Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
503/10.9GBSSB.L1-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: ADVOGADO
DOENÇA GRAVE
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
JUSTO IMPEDIMENTO
PRÁTICA DO ACTO APÓS O TERMO DO PRAZO
RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 10/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: REJEITADO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS / TEMPO DOS ACTOS - RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): – ARTIGO 140.º.
CÓDIGO PROCESSUAL PENAL (CPP): - ARTIGOS 107.º, N.º2, 438.º, N.º1, 441.º, N.º1.
Sumário :

I - Compete ao recorrente, de acordo com o disposto no art. 140.º do CPC, provar os factos invocados como impedimento do seu mandatário para a interposição dentro de prazo de um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.
II - Quando a petição de recurso esteja terminada, a doença do mandatário do recorrente não constitui, em caso algum, justo impedimento, na medida em que qualquer pessoa pode entregar a peça em tribunal ou enviá-la pelos meios telemáticos.


Decisão Texto Integral:                
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. Relatório

            AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo dos arts. 437º e ss. do Código de Processo Penal (CPP), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.1.2013, proferido no processo principal, que negou provimento ao recurso ordinário que interpusera da sentença de 13.3.2012 do Tribunal Judicial de Sesimbra, que o condenou, como autor de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art. 40º do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 27 dias de multa à taxa diária de 7,00 €, por se encontrar, em seu entender, em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3.3.2010, proferido no proc. nº 10/08.0SFPRT.P1.

            Na mesma data, o recorrente, reconhecendo que o recurso fora apresentado fora de prazo, veio alegar justo impedimento, nos seguintes termos:

            1º O recorrente tem uma mandatária constituída.

                2º A mandatária do recorrente exerce a sua actividade profissional na Comarca de Setúbal;

                3º A mandatária do recorrente padece de uma situação clínica que apenas algumas vezes se manifesta por intermédio de inflamação dos tendões, deixando-a privada de movimentos primeiramente nos membros superiores, afectando posteriormente a privação de movimentos dos membros inferiores, 

                4º Circunstância essa já bastante conhecida na Comarca onde exerce a sua profissão.

                5º Ora no passado dia 27-02-2013, ainda se deslocou a mandatária do recorrente ao Tribunal da Comarca de Setúbal para a realização de uma diligência, tendo perdido os movimentos dos seus membros superiores cerca das 16:00H e já na sua residência;

            6º Sendo certo que no dia 28-02-2013 pela manhã, não mais saiu da cama, pois havia já perdido os movimentos nos seus membros inferiores;

                7º Não obstante e tendo o recurso ora apresentado atempadamente terminado, após acordar esta manhã e perceber que já conseguia movimentar quer os membros superiores, quer os inferiores, procedeu de imediato ao envio da referida peça processual.

                 8º A mandatária do recorrente encontrava-se em casa, a peça processual encontrava-se terminada, mas infelizmente e por motivos e saúde não foi possível o seu envio atempado a este Tribunal,

                9º Motivo pelo qual deve ser considerado provido o presente incidente de justo impedimento.

            O sr. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer:

                I. a) O arguido AA, em 8 de Março de 2013, veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão da 9.ª Secção da Relação de Lisboa, de 10 de Janeiro de 2013, proferido nos Autos de Recurso Penal à margem identificados, alegando que a solução nele adoptada se encontra em oposição com o acórdão da Relação do Porto, de 3 de Março de 2010, processo n.° 10/08.0SFPRT.PI.

                Alegou, ainda, justo impedimento, referindo, em síntese, que a sua mandatária padece de uma situação clínica que, por vezes, a deixa privada dos movimentos dos membros superiores e inferiores, o que veio a suceder nos dias 27 e 28 de Fevereiro de 2013. No primeiro destes dias, pelas 16 horas, perdeu o movimento dos membros superiores, e, no segundo, o dos inferiores.

                b) Segundo a certidão de fls. 22, o acórdão “foi notificado em 11-01-2013”.

                Por contacto telefónico estabelecido com o Tribunal de Sesimbra, foi informado que a notificação foi feita por carta registada expedida em 11 de Janeiro de 2013.

                II. a) O prazo de interposição deste recurso extraordinário é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar – art. 438.°, 1 do Cód. Proc. Penal.

Presumindo-se notificado a 16 de Janeiro de 2013 (3.° dia útil posterior à data do registo), e não admitindo recurso ordinário, transitou a 28 de Janeiro de 2013.

Sendo o termo do prazo de 30 dias em 27 de Fevereiro, o recurso interposto em 8 de Março é claramente intempestivo.

b) Fica-nos o alegado justo impedimento.

Dispõe o artigo 107.°, n.° 2 do CPP que os «actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei…, desde que se prove o justo impedimento.»

Por seu turno, o artigo 146.° do CPC (na redacção introduzida pelo DL n.° 329-A/95, na versão introduzida pela Lei n.° 29/2013, de 19 de Abril – hoje, previsto no artigo 140.°, n.° 1 do CPP, na redacção da Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho), estabelecia que «1º Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto. 2º A parte que alegar justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova…»

No caso, e uma vez que a mandatária do arguido alegou a impossibilidade de se ausentar da sua residência por motivos de saúde, impunha-se-lhe efectuar a correspondente prova, o que não fez.

Afigura-se-nos, por outro lado, que mesmo que se comprovasse a alegada doença, não se evidencia que a mesma fosse impeditiva de dar entrada ao recurso (que, conforme alega, já se encontrava concluído), pois sempre poderia incumbir um terceiro de o fazer ou mesmo utilizar as vias informáticas.

E assim, acompanhando-se o entendimento expresso, entre outros, no Acórdão STJ de 27 de Maio de 2010, publicado em wwvv.dgsi.pt, não se verificando justo impedimento, deverá o recurso ser rejeitado nos termos do artigo 441.°, n.° 1 do Código de Processo Penal.

                Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

            II. Fundamentação

            O prazo de interposição deste recurso extraordinário é de 30 dias a partir do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (art. 438º, nº 1, do CPP).

            Tendo o acórdão recorrido (o último proferido) sido notificado ao arguido por carta registada enviada em 11.1.2013 (fls. 22), deve considerar-se efetivada a notificação em 16.1.2013 (3º dia útil posterior) e transitado o acórdão em 28.1.2013 (10º dia útil subsequente).

            Porém, o recurso deu entrada em tribunal, via fax, no dia 8.3.2013, manifestamente para além do termo do prazo de 30 dias, que terminara em 27.2.2013.

            Contudo, o recorrente vem alegar justo impedimento da sua mandatária, informando que ela esteve inesperadamente na impossibilidade de se ausentar de casa, e consequentemente de enviar a petição de recurso, já terminada, a partir do dia 27.2.2013, só recuperando a capacidade de movimentar-se em 8.3.2013, data em que remeteu essa peça processual ao tribunal.

            O art. 107º, nº 2, do CPP admite a prática de atos processuais pelas partes fora de prazo, desde que se prove o justo impedimento.

            O justo impedimento vem regulado no Código de Processo Civil, dispondo o art. 140º do diploma vigente[1]:

            1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.

2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.

3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.° 1 constitua facto notório, nos termos do n.° 1 do artigo 412º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.

No caso dos autos, é manifesto que a doença da mandatária do recorrente não é um “facto notório”, pelo menos fora da comarca onde tem escritório. Tinha, pois, o recorrente que provar os factos invocados como impedimento.

Em qualquer caso, ainda que tais factos (doença) se provassem, nunca daí se poderia concluir pelo justo impedimento, já que, estando a redação da petição de recurso terminada, conforme refere o recorrente, qualquer pessoa poderia entregar a peça em tribunal, ou enviá-la pelos meios telemáticos, como a mandatária acabou por fazer, remetendo a petição via fax.

É, pois, incontestável que não houve justo impedimento para a prática atempada do ato.

E daí que necessariamente se conclua que o recurso é intempestivo.

III. Decisão

Com base no exposto, rejeita-se o recurso, por ter sido interposto depois do termo do prazo legal, nos termos dos arts. 438º, nº 1, e 441º, nº 1, ambos do CPP.

Vai o recorrente condenado em 3 (três) UC de taxa de justiça.

                        Lisboa, 30 de outubro de 2013

Maia Costa (Relator)

Pires da Graça



[1] O art. 146º do CPC de 1961 continha previsão coincidente.