Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
31/10.2GTCBR-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DO ARGUIDO
FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO
CONDENAÇÃO
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TRÂNSITO EM JULGADO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
NON BIS IN IDEM
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
CORRECÇÃO DA DECISÃO
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: REVISÃO NEGADA
Sumário : I -A finalidade e os pressupostos do recurso extraordinário de revisão não acolhem a pretensão de, por via deste meio processual, se corrigir o erro na identificação do arguido condenado.
II - Quem foi julgado e condenado foi quem praticou os factos objecto da condenação, dando-se a circunstância de a pessoa física autora dos factos ter sido identificada erradamente, em virtude da falsidade, por ela cometida, quanto aos seus elementos de identificação.
III - Tendo sido condenado, como foi, embora sob uma falsa identidade, a descoberta de que o arguido forneceu uma falsa identidade não constitui um facto novo adequado a suscitar dúvidas sobre a justiça da sua condenação, não existindo, quanto a ele, a alternativa condenação-absolvição.
IV -E também não existe tal alternativa relativamente à pessoa por quem o arguido se fez passar, pela razão óbvia de que não foi ele quem, realmente, foi condenado no processo.
V - As razões da interposição do recurso de revisão radicam, sobretudo, na obtenção de uma condenação do arguido mais adequada ao seu passado criminal (cujo desconhecimento alcançou por se ter identificado falsamente, como, naturalmente, seria seu propósito) e já não tanto em preocupações de “justiça” relativamente àquele cuja identidade foi assumida pelo arguido, o que contraria a finalidade do recurso de revisão.
VI -Um segundo julgamento do arguido condenado - e, insiste-se, o arguido condenado foi (…), não obstante se tenha identificado como sendo (…) -, pelos mesmo factos, afrontaria o princípio non bis in idem, consagrado no n.º 5 do art. 29.º da CRP.
VII - A extracção de certidão de todo o processado remetida ao DIAP sempre se justificará, não para investigação dos factos pelos quais já foi julgado e condenado (o crime de condução de veículo em estado de embriaguez cometido nas circunstâncias de tempo, lugar e modo, dadas por provadas, na sentença), mas para proceder criminalmente, contra ele, pelo indiciado crime p. e p. pelos n.ºs 1 e 2 do art. 359.° do CP e para apuramento do, eventual, crime de condução sem habilitação legal.
VIII -A compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela pessoa cuja identificação o arguido julgado e condenado falsamente utilizou poderá ser reclamada no processo que vier a ser instaurado contra o arguido, pelo crime p. e p. pelo art. 359.°, n.ºs 1 e 2, do CP, ou em acção civil autónoma, nos termos do art. 72.° do CPP.
IX -Na situação em apreço, feita a prova da verdadeira identidade do condenado, deve ser oficiosamente ordenada a correspondente correcção da sentença, nos termos do art. 380.° do CPP, e remeter-se, com a respectiva nota de referência, outro boletim ao registo criminal, com a identificação correcta, para substituição do anterior, nos termos do art. 6.°, n.º 4, do DL n.º 381/98, de 27-11.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
            1. Veio o Ministério Público, em 01/07/2011, com fundamento na existência de novos factos que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do arguido AA, condenado no processo sumário n.º 31/10.2GTCBR, do 3.º juízo criminal de Coimbra, por sentença de 12/02/2010, transitada em julgado no dia 04/03/2010, interpor recurso extraordinário de revisão da sentença condenatória, formulando as seguintes conclusões:
            «1 – O arguido AA foi julgado e condenado no dia 12 de Fevereiro de 2010, por sentença transitada em julgado a 4 de Março de 2010, como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, praticado no dia 12 de Fevereiro de 2010, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, o que perfaz a quantia de € 800,00, e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses.
                «2 – Na sequência da apreensão da carta de condução para cumprimento da pena acessória, veio aos autos BB afirmar que foi ele que cometeu o crime pelo qual o aqui arguido foi condenado.
                «3 – Tal facto é coincidente com a informação prestada pelo arguido.
                «4 – E mostra-se em consonância com as informações prestadas pelos militares da GNR que procederam à detenção do sujeito apresentado a julgamento.
                «5 – Neste momento, BB é suspeito da prática dos factos pelos quais o arguido foi condenado.
                «6 – Pelo que foi extraída certidão de todo o processado e remetida ao DIAP de Coimbra para investigação dos factos alegadamente praticados pelo BB.
                «7 – E, consequentemente, requer-se a revisão da sentença relativamente à condenação do arguido AA, determinando-se a sua absolvição.»
            2. AA apresentou resposta, concluindo pela revisão da sentença e a sua consequente absolvição.
            3. Após realização de várias diligências, foi prestada a informação a que se refere o artigo 454.º do Código de Processo Penal[1], na qual se concluiu que, da ponderação de todos os elementos probatórios recolhidos, quem praticou os factos objecto do processo e da condenação foi BB e não AA, devendo, por isso, a revisão proceder.
            4. Nesta instância, o Ministério Público pronunciou-se, proficientemente, no sentido de que, no caso, não é admissível o recurso de revisão, devendo a 1.ª instância proceder à correcção que se imponha dos elementos de identificação do arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º do CPP.
            Parecer de que destacamos o seguinte:
            «(…)
«II
«1.
«Dispõe o art. 449º, nº 1, al. d), do C.P.P.:
«A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combina­dos com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
«Salvo o devido respeito, no caso dos autos não se suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do arguido.
«Na verdade, dos autos não resulta que tenha sido condenada, pela prática de condução em estado de embriaguez, pessoa diversa da que cometeu a infracção.
«Efectivamente, dúvidas não existem de que quem foi detido, na se­quência de acção de fiscalização, foi a pessoa que, em 12 de Fevereiro de 2010, pelas 14.01 horas, conduzia o veículo de mercadorias de matrícula xx-xx-yy, que circulava no IP3, ao Km 45,7, Souselas.
«Foi essa pessoa concreta que na altura foi constituída arguido.        
«Foi essa pessoa física concreta — enquanto arguido no processo — que foi notificada nos termos e para os efeitos do artigo 385.º, n.º 2, do C.P.P.
«Os referidos factos integradores do crime de condução em estado de embriaguez foram imputados à pessoa física concreta detida e constituída então arguido no processo.
«E só os arguidos podem ser julgados e condenados e não aqueles cujos elementos de identificação, ou parte deles, tenham sido usurpados pelos arguidos, ao falsamente declararem os seus elementos de identificação.
«2.
«Mas afinal o que se poderia alcançar com o presente recurso de revisão?
«— Demonstrar que os factos integradores do crime de condução em estado de embriaguez não tinham ocorrido, pelo que a condenação daquele arguido é injusta?
«Não.
«— Provar que o referido arguido os não cometera, pelo que a sua condenação é injusta?
«Não.
«— Demonstrar que, apesar de o arguido ser o autor dos factos, exis­tem novos factos susceptíveis de integrarem causa de justificação da ilicitu­de ou causas de exclusão da culpa, pelo que a condenação do arguido é injusta?
«Não.
«— Provar que os meios de prova de que o Tribunal se serviu para formular o seu juízo condenatório em relação à pessoa física do arguido foram condicionados pela falsidade dos elementos de identificação forneci­dos por aquele, pelo que a condenação do arguido é injusta?
«Também não.
«3.
«Da prova de que a pessoa detida, em 12 de Fevereiro de 2010, e logo constituída arguido, forneceu elementos de identificação que não lhe cor­respondiam não pode decorrer que se suscitem dúvidas sobre a justiça da sua condenação, uma vez que se provaram os factos que à mesma lhe eram imputados, integradores do aludido crime de condução em estado de embriaguez [2].
«Há pois que concluir que os autos não nos fornecem elementos que suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação do referido arguido.
«4.
«Entendimento diverso, no sentido de que casos como o presente devem ser objecto de recurso de revisão, parte do pressuposto, que salvo o devido respeito entendemos não merecedor de acolhimento, de que arguido no processo não é a pessoa concreta, física, detida e constituída como tal, mas antes a pessoa a que correspondem os elementos de identificação ― ou parte deles ― falsamente fornecidos pela pessoa detida e constituída como arguido.
«Como lucidamente se afirmou no parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República [3], várias vezes citado por Maia Gonçal­ves [4], de que nos permitimos transcrever parte:
«”É preciso nunca perder de vista que a instrução do processo foi efectivamente dirigida contra o verdadeiro arguido e que este é, de facto, parte no processo. Quer dizer: muito embora a identidade (falsa) corresponda precisamente a uma outra pessoa, quem é parte no processo é o arguido.»
«”(...)
«”De facto, recordando o que já dissemos, o julgamento refere‑se efectivamente ao verdadeiro arguido — não à pessoa cuja identidade foi usada por ele. Isto é, embora com um nome diferente, quem o tribunal julgou foi o arguido. Quer dizer: quem sofreu a condenação foi a pessoa física do arguido — nunca o titular do nome por ele usado.”
«5.
«Acontece que o recurso de revisão não é um meio expedito. É um recurso e um recurso extraordinário.
«Justificar-se-á que se implique o Supremo Tribunal de Justiça sempre que haja uma fundada suspeita de um arguido condenado ter usado de falsa identidade?
«Mais.
«Deverá o Supremo Tribunal de Justiça, em casos de fundada suspeita de usurpação de identidade, determinar o reenvio do processo, nos termos do artigo 457.º, n.º 1, para que se proceda a novo julgamento?
«Mas, então, terá, ao que julgamos, de legitimamente surgir a pergunta:
«Mas, novo julgamento de quem?
«5.1.
«Da pessoa cuja identidade foi usurpada?
«Mas tal implicaria, ao abrigo da norma do artigo 460.º do Código de Processo Penal, a sujeição a julgamento — necessariamente diminuidora e humilhante — de pessoa relativamente à qual tudo apontaria no sentido de nada ter a ver com os factos praticados pelo usurpador de identidade.
«Sujeitar a julgamento uma dada pessoa, quando há forte indícios de que o arguido tenha feito seus a totalidade, ou parte, dos elementos de identidade dessa pessoa, não será, certamente, a função dos Tribunais.
«E tal não é o pretendido pela lei, que antes o veda.
«Efectivamente, a lei é clara quando determina que o Ministério Público só deve acusar, para sujeição a julgamento, se tiver recolhido «indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente» (cf. o artigo 283.º, n.º 1, do C.P.P.).
«(Sublinhados nossos)
«No mesmo sentido, o juiz de instrução só deve pronunciar se houver «indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança» (cf. o artigo 308.º, n.º 1, do C.P.P.) e, não tendo havido instrução, deve o juiz rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada [cf. o artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do C.P.P.].
«(Sublinhados nossos)
«Por isso mesmo, só deve ser sujeito a audiência de julgamento a pessoa, constituída arguida, relativamente à qual existam indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação a esta — enquanto arguida — de uma pena ou de uma medida de segurança.
«Parece assim de concluir pela impossibilidade de sujeição a uma audiência de julgamento, nos termos do artigo 460.º do C.P.P., de pessoa relativamente à qual haja uma fundada suspeita de os seus elementos de identidade terem sido usurpados pelo agente da infracção.
«5.2.
«Novo julgamento do arguido, do usurpador?
«Mas, se assim for, quer se prove, quer não se prove, a usurpação de identidade, a decisão que vier a ser tomada, após o novo julgamento da pessoa constituída arguido, será sempre condenatória, o que, manifestamente, está em frontal oposição com o sentido e razão de ser do novo julgamento previsto pelo regime do recurso extraordinário de revisão.
«Por tudo isto, terá de surgir, necessariamente, a pergunta:
«6.
«Não sendo efectivamente arguida[5] no processo a pessoa cuja identidade foi usurpada, nem tendo sequer legitimidade para, atenta a norma do artigo 450.º, n.º 1, do C. P.P., interpor recurso extraordinário de revisão, como pode insurgir-se relativamente ao facto de, num processo crime, os seus ele­mentos de identificação constarem como pertencentes a um dado arguido?
«Por outras palavras:
«Em casos de usurpação de identidade, qual o meio de reacção?
«A questão não é nova, sendo de há muito discutida. Mostram-no a jurisprudência, de há várias décadas, variada e de sentido oposto [6].
«Na vigência do Código de Processo Penal de 1929, a questão foi resol­vida com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º185/72, de 31/05. Como se refere no respectivo preâmbulo, «resolve-se uma dúvida resultante da condenação de um réu insuficiente ou inexactamente identificado nos autos».
«Passou, então, a dispor o § único do art. 626.º:
«Quando seja certa a pessoa que foi réu no processo, mas insuficiente ou inexacta a sua identidade, proceder-se-á à rectificação desta nos autos, depois de realizadas as diligências necessárias.
«Concordamos com o Juiz Conselheiro Dr. Maia Gonçalves, de saudosa memória, quando refere que, apesar de no actual código não existir disposição correspondente, a orientação que veio a obter consagração legal continua a impor-se [7].
«Dirigindo-se o processo penal contra uma determinada pessoa física concreta — o arguido —, sendo o nome somente um meio de identificação daquela, a prova da falsa identidade fornecida, por não implicar dúvidas sobre a identidade física do condenado, apenas justificará a correcção dos elementos de identificação, mediante processo expedito e não por apelo ao recurso de revisão, pois que não está em causa a justiça da condenação do arguido.
«(…)»
5. Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.
            Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.
II

            1. Com interesse para a presente decisão, mostram os autos o que passamos a referir.
            1.1. No dia 12 de Fevereiro de 2010, pelas 14.01 horas, no IP3, ao Km 45,7, em Souselas, o condutor do veículo ligeiro de passageiros, de matrícula xx-xx-yy, foi submetido ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado, apresentando uma TAS de 2,96 g/l.
            Foi levantado o respectivo auto de notícia, o condutor do veículo foi constituído arguido e foi detido, sendo apresentado ao Ministério Público.
            O Ministério Público requereu o julgamento do condutor do veículo, em processo sumário, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, pelos factos constantes do auto de notícia.
            O condutor do veículo foi, em acto seguido, submetido a julgamento, em processo sumário, vindo, por sentença desse mesmo dia 12/02/2010, a ser condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 10,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 4 meses e 15 dias.
            1.2. O condutor do veículo, aquando da sua detenção e constituição como arguido, identificou-se como sendo AA, nascido a 06/09/1964, casado, pedreiro, filho de CCe DD, residente na Rua N… C…, xxx, Coimbra, não apresentando, na altura, qualquer documento de identificação.
            Na audiência de julgamento, o condutor do veículo identificou-se do mesmo modo, apenas alterando a data de nascimento que indicou ser 09/07/1961.
            1.3. No dia 11/06/2011, BB apresentou um requerimento, no processo, afirmando ser ele o condutor do veículo e ter-se identificado como se fosse AA, seu irmão.
            1.4. Notificado desse requerimento, AA veio aos autos dizer, designadamente, nunca ter sido constituído arguido na sua vida, jamais ter vivido na Rua N… C…, em Coimbra, nunca ter visto a defensora oficiosa nomeada na audiência de julgamento, em suma, ser verdadeiro o conteúdo do requerimento apresentado por seu irmão, BB.
            1.5. A prova recolhida nos termos do artigo 453.º do CPP, mostra-se referida na informação prestada nos termos do artigo 454.º do CPP, como segue:
            «Após a produção da prova e conforme documentos de folhas 19 e 22 apurou-se que no dia, hora e local dos factos supra descritos, quem conduzia efectivamente o veículo automóvel de matrícula xx-xx-yy, com uma TAS de 2,96 g/l era BB, melhor identificado nos autos e não o condenado AA.
                «Tais factos assentaram nas declarações confessórias de BB, prestadas em sede de inquirição realizada no âmbito dos presentes autos de recurso extraordinário de revisão, o qual confirmou a data, local e factos ocorridos, bem como o conteúdo do documento de fls. 19, assinado por ele próprio, no qual o mesmo declara que era ele quem efectivamente conduzia naquelas circunstâncias de tempo, lugar e modo o referido veículo, e não AA.
                «Tais factos são coincidentes com a informação prestada pelo arguido, a fls. 22, do presente apenso [o requerimento apresentado por AA, supra referido em 1.4.], o qual veio a confirmar o seu conteúdo em sede de inquirição.
                «No mesmo sentido foram as declarações prestadas pelo inquirido EE [signatário do auto de notícia].»
2. Há, por conseguinte, elementos probatórios que apontam no sentido de que era BB quem conduzia o veículo, quem foi submetido ao exame de pesquisa de álcool, quem foi detido, quem foi constituído arguido, quem foi submetido a julgamento em processo sumário e, finalmente, quem foi condenado.
Verificando-se, porém, que ele [BB], em todos os momentos em que teve de se identificar, forneceu uma falsa identidade, identificando-se como sendo AA, ou seja, atribuindo-se a si próprio a identificação de AA.
Nomeadamente, na audiência de julgamento, em que BB tinha o dever de se identificar, com verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade penal (artigo 342.º, n.os 1 e 2, do CPP), conduta passível de integrar o crime p. e p. pelo artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal (falsidade das declarações do arguido sobre a sua identidade).     
Em suma, o arguido condenado no processo (a pessoa física que teve a qualidade de arguido e foi condenada) foi BB só que, em virtude de ele ter prestado declarações falsas sobre a sua identidade, foi cometido um erro de identificação do arguido, designadamente na sentença, dela constando a (falsa) identificação, como arguido, de AA.
3. A questão que deve ser resolvida consiste, por conseguinte, em saber se o recurso extraordinário de revisão é o meio próprio de “corrigir” o erro quanto à identidade do arguido que consta da sentença.
   A resposta a essa questão não pode deixar de ser negativa, a nosso ver.
3.1. No domínio do CPP de 1929, a jurisprudência divergia sobre o modo de resolver os casos em que o arguido, condenado em processo penal, havia usado identificação falsa: tanto considerava que o recurso de revisão era o meio processual adequado, como entendia que a questão devia ser resolvida no âmbito do próprio processo, através do incidente a que aludia o art. 626.º desse código.
O § único do art. 626.º, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 185/72, de 31 de Maio [«Quando seja certa a pessoa que foi réu no processo, mas insuficiente ou inexacta a sua identificação, proceder-se-á à rectificação desta nos autos, depois de realizadas as diligências necessárias.»], veio pôr termo a essa divergência jurisprudencial, passando a ser adoptada a segunda daquelas orientações.
3.2. O actual CPP não contém disposição expressa idêntica.
No entanto, quer Maia Gonçalves[8] quer M. Simas Santos e M. Leal-Henriques[9] defendem que, apesar da omissão, deve continuar a proceder-se do mesmo modo.
Solução para que aponta, decisivamente, o Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro, que regulamenta a identificação criminal e de contumazes, quando, no artigo 6.º, n.º 4, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 288/2009, de 8 de Outubro, estabelece:
«4 – Se depois da remessa do boletim se apurar que o arguido a quem o mesmo respeita forneceu uma identificação falsa, ou que não eram correctos os elementos de identificação, preenche-se outro boletim com a identificação correcta, que é remetido com a respectiva nota de referência, para a substituição do anterior.»
3.3. Podem detectar-se, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, duas correntes: uma, que considera que a verificação de erro na identificação da pessoa condenada, cuja identidade foi assumida por outrem, constitui facto novo ou novo meio de prova, que é fundamento do recurso de revisão; outra, que reduz a questão a uma situação em que se impõe a necessidade de rectificação da sentença condenatória, a levar a efeito nos termos do art. 380.º do CPP[10].
            Contudo, nos tempos mais recentes, afigura-se-nos que se tornou claramente dominante a posição jurisprudencial que considera não constituir fundamento de revisão o falseamento da identidade do arguido presente na audiência. Segundo essa posição, se a pessoa julgada é efectivamente o arguido, que se identificou com os elementos de identificação de outra pessoa, há apenas que corrigir os elementos de identificação na sentença, com os consequentes cancelamento e averbamento nos registos criminais do arguido e da terceira pessoa.
             A título meramente exemplificativo, cita-se o acórdão de 20/02/2003[11], onde se concluiu:
            «Não há lugar a revisão de sentença penal quando o condenado é a pessoa física, embora identificada com outro nome, que cometeu o crime objecto de condenação.
                «Em tais situações, haverá, simplesmente, que averiguar incidentalmente, a verdadeira identidade do condenado e, uma vez feita a prova, ordenar oficiosamente as correspondentes rectificações (na sentença) e cancelamentos (ao registo criminal).»
            E referem-se, com destaques dos respectivos sumários:
            O acórdão de 24/02/2005 (Processo n.º 654/05 – 5.ª Secção)
«I – Não há lugar a revisão da sentença quando é condenada a pessoa física que cometeu um crime, embora identificada com outro nome.
«II – Em tal situação, depois das necessárias diligências, o que importa é que se proceda à rectificação da decisão condenatória, substituindo pelo nome verdadeiro do arguido condenado o nome que, por erro, figura naquela decisão.»
O acórdão de 11/05/2006 (Processo n.º 1171/06 – 5.ª Secção)
«I – A revisão extraordinária de sentença transitada em julgado não pode ser concedida senão em situações devidamente clausuladas, pelas quais se evidencie ou pelo menos se indicie com uma probabilidade muito séria a injustiça da condenação, dando origem, não a uma reapreciação do anterior julgado, mas a um novo julgamento da causa (art. 449.º, n.º 1, do CPP).
«II – No caso em que a pessoa que foi condenada foi o verdadeiro agente da infracção e em que apenas a sua identidade foi falseada pela indicação de sinais identificativos não correspondentes aos da pessoa em causa, haverá lugar à rectificação oficiosa dos dados de identificação do condenado, não existindo fundamento para a revisão da decisão condenatória.»
            O acórdão de 30/04/2009 (Processo n.º 243/06.3SILSB-A.S1 – 5.ª Secção)
«II – O mecanismo do recurso extraordinário de revisão responderia se LS tivesse sido condenado na sua pessoa, e se se viesse a verificar, posteriormente, que à data da prática dos factos se encontrava preso, não podendo, por isso, ter cometido o crime.
«III – Mas, no caso presente, a pessoa física que cometeu a infracção criminal foi a mesma que foi julgada e condenada e a quem foi imposta a pena; ou seja, verdadeiramente não foi LS quem foi condenado como autor do crime, mas a pessoa física que, dando o nome daquele, foi detida em flagrante delito.
«IV – Deste modo, não há lugar a revisão da sentença penal, havendo, simplesmente, que averiguar, incidentalmente, a verdadeira identidade do condenado e, uma vez feita a prova, ordenar oficiosamente as correspondentes rectificações (na sentença) e cancelamentos (no registo criminal).»
            3.4. Solução diferente foi acolhida no acórdão de 28-04-2010 (Processo n.º 25/08.8GTLRA-A.S1 – 3.ª Secção).
            Aí, a situação materialmente subjacente não era inteiramente coincidente com a que, no caso, se verifica, pois, como consta do respectivo sumário, «no caso dos autos, figura como acusado, como tendo sido julgado na ausência e como tendo sido condenado pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem para tal estar legalmente habilitado, o cidadão que se identificou como sendo A; todavia, noutro processo, foi julgado provado que o autor desse facto foi B que, no acto da fiscalização pela GNR e no de prestação de TIR, forneceu os elementos identificativos do seu irmão – A – vindo então a ser condenado, pela prática de um crime de denúncia caluniosa, em concurso real com um crime de condenação sem habilitação legal». Reconhecendo-se, como ainda consta do respectivo sumário, que «a situação desenhada nos autos não é, materialmente, a do julgamento e condenação de duas pessoas diferentes pelos mesmos factos. Em ambos os processos, o arguido foi o cidadão B quem conduzia naquele dia, hora, local e circunstâncias o automóvel, foi ele quem foi autuado e detido por não estar legalmente habilitado a conduzi-lo, foi ele quem foi constituído arguido, foi ele quem prestou o TIR, foi ele quem foi pessoalmente notificado para comparecer para ser julgado em processo sumário, com a advertência de que o julgamento se faria mesmo que não comparecesse. Só que, então, declinou identificação que não era a sua, atribuindo a si próprio a identificação do sujeito A».
            Foi, no entanto, afastada a via da correcção da sentença por rectificação da identificação do arguido, ao que conseguimos detectar, ainda do respectivo sumário, em síntese, por três ordens de argumentos.
            Por um lado, impor-se-ia o recurso de revisão quando «o recorrente, mais concretamente o MP ou o assistente (cf. art. 450.º do CPP), precisamente por causa da falsa identificação, atacam a justiça da condenação porque, referida a pessoa diferente do verdadeiro arguido, relevou factos pessoais que lhe são estranhos (eventuais álibis, antecedentes criminais, percurso e modo de vida, condições pessoais, comportamento, que podem ter sido ou terão mesmo sido deturpados enquanto referidos a outra pessoa)».
            Por outro lado, a simples correcção da sentença em causa não seria «susceptível de resolver de forma eficaz e expedita, todo o problema suscitado pela condenação que acabou por recair sobre o sujeito A, pois que ainda pudesse desonerá-lo da condenação, cancelando-se correspondentemente o registo criminal, já não se mostraria capaz de o restituir de forma cabal e plena à situação jurídica anterior à condenação, como tem direito, nos termos dos arts. 461.º e 462.º do CPP: direito a ver publicamente reparada a sua imagem, nos termos amplos previstos no n.º 2 do primeiro daqueles preceitos; direito a indemnização a pagar pelo Estado (n.os 1 e 2 do art. 462.º); direito à restituição das importâncias que suportou em custas e multa (n.º 1 do mesmo artigo)».
            Finalmente, a simples correcção da sentença por rectificação da identificação do arguido «conduziria ainda, a resultados ofensivos de direitos e garantias constitucionalmente consagrados, designadamente no n.º 1 do art. 32.º e no n.º 5 do art. 29.º da CRP ou, quando não, à constatação de que o tribunal não acautelou convenientemente a protecção desses direitos e garantias».
            Este último argumento, que radica no princípio non bis in idem, não se projecta, no caso em apreço, uma vez que não se verifica a situação de BB ter sido condenado, noutro processo, pelos mesmos factos.
            De todo o modo, será oportuno, aqui, recordar que, como se sustentou no acórdão deste Tribunal, de 01/06/2007 (Processo n.º 06P1936):
            «I – Apurando-se que o arguido foi julgado e condenado duas vezes pelo mesmo facto, em ordem a dar sem efeito uma dessas condenações não cumpre socorrer do recurso de revisão, pois a situação não preenche nenhuma das hipóteses enunciadas no artigo 449.º, n.º 1, do CPP.
                «II – Naquela situação, cumpre recorrer à aplicação do art. 675.º, n.º 1, do CPC, socorrendo-nos do disposto no art. 4.º do CPP: cumprir-se-á a decisão que passou em julgado em primeiro lugar.»
                3.5. A finalidade e os pressupostos do recurso extraordinário de revisão não acolhem a pretensão do recorrente de, por via deste meio processual, corrigir o erro na identificação do arguido condenado. 
            Porque do que se trata – como, antes, já deixamos esclarecido – é de um erro na identificação do arguido. Quem foi julgado e condenado foi quem praticou os factos objecto da condenação, dando-se, simplesmente, a circunstância de a pessoa física autora dos factos ter sido identificada erradamente, em virtude da falsidade, por ela cometida, quanto aos seus elementos de identificação.
3.5.1. O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, prescreve que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
            Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material”[12].
            “Entre o interesse de dotar de firmeza e segurança o acto jurisdicional e o interesse contraposto de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade e, através dela, a justiça, o legislador escolheu uma solução de compromisso que se revê no postulado de que deve consagrar-se a possibilidade – limitada – de rever as sentenças penais.”[13]
            O recurso de revisão é, assim, um meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários ou casos de flagrante injustiça.
            Ora, no caso, relativamente ao arguido – e arguido, no processo, foi BB – não foi cometida qualquer injustiça porque a condenação decorre de ter sido ele o autor dos factos por que foi condenado.
            Por outro lado, em relação àquele cuja identidade foi falsamente assumida, como sendo a sua, pelo arguido BB também não foi cometida qualquer injustiça, pela razão óbvia que não foi ele [AA] quem foi detido, quem foi constituído arguido, quem foi submetido a julgamento e, finalmente, quem foi condenado.
            3.5.2. Na solução legislativa, só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, sendo, ademais, taxativas as causas da revisão elencadas no n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal.
            A revisão de sentença transitada em julgado é admissível (só é admissível) quando:
            «a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
                «b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
                «c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
                «d) se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
                «e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
                «f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
                «g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.»
            De acordo com o fundamento invocado pelo recorrente – a alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º – é necessário que os factos novos, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar uma dúvida grave sobre a justiça da condenação.
            Requer-se, afinal, que os novos factos ou meios de defesa sejam adequados a levantar fundadas suspeitas da inocência do condenado. “As suspeitas devem ser da inocência do condenado” de modo a que “a alternativa seja, portanto, condenação-absolvição”[14].
            Só que, tendo sido condenado, como foi, BB, embora sob uma falsa identidade, a descoberta de que ele forneceu uma falsa identidade não constitui um facto novo adequado a suscitar dúvidas sobre a justiça da sua condenação. Quanto a ele, a alternativa não é condenação-absolvição.
            E, bem vistas as coisas, também não o é relativamente a AA pela razão óbvia de que não foi ele quem, realmente, foi condenado no processo.   
            3.5.3. E não deixa de ser curioso notar que o recorrente, a pretexto de uma formalmente assumida revisão pro reo, visa, afinal, a possibilidade de “corrigir” a condenação de BB pelos factos, de modo a que, por eles, seja condenado em «pena muito superior» àquela que lhe foi aplicada.
            A revisão não teria, assim, como finalidade primeira a absolvição de AA mas ela seria apenas o “meio” de se vir a obter uma «condenação mais justa» de BB, pela sua condenação em «pena muito superior».
            E por ser assim é que o Ministério Público destaca, com pormenor, na motivação de recurso, o longo passado criminal de BB, todo relacionado com crimes cometidos no exercício da condução e o facto de ele, à data, não possuir habilitação legal para conduzir veículos motorizados, como «circunstâncias que impõem uma pena muito superior àquela aplicada nos autos de processo sumário 31/10.2GTCBR», «pelo que, no caso em apreço, o mero incidente de alteração da identificação do arguido conduz a uma condenação injusta».
            Mostra-se, assim, evidenciado que as razões da interposição do recurso de revisão radicam, sobretudo, na obtenção de uma condenação do arguido mais adequada ao seu passado criminal (cuja desconhecimento alcançou por se ter identificado falsamente, como, naturalmente, seria seu propósito) e já não tanto em preocupações de “justiça” relativamente àquele cuja identidade foi assumida pelo arguido.
            O que, manifestamente, contraria a finalidade do recurso de revisão.
            O objectivo visado pelo recorrente não tem apoio no primeiro argumento do acórdão de 28/04/2010 (processo n.º 25/08.8GTLRA-A.S1-3.ª secção), antes transcrito, se bem pensamos, embora discordemos da solução. Aí, ter-se-ão ponderado as graves dúvidas sobre a própria justiça da pena por a sua determinação ter sido negativamente influenciada por factos pessoais provados decorrentes de se considerar como verdadeira a identificação fornecida pelo arguido, ou seja, a pena ter sido determinada em medida superior àquela que lhe seria aplicada se tais factos não fossem dados por provados. O que configura a situação inversa àquela que é considerada pelo recorrente.      
            Acresce que um segundo julgamento do arguido condenado – e, insiste-se, o arguido condenado foi BB, não obstante se tenha identificado como sendo AA –, pelos mesmo factos, afrontaria o princípio non bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição [«Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime»].
            A extracção de certidão de todo o processado remetida ao DIAP de Coimbra sempre se justificará, não para investigação dos factos pelos quais BB já foi julgado e condenado (o crime de condução de veículo em estado de embriaguez cometido nas circunstâncias de tempo, lugar e modo, dadas por provadas, na sentença), mas para proceder criminalmente, contra ele, pelo indiciado crime p. e p. pelos n.os 1 e 2 do artigo 359.º do Código Penal e para apuramento do, eventual, crime de condução sem habilitação legal.
            3.5.4. Finalmente, a decisão de autorização de revisão tem como primeira consequência o reenvio do processo para realização de novo julgamento (artigo 457.º, n.º 1, do CPP).
            E para a pergunta da Exm.ª Procuradora-geral-adjunta – “novo julgamento de quem?” – não há resposta satisfatória, como bem salienta.
            Novo julgamento do arguido condenado, não. Porque ele já foi julgado e condenado e um novo julgamento estaria em clara oposição com a razão de ser do recurso de revisão uma vez que, quanto a ele, não há quaisquer dúvidas quanto à justiça da condenação.
            Novo julgamento da pessoa que não foi arguido no processo e não foi condenada no processo, também não. Não se pode conceber um “novo” julgamento de quem não foi submetido a julgamento e só numa pura ficção (simulando-se que quem foi julgado no processo foi a pessoa de cujos elementos de identificação a pessoa efectivamente julgada se serviu para se identificar, falsamente) poderia assentar.
              Ficção que, ademais, implicaria, contra a lei, o julgamento de uma pessoa relativamente à qual não há qualquer suspeita de ter praticado o crime.
 Razões bastantes para se rejeitar a ficção de um “novo julgamento” da pessoa cuja identificação o arguido julgado e condenado usou, como se fosse a sua.
 E nem mesmo as “vantagens” assinaladas no segundo argumento do acórdão de 28/04/2010 (processo n.º 25/08.8GTLRA-A.S1-3.ª secção), antes transcrito, poderão levar à aceitação, no caso, do recurso de revisão porque isso representaria a degradação do recurso extraordinário de revisão num mero expediente para que a pessoa cuja identificação o arguido julgado e condenado falsamente utilizou obtivesse a compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
De todo o modo, ao lesado com essa actuação do arguido sempre restará a possibilidade de reclamar a indemnização pelos danos sofridos ou no processo que vier a ser instaurado contra o arguido, pelo crime p. e p. pelo artigo 359.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, ou em acção civil autónoma, nos termos do artigo 72.º do CPP.
3.6. Em suma:
Não há lugar a revisão da sentença penal condenatória quando o condenado é a pessoa física que foi julgada e que cometeu o crime objecto da condenação, embora identificada com os elementos de identidade relativos a outra pessoa.
Nessa situação, feita a prova da verdadeira identidade do condenado, deve ser oficiosamente ordenada a correspondente correcção da sentença, nos termos do artigo 380.º do CPP, e remeter-se, com a respectiva nota de referência, outro boletim ao registo criminal, com a identificação correcta, para substituição do anterior, nos termos do artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 381/98, de 27 de Novembro.
III

Pelo exposto, denega-se a revisão pedida pelo Ministério Público.
Sem custas, por delas o Ministério Público estar isento (artigo 4.º do RCP).

Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Janeiro de 2012

Isabel Pais Martins (relatora)
Manuel Braz
Carmona da Mota


[1] Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP.
«[2] Como também se referiu no acórdão do S.T.J., de 11/03/93, que negou a requerida revisão: «Os meios de prova de que o Tribunal de serviu para formular o seu juízo condenatório em relação a uma pessoa física em nada foram condicionados pelos elementos de identificação inexactos do ente que se submeteu à justiça do tribunal criminal», in CJASTJ, I, I, 212.»
«[3] Cf. BMJ 18-144.»
«[4] Cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Coimbra, 1972, anotações ao art. 626.º, p. 716, Código de Processo Penal, 13.ª edição, anotações ao art. 468.º, p. 910, e anotação ao acórdão do S.T.J. de 16/06/71, BMJ 208-93.»

«[5] Como alias AA refere no requerimento de fls. 22.»
«[6]Cf., nomeadamente, Maia Gonçalves, ob. cit., e Leal‑Henriques/Simas Santos, Código de Pro­cesso Penal, 2.ª edição, 2000, jurisprudência citada em anotação ao art. 449.º.
            «É curioso, também, atentar na alteração do sentido da jurisprudência após o acórdão de 5 de Julho de 1995. Neste, embora com três votos de vencido, foi autorizada a pretendida revisão. A tese então vencida, segundo a qual, tendo sido julgada e condenada a pessoa física que cometeu o crime, não há lugar a recurso de revisão mas a correcção do erro de identificação nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b), do C.P.P., logrou obter vencimento logo em 8 de Novembro seguinte, no acórdão n.º 47970, subscrito pelos Juízes Conselheiros da Secção Criminal, sem qualquer voto de vencido.»
«[7] Ob. cit., 13.ª edição, p. 910.»
[8] Código de Processo Anotado, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, em anotação ao artigo 468.º, p. 598.
[9] Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, em anotação ao artigo 468.º, p. 1099.
[10] Apontando jurisprudência divergente, sobre o tema, v. g., Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 16 e. ao artigo 449.º, p. 1210, Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal Notas e Comentários, 2.ª edição, Coimbra Editora, anotação ao artigo 449.º, p. 1449, M.Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., em anotação ao artigo 468.º, pp. 1100-1101.
[11] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XXVIII, Tomo I, pp. 218-220.
[12] M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, cit., p. 1042.
[13] Ibidem., p. 1043.
[14] M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, ob. cit., pp. 1045-1046..