Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
149/15. 5YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: TURNOS
ACTO ADMINISTRATIVO
ATO ADMINISTRATIVO
REGULAMENTO
JUIZ PRESIDENTE
JUIZ
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 03/31/2016
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: ANULADA A DELIBERAÇÃO RECORRIDA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. - ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA ( ATIVIDADE ADMINISTRATIVA ) / REGULAMENTO ADMINISTRATIVO / ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ).
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - TRIBUNAIS JUDICIAIS / ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO / TURNOS - GESTÃO DOS TRIBUNAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA / PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE COMARCA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS.
Doutrina:
- António Francisco de Sousa, “Código do Procedimento Administrativo” Anotado e Comentado, Quid Juris, 2009, 328.
- Colaço Antunes, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa, Almedina, 2006, 118 e ss., 133/134.
- Freitas do Amaral, Direito Administrativo, 1989, 36/37.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA), PRÉ-VIGENTE: - ARTIGO 120.º.
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (NCPA), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 4/2015, DE 7 DE JANEIRO: - ARTIGOS 135.º, 148.º.
DECRETO-LEI N.º 4/2015, DE 7 DE JANEIRO: - ARTIGO 8.º, N.º1.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 28.º-A.
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ), LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGOS 36.º, N.ºS 1 E 2, 94.º, N.º 3, AL. B), 98.º.
Sumário :


I - O acto administrativo (art. 120.º do CPA pré-vigente e art. 148.º do actual CPA) é definível como um acto proferido por um órgão da Administração pública, no exercício de um poder de autoridade regulado por normas de direito público, de natureza reguladora, que visa a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica, com eficácia externa, isto é, produtor de efeitos jurídicos externos, atingindo a esfera jurídica de terceiros. O acto destina-se a regular um caso ou situação concreta através da aplicação do ordenamento jurídico.
II - Ao invés de um regulamento administrativo – que tem uma dimensão normativa, geral e abstracta -, o acto administrativo é uma decisão individual e concreta, sendo que a generalidade de um e a individualidade do outro têm a ver com os destinatários dos comandos jurídicos; por outro lado, o caracter abstracto ou concreto tem a ver com a abrangência de um e de outro, o âmbito de aplicação de cada um deles, as realidades que visam regular.
III - Existem, contudo, actos administrativos colectivos, plurais e gerais, caracterizando-se os primeiros por terem como destinatários um conjunto unificado de pessoas, os segundos por a decisão da administração ser igualmente aplicável a várias pessoas diferentes (actos plurais) e os terceiros por se aplicarem de imediato a um grupo inorgânico de pessoas, todas elas determinadas ou determináveis, razão pela qual a delimitação entre o individual e o geral não se faz a partir de um critério numérico.
IV - Os «turnos» constituem uma imposição legal, visando assegurar o serviço que deva ser executado em férias judiciais, bem como o serviço urgente previsto na lei que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos, ou seja, têm em vista a escolha e a designação dos juízes do tribunal que asseguram o serviço que deva ser executado naqueles referidos períodos. A referida escolha e designação compete, nas comarcas, ao Juiz Presidente, sendo submetida à aprovação do CSM (art. 36.º, n.ºs 1 e 2 e al. b) do n.º 3 do art. 94.º, ambos da Lei n.º 62/2013, de 26-08).
V - A decisão de organização de turnos tem duração limitada a um ano; ou seja, dirige-se a um grupo de pessoas especificamente identificadas (os juízes em exercício de funções no Tribunal da Comarca de P), tendo em vista a definição de uma determinada e concreta situação.
VI - O acto decisório referido em V. deve, pelos motivos aí mencionados, ser tido como um acto administrativo e não como um regulamento, não podendo, assim, o CSM rejeitar o conhecimento da respectiva impugnação (art. 98.º da Lei n.º 62/2013) com base nessa errónea caracterização.
Decisão Texto Integral:

                                           *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, BB, CC e DD, juízes de direito, a exercerem funções no Tribunal Judicial da Comarca do ... – Tribunal de Competência Alargada de Execução de Penas, interpuseram recurso contencioso da deliberação de 29 de Setembro de 2015, do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, que decidiu rejeitar o recurso interposto de despacho proferido pelo Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ..., homologado por decisão do Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, datada de 17 de Dezembro de 2014, por irrecorribilidade de ambas as decisões.

No articulado apresentado os recorrentes alegaram[1]:

I – Objeto do recurso

O ato impugnado é, como se disse, a douta deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 29 de setembro de 2015, que decidiu que “a decisão do Exmº Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do Porto tem uma dimensão normativa regulamentar, sendo como tal irrecorrível. O mesmo se dirá, por idênticos motivos, da decisão emanada pelo Exmº Sr. Vice Presidente no sentido da aprovação daquela outra decisão (cf. doc. 1 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, assim como o de todos os documentos doravante juntos, para todos os legais efeitos).

Os AA. são diretamente visados e lesados pela douta deliberação impugnada, pelo que têm legitimidade.

Os AA. encontram-se a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca do ...— Tribunal de Competência Alargada de Execução das Penas, tendo sido notificados do ato impugnado em 26 de outubro de 2015, pelo que a ação está em tempo — cf. artigo 169º, nº 1, do EMJ.

O Tribunal é competente, nos termos do disposto no artigo 168º, nº 1, do EMJ.

II — Da factualidade subjacente à douta deliberação impugnada

Através do ofício nº 2/2014, de 11.11.2014, foram comunicados pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ... os critérios e mapas de organização do serviço quanto aos turnos a observar aos sábados e feriados (cf. doc. 2 que se junta).

Em 14 de novembro de 2014, os ora AA. apresentaram um requerimento de pronúncia quanto aos critérios e mapas que haviam sido propostos pelo Exmo. Senhor Presidente da Comarca do ... (cf. doc. 2 já junto).

Através do ofício nº 7/2014-GP/JUÍZES, de 19.12.2014, foram comunicados pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ... os novos mapas de organização do serviço, após homologação dos mesmos por despacho de 17.12.2014 do Exmo. Senhor Vice Presidente do CSM (cf. doc. 3 que se junta).

Em 23 de dezembro de 2014, os AA. apresentaram junto do Conselho Superior de Magistratura recurso da decisão de fixação dos critérios e mapas de turnos acima referenciada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98º da Lei nº 62/2013, de 26 de agosto (LOSJ) — cf. doc. 2 já junto.

Por deliberação datada de 29 de setembro de 2015, veio o R. deliberar pela rejeição do recurso interposto (cf. doc. 1 já junto), sufragando, para tanto e em síntese, que:

«Os impugnantes configuram a impugnação como recurso, invocando, porém, o disposto nos artigos 98º (…), 94º, nº 3, al. b) (…) da Lei nº 62/2073 [sic], de 26 de Agosto e 158º e segs (…) do CPA.
O objeto visado pelas duas decisões questionadas é o mesmo: a fixação de regras sobre a organização do serviço de turnos a que alude o art. 36º, nº 2, da LOSJ no Tribunal da Comarca do .... 
(…)
Mas serão tais decisões impugnáveis mediante recurso (ou reclamação)?
Para tanto, importará determinar se as decisões em apreço configuram actos administrativos susceptíveis de impugnação, convocando para o efeito a definição constante do art. 120º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
(…)
Assim, para que um qualquer comando (…) seja recorrível (…) é pressuposto que ele, ademais do conteúdo decisório, tenha uma natureza individual, isto é, que se reporte  a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas e concreto, isto é, que vise regular uma certa situação bem caracterizada.
Se, pelo contrário, esse comando revestir os carateres da generalidade, por ter destinatários indeterminados, e da abstracção, por ser aplicável a situações indeterminadas, e for susceptível de execução permanente (vigência sucessiva), assumindo então natureza normativa, não poderá ser qualificado como um acto administrativo, mas como um regulamento e, então, não poderá constituir, de per se, objeto de impugnação (…).
(…)
Cumpre agora notar que o comando (…) aqui colocado em causa não identifica os seus destinatários de fornam nominativa, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária (…)”.
Não tendo o comando um termo, podemos afirmar que, na sua vigência, os lugares tanto podem ser ocupados pelos juízes que, no pretérito movimento judicial, neles foram colocados, como por outros que neles venham a ser colocados em movimentos judiciais futuros. Podem ainda ser ocupados, de forma transitória, por juízes auxiliares ou do Quadro Complementar que sejam destacados para substituir os titulares que, por qualquer razão (v.g. comissão de serviço), não se encontrem no exercício efectivo de funções. Assim sendo, na medida em que é susceptível de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de (…), o comando (…) é geral.
Por outro lado, como nos parece inequívoco, esse comando vale para todas as situações que, durante a respetiva vigência, venham a ocorrer (…). Não se esgota numa substituição concreta. Isto permite-nos afirmar que, para além de geral, o comando é abstracto e tem vigência sucessiva.
Deste modo, temos de concluir que o objeto impugnado pelos Recorrentes não é afinal, um acto administrativo, mas um regulamento e, por decorrência, de considerar que o mesmo não é susceptível  de recurso (…), o que constitui, nos termos do disposto no art. 173, b), do Código do Procedimento Administrativo, causa de rejeição de recurso”.
10º

Salvo o devido respeito, cremos que o douto Acórdão do Conselho Plenário do R. enferma do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, pelo que o mesmo deve ser anulado e substituído por outro que, admitindo o recurso, aprecie a questão de mérito colocada à consideração e julgamento do R..

Senão vejamos

III – Do erro de Julgamento
i) Da distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo
11º

Na aferição do manifesto erro de julgamento de que padece a douta deliberação impugnada, importa, antes de mais, revelar a distinção entre ato administrativo e regulamento administrativo.

Vejamos:
12º

Por ato administrativo entende-se “uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos externos, positivos ou negativos” (cf. Rogério Soares, Direito Administrativo, lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, p. 76).
13º

Ou como nos ensina Freitas do Amaral, “é o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto” (cf. Direito Administrativo, Vol. III, p. 66).
14º

Já Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, aproveitando as definições avançadas pelos autores referenciados supra, entendem que ato administrativo, para efeitos do Código do Procedimento Administrativo (CPA), “é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz, direta, individual e concretamente, efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros” (cf. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, 2003, p. 550).
15º

Em suma, e conforme nos explicitam os autores acima identificados (cf. ob. cit., pp. 550 a 567), um ato administrativo caracteriza-se por:
a) Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária;
b) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa;
c) Ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insuscetíveis de se constituir entre simples particulares;
d) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do ato estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e
e) Incidir numa situação individual e concreta.
16º

Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
17º

Por sua vez, a doutrina define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa (cf., neste sentido, Afonso Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, policopiadas, Coimbra 1976, pp.410 ss. e, do mesmo autor, “Teoria dos Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs. 1-2-3-4, pp. 1 ss).
18º

Como refere Mário Aroso de Almeida, “dá-se o nome de regulamentos aos atos normativos – isto é, aos atos jurídicos contendo normas – que são emanados no exercício da função administrativa” (cf. Teoria Geral do Direito Administrativo, temas nucleares, Almedina, 2012, p. 79).
19º

Aliás, em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”.
20º

Ou seja, face às distinções alavancadas podemos, em síntese, afirmar que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas, que no exercício de poderes jurídicos administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos e atos administrativos as decisões (na veste de estatuições ou prescrições) que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.
21º

Portanto, os regulamentos são comandos gerais e abstratos e os atos são comandos individuais e concretos, mas ambos são originados no exercício do poder jurídico-administrativo e ambos produzem efeitos jurídicos externos.
22º

Ora, a qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta.
23º

No concerne à distinção entre o que se considera ser geral e abstrato e o que se considera ser individual e concreto, a doutrina (vide, entre outros, Rogério Soares, ob. cit., p. 79 e ss., e Freitas do Amaral, Curso de Direito Admnistrativo, Vol. II, Almedina, 2001, pp. 226 e ss) vem clarificando que os conceitos de geral e individual reconduzem-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis,
24º

enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento).
25º

Aqui chegados, vejamos se no caso em apreço o objeto do recurso assume a forma de ato ou de regulamento administrativo.

b) Do objeto do recurso hierárquico
26º

Sublinha o R., na douta deliberação impugnada que o recurso instituído no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de recurso hierárquico, cujos trâmites vêm definidos no CPA, porquanto, do referido preceito resulta que apenas os atos administrativos dos presidentes das Comarcas são suscetíveis de recurso.
27º

Nessa senda, conclui que o despacho recorrido não constitui qualquer ato administrativo, na medida em que tem uma natureza geral e abstrata, pelo que do mesmo não é admissível recurso hierárquico para o CSM.
28º

Salvo o devido respeito, face ao enquadramento que deixamos exposto no ponto anterior, cremos que a douta deliberação impugnada padece de manifesto erro de julgamento, porquanto, estamos, efetivamente, in casu, na presença de um ato administrativo, ao contrário do propugnado pela deliberação impugnada.


29º

Na verdade, e como será bom de ver, resulta, desde logo, do conteúdo do despacho do Exmo. Senhor Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ... e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios e o mapa a considerar, e para o que aqui interessa, nos turnos do Tribunal de Execução de Penas.
30º

Segundo, é uma decisão que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquele tribunal de competência alargada no que à matéria de turnos respeita.
31º

Terceiro, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantém uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos senhores juízes do Tribunal de Execução das Penas da comarca que o Exmo. Senhor Juiz Presidente encabeça.
32º

Quarto, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão estão concreta e individualmente identificados.
33º

A título de exemplo veja-se que para o 7º turno, em 14 de fevereiro de 2015, estava destacada o A. “Dr. AA”, enquanto que no 8º turno, em 21 de fevereiro de 2015, estava designada a “Dra. BB” (cf. doc. 3 já junto).
34º

Aliás, ainda que não estivessem concretamente determinados, os destinatários daquela decisão sempre seriam efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho seriam sempre os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca do ... – Tribunal de Execução das Penas.
35º

Ou seja, destinatários da decisão seriam e são os juízes que à data do despacho integravam aquela comarca e não todo e qualquer magistrado que viesse a ser colocado naquela comarca, instância e secção e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca, como parece evidenciar a douta deliberação impugnada quando afirma que os destinatários do comando são também os juízes que venham a integrar tais lugares no futuro.
36º

Tal conclusão resulta, aliás, do próprio procedimento que culminou na prolação do despacho recorrido, quando foi dada oportunidade aos Senhores Juízes que naquela data integravam as secções/instâncias e/ou tribunais de competência alargada em questão de se pronunciarem sobre tais critérios de turnos.
37º

Ou seja, não se poderia afirmar que o despacho recorrido valeria para juízes que viessem a integrar a comarca no futuro (e que, portanto, tem um carácter geral), porquanto o mesmo foi produzido tendo por base os contributos e os interesses (mal ou bem ponderados) dos juízes que à data da sua prolação integravam a comarca e não os interesses ou as pronúncias dos futuros mas indetermináveis juízes que pudessem vir a integrar o Tribunal Judicial da Comarca do ....
38º

É, por isso, inequívoco que o despacho reclamado incidiu sobre uma situação individual.
39º

Por fim, também, pelo menos no entendimento dos AA., a decisão reporta a situação concreta e que se prende com os critérios de fixação de turnos naquelas secções e tribunais de competência alargada em específico (e não os turnos dos juízes nas secções e tribunais de competência alargada de uma qualquer comarca).
40º

Isto é, cremos que sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação dos critérios de turnos) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos modifica, de forma imediata, os direitos dos juízes das secções visadas por tal decisão no que a essa matéria diz respeito, nomeadamente se se considerar as preocupações manifestadas por cada um dos interessados nas suas pronúncias.
41º

Assim, e quanto a nós, o despacho objeto de recurso só evidenciaria uma natureza abstrata se tivesse determinado, sem qualquer pronúncia dos senhores juízes que integrassem as várias secções/instâncias da comarca, que sempre que verificadas determinadas circunstâncias, os turnos seriam sempre fixadas de determinada forma e pelo presidente da Comarca.
42º

Salvo melhor opinião, só nesta hipótese se verificaria que os sujeitos não eram determinados nem determináveis e a abstração da situação regulada (ou seja, regulação para situação futura perante determinadas circunstâncias, sem se saber, no entanto, onde, quando e por quem).

De resto, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirmou em recentes deliberações do R. (também proferidas no dia 29 de setembro de 2015), o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção” (cf. deliberação do CSM, de 29 de setembro de 2015, proc. nº 2014-478/OU).
43º

Mas mais: a natureza de ato administrativo do despacho recorrido é ainda mais evidente se considerarmos que o mesmo traduz a aplicação a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente na sequência das orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme, aliás, é sublinhado no despacho recorrido.
44º

É, por isso, manifesto que o despacho objeto de recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de ato administrativo e não de regulamento como defendido pela douta deliberação impugnada, enquanto comando que define uma situação individual e concreta.
45º

Aliás, em abono da verdade, a natureza de ato administrativo é ainda mais evidente se se verificar que o comando normativo proferido pelo Exmo. Senhor Presidente da Comarca do ... está sujeito a um termo final (o regime de turnos em sábados e feriados vigora durante e para o ano de 2015, nomeadamente até agosto de 2015, o que representa  um evento futuro certo), o que, como se sabe, é uma característica própria, típica e exclusiva dos atos administrativos (cf., neste sentido, entre outros, Mário esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, ob. cit., pp. 568 e ss.).
46º

Entendimento contrário é, aliás, inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
47º

À luz do que vai dito, ao decidir em sentido diverso, a douta deliberação impugnada padece do que se pensa ser um manifesto erro de julgamento, em clara violação, aliás, do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca.

IV — Do Pedido


Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta deliberação impugnada anulada e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca.

*

O Conselho Superior da Magistratura apresentou a resposta seguinte:

I. Do objecto do recurso

1.º

Os recorrentes vieram interpor recurso contencioso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, tomada em sessão plenária ocorrida em 29 de Setembro de 2015, que rejeitou o recurso hierárquico que haviam interposto do despacho proferido pelo Exm.º Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ... em definição dos critérios e mapas de organização de serviço quanto aos turnos a observar aos Sábados e feriados (doravante identificado como Regulamento dos Critérios do Serviço de Turno aos Sábados e feriados), bem como do despacho proferido pelo Exm.º Sr. Vice Presidente que recaiu sobre aquela decisão.
2.º

Os recorrentes apontam à deliberação posta em crise o vício de erro de julgamento em virtude de nela se ter entendido que o despacho do Exm.º Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do .... configura um regulamento, quando, sustentam os recorrentes, esse despacho é um verdadeiro ato administrativo e, como tal, susceptível de recurso hierárquico para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura.

3.º

A única questão colocada centra-se, assim, na natureza jurídica do despacho do Exm.º Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ..., ou seja, se este é um acto administrativo ou se é, como se entendeu na deliberação aqui recorrida, um regulamento.

II. Do erro de julgamento

4.º

De acordo com o disposto no art. 120.º do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15.11, redacção vigente aquando a prolação do Regulamento dos Critérios de Substituição de Juízes nas suas Faltas e Impedimentos – CPA), actos administrativos são as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação concreta.

5.º

Desta feita, para que o despacho objecto da deliberação recorrida assumisse a natureza de acto administrativo seria necessário que o seu conteúdo decisório se encontrasse individualizado, reportando-se a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas, e se dirigisse à definição de uma determinada situação concreta.

6.º

Só que, diversamente, o comando contido no despacho em apreço é marcado pela generalidade, por ter destinatários indeterminados, pela abstracção, por ser aplicável a situações indeterminadas, sendo ainda susceptível de execução permanente (vigência sucessiva), traços que lhe conferem a indiscutível natureza normativa típica dos actos regulamentares.

7.º

Na distinção entre acto administrativo e regulamento, a doutrina tem afirmado como critério decisivo a determinabilidade dos destinatários do comando, reconduzindo-se à figura do acto administrativo os comandos cujos destinatários sejam determinados ou determináveis e à figura do regulamento os comandos cujos destinatários não sejam determinados nem determináveis (vide Mário Aroso de Almeida in “Regulamentos”, “Teoria Geral do Direito Administrativo: Temas Nucleares”, págs. 80 e 81).

8.º

No mesmo sentido concorre a tendência para se reconduzirem à figura do regulamento certos comandos que, embora destinados a ser objecto de aplicação concreta, têm, à partida, por destinatários uma pluralidade indeterminável de indivíduos (ibidem).

9.º

Relativamente aos comandos de aplicação concreta, mas que têm por destinatários um grupo circunscrito de pessoas, que, embora não sejam por eles individualizadas, são determinadas ou determináveis, perfilam-se dois entendimentos diferentes na doutrina.

10.º

Para um desses entendimentos, expresso por Freitas do Amaral (in “Curso de Direito Administrativo”, II, pág. 198), a generalidade decorre do facto de os destinatários não serem individualizados, mas apenas surgirem definidos por referência a conceitos ou categorias universais, devendo este tipo de comandos ser qualificados como regulamentos e não como actos administrativos na medida em que estes são concretos mas, igualmente, individuais.

11.º

Para o outro entendimento, expresso por Marcelo Rebelo de Sousa / Salgado de Matos (in “Direito Administrativo Geral”, III, pág. 82), a generalidade das normas não decorre apenas do facto de os seus destinatários não serem por elas individualizados, mas também do facto de eles não serem determináveis à face do que nelas se dispõe.

12.º

Seguindo este raciocínio, os comandos que permitam que se proceda à respectiva determinação dos seus destinatários, ainda que os não individualizem, devem ser reconduzidos à figura do acto administrativo e não à do regulamento.

13.º

Não obstante esta divergência de entendimento, em essência, parece seguro concluir que um acto concreto com destinatários determináveis não possui conteúdo normativo e, portanto, não deve ser assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo.

14.º

Assim não será, mantendo-se a generalidade do acto, quando este se dirija a destinatários, não concretamente identificados, definidos por referência a conceitos ou categorias universais.

15.º

Por outro lado, ao contrário do que sustenta o primeiro dos entendimentos expostos, a generalidade não deve bastar para que se admita a existência de um acto de conteúdo normativo: exige-se que à generalidade se associe a abstracção, de modo a que o comando não diga exclusivamente respeito à produção de um único efeito jurídico, no qual se esgote, mas seja passível de aplicação ao longo do tempo.

16.º

Partindo daqui, Mário Aroso de Almeida (ibidem) conclui que o comando que, sendo embora geral, por não individualizar os seus destinatários, não seja abstracto, não deve ser qualificado como regulamento, independentemente da questão de saber se os seus destinatários são ou não determináveis à face do acto.

17.º

Só que, não configurando estes casos comandos individuais mas antes gerais, difícil será proceder à sua integração no conceito de acto administrativo delineado no art. 120.º do CPA.

18.º

Em qualquer caso, ainda que essa circunstância constitua um obstáculo à qualificação destes comandos como actos administrativos, eles não deverão deixar de ser equiparados a actos administrativos, para o efeito de serem submetidos à aplicação do correspondente regime legal.

19.º

Subjacente à posição de Mário Aroso de Almeida, que aqui acompanhamos, está o entendimento de que a distinção entre regulamento e acto administrativo não deve partir do conceito de acto administrativo, mas do conceito de regulamento, entendido como acto normativo, integrado por disposições gerais e abstractas; e, por conseguinte, de que não devem ser assimilados à figura do regulamento, mas do acto administrativo, os comandos cujas determinações não reúnam, cumulativamente, as características da generalidade e da abstracção.

20.º

Na situação vertente, o comando da Exm.ª Sr.ª Juíza Presidente do TJC do ... que aqui está em causa (aquele que define dos critérios que presidem à organização do serviço de turno aos Sábados e feriados e não a grelha já preenchida com apelo a tais critérios que é junta pelos recorrentes com as alegações a que se responde) não identifica os seus destinatários de forma nominativa, mas por referência aos lugares que ocupam na estrutura judiciária que é o Tribunal Judicial da Comarca do ....

21.º

Efectivamente, não determina que o juiz A. realize um determinado serviço de turno em determinada data, mas que o juiz que ocupa um determinado lugar assegure um concreto serviço de turno em determinada data.

22.º

Não tendo o comando um termo, podemos afirmar que, na sua vigência, os lugares a que o comando se dirige tanto podem ser ocupados pelos juízes que, no Movimento Judicial Ordinário de 2014, neles foram colocados, como por outros que neles venham a ser colocados em movimentos judiciais futuros.

23.º

Podem ainda ser ocupados, de forma transitória, por juízes auxiliares ou do Quadro Complementar que sejam destacados para substituir os titulares que, por qualquer razão, não se encontrem no exercício efectivo de funções.

24.º

Ora, sendo susceptível de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca do ...., o comando do Exm.º Sr. Juiz Presidente é geral.

25.º

Por outro lado, o dito comando é valido para todos os momentos em que, durante a respectiva vigência, se mostre necessário organizar o serviço de turno aos Sábados e feriados no TJC do ... (o que ocorrerá sempre uma vez por ano, podendo, no entanto, ser necessário o recurso aos critérios regulamentares em mais ocasiões, designadamente quando, por quaisquer motivos excepcionais, seja necessário reformular a reorganização inicial), o que permite qualificá-lo como abstracto e de vigência sucessiva.

26.º

Perante o que antecede, afigura-se clara a insustentabilidade da argumentação dos recorrentes, seja no que alegam em termos genéricos, seja também no que particularizam.

27.º

A respeito do que se refere no art. 29.º das alegações a que se responde impõe-se a constatação de que o ali afirmado se limita a conferir maior respaldo à natureza abstracta do comando em apreço, na medida em que, estando em causa critérios a seguir nas situações futuras em que se torne necessário proceder à organização do serviço de turno ao Sábado e feriados, é notória a respectiva natureza regulamentar consubstanciada, entre o mais, na estatuição de regras cuja aplicação não se esgota numa concreta situação (ou num número concreto de situações já identificadas e particularizadas), mas que vale para todas as situações de organização de serviço de turno que ocorram na respectiva vigência (independentemente da sua causa).

28.º

Quanto ao argumento esgrimido no art. 30.º das alegações a que se responde, não merece dúvida que o comando em apreço foi exarado no exercício dos poderes funcionais conferidos pela Lei de Organização do Sistema Judiciários aos juízes presidentes dos tribunais de comarca.

29.º

Sucede que, ao contrário do que parecem entender os recorrentes, os instrumentos de que os juízes presidentes dispõem para desenvolver esses seus poderes funcionais não se esgotam na prática de actos administrativos, incluindo outros instrumentos, com especial destaque para a regulamentar.

30.º

Sendo igualmente certo que não se mostra razoável qualificar um acto tendo apenas por referência qualificativa o órgão administrativo que o emitiu e já não o seu concreto conteúdo que, em regra, dita a respectiva natureza e concomitantemente a sua correcta qualificação.

31.º

Relativamente ao argumento avançado nos arts. 31.º a 38.º das alegações a que se responde, não se vislumbra que tenha qualquer conteúdo útil: tanto o regulamento como o ato administrativo, produtos da actividade administrativa, têm como destinatários aqueles que mantêm, com o órgão que os emite, uma relação jurídico-administrativa.

32.º

A diferença, é que no caso do regulamento os destinatários são indeterminados, o que confere ao comando a característica da generalidade, e, no caso do ato administrativo, são determinados.

33.º

Importando, a este propósito, sublinhar o que já acima se referiu: a circunstância do comando em apreço (repete-se, aquele que define dos critérios que presidem à organização do serviço de turno aos Sábados e feriados e não a grelha já preenchida com apelo a tais critérios que é junta pelos recorrentes com as alegações a que se responde) ter como destinatários os juízes em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca do ..., no presente e no futuro, não lhe retira a característica da generalidade, determinando somente que, como regulamento, seja considerado interno (qualificando-se, assim, como regulamento interno), regulamentando uma das vertentes da organização e funcionamento daquele Tribunal.

34.º

Por sua vez, o argumento exposto nos artigos 39.º a 45.º das alegações a que se responde, parte do errado pressuposto de que o comando do Exm.º Sr. Juiz Presidente aqui em apreço apenas vale para os juízes que no momento da sua elaboração estavam em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca do ..., o que não é verdade (se assim fosse seria necessária uma renovação do comando sempre que ocorresse uma alteração dos concretos juízes que compõem o quadro de magistrados daquele Tribunal, fosse em consequência de uma transferência, por ocasião de movimento judicial, do destacamento de um juiz auxiliar ou da simples afectação de um juiz do Quadro Complementar, o que não sucede).

35.º

Ao invés, o comando do Exm.º Sr. Juiz Presidente aqui em apreço é uma norma, tendencialmente estável, que regula todas as situações em que se mostre necessário organizar o serviço de turno aos Sábados e feriados no TJC do ..., sendo a sua vigência (sucessiva) indiferente às alterações que, posteriormente, venham a ocorrer no concreto quadro de magistrados daquele Tribunal (os juízes que, após a entrada em vigor do comando em apreço, iniciem funções no Tribunal Judicial da Comarca do ... serão abrangidos por ele).

36.º

E a tanto não obsta o facto de os magistrados judiciais em exercício de funções no Tribunal Judicial da Comarca do ..., no decurso do procedimento de formação da norma em causa, terem sido convidados a contribuir para a respectiva formação, assumindo-se esta audiência como o cumprimento do direito de participação e petição (consagrado no art. 115.º, n.º 1, do CPA, aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15.11, ao tempo em vigor).

37.º

No tocante à argumentação alinhada nos artigos 33.º a 37.º das alegações a que se responde deverá esclarecer-se que as substituições regulamentadas no comando aqui em apreço são todas as substituições que venham a ser necessárias no Tribunal Judicial da Comarca do ... (desconhecendo-se à data da entrada em vigor do comando em causa quais venham efectivamente a ser tais substituições) e, como tal, têm uma previsão abstracto e não concretizada, dada a incerteza da sua ocorrência.

38.º

Só depois de verificados os pressupostos abstractamente regulamentados no comando em apreço, mediante o surgimento da concreta situação que os preencha, terá a norma aplicação concreta na situação que a reclama e em conformidade com o que dela resulta e que foi estipulado em momento anterior.

39.º

Finalmente, relativamente à alegada inconstitucionalidade do entendimento firmado na deliberação recorrida (imputação contida no art. 38.º das alegações a que se responde), por violar o direito ao recurso, também este argumento nos parece destituído de qualquer fundamento.

40.º

Não está em causa qualquer impossibilidade de impugnação, seja pela via graciosa seja ou pela via contenciosa, do comando em causa.

41.º

A impugnação pode ser difusa e concreta (através da impugnação hierárquica, para o Conselho Superior da Magistratura, de quaisquer actos administrativos que apliquem uma norma regulamentar) ou concentrada e abstracta (através da apresentação de uma petição, dirigida também ao Conselho Superior da Magistratura, no sentido da revogação de qualquer uma das medidas e da adopção de outra em sua substituição - art. 115.º do CPA).

42.º

O recurso a qualquer uma dessas formas de reacção graciosa coloca o Conselho Superior da Magistratura perante o dever de decidir, através da prática de um verdadeiro acto administrativo, susceptível de impugnação para a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art. 168.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

43.º

Dir-se-á até que o entendimento contrário àquele que foi expresso na deliberação recorrida, aplicável a todo e qualquer regulamento, conduziria, à eliminação da forma como a Lei e a própria Constituição da República delineou a actuação administrativa e sua sindicância.

Em função de tudo o que se expôs, entende o Conselho Superior da Magistratura que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente

São do seguinte teor as conclusões extraídas pelos recorrentes das alegações que apresentaram:


(i) A qualificação de determinado comando como ato ou regulamento depende de se saber se, numa análise casuística, aquele assume natureza geral e abstrata ou uma natureza individual e concreta, ou seja, reconduz-se à questão de se saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis, enquanto que os conceitos de abstrato e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um ato; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para e na situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento);

(ii) Resulta do conteúdo do despacho da Exmo. Senhor Presidente da Comarca do ... e que foi alvo de recurso para o CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre os critérios e o mapa a considerar, e para o que aqui interessa, nos turnos do Tribunal de Execução de Penas, decisão essa que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que lhes são próprias, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquele tribunal;


(iii) De resto, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantêm uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos juízes que integram o Tribunal de Execução de Penas e que faz parte da comarca que o Exmo. Senhor Juiz Presidente encabeça;

(iv) E indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão estão concreta e individualmente identificados, bastando, para tanto, vislumbrar que para o 7º turno, em 14 de fevereiro de 2015, estava destacada o A. “Dr. AA”, enquanto que no 8º turno, em 21 de fevereiro de 2015, estava designada a A. “Dra. BB”;


(v) Mesmo que assim não entendesse, é incontestável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efetivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efetivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no Tribunal de Execução de Penas da Comarca do ... e que sobre o despacho reclamado se pronunciaram) e não qualquer magistrado que aí viesse a ser colocado e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca ou noutro tribunal de execução de penas;


(vi) Por fim, sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação dos critérios a ter presentes no regime de turnos) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários, uma vez que a consequente produção de efeitos limita/restringe, de forma imediata, os direitos dos juízes daquele tribunal no que em matéria de turnos diz respeito;


(vii) Aliás, mesmo que se considerasse que o comando em questão não assumiria uma natureza concreta mas sim abstrata (o que não se concede), certo é que, face ao que se deixou exposto, o mesmo tem uma inequívoca natureza individual, pelo que, e como se afirma na douta deliberação do R. de 29 de setembro de 2015, proc. nº 2014-478/OU, o mesmo não deveria ser “assimilado à figura do regulamento, mas do acto administrativo, (…) [pois] não reún[e], cumulativamente, as características de generalidade e da abstracção”;


(viii) Na verdade, a natureza de ato administrativo é ainda mais evidente se se verificar que o comando normativo proferido pelo Exmo. Senhor Presidente da Comarca do ... traduz a aplicação a situação individual e concreta de uma orientação genérica, designadamente na sequência das orientações gerais fornecidas pelo R. a esse respeito (este sim um comando que não se revela como um ato administrativo), conforme, aliás, é sublinhado no despacho recorrido;

(ix) A natureza de ato administrativo é ainda evidente, porquanto o comando normativo proferido pelo Exmo. Senhor Presidente da Comarca do ... está sujeito a um termo final (o regime de turnos em sábados e feriados vigora durante e para o ano de 2015, nomeadamente até agosto de 2015, o que representa  um evento futuro certo), o que, como se sabe, é uma característica própria, típica e exclusiva dos atos administrativos;


(x) A douta deliberação impugnada padece, por isso, de manifesto erro de julgamento, em clara violação do disposto nos artigos 98º do LOSJ, e 148º e 193º, nº 1, do novo CPA, motivo pelo qual deve ser anulada, nos termos do disposto no artigo 163º, nº 1, do CPA, e substituída por outra que aprecie o objeto do recurso submetido à apreciação do R., por efetivamente estarmos na presença de uma impugnação administrativa de um ato administrativo proferido por um presidente de comarca, sendo entendimento contrário inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).


*

São do seguinte teor as alegações apresentadas pelo Conselho Superior da Magistratura:

1.º

Os recorrentes vieram interpor recurso contencioso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, tomada em sessão plenária ocorrida em 29 de Setembro de 2015, que rejeitou o recurso hierárquico que haviam interposto do despacho proferido pelo Exm.º Sr. Juiz Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ... em definição dos critérios e mapas de organização de serviço quanto aos turnos a observar aos Sábados e feriados (doravante identificado como Regulamento dos Critérios do Serviço de Turno aos Sábados e feriados), bem como do despacho proferido pelo Exm.º Sr. Vice Presidente que recaiu sobre aquela decisão.

2.º

O Conselho Superior da Magistratura respondeu às alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, nos termos previstos no art. 174.º, nº1, do EMJ, alinhando os motivos pelos quais considera que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente.

3.º

Os recorrentes foram notificados nos termos do art. 176º, nº 1, do EMJ, vindo apresentar novo articulado onde, ressalvado melhor entendimento, nada acrescentam às alegações inicialmente apresentadas.

4.º

Ora, mantendo-se o entendimento de que a decisão recorrida fez uma correcta interpretação da lei aplicável à qual subsumiu, de modo acertado e justo, os factos relevantes, reiteram-se as considerações aduzidas na resposta às alegações de recurso apresentadas pelos recorrentes, concluindo-se como ali se fez.

Desta feita, pelos motivos já expostos anteriormente e aqui reiterados, continua o Conselho Superior da Magistratura a entender que o recurso em apreço deve ser julgado improcedente.

O Ministério Público no parecer que emitiu pugna no sentido do não provimento do recurso.

                                         *

Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir.

Delimitando o objecto do recurso constata-se que os juízes de direito recorrentes visam com a presente impugnação a anulação de deliberação do Conselho Superior da Magistratura, que entendeu rejeitar recurso que interpuseram de despacho prolatado pelo Presidente do Tribunal Judicial da Comarca do ...., homologado por decisão proferida pelo Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, que fixou critérios e mapas de organização do serviço relativamente aos turnos a observar aos sábados e feriados (turnos previstos no Código de Processo Penal, na Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, na Lei de Saúde Mental e no Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional), sob o entendimento de que aquelas duas decisões são irrecorríveis.

Em conformidade com a fundamentação do pedido formulado pelos recorrentes e a resposta apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura a questão ora submetida à apreciação deste Supremo Tribunal, tendo subjacente, obviamente, a decisão que fixou critérios e mapas de organização do serviço relativamente aos turnos a observar aos sábados e feriados no Tribunal da Comarca do ... (turnos previstos no Código de Processo Penal, na Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, na Lei de Saúde Mental e no Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional), é a de saber se esta deve ser considerada e qualificada como um acto administrativo ou, ao invés, assume dimensão de norma regulamentar, consabido que a rejeição, por irrecorribilidade, do recurso em causa, se estribou na natureza regulamentar daquela decisão, sob o entendimento de que se consubstancia numa determinação ou comando geral e abstracto, com vigência sucessiva, ou seja, de aplicação a todos os juízes que exercem e venham a exercer funções no Tribunal de Competência Alargada de Execução de Penas da Comarca do .... Contrapõem os recorrentes que a decisão em apreço constitui um acto administrativo, uma vez que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, uma ordem precisa sobre os critérios e o mapa de organização dos turnos a observar aos sábados e feriados no Tribunal da Comarca do ..., comando decisório proferido no âmbito dos poderes-deveres do presidente da comarca, ao abrigo de competência que lhe é própria, regulador, nos termos definidos na Lei de Organização do Sistema Judiciário, da situação jurídica dos juízes daquele tribunal no que tange aos turnos abrangidos, razão pela qual produz efeitos jurídicos na esfera jurídica dos juízes daquele tribunal, ou seja, de juízes concreta e individualmente identificados, para além de que o seu âmbito de aplicação temporal está sujeito a um termo final, isto é, é limitado, visto que vigora durante e para o ano de 2015, mais concretamente até Agosto de 2015[2].

Começando por nos debruçar sobre o conceito legal de acto administrativo verificamos que de acordo com o artigo 120º, do Código de Procedimento Administrativo pré-vigente (em vigor à data das decisões consideradas irrecorríveis), consideram-se actos administrativos as decisões de órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Por sua vez, textua o artigo 148º, do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro (em vigor à data da deliberação recorrida), que consideram-se actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Este último normativo corresponde, pois, ao artigo 120º da versão anterior, com eliminação da sua definição do elemento orgânico e com especificação de que os efeitos jurídicos produzidos, resultantes de decisões emanadas ao abrigo do poder jurídico-administrativo, são externos[3].

Em matéria de definição de regulamento administrativo certo é que enquanto o Código de Procedimento Administrativo pré-vigente era omisso, o actual Código de Procedimento Administrativo, consagrando pela primeira vez o respectivo conceito, estabelece no seu artigo 135º que consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstractas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos, concretizando o entendimento praticamente unânime, há muito assumido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência[4].

Tendo em vista a definição legal de acto administrativo, dir-se-á que o acto administrativo se trata de um acto jurídico unilateral, orgânica e materialmente administrativo, que visa a produção de efeitos jurídicos externos sobre uma situação individual e concreta. Constitui pois, essencialmente, um acto proferido por um órgão da Administração pública, no exercício de um poder de autoridade regulado por normas de direito público, de natureza reguladora, que visa a criação, modificação ou extinção de um direito ou de um dever, ou seja, a criação, modificação ou extinção de uma determinada relação jurídica, com eficácia externa, isto é, produtor de efeitos jurídicos externos, atingindo a esfera jurídica de terceiros[5].

Em contraposição com o regulamento administrativo, cuja matriz se consubstancia na sua dimensão normativa, geral e abstracta, o acto administrativo apresenta-se como uma decisão individual e concreta, sendo que a generalidade de um e a individualidade do outro têm a ver com os destinatários dos comandos jurídicos; por outro lado, o caracter abstracto ou concreto tem a ver com a abrangência de um e de outro, o âmbito de aplicação de cada um deles, as realidades que visam regular.

No que tange à individualidade do acto há, no entanto, que ter em atenção a existência de actos administrativos colectivos, plurais e gerais, isto é, de actos que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas (actos colectivos), de actos em que a administração toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas diferentes (actos plurais) e de actos que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico de pessoas, todas elas determinadas ou determináveis (actos gerais), razão pela qual a delimitação de individual face a geral não se faz a partir de um critério numérico. Como refere António Francisco de Sousa[6]: «O carácter individual não exige que se trate de uma única pessoa. Pode tratar-se de um grupo de pessoas especificamente identificadas.

Também se verifica “carácter individual” quando, em vez de uma única pessoa, o acto tem por destinatário um único círculo, determinado ou determinável, de pessoas, isto é, quando os destinatários formam um grupo de pessoas identificadas ou identificáveis. Por conseguinte, a delimitação do individual face ao geral não se faz a partir do critério numérico, mas a partir da existência objectiva de um grupo fechado de destinatários».

No que concerne à natureza concreta do acto ela decorre da circunstância de o mesmo se destinar a regular uma situação ou caso concreto, através da aplicação do ordenamento jurídico.

Das considerações tecidas pode e deve concluir-se que a diferenciação entre acto administrativo e regulamento administrativo assenta e manifesta-se na constatação de que o acto, ao contrário do regulamento (norma administrativa), não inova o ordenamento jurídico, antes o aplica. Por outro lado, o acto administrativo destina-se a regular uma situação individual e concreta, enquanto o regulamento administrativo (norma administrativa) tem uma dimensão de abstracção e generalidade[7].

Como refere Freitas do Amaral[8]:

«Por via de regra, a distinção é bem fácil de fazer, e reconduz-se à distinção entre norma jurídica e acto jurídico.

Tanto o regulamento como o acto administrativo são comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão da Administração no exercício de um poder público de autoridade: mas o regulamento, como norma jurídica que é, é uma regra geral e abstracta, ao passo que o acto administrativo, como acto jurídico que é, é uma decisão individual e concreta.

A norma jurídica é geral, isto é, define os seus destinatários por meio de conceitos ou categorias universais, sem individualização de pessoas; e é abstracta, isto é, define as situações de vida a que se aplica também por meio de conceitos ou categorias. Pelo contrário, o acto administrativo é individual, isto é, reporta-se a uma pessoa ou a algumas pessoas especificamente identificadas; e é concreto, isto é, visa regular uma certa situação bem caracterizada».

Balizados os conceitos de acto administrativo e de regulamento administrativo estamos em condições de tomar posição na específica questão que é submetida à apreciação deste Supremo Tribunal.

A organização de turnos de férias ou quando o serviço o justifique e de turnos para assegurar o serviço urgente que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos, constitui uma imposição legal, conforme estabelece o artigo 36º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Organização do Sistema Judiciário[9], sendo competente, nas comarcas, para elaboração dos respectivos mapas o juiz presidente, que os deverá submeter ao Conselho Superior da Magistratura para aprovação – alínea b) do n.º 3 do artigo 94º da referida lei[10].

Relativamente aos mapas de férias estabelece o artigo 28º-A, do Estatuto dos Magistrados Judiciais:

«1. A organização dos mapas anuais de férias compete:

a) Ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita a magistrados judiciais do respectivo tribunal;

b) Ao presidente do Tribunal da Relação, no que respeita aos magistrados judiciais do respectivo tribunal;

c) Ao presidente do tribunal de comarca, no que respeita aos magistrados judiciais do respectivo tribunal.

2. Com vista a garantir o regular funcionamento dos tribunais, os mapas a que se refere o número anterior são remetidos ao Conselho Superior da Magistratura acompanhados de parecer dos presidentes aí referidos quanto à correspondente harmonização com os mapas de férias anuais propostos para os magistrados do Ministério Público e para os funcionários de justiça do respectivo tribunal.

3. A aprovação do mapa de férias dos magistrados compete ao Conselho Superior da Magistratura, o qual pode delegar poderes para o acto.

4. Os mapas a que se refere o presente artigo são elaborados de acordo com modelo definido e aprovado pelo Conselho Superior da Magistratura, nestes se referenciando, para cada magistrado, o tribunal ou juízo em que presta funções, o período ou períodos de férias marcados e o magistrado substituto, observando-se o regime de substituição previsto na lei nos casos em que este não seja indicado.

5. O mapa de férias é aprovado até ao 30º dia que anteceda o domingo de Ramos, ficando de seguida disponível para consulta, em versão integral ou abreviada, nas instalações do tribunal».

Destarte, consabido que os turnos constituem uma imposição legal, visando assegurar o serviço que deva ser executado em férias judiciais, bem como o serviço urgente previsto na lei que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo dia feriado, em caso de feriados consecutivos, ou seja, têm em vista a escolha e a designação dos juízes do tribunal que asseguram o serviço que deva ser executado naqueles referidos períodos, escolha e designação cuja elaboração compete, nas comarcas (a cada uma das comarcas existentes), ao respectivo presidente, que é submetida à aprovação do Conselho Superior da Magistratura, dúvidas não restam de que as decisões a eles atinentes tomadas por estas duas entidades assumem claramente a natureza de acto administrativo.

Com efeito, trata-se de decisões que decorrem de imposição legal, que organizam e fixam o modo de execução do serviço em cada uma das comarcas existentes, através da escolha e da designação dos juízes que ali estão colocados, em função de determinado critério ou determinados critérios, sendo que no caso de organização de turnos de férias a respectiva decisão tem duração limitada a um ano; ou seja, dirigem-se a um grupo de pessoas bem identificadas, tendo em vista a definição de uma determinada e concreta situação, sendo que no caso vertente as decisões recorridas incidiram sobre os juízes em exercício de funções no Tribunal da Comarca do ..., para vigorar em período limitado de tempo.  

Ademais, tenha-se em atenção que relativamente aos turnos de férias a lei é bastante clara ao referir que a organização dos mapas anuais de férias compete… ao presidente de tribunal de comarca no que respeita aos magistrados judiciais do respectivo tribunal, bem como que os mapas a que se refere o presente artigo são elaborados de acordo com modelo definido e aprovado pelo Conselho Superior da Magistratura, nestes se referenciando, para cada magistrado, o tribunal ou juízo em que presta funções, o período ou períodos de férias marcados e o magistrado substituto, observando-se o regime de substituição previsto na lei nos casos em que este não seja indicado.

Reportando-se as decisões de organização dos turnos a pessoas especificamente identificadas e visando regular uma certa situação bem caracterizada, repete-se, dúvidas não restam de que revestem a natureza de acto administrativo.

                                         *

Termos em que, na procedência do recurso, se anula a deliberação impugnada.

Custas pelo Conselho Superior da Magistratura, sendo o valor da acção o de € 30.000,01 e a taxa de justiça de 6 UC.

                                         *

Oliveira Mendes (Relator)

Martins de Sousa

João Trindade

Pinto de Almeida

Silva Gonçalves (Vencido. Entendo que o despacho impugnado integra a inutilidade superveniente da lide, por o seu espaço temporal se circunscrever apenas ao ano de 2015)

Sebastião Póvoas (Presidente da Secção)

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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.
[2] - O artigo 98º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), de acordo com o comando constitucional constante do n.º 4 do artigo 268º, segundo o qual é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas, estabelece que cabe recurso para o Conselho Superior da Magistratura, a interpor no prazo de 20 dias úteis, dos actos administrativos praticados pelo presidente do tribunal.

[3] - Segundo estatui o artigo 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que aprovou o Código de Procedimento Administrativo vigente, o disposto nas partes I e II, no capítulo III do título I da parte III e na parte IV do Código aplica-se aos procedimentos administrativos em curso à data da sua entrada em vigor, sendo as restantes disposições do Código aplicáveis apenas aos procedimentos administrativos que se iniciem após a entrada em vigor do presente decreto-lei, sendo certo que o acabado de transcrever artigo 148º encontra-se inserido na secção I do capítulo II da parte IV, o que significa ser aplicável ao presente procedimento.
[4] - Este preceito encontra-se inserido na secção I do capítulo I da parte IV do respectivo Código, pelo que é aplicável ao presente procedimento.

[5] - Cf. Colaço Antunes, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa  (Almedina – 2006), 118 e ss.
[6] - Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado (Quid Juris – 2009), 328.

[7] - Cf. Colaço Antunes, Ibidem, 133/134.

[8] - Direito Administrativo (1989), 36/37.
[9] - É do seguinte teor o artigo 36º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Organização do Sistema Judiciário:
«1. Nos tribunais organizam-se turnos para assegurar o serviço que deva ser executado durante as férias judiciais ou quando o serviço o justifique.
2. São ainda organizados turnos para assegurar o serviço urgente previsto na lei que deva ser executado aos sábados, nos feriados que recaiam em segunda-feira e no segundo feriado, em cado de feriados consecutivos»

[10] - É do seguinte teor o artigo 94º, n.º 3, alínea b), da Lei de Organização do Sistema Judiciário:
«O presidente do tribunal possui as seguintes competências funcionais:

b) Elaborar os mapas de turnos e de férias dos juízes e submetê-los a aprovação do Conselho Superior da Magistratura».