaliação fiscal dos imóveis arrendados. Como se vê, estamos, pois, bem distantes da imposição de um estrito formalismo burocrático desprovido de real utilidade.

Assim, atentando na finalidade dessa comunicação e na importância que a mesma reveste naquele contexto, torna-se claro que a incerteza gerada pela exclusão do sótão do âmbito do arrendamento que ali se preconiza não é compaginável com a tomada conscienciosa de decisões respeitantes ao futuro da relação arrendatícia, já que, escusadamente (como se constata pela valoração dos factos provados sob os n.os 15 a 17 do elenco factual) se introduziu um factor de perturbação quanto a um dos elementos essenciais do contrato, qual seja a definição dos concretos limites do arrendado.

E, como é revelado pelo teor da resposta, não é de menosprezar a situação de incerteza criada (cfr. ponto n.º 34 do elenco factual - é impressiva a referência a uma “contradição insanável” entre a reivindicação do sótão e a utilização que vinha sendo dada a esse espaço com o conhecimento da recorrente).

Importa, por outro lado, notar que a situação em análise não se resume à mera inclusão, naquela comunicação, de conteúdos que foram imprevistos pelo legislador no sobredito artigo 50.º do NRAU, integrando antes a introdução de um elemento gerador de perturbação e insegurança quanto ao efectivo valor do locado, o que, em bom rigor, consubstancia um cumprimento defeituoso de uma indicação ali exigida.

Não se olvida que a recorrida respondeu à missiva em questão (ponto n.º 34 dos factos provados).

Porém, tal resposta não tem o condão de reverter a ineficácia da comunicação remetida pela recorrente, já que, como vimos, a mesma padece, ab initio, de um vício estrutural, atinente a dois dos seus requisitos constitutivos, que impede a produção dos almejados efeitos. Dito de outra forma, a circunstância de se poder intuir que recorrida compreendeu o alcance e sentido da missiva não obstaculiza a que se conclua que esta, em virtude do conteúdo daquele parágrafo, carecia de um dos requisitos essenciais de que a lei faz depender a respectiva eficácia.

Por isso, fosse qual fosse o propósito subjacente à inscrição dessa pretensão na missiva, não se vislumbra que se deva divergir do que se decidiu no acórdão impugnado quando se constatou que a incompletude da comunicação sempre acarretaria a insuficiência da resposta.

É, pois, escusado aquilatar se, como afirma a recorrente, a recorrida, na citada resposta, entendeu o preciso sentido e alcance dessa comunicação. Esta comunicação, na perspectiva da recorrida, suprimia uma parte integrante do objecto do arrendamento, isto é, o sótão.

Acrescente-se que, salvo o devido respeito, é desprovido de cabimento o recurso à analogia com a disposição contida no n.º 3 do artigo 186.º do Código de Processo Civil.

É que, por um lado, aquela comunicação enquadra-se, como vimos, no contexto de um processo negocial obrigatório e deve conter a indicação precisa dos elementos fundamentais para uma tomada de decisão consciente sobre o futuro da relação contratual. Como tal, é evidente que nem o enquadramento nem as exigências legais da dita comunicação possuem qualquer paralelo com o contexto de um acto processual como a petição inicial e com os requisitos formais a que deve obedecer.

Afasta-se, por isso, qualquer hipótese de conceber a comunicação aludida no artigo 50.º do NRAU como um caso análogo ao regulado naquela disposição processual (n.º 1 do artigo 10.º do Código Civil), pressuposto essencial do recurso àquele método de integração de lacunas.

E, por outro lado, nem sequer se pode, com propriedade, considerar que existe lacuna. Na verdade, a incompletude/imprecisão das indicações que, de acordo com as diversas alíneas que compõem o artigo 50.º do NRAU, devem constar da comunicação aí mencionada conduz, de acordo com a melhor interpretação da lei, à sua ineficácia, pelo que se deve considerar que o legislador, propositadamente, afastou dessa ponderação a eventual resposta que possa ser aduzida pelo arrendatário. Ora, inexistindo lacuna de regulamentação, desnecessário se torna o recurso à analogia.

Essa disparidade de contextos inviabiliza, também, que se pudesse considerar a argumentação por maioria de razão aduzida pela recorrente.

Ainda em resposta à linha de argumentação seguida pela recorrente, importa salientar que a questão colocada na revista relaciona-se exclusivamente com o mérito da causa e, mais particularmente, com a incompletude da comunicação a que vimos aludindo – que é unicamente imputável à recorrente –, pelo que, atenta a diversidade de contextos de que supra demos nota, é também descabido lançar mão de princípios gerais do processo civil, como sejam o da adequação formal ou da economia processual.

Resta, enfim, afastar, por a questão não se reconduzir a qualquer invalidade formal ou substancial da declaração, a aplicabilidade dos regimes da redução ou da conversão (artigos 292.º e 293.º, ambos do Código Civil), não sendo, outrossim, de conjecturar a aplicação da norma contida no n.º 1 do artigo 1040.º do mesmo diploma, já que não está em causa a privação do uso do locado.

Improcedem, pois, as conclusões da alegação da autora, recorrente.


III. Decisão:

Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 13 de Setembro de 2018


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado (vencida com a declaração de voto que anexo)

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Voto vencida:

Não acompanho a tese que fez vencimento pelas razões que, em breve síntese, passo a enunciar:

1. O procedimento tendente à aplicação do NRAU dos contratos celebrados em data anterior à entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30/9 obedece a requisitos específicos, quer de substância quer formais, previstos nas normas transitórias constantes dos arts. 30º e ss. do NRAU (como todas as normas citadas sem menção em contrário).


O sistema preconizado depende da iniciativa do senhorio, o qual, tratando-se de arrendamento não habitacional, como é o caso, deve endereçar ao arrendatário uma comunicação, nos termos previstos no art. 50º, a que este deve responder, sob pena de funcionar o efeito cominatório referido no art. 31º, nº6, aplicável ex vi do art. 51º, nº7.


Na oposição que deduzir, o locatário pode contrapor nova renda e, sendo caso disso, invocar as circunstâncias constantes das diferentes alíneas do nº4, do art. 51º.


Se o senhorio não aceitar o valor da renda proposta deverá comunica-lo ao inquilino e, simultaneamente, tomar uma de duas opções: denunciar o contrato ou atualizar extraordinariamente a renda.


2. No caso em apreço, vem provado que:

- A senhoria endereçou à arrendatária a comunicação prevista no art. 50º, propondo atualizar a renda para o montante de EUR 1016,70 (em substituição da anterior no valor de EUR 98,73) e a duração do contrato para fim misto por um prazo de cinco anos;

- Na oposição deduzida, a arrendatária contrapôs o montante alternativo de EUR 500,00 mensais e invocou a circunstância da al. b), do nº4, do art. 51º;

- Perante esta contraproposta, a senhoria comunicou à arrendatária, “nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 52º, 33º, nºs 1 e 5-b, e 35º/2, alíneas a e b, da Lei 6/2006 de 27/02, na redação que lhe foi dada pela Lei 31/2012 de 14/08, que não aceitava o valor da renda proposta pela ré, do montante de 500€ mensais e que procedia à atualização da renda mensal para o valor de 1016,70€ ficando o contrato de arrendamento imediatamente submetido ao NRAU, com prazo certo de 5 anos, com efeitos a partir da renda referente a Dezembro de 2014.”.

- A arrendatária, porém, não aceitou a renda proposta pela senhoria e continuou a pagar o montante que vinha anteriormente pagando.


3. Nos termos da lei, na falta de acordo, dada a opção comunicada à arrendatária pela senhoria, ao abrigo do disposto no art. 33º, nº5, ex vi do art. 52º, a renda devida passou a ser a resultante da atualização extraordinária, e não outra.


Efetivamente, tal comunicação, por respeitar todos os formalismos previstos na lei (cf. designadamente os arts. 9º a 12º), tornou-se eficaz logo que chegou ao poder do destinatário ou é dele conhecida (cf. art. 224º, nº1, do CC).


O facto de nas comunicações entre as partes se ter – marginalmente - abordado a problemática da ocupação de um sótão pela arrendatária é inócuo do ponto de vista da eficácia da comunicação, por não integrar nenhum dos fundamentos de oposição previstos na lei, no âmbito do procedimento de “transição do contrato para o NRAU”.


Por outras palavras: o regime previsto nos arts. 30º e ss. não admite outras controvérsias que não as especificamente ali contempladas.


Diremos, finalmente, que do elenco dos factos provados (cf. pontos 11, 12, 13, 14, 15 e 16) não se pode concluir com total segurança que a ré venha utilizando o sótão em questão, como arrendatária, o que, só por isso, faria naufragar a tese do acórdão recorrido. Note-se que, a este respeito, ela própria parece ter dúvidas, pois na carta-resposta que enviou à autora intitula-se proprietária do espaço, por o ter adquirido por usucapião (cf. ponto 36, dos factos provados).


Ainda que assim não fosse, a circunstância de a autora, na comunicação que endereçou à ré, não ter incluído o sótão, para efeitos do indicado valor da renda, bem como o facto de o valor do locado constante da caderneta predial de igual forma o excluir, são razões, a nosso ver, bastantes, para não deixar que o processo de atualização da renda seja contaminado por questões que excedem manifestamente o âmbito do processo.


Em suma: Não tendo a ré procedido ao pagamento das rendas, cujo quantitativo foi atualizado, mostra-se preenchido o fundamento de resolução invocado pela autora.


Por conseguinte, entendo que seria de revogar o acórdão recorrido, repristinando a sentença da 1ª instância.


Lisboa, 18.9.2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado