Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
913/07.9TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SÉRGIO POÇAS
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO
CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INDEMNIZAÇAO DE CLIENTELA
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: ARTIGO 10º DO CC, ARTIGO 33º, Nº1 DL 178/86 DE 03/07;
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA À AUTORA. CONCEDER A REVISTA À RÉ
Sumário :
I - No contrato de concessão comercial, a indemnização de clientela só é devida quando, para além da verificação dos restantes requisitos previstos no n.º 1 do art. 33.º do DL n.º 178/86 de 03-07, a ex-concessionária deixa de auferir quaisquer proventos resultantes da sua anterior actividade de concessionária.
II - Não há lugar a indemnização de clientela quando a autora, não sendo já concessionária da ré, continua a vender os produtos desta, nomeadamente aos seus anteriores clientes que angariou enquanto concessionária.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

 “AA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, SA” intentou os presentes autos de acção declarativa com processo comum e forma ordinária contra “BB – COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS HOSPITALARES, LDA”, que foram tramitados, sob o nº 913/07.9TVLSB, pela 3ª Secção da 7ª Vara Cível do Tribunal da comarca de Lisboa, e nos quais, depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença de fls 516 a 577 cujo decreto judiciário tem o seguinte teor:

“…Em face a tudo do exposto, o Tribunal julga a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolve a Ré ““BB – COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS HOSPITALARES, LDA”, do pedido contra si formulado pela Autora “AA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, SA”.

Custas pela Autora. …(sic – fls 577).

Inconformada com tal decisão, a Autora “AA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Este Tribunal decidiu:

«Pelo exposto e em conclusão, no presente processado de recurso a correr termos pela 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, delibera-se revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, condenar a Ré no pedido, ou seja, a pagar à Autora a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal prevista para as entidades credoras que têm natureza comercial».
Inconformada com o decidido, recorrem a Ré e a Autora para o STJ,
Conclui a Ré                   :
A) 0 âmbito do presente recurso de revista limita-se e circunscreve-se à interpretação dada, no Douto Acórdão de que ora se recorre, ao teor da alínea c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 de 03 de Julho concernente à atribuição de uma indemnização de clientela peticionada pela Recorrida à ora Recorrente.

B) Não estando em causa a exigência, para a obtenção de tal indemnização de clientela, da cumulação dos mencionados requisitos, entendeu-se no Douto Acórdão recorrido que tais três pressupostos se encontravam preenchidos, o que a Recorrente não pode aceitar.

C) Com efeito, é Jurisprudência unânime nesse Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao último dos requisitos que, "..a exigência de que o "o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes" que angariou, destina-se a evitar uma "duplicação de rendimentos". Ou seja, pretende-se obstar que o agente possa vir a receber, simultaneamente, uma indemnização de clientela calculada nos termos do artigo 34° do Contrato de Agência e as retribuições devidas por contratos que tenha negociado ou concluído, após o termo do contrato de agência. " (...)

D)"Como a indemnização de clientela visa compensar os proveitos ou remunerações que o "agente " deixe de receber em virtude da cessação do contrato, não poderá essa indemnização ser atribuída quando o "agente", neste caso, a concessionária, continuou a beneficiar da clientela que "angariou" durante a vigência do contrato. Caso contrário, tornar-se-ia evidente a duplicação de rendimentos. — v.g. nomeadamente Douto Acórdão do STJ in "www.dgsi.pt" de 12.05.2011 proc. n° 2334/04.6TVLSB.L1.S1.

E)Reportando-nos ao caso "sub judice", consta da matéria definitivamente provada que:

Alínea JJJ) - Após a cessação do contrato descrito em C), a "S......" continuou a adquirir produtos da Ré e a vendê-los aos seus clientes, bem como a Autora, após a fusão mencionada na alínea D) (resposta aos quesitos 53° e 54°).

Alínea LLL) - Em relação aos "productos tradicionales", a "S......" passou a fazer a promoção directa junto das farmácias, o que até então não sucedia, (resposta ao quesito 56°)

F)      Resulta do exposto que:

-        a Recorrida continuou e continua a comprar produtos à Recorrente, num valor substancial, conforme se extrai dos documentos juntos ao articulado de contestação,

-        continuou e continua a vendê-los aos seus clientes;

-        quanto aos "productos tradicionales" passou, inclusivamente, a fazer a sua promoção directa junto das farmácias.

G) Como consequência de tal matéria provada, consta da Douta Sentença da Primeira Instância que, "por "retribuição" tem que entender-se qualquer provento proporcionado pela anterior actividade de angariação de clientela, pelo que se a "S......" e a Autora continuaram a auferir lucros em resultado dessa actividade, encontra-se excluído o direito à pretendida indemnização", entendimento este na esteira, aliás, do proferido no Douto Acórdão desse Supremo Tribunal supra mencionado.

H)Mais referindo a Douta Sentença da Primeira Instância que "Perante esta factualidade, é manifesto que a "S......" e a Autora, após a fusão, continuaram a concluir negócios com os clientes angariados, após a cessação do contrato"..."Continuaram a comercializar os produtos em causa mas agora num mercado aberto"... "Perderam a exclusividade da venda dos produtos, é certo, mas tal não significa que subsista um direito a uma indemnização de clientela ".

I)Concluindo e bem, pela improcedência da acção por não estar preenchido a alínea c) do supra referido preceito legal.

J)A verdade porém é que o Douto Acórdão ora recorrido tem um entendimento e uma interpretação do aludido normativo que, no modesto entender da Recorrente, não encontra "eco" nem na letra nem no espírito da Lei.

K)Com efeito, no Douto Aresto em crise é referido que "o requisito legal em causa se terá por preenchido se nenhuma prestação remuneratória for percebida pela Autora por referência a contratos celebrados pela Ré, após a cessação do vinculo contratual que entre ambas as partes foi criado com a celebração do contrato descrito no ponto 3.C) do presente acórdão, com clientes angariados pela sociedade demandante. "

L) Pelo que se depreende, o entendimento aqui vertido é substancialmente mais vasto e ambíguo do que o que resulta da letra da Lei, que é assaz restritiva, nem tão pouco encontra acolhimento na Jurisprudência dominante.

M) Em bom rigor, não resulta da Lei que o "agente" tenha sempre de receber um pecúlio pelas vendas realizadas, no caso em concreto, pela Recorrente, a clientes por aquele angariados, no âmbito de um mercado livre, para que a ai. c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 pudesse ser afastada.

N) Na verdade, a Lei com esta norma pretende acautelar situações que, na prática, impeçam o agente de aceder ao mercado que desenvolveu, ficando a contraparte com os frutos resultantes do seu trabalho.

O) E não situações de "duplicação de rendimentos" em o que o "agente" continua a adquirir e a vender os produtos da Recorrente mas, conforme resulta da Douta Sentença da Primeira Instância, em "mercado que ficou aberto ".

P) Daí que a própria norma refira expressamente a necessidade do agente deixar de receber qualquer (sublinhado nosso) retribuição, ou seja, situações em que o mercado é pura e simplesmente retirado ao "agente".

Q) Ou seja e "a contrario", se o agente continua a receber retribuições, se o mercado se torna livre, é evidente que a aludida ai. c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 não se encontra preenchida como bem entendeu, repita-se, a Meritíssima Juiz da Primeira Instância.

R) Acresce que não consta de qualquer alínea da matéria provada que a Recorrente tenha por qualquer forma ou meio impedido ou tentado impedir a Recorrida de continuar com o seu trabalho no mercado em análise, mormente aplicando-lhe uma política de preços desfavorável ou restringindo-lhe as suas encomendas e consequentes vendas.

S) Pelo contrário, como é aliás reconhecido no Douto Acórdão de que se recorre "..a Ré comportou-se com lisura no cumprimento do contrato que firmou com a ora apelante (por exemplo, não celebrando contrato de exclusividade com uma qualquer outra empresa concorrente da Autora ou mesmo com uma nova sociedade que pudesse ter sido constituída após a extinção dos efeitos do contrato celebrado entre as partes em litígio)."

T)Importa ainda referir que da matéria provada não resulta de nenhuma sua alínea, que os clientes nela elencados tenha sido angariados pela Recorrida, com efeito, os clientes em causa já pertenciam à Recorrente anteriormente à celebração do contrato de distribuição exclusiva.

U) Daí que as próprias alíneas BBB) e DDD) da matéria provada, as quais contêm a base da motivação constante do Douto Acórdão ora recorrido, em momento algum referem que os clientes em causa foram angariados pela Recorrida.

V) Desta forma, a referência a fls. 14 do Douto Acórdão em crise, a clientes "angariados" pela Recorrente, exorbita de forma evidente a matéria provada.

W) E a comprová-lo está o teor das alíneas S) e T) da matéria provada:

"A Ré comercializava com todos (sublinhado nosso) os distribuidores do ramo das farmácias existentes no mercado desde, pelo menos, 1991, os produtos descritos na alínea P)."

"Aquando da celebração do contrato celebrado em C), a Ré tinha uma quota de 20% a 30% do mercado de distribuição de produtos de penso e material de pensos".

X) Assim, a Recorrente, uma vez findo o contrato de distribuição exclusiva, voltou a vender aos armazenistas a quem já vendia desde, pelo menos, 1991 até 1999, data da celebração do mencionado contrato.

Y)Face ao exposto, terá também de "cair pela base" o Douto entendimento perfilhado no Acórdão ora recorrido, dado que a Recorrida não angariou qualquer cliente à Recorrente.

Z)Consta do ponto 4.3.4. do mesmo Douto Acórdão que a indemnização de clientela a fixar é de €: 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), porém, no ponto imediatamente seguinte é a Recorrente condenada em €: 90.000,00 (noventa mil euros), facto que não se entende e que torna a decisão contraditória igualmente quanto ao valor em causa.

A.A.) Face ao exposto, mal estiveram os Meritíssimos Desembargadores "a quo" ao darem provimento parcial ao recurso de apelação interposto pela ora Recorrido, violando em consequência a supra mencionada ai. c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 de 03 de Julho.

Assim, dando V. Exas., Venerandos Conselheiros, provimento ao presente recurso, estarão V. Exas. a aplicar a costumada

Justiça.

Conclui  a autora

1.O presente recurso assenta numa discordância com o, aliás douto, acórdão do Tribunal da Relação no que toca ao montante da indemnização de clientela atribuída à ora Recorrente.

2.Nos termos do disposto no artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 178/86, de 3 de Julho, aplicável ao contrato em apreço por analogia, a indemnização de clientela deve ser fixada em termos equitativos, não podendo exceder um valor equivalente a uma indemnização anual, calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente nos cinco anos anteriores à cessação do contrato.

3.A indemnização de clientela visa repor o equilíbrio prestacional rompido  pela cessação do contrato e a remissão  para  juízos  de equidade visa alcançar a solução materialmente mais justa em face dos dados de cada caso concreto.

4.A doutrina e a jurisprudência têm apontado elementos a ter conta na aplicação do critério da equidade a duração do contrato, que, aplicados ao caso sub judice, determinam a atribuição à Recorrente de uma indemnização de clientela de montante indubitavelmente superior ao valor de €90.000 arbitrado pelo Tribunal recorrido.

5.O contrato celebrado entre as partes teve a duração de 6 anos, durante os quais o volume de negócios aumentou progressivamente e a facturação seguramente que, pelo menos, quadruplicou.

6.A sociedade comercial S...... (incorporada por fusão na Recorrente) empregou um esforço considerável na ampliação do negócio da Recorrida, aumentando todos os anos o volume de vendas, quer através da angariação de novos clientes, quer através do aumento do volume de vendas aos clientes já existentes.

7.Para tal, a S...... realizou avultados investimentos, para se dotar de uma estrutura física e humana exclusivamente vocacionada para a execução do contrato de concessão, investimentos esses que implicaram pesados custos e que, com o fim do contrato, a S...... teve de absorver, mantendo-se os custos mas perdendo os lucros que a extinção do contrato levou.

8.Apesar do prestígio da Recorrida no mercado, a Recorrente teve um desempenho de tal modo preponderante que todas as farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos reconheciam a S...... como a única distribuidora de pensos da marca Tendra.

9. Após a cessação do contrato de concessão, a Recorrida começou a vender directamente os seus produtos aos clientes angariados e trabalhados pela Recorrente, inclusivamente através do agente externo da Recorrente que a Recorrida entretanto contratou, dessa forma usufruindo em exclusivo do trabalho e esforço comercial na promoção e comercialização daqueles produtos desenvolvidos pela Recorrente.

10. Em face do exposto, por juízos de equidade é forçoso concluir que o montante da indemnização de clientela a que a Recorrente tem direito, fixado em termos equitativos, deve corresponder ao montante máximo legalmente permitido, que, in casu, é de €163.045,47.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que farão inteira Justiça.

Houve contra alegações de igual modo devidamente ponderadas.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinadas situações se impõe ao tribunal, o objecto e âmbito do recurso são dados pelas conclusões extraídas das alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).

Nas conclusões, o recorrente deve - de forma clara e sintética, mas completa – resumir os fundamentos de facto e de direito do recurso interposto. 

Face ao exposto e às conclusões formuladas importa resolver:   

a) o exposto e às conclusões formuladas importa resolver:   

a) se deve ser apreciado o requisito previsto na al. a) do artigo 33º do DL 178/86 de 03/07;

b) se deve ser mantida a decisão da matéria de facto;

c) se se verifica o requisito previsto na al.c) do artigo 33º acima referido;

d) se a verificarem-se os requisitos do mencionado artigo 33º deve ser alterado o montante da indemnização fixado.

II. Fundamentos

II.I. De Facto


 Nas instâncias foram dado como provados os seguintes factos:

A) A Autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica ao comércio, armazenagem e distribuição por grosso, transacções intra-comunitárias, exportação e importação de medicamentos, de uso humano e de uso veterinário, psicotrópicas e estupefacientes, produtos biológicos, químicos e substâncias medicinais e ainda dispositivos médicos, acessórios de farmácia, produtos de drogaria e de perfumaria, podendo proceder à prestação de quaisquer serviços conexos com a sua actividade, nomeadamente serviços de transporte, organização de eventos e realização de acções de formação profissional para destinatários internos ou externos à sociedade (alínea A) dos Factos Assentes).

B) A Ré é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste no comércio e importação de produtos hospitalares, incluindo, nomeadamente, dispositivos médicos para a saúde e higiene oral (alínea B) dos Factos Assentes).

C) A “BB – Comercialização de Produtos Hospitalares, S.A.” e a “S...... – Medicamentos, S.A.” celebraram um acordo, datado de 6 de Dezembro de 1999, denominado “Contrato de Distribuição Exclusiva”, com o seguinte teor:

“(…) 1º

1 – A M........E nomeia a S...... como distribuidora exclusiva dos produtos farmacêuticos no território.

2 – A área de actuação da S...... abrange exclusivamente a venda a farmácias e armazenistas de produtos farmacêuticos.

1 - A M........E fornecerá à S...... todos os elementos de marketing e outros que possam ser relevantes para a promoção e comercialização dos produtos, de acordo com os critérios estabelecidos pela M........E.

2 – A M........E definirá as políticas comerciais dos produtos e dará formação à equipa de vendas da S...... que entender adequada.

3 – A S...... durante a vigência deste contrato, manterá uma organização de vendas activa para promover os produtos continuamente e manterá um stock adequado e representativo dos produtos para responder eficazmente aos pedidos dos seus clientes. Desenvolverá os seus melhores esforços para promover as vendas dos produtos na zona do território de acordo com a cláusula primeira, por forma a atingir os objectivos de vendas acordados entre as partes, estabelecidos no Anexo II.

4 – A S...... promoverá e comercializará os produtos junto das farmácias e dos armazenistas comprometendo-se a respeitar com os seus clientes as condições comerciais definidas pela M........E.

5 – Eventuais alterações às condições comerciais estabelecidas neste contrato só poderão ser aceites mediante o consentimento escrito da M........E.

6 – As partes obrigam-se a manter confidenciais todos os elementos que forem transmitidos reciprocamente sobre os produtos e a fazer respeitar esta cláusula pelos seus empregados no decurso deste acordo e nos seguintes dez anos após o fim do mesmo.

1 – Os produtos serão fornecidos pela M........E à S...... mediante ordem expressa desta e aceitação expressa escrita daquela. Todas as encomendas serão satisfeitas no prazo máximo de trinta dias a contar da sua comunicação.

2 – As encomendas serão entregues nas instalações da S...... constante deste contrato, de acordo com as encomendas efectuadas.

3 – A liquidação dos montantes devidos pela realização das encomendas supra citadas será efectuadas pela S...... no prazo de sessenta dias a contar da data do final do mês da emissão da factura respectiva.

4 – Se na liquidação das facturas emitidas pela M........E for cumprido o prazo estabelecido no número anterior, incidirá um desconto financeiro de três por cento a favor da S.......

5 – O não cumprimento do prazo de liquidação estabelecido no ponto três desta cláusula confere à M........E o direito de debitar e cobrar à S...... juros sobre os montantes devidos em atraso, à taxa LISBOR a trinta dias à data do final do mês a que se reportam os juros calculados, acrescida de quatro pontos percentuais.

6 – A S...... tornará claro em todos os seus contactos com os seus clientes ou potenciais clientes que age na qualidade de distribuidor dos produtos e não como agente M........E. A qualidade da S...... no âmbito deste contrato é o de agente comercial independente em relação aos clientes, quer da M........E quer da S...... e assim, comprará os produtos à M........E e revendê-los-á aos seus clientes por conta e custos próprios. A S...... não tem autoridade para agir como agente ou representante da M........E, nem tem alguma autoridade ou poder para contratar em nome desta ou criar-lhe alguma responsabilidade. Caso contrário, indemnizará e manterá a M........E livre de quaisquer ónus, custos, prejuízos ou despesas de qualquer espécie incorridas em conexão com a prática mencionada.

1 – A M........E facturará à S...... os produtos a P.V.D. (Preço Venda Distribuidor) nos termos do Anexo III ao presente contrato dele fazendo parte integrante.

2 – As condições de bonificação constam igualmente do Anexo III.

1 – A S...... fornecerá mensal e gratuitamente à M........E até ao dia oito do mês seguinte, um relatório de vendas efectuadas no mês anterior bem como as quantidades dos produtos em stock no final do mês respectivo.

2 – O relatório conterá as vendas por produto, em unidades e valores e as respectivas bonificações atribuídas, valores mensais e acumulados desde o início deste contrato.

(…) 7º

Para além das demais obrigações previstas neste contrato, a S...... fica ainda obrigada a:

a) respeitar e cumprir todas as disposições e regulamentos legais aplicáveis à distribuição e venda dos produtos no território português, de acordo com a cláusula primeira;

b) notificar imediatamente a M........E de qualquer facto ou situação que no entender da M........E seja susceptível de prejudicar a imagem dos produtos, ou que de algum modo possa constituir uma prática de concorrência desleal ou viole os direitos de propriedade industrial;

c) colaborar activamente com a M........E se assim lhe for solicitado, na defesa da imagem de marca dos produtos, sendo que todas as despesas relacionadas serão da responsabilidade da M........E;

d) suportar todos os custos e encargos relacionados com a distribuição e venda dos produtos;

e) receber quaisquer reclamações apresentadas pelos clientes a respeito dos produtos e, após prévia consulta com a M........E, tomar as medidas julgadas necessárias com vista a satisfazer tais reclamações quando for caso disso;

f) subscrever e manter actualizadas e em vigor apólices de seguro adequadas cobrindo todos os riscos possíveis de cobertura a respeito de armazenagem, distribuição e venda dos produtos;

g) não prestar de forma expressa ou tácita quaisquer garantias a respeito dos produtos ou das suas qualidades ou propriedades, salvo no caso de se tratar de garantias expressamente autorizadas por escrito pela M........E.

A S...... só poderá delegar ou ceder a totalidade ou parte dos direitos que lhe são conferidos por este contrato, após autorização prévia e por escrito da M........E para tal fim.

“O presente contrato entra em vigor na data da respectiva assinatura e terá uma vigência de dois anos, considerando-se sucessivamente renovado por período igual se qualquer das partes o não denunciar com um pré-aviso de noventa dias em relação ao termo, não só do predito de vigência inicial mas também das eventuais e sucessivas renovações.

10º

Sem prejuízo do disposto na cláusula antecedente, qualquer das partes terá o direito de, em qualquer momento, mediante carta registada com aviso de recepção, enviada para a sede da outra parte, rescindir unilateralmente o presente contrato, caso se verifique uma das seguintes situações:

a) início do processo de recuperação de empresa ou falência;

b) dissolução ou liquidação;

c) cessação de actividade;

d) perda total ou parcial dos negócios ou património de uma das partes contra a sua vontade e dos seus accionistas/sócios;

e) violação de qualquer das disposições do presente contrato, se a parte faltosa não remediar ou não poder remediar a situação resultante de tal violação no prazo de quinze dias a contar da data da recepção da carta, registada com aviso de recepção, que a parte lesada lhe envia notificando-as da violação (…)”, conforme documento de fls. 35 a 40 ((alínea C) dos Factos Assentes).

D) Por escritura pública celebrada em 30 de Novembro de 2006, a “S...... - Medicamentos, S.A.” foi incorporada, por fusão, na Autora, assumindo esta todos os seus direitos e obrigações (alínea D) dos Factos Assentes).

E) No dia 31 de Agosto de 2005, a Administração da “S......” recebeu uma carta datada do dia 29 de Agosto do mesmo ano, pelo qual declarou “denunciar o contrato de distribuição exclusiva” “com efeitos a partir do próximo dia 06 de Dezembro de 2005, nos termos aliás da sua cláusula 9ª” (alínea E) dos Factos Assentes).

F) Em 23 de Fevereiro de 2006, a “S......” reclamou à Ré o pagamento de uma indemnização de clientela, conforme documento de fls. 60 (alínea F) dos Factos Assentes).

G) A “S......” era das maiores, senão a maior distribuidora de produtos farmacêuticos (alínea G) dos Factos Assentes).

H) O acordo entre a Ré e a “S......” tinha como objectivo desenvolver a venda de pensos e material de pensos comercializados pela Ré, e já existentes no mercado, e lançar e desenvolver os produtos da gama “Tendra”, identificados no documento de fls. 41 como “productos avanzados”, junto das farmácias e dos armazenistas de produtos farmacêuticos (resposta ao quesito 1º).

I) Atendendo a que a Ré não tinha uma equipa de comercialização própria constituída, a “S......” propôs à Ré encarregar-se da promoção e venda dos produtos referidos na alínea H) (resposta ao quesito 2º).

J) Para tanto, a “S......” propôs estruturar-se com a logística necessária e organizar uma equipa de vendas que visitaria as farmácias e os armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos, a quem venderiam os produtos referidos na alínea H) (resposta ao quesito 3º).

L) Em contrapartida, a “S......” pretendia ser a única distribuidora dos referidos produtos para o canal de farmácias (resposta ao quesito 4º).

M) Só o referido no anexo I ao contrato descrito em C) como “productos avanzados”, com as marcas “Mepitel”, “Mepiform”, “Mepitex”, “Hypergel”, “Mesalt” e “Normigel”, são da linha “Tendra” (resposta ao quesito 40º).

N) A expectativa de venda dos produtos da linha “Tendra” era de sensivelmente metade dos outros produtos, intitulados como “resto de productos”, não devendo ser inferior a 100.000 euros por ano (resposta ao quesito 41º).

O) Isto pelo facto de os produtos “Tendra” estarem a ser lançados à época pela Ré (resposta ao quesito 42º).

P) Quanto aos restantes produtos, tais como “pensos estéreis”, “pensos mepore”; “adesivo hipoalergénico”, “glads luvas de vinil”, “compressas não tecido” e “geles” representavam praticamente toda a facturação da Ré (resposta ao quesito 43º).

Q) Uma vez que o conceito “Tendra” não existia ainda em Março de 1999, tendo surgido no decorrer desse ano (resposta ao quesitos 44º e 45º).

R) Na data da redução do contrato a escrito, interessou às partes o desenvolvimento de tal conceito (resposta ao quesito 46º).

S) A Ré comercializava com todos os distribuidores do ramo das farmácias existentes no mercado desde, pelo menos, 1991, os produtos descritos na alínea P) (resposta ao quesito 47º).

T) Aquando da celebração do contrato descrito em C), a Ré tinha uma quota de 20% a 30% do mercado de distribuição de produtos de pensos e material de pensos (resposta ao quesito 48º).

U) A partir de 1999, na execução de contrato descrito em C), toda a distribuição dos produtos referidos na alínea H) passou a ser feita, exclusivamente, pela “S......” (resposta ao quesito 5º).

V) Tendo a Ré deixado de fornecer directamente alguns armazenistas de produtos farmacêuticos a quem fazia fornecimentos pontuais (resposta ao quesito 6º).

X) A “S......” passou a comprar à Ré todos os produtos mencionados na alínea H) consumidos no dito canal de farmácias e, por sua vez, a distribui-los por todas as farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos (resposta ao quesito 7º).

Z) Desde Setembro de 1999 até Dezembro de 2005, nenhuma farmácia ou armazenista de produtos farmacêuticos comprou os produtos descritos na alínea H) directamente à Ré (resposta ao quesito 8º).

AA) A “S......” promovia os produtos farmacêuticos junto das farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos (resposta ao quesito 10º).

BB) As campanhas promocionais consistiam, geralmente, em campanhas de desconto aquando do lançamento de produtos novos ou na oferta de produtos aquando da compra de quantidades determinadas de produtos (resposta ao quesito 11º).

CC) As devoluções e trocas dos produtos referidos na alínea H), por defeito ou outras razões, eram todas, dentro do canal das farmácias reclamadas e feitas para a “S......”, que as geria e tratava, a suas expensas (resposta ao quesito 13º).

DD) Todas as farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos reconheciam a “S......” como a única distribuidora de pensos da marca “Tendra”, a quem se dirigiam todas as suas encomendas (resposta ao quesito 14º).

EE) As encomendas dos produtos referidos na alínea H) que fossem feitas directamente à Ré eram por esta reencaminhadas para a “S......” (resposta ao quesito 15º).

FF) Para dar execução ao contrato descrito em C), a Autora adequou a sua estrutura em termos logísticos para garantir a armazenagem, expedição e transporte dos produtos referidos na alínea H) (resposta ao quesito 16º).

GG) A Autora tinha uma equipa para a promoção e venda desses produtos, que chegou a atingir cinco pessoas (resposta ao quesito 17º).

HH) Entre os elementos desta equipa contava-se um agente externo, de nome António Mourão, que foi o grande impulsionador das relações comerciais entre a “S......” e a Ré, e que aquela remunerava através do pagamento de comissões sobre as vendas (resposta ao quesito 18º).

II) A “S......” atingiu com o seu trabalho no mercado das farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos os valores que contam das alíneas JJ) a XX) (resposta ao quesito 19º).

JJ) A “S......” vendeu, no ano de 2000, 141.125 de unidades de pensos e material de pensos, no valor de 389.168,66€ (resposta ao quesito 20º).

LL) A “S......” vendeu, no ano de 2001, 155.559 unidades de pensos e material de pensos, no valor de 427.950,53€ (resposta ao quesito 21º).

MM) A “S......” vendeu, no ano de 2002, 160.780 unidades de pensos e material de pensos, no valor de 462.862,51€ (resposta ao quesito 22º).

NN) A “S......” vendeu, no ano de 2003, 188.114 unidades de pensos e material de pensos, no valor de 665.637,71€ (resposta ao quesito 23º).

OO) A“S......” vendeu, no ano de 2004, 177.580 unidades de pensos e material de pensos, no valor de 676.135,15€ (resposta ao quesito 24º).

PP) A “S......” vendeu, no ano de 2005, 164.995 unidades de pensos e material de pensos, no valor de 637.913,00€ (resposta ao quesito 25º).

QQ) A margem média ponderada de lucro bruto auferido pela “S......” com a venda dos produtos referidos na alínea H) cifrou-se em 25,98% (resposta ao quesito 26º).

RR) Em 2000, a “S......” auferiu o lucro de 94.699,72€ (resposta ao quesito 27º).

SS) Em 2001, a “S......” auferiu o lucro de 123.595,87€ (resposta ao quesito 28º).

TT) Em 2002, a “S......” auferiu o lucro de 103.364,62€ (resposta ao quesito 29º).

UU) Em 2003, a “S......” auferiu o lucro de 223.771,93€ (resposta ao quesito 30º).

VV) Em 2004, a “S......” auferiu o lucro de 159.069,17€ (resposta ao quesito 31º).

XX) Em 2005, a “S......” auferiu o lucro de 148.482,12€ (resposta ao quesito 32º).

ZZ) Tais resultados devem-se à equipa de trabalho da “S......” (resposta ao quesito 33º).

AAA) A qual foi, em média, composta de cinco elementos a tempo inteiro, pertencentes ao quadro da empresa, divididos entre três comerciais, um administrador e um funcionário de armazém e um comissionista externo (resposta ao quesito 34º).

BBB) A partir de Dezembro de 2005, a Ré passou a vender os produtos referidos na alínea H) directamente a outros armazenistas de produtos farmacêuticos, conforme se discrimina:

a. “CC”

b. “DD”

c. “EE”

d. “FF”

e. “GG Coop. Dist.”

f. HH

g. II.”

h. JJ”

i. “KK, Lda.”

j. “LLt”

k. “MM”

l. “NN”

m. OO (resposta ao quesito 35º).

CCC) Recorrendo inclusive ao agente externo da “S......”, entretanto contratado pela Ré (resposta ao quesito 36º).

DDD) Nem a “S......” nem a Autora estão a receber qualquer quantia em resultado das vendas que a Ré tem feito, a partir de 2005, de produtos da gama “Tendra” aos clientes que eram fornecidos em exclusivo pela “S......” (resposta ao quesito 37º).

EEE) As campanhas publicitárias, conforme estão explicitadas na alínea BB), eram decididas pela Ré, executadas pela “S......” em colaboração com a Ré e, por regra, pagas por esta (resposta ao quesito 38º).

FFF) A Ré aceitou devoluções de produtos, mesmo após a cessação do contrato de distribuição, num valor superior a 40.000,00€ (resposta ao quesito 39º).

GGG) Nos anos de 2002, 2003 e 2004, a Ré fez subir os preços dos produtos para que a “S......” atingisse os seus objectivos (resposta ao quesito 49º).

HHH) As vendas dos ditos “productos avanzados”, a título de exemplo, atingiram, em 2000, o valor de 118.000€, em 2001, o valor de 10.462€, em 2002, o valor de 19.930€, em 2003, o valor de 37.338€, e em 2004, o valor de 56.130€ (resposta ao quesito 50º).

III) A actividade desenvolvida pela “S......” no âmbito do contrato descrito em C) era residual, tendo em conta o seu volume de negócios (resposta ao quesito 52º).

JJJ) Após a cessação do contrato descrito em C), a “S...” continuou a adquirir produtos da Ré e a vendê-los aos seus clientes, bem como a Autora, após a fusão mencionada na alínea D) (resposta aos quesitos 53º e 54º).

LLL) Em relação aos “productos traditionales”, a “S......” passou a fazer a promoção directa junto das farmácias, o que até então não sucedia (resposta ao resposta ao quesito 56º).

MMM) Os “productos avanzados” incluem a marca “Mepilex” (resposta ao quesito 57º).

NNN) A Autora logrou promover e colocar os “productos avanzados” no mercado das farmácias e armazenistas distribuidores de produtos farmacêuticos, não obstante serem mais caros e necessitarem, regra geral, de ser aconselhados por um médico (resposta ao quesito 58º).

OOO) Visto se destinarem a casos mais graves, com especificidades técnicas, como internamentos ou operações (resposta ao quesito 59º).

II.II. De Direito
1.Do âmbito e objecto do recurso.

Alega a recorrente ré, para além do mais, que não resulta da matéria de facto provada que a autora tenha angariado novos clientes. Assim, sustenta, não dever ter-se como verificado o requisito previsto na al. a) do nº 1 do artigo 33º do DL 178/86 de 03/07, o que desde logo impõe a improcedência da acção. Segundo a recorrida autora, a recorrente vem colocar uma questão que não tendo sido impugnada no recurso de apelação para a Relação adquiriu a força de caso julgado, não podendo ser apreciada na presente revista.

A recorrida autora  tem razão.

Fundamentemos:

A autora no recurso para a Relação, face à posição da 1ª instância que considerou verificadas as al. a) e b), mas não verificada al. c) todas do referido nº 1 do artigo 33º, o que levou à improcedência da acção, restringiu, como seria normal, a sua impugnação à questão da não verificação daquela última alínea (como é evidente, não iria questionar a verificação das primeiras alíneas que eram favoráveis à sua pretensão).

Por sua vez, a recorrente ré não apresentou recurso (a decisão de improcedência foi-lhe favorável) e nomeadamente não requereu a ampliação do âmbito do recurso de acordo com o disposto no artigo 684º-A do CPC.   

Mesmo nas contra-alegações que apresentou àquele recurso de apelação, a ré não questiona a verificação das referidas al. a) e b).

Na verdade, logo no início, alega: «O recurso de apelação apresentado pela recorrente está praticamente circunscrito ao facto de, no seu entender, não se aplicar aos contratos de concessão e/ou distribuição comercial a alínea c) do nº1 do artigo 33ºdo DL 178/86 de 03/07» ( sublinhado nosso).

Nada é dito sobre as restantes alíneas.

Finalmente o Tribunal da Relação expressamente exarou: 

«Na sentença recorrida procedeu-se ou não a uma correcta subsunção dos factos provados nos normativos legais aplicáveis e, nomeadamente, no art.º 10º do Código Civil e na alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do DL n.º 178/86 de 3 de Julho?

4.1. Ao iniciar a análise crítica do recurso intentado pela Autora, importa sublinhar que nem esta demandante nem a Ré questionaram que na situação jurídica em apreço estão preenchidos nestes autos os requisitos exigidos nas alíneas a) e b) – particularmente esta última na qual se estatui, o que vincadamente se sublinha, que os benefícios resultantes para a outra parte, aqui a apelada, têm de ser consideráveis – do n.º 1 do art.º 33º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, para que possa ser arbitrada a favor da apelante uma indemnização de clientela, facto este cuja relevância não pode ser ignorada ou sequer diminuída» (sublinhado nosso).

E mais à frente:

«Nesta conformidade e tendo em conta o conteúdo das alegações de recurso da apelante – e o das conclusões que as culminam – a presente instância, porque essa é a questão relativamente à qual existe litígio entre as partes, circunscreve-se ao julgamento das seguintes questões jurídicas: o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 33º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho (em cujo texto nenhuma alteração foi introduzida pelo DL n.º 118/93, de 13 de Abril), aplica-se ou não aos contratos de concessão comercial e, em caso afirmativo, face à factualidade comprovada no processo está ou não verificada a circunstância prevista nesse comando normativo?

E será, portanto, apenas sobre essa matéria que esta Relação irá exercer a sua pronúncia (sublinhado nosso).

E de facto foi esta questão que a Relação apreciou.

Parece assim claro que a verificação das situações previstas nas alíneas a) e b constituem coisa decidida e que consequentemente não podem voltar a ser discutidas: adquiriram a força de caso julgado.

Sendo assim as coisas, a recorrente ré não pode vir discutir neste recurso de revista o que nunca impugnou, o que aceitou (na verdade não requereu a ampliação do âmbito recurso), e que consequentemente não foi apreciado no Tribunal da Relação e que decidido está.

(Como se sabe, sem prejuízo do conhecimento oficioso que alguma questão reclame, o recurso destina-se a possibilitar que o tribunal superior reaprecie questões de facto e/ou de direito que no entender do recorrente foram mal decididas no tribunal a quo – e não a conhecer de questões novas, isto é, questões que não tinham sido, nem tinham que ser, objecto da decisão recorrida[1]).  

Assim e pelas razões expostas não se conhece da questão relativa à verificação / não verificação da al. a) do n º 1 do artigo 33º do DL 178/86 de 03/07.

2.Da decisão da matéria de facto

Como se sabe, o STJ conhece, em regra, somente de matéria de direito, aplicando aos factos provados pelo Tribunal da Relação o regime jurídico que julgue adequado – artigos 26.º da LOFTJ e 729.º, n.º 1, do CPC. Consequentemente, e como resulta nítido dos artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do CPC, está vedado a este Tribunal apurar eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos, salvo se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

De facto, só muito raramente a decisão definitiva da matéria de facto não é uma decisão das instâncias – importa ter presente.

No caso não tendo sido questionada a decisão da matéria de facto nos termos excepcionais acima referidos, aquela tem-se como assente, para todos os legais efeitos, tal com foi definida pelo Tribunal da Relação.

3.Da Indemnização de clientela

Está assente que entres as partes houve um contrato de concessão comercial e que este cessou.

Está ainda assente que a indemnização de clientela2] prevista no artigo 33º do DL 178/86 para o contrato de agência é aplicável por analogia [3] no caso concreto ao contrato de concessão.

Finalmente está assente que se verificam os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do citado artigo 33º relativos ao direito de indemnização de clientela.

Nas questões acima enunciadas não há qualquer dissenso, como aliás é salientado pelo Tribunal da Relação.

O que realmente está em discussão é se se verifica também o requisito previsto na al. c) do nº 1 do artigo 33º do citado diploma.

Na verdade a indemnização em apreço tem lugar quando cumulativamente se verificam os requisitos previstos no nº 1 e respectivas alíneas.

Não estando em causa os dois primeiros requisitos – os previstos nas referidas alíneas a) e b) - importa resolver se verifica também o requisito enunciado na alínea c).

(A 1ª instância deu resposta negativa; a Relação deu resposta positiva).

A Relação não decidiu bem, salvo o devido respeito.

Fundamentemos:

Desde logo importa ter presente que a norma está traçada para o contrato de agência, daí que se fale em retribuição do agente em contratos negociados ou concluídos. Ora como se sabe, o concessionário não recebe qualquer retribuição do concedente nem se limita a promover por conta daquele a celebração de contratos. Na verdade ele faz as revendas por sua conta e risco e os seus proventos são os lucros que aufira nestes negócios.  

Vejamos:

A recorrente/recorrida autora não vem recebendo como nunca recebeu da ré qualquer retribuição da recorrente pelos negócios realizados – estava em causa um contrato de concessão e não de agência, como se sabe.

Mas o que agora importa, e fazendo apelo à analogia (a norma está expressamente prevista para o contrato de agência e não para a concessão, repete-se), é saber se os proventos que a autora recorrida (ex-concessionária), aufere, após a cessação do contrato, no seu negócio de distribuição podem ou não ainda de algum modo ser resultantes da sua actividade anterior como concessionária da concedente ré. Se tais proventos puderem ainda de algum modo ser também considerados como resultado da sua anterior actividade como concessionária, está excluída a indemnização por força, numa aplicação analógica, do disposto na al. c) do nº 1, do artigo 33º, acima referido; se tais proventos não puderem, de nenhum modo. ser imputados àquela anterior actividade, tem direito à referida indemnização de clientela (lembre-se que os dois primeiros requisitos para o reconhecimento deste direito não estão em causa).

Ora, no caso, está provado que a autora, não sendo já concessionária da ré, continua a vender os produtos desta, nomeadamente aos seus clientes enquanto concessionária com os consequentes proventos. Assim, face a tais factos, parece indubitável que não está verificado o requisito previsto na referida na al. c).

Na verdade competia a autora provar (já que se trata de elemento constitutivo do alegado direito de indemnização) que havia deixado de receber quaisquer proventos derivados da sua anterior actividade de concessionária, o que manifestamente não ocorre.

Com efeito a autora do seu actual negócio claramente beneficia de continuar a vender os produtos da ré a clientes angariados aquando  da sua actividade de concessionária.

Resulta claro que a lei – alínea c), nº 1 do citado artigo 33º – pretende evitar a duplicação de benefícios. Assim a indemnização de clientela, no caso de concessão, só tem fundamento, para além da verificação dos restantes requisitos, quando a ex-concessionária deixa de auferir quaisquer proventos da sua anterior actividade[4], o que se não verifica no caso, como se reconhecerá.

De facto as razões que no contrato de agência justificam o preceituado na al. c) do nº 1 do citado artigo 33º – evitar a duplicação de compensações – valem aqui de igual modo.

Assim, numa aplicação analógica, desde que o ex-concessionário não prove, como no caso presente, que nenhum proveito está a obter resultante da sua anterior actividade de concessionário, sempre improcederá a sua pretensão à indemnização de clientela.,                                                            .
Face ao exposto, uma vez que se não verificam os requisitos do direito de indemnização de clientela, obviamente fica prejudicada a apreciação da questão do
quantum da indemnização arbitrada.

Pelas razões que ficaram expostas, procederá recurso da ré e improcederá o recurso da autora.                           .

III. Decisão

Nos termos expostos, decide-se:

a) negar a revista à autora;

b) conceder a revista à ré e revogar a decisão recorrida, mantendo-se assim a decisão da 1ª instância.

Custas da acção e dos recursos pela autora.

Em Lisboa, 29 de Março de 2012

   
Sérgio Poças (Relator)

Granja da Fonseca
Silva Gonçalves
_________________

[1] Neste sentido tem entendido a doutrina, designadamente, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, pág. 566; Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, pág. 153 a 158 e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 23.

Do mesmo modo, na jurisprudência. Assim, entre muitos outros. Ac. do STJ de 18/12/2003 proc. 03B 3728, dgsi; Ac. STJ de 28-4-2010 no proc. 2619/05.4TTLSB, em www.gde.mj.pt e Ac. da RC de 11/01/2011, proc. 934/08.4TBPBL.CI.

[2] É pacífico na doutrina e jurisprudência o entendimento sobre a natureza e finalidade da indemnização de clientela. Pinto Monteiro, in “Contrato de Agência -Anotação ao Decreto-Lei 178/86” – 2ª edição, págs. 103 e 104, aliás citado na decisão recorrida escreve «Trata-se, no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato – seja qual for a forma por que se lhe põe termo ou o tempo por que o contrato foi celebrado (por tempo determinado ou por tempo indeterminado) e que acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar –, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. É como que uma compensação pela “mais-valia” que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida, na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência.»

 Na jurisprudência entre muitos outros Ac deste Tribunal de 13/04/2010, Revista nº. 7566/04.4TBVNG.S2, 6ª Sec que «a indemnização de clientela constitui uma compensação a favor do agente, após a cessação do contrato, pelos benefícios que o principal continue a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. É devida, seja qual for a forma por que se põe termo ao contrato ou o tempo por que este foi celebrado e acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar».

Finalmente no próprio preâmbulo do DL 178/86, escreve-se a respeito da indemnização de clientela: «Trata-se, na sua essência, de uma indemnização destinada a compensar o agente dos proventos de que, após a cessação do contrato, poderá continuar a usufruir a outra parte, como decorrência da actividade desenvolvida por aquele. Verificadas as condições de que depende, a indemnização de clientela é devida, seja qualquer for a forma de cessação do contrato».       

[3] Aliás deve dizer-se que é pacífico o entendimento na doutrina e Jurisprudência sobre a aplicação por analogia da indemnização de clientela à concessão comercial. Escreve Menezes Leitão in «A Indemnização de Clientela no Contrato de Agência», pág.84/85: «Por nosso lado, parece-nos efectivamente que a situação do concessionário no momento da denúncia do contrato é tão merecedora da atribuição da indemnização de clientela como a do agente, desde que se verifique o pressuposto da obrigação de transmissão do círculo de clientes ao concedente e este adquira benefícios dessa transmissão.» 
Na jurisprudência, entre outros, Ac STJ de 13/04/2010, relator Cons. Azevedo Ramos,  Revista  nº7566/04 e de 12/05/2011e relatado pelo Cons. Granja da Fonseca, proc. 2334/04.acessível na internet (dgsi).
[4] Como se decidiu nomeadamente no Ac. do STJ de 12/05/2011, melhor identificado na nota 3. Aqui se escreveu: «Como a indemnização de clientela visa compensar os proventos ou remunerações que o “agente” deixa de receber em virtude da cessação do contrato, não poderá essa indemnização ser atribuída quando o “agente”, neste caso, a concessionária, continuou a beneficiar da clientela que “angariou” durante a vigência do contrato. Caso contrário, tornar-se-ia evidente a duplicação de rendimentos».