Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
112/15.6YFLSB.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: HABEAS CORPUS
LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
CUMPRIMENTO SUCESSIVO
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO ( MEDIDAS DE COAÇÃO ) / PRISÃO PREVENTIVA / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO.
Doutrina:
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.
- Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 857, p. 544, §868, 550, 551.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 222.º, N.º2, ALÍNEAS A), B) E C), 223.º, N.º 4, AL. A).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 61.º, N.º 4, 63.º, N.ºS 1, 2 E 3, 64.º, N.ºS 2 E 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 31.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14/08/2009 (PROCESSO N.º 490/09.6YFLSB), PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ANO XVII, TOMO III/2009, 181 E SS..
Sumário :


I - Não constitui prisão ilegal, fundamento do pedido de habeas corpus, o cumprimento sucessivo pelo requerente de uma pena de prisão (a pena que foi aplicada no processo Y) e de um remanescente de uma pena de prisão, em consequência da revogação da liberdade condicional (o que lhe faltava cumprir da pena aplicada no processo O, quando lhe foi concedida a liberdade condicional).
II - A revogação da liberdade condicional determina a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida, nos termos do art. 64.º, n.º 2, do CP, não se aplicando a esse remanescente da pena as normas dos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 63.º do CP, que têm um campo de aplicação limitado à execução sucessiva de várias penas autónomas, como é expressamente imposto pelo n.º 4 deste último artigo.
III - De acordo com o art. 64.º, n.º 3, do CP, no caso de remanescente de pena a cumprir, o cômputo para efeitos de nova concessão de liberdade condicional incide sobre a parte da pena a cumprir e não sobre a totalidade da pena (a parte cumprida e a parte ainda não cumprida), pelo que, ainda que o requerente só tivesse a cumprir o remanescente da pena de prisão à ordem do processo O, o resto da pena a cumprir (5 anos e 25 dias de prisão) não consentia a liberdade condicional aos 5/6 do remanescente, nos termos do art. 61.º, n.º 4, do CP, dado o remanescente ser inferior a 6 anos de prisão.
IV - Se o condenado dever manter-se preso à ordem de outro processo e não podendo funcionar o sistema “da soma” previsto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 63.º do CP, pois o n.º 4 do mesmo preceito o proíbe, a liberdade condicional só poderá ser concedida relativamente a uma das penas a cumprir (seja a pena autónoma ou o remanescente).
V - O que se deverá ponderar é qual o processo que deve ser escolhido para esse efeito, escolha que será sempre feita em função do que se apresente com mais possibilidades de beneficiar o condenado.
VI - Ao colocar o requerente em cumprimento do remanescente da pena do processo O para, terminado o cumprimento desse remanescente de 5 anos e 25 dias, ser novamente ligado ao processo Y, para cumprimento da pena autónoma de 11 anos e 8 meses de prisão, o tribunal da Relação assegurou a possibilidade de o requerente, relativamente à pena autónoma deste último processo, poder vir a beneficiar da concessão da liberdade condicional facultativa, em tese até mesmo ao meio da pena, e, seguramente, de obter a liberdade condicional obrigatória, aí sim, sendo colocado em liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento da pena global, sendo de indeferir a petição de habeas corpus apresentada, por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, al. a), do CPP).
Decisão Texto Integral:

Acordam, em audiência, no Supremo Tribunal de Justiça

I

1. AA, preso em cumprimento de pena no EP de Pinheiro da Cruz, segundo ele à ordem do processo n.º 440/11.0TXEVR, do Tribunal de Execução de Penas de Évora, apresentou, directamente no Supremo Tribunal de Justiça, petição de habeas corpus, por si manuscrita, terminando-a com o seguinte:

«Moral da História, Para não violar o princípio da legalidade tenho que ser desligado da pena revogada aos 5/6 da mesma, contada desde a minha prisão inicial, e ligado à 2.ª pena, a qual originou a revogação da primeira».

Segundo se compreende da sua alegação – não se relevando os excessos de linguagem e as críticas que não se prendem directamente com os fundamentos do pedido –, o requerente dirige, directamente, a sua censura ao entendimento do Tribunal de Execução de Penas de Évora, segundo o qual, no cumprimento de um “remanescente” de pena de prisão, decorrente de revogação da liberdade condicional, não há lugar à concessão da liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento da pena, calculados desde o início do cumprimento da pena.

É contra este entendimento – que leva ao cumprimento integral da parte da pena que falta cumprir em consequência da revogação da liberdade condicional – que o requerente se insurge, pretendendo que a ilegalidade da sua actual situação de prisão radica em estar preso em cumprimento do remanescente de uma pena de prisão (resultante da revogação da liberdade condicional) quando, por consideração da concessão da liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento dessa pena, já devia estar em cumprimento da pena de prisão em que foi condenado noutro processo e que deu origem à revogação da liberdade condicional.     

 2. Foi solicitada a informação a que se refere o n.º 1 do artigo 223.º do Código de Processo Penal ao processo n.º 440/11.0TXEVR do Tribunal de Execução de Penas de Évora.

3. A informação prestada remete para um despacho de 19/03/2015, no qual se mostra esclarecida a situação actual do requerente [«Na medida em que no nosso último despacho de 19/03/2015 (a fls. 282) se retrata já a situação actual do recluso, satisfaça o solicitado, com cópia do mesmo e deste despacho»], o qual é do seguinte teor:

«Fls. 278 e seguintes – Informe que o recluso começou a cumprir a pena de 11 anos e 8 meses de prisão aplicada no Proc. 245/08.5JELSB do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, com início em 10/11/2008, cujo meio se encontrava previsto para 10/9/2014.

«No entanto, por força de decisão de revogação da liberdade condicional, foi determinado o cumprimento do remanescente de 5 anos e 25 dias de prisão por conta da pena aplicada no Proc. 218/01.9JELSB do Juízo de Competência Genérica de Odemira.

«Pelo que interrompeu o cumprimento daquela primeira pena em 19/5/2012, para cumprir este remanescente (que terá que cumprir na íntegra) prevendo-se o seu termo para 12/6/2017.

«Altura em que retomará o cumprimento da pena aplicada no processo 245/08.5JELSB do 1º Juízo do Tribunal de Olhão, apreciando-se a liberdade condicional ao meio desta – que ainda deverá ser recalculado (atenta a interrupção verificada).»

4. A informação prestada foi acompanhada de cópias de diversas peças processuais, das quais resulta que:

– no processo n.º 218/01.9JELSB, do Tribunal Judicial de Odemira, o requerente foi condenado por um crime de tráfico de estupefacientes agravado e, em cúmulo com a pena aplicada noutro processo, foi condenado na pena conjunta de 11 anos e 6 meses de prisão;

– durante o cumprimento dessa pena de prisão (estando o termo do cumprimento da pena calculado para 30/05/2013), foi-lhe concedida a liberdade condicional, tendo sido colocado em liberdade em 05/05/2008;

– entretanto, no processo n.º 245/08.5JELSB, do 1.º juízo do Tribunal Judicial de Olhão, o requerente foi condenado por crimes de tráfico de estupefacientes (como reincidente), falsificação de documento e burla qualificada, cometidos entre Junho e Novembro de 2008, na pena única de 11 anos e 8 meses de prisão, cujo cumprimento iniciou em 10/11/2008;

– por decisão do TEP de Évora, de 05/03/2012, foi a liberdade condicional revogada e determinado o cumprimento da pena de prisão, ainda não cumprida, imposta no processo n.º 218/01.9JELSB do Tribunal Judicial de Odemira;

– segundo o cálculo efectuado, por força da revogação da liberdade condicional, ao requerente restava-lhe cumprir, à ordem do processo n.º 218/01.9JELSB, 5 anos e 25 dias de prisão;

– em 17/05/2012, foi proferido despacho – concordando com o cálculo da pena remanescente e parecer do Ministério Público –, determinando que o requerente fosse colocado à ordem desse processo n.º 218/01.9JELSB, para cumprimento integral do remanescente da pena, por não poder beneficiar de liberdade condicional no âmbito da respectiva execução, sendo, consequentemente, desligado do processo n.º 245/08.5JELSB, para, depois do cumprimento do remanescente, ser, de novo, ligado a este último processo, a fim de poder beneficiar de eventual liberdade condicional;

– o requerente foi notificado deste despacho em 25/05/2012 e, na mesma data, com efeitos a partir de 19/05/2012, desligado do processo n.º 245/08.5JELSB, do 1.º juízo do Tribunal Judicial de Olhão, e colocado à ordem do processo n.º 218/01.9JELSB do Tribunal Judicial de Odemira;

– nos termos do cômputo efectuado, segundo promoção de 08/10/2012 e despacho de 17/10/2012, o requerente, tendo iniciado o cumprimento desse remanescente de 5 anos e 25 dias em 19/05/2012 terminará o seu cumprimento em 13/06/2017, data em que deverá ser desligado desse processo n.º 218/01.9JELSB e ligado ao processo n.º 245/08.5JELSB, com reformulação da liquidação do cumprimento de pena;

– do despacho de 17/10/2012 foi o requerente devidamente notificado em 31/10/2012.     

5. Convocada a secção criminal, notificados o Ministério Público e o defensor do requerente, realizou-se a audiência (artigos 223.º, n.os 2 e 3, e 435.º do Código de Processo Penal).

II

                        A secção reuniu para deliberar, do que se passa a dar conta.

          1. A Constituição da República, no artigo 31.º, n.º 1, consagra, com carácter de direito fundamental, a providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

           «Trata-se de um direito subjectivo (direito-garantia) reconhecido para a tutela de um outro direito fundamental, dos mais importantes, o direito à liberdade pessoal.»[1]

            Em caso de prisão ilegal, a petição de habeas corpus tem os seus fundamentos expressa e taxativamente enunciados nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal. A ilegalidade da prisão deve provir de:

           «a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

            «b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

           «c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»

A providência de habeas corpus está, assim, reservada aos casos de ilegalidade grosseira porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como são os casos de prisão ordenada por entidade incompetente, mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial e como o tem de ser o facto pelo qual a lei a não permite. Pois ela visa reagir, de modo imediato e urgente, contra uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. 

           Ora, na situação de prisão, em cumprimento de pena, em que o requerente se encontra, não se evidencia um qualquer atentado arbitrário à sua liberdade.

           Na verdade, o próprio requerente reconhece que sempre se deverá manter em preso, em cumprimento de pena.

            A questão não é, pois, de uma situação de indevida prisão em cumprimento de pena mas tão só de saber à ordem de que processo o requerente se deverá encontrar, actualmente, em cumprimento de pena.

           2. Com efeito, na perspectiva do requerente, por já ter atingido os 5/6 do cumprimento da pena, contados desde o início do cumprimento da pena, em que foi condenado no processo n.º 218/01.9JELSB, do Tribunal de Odemira, já deveria encontrar-se em cumprimento de pena à ordem do processo n.º 245/08.5 JELSB do Tribunal de Olhão.

           A “ilegalidade” estaria em não ter sido desligado do processo n.º 218/01.9JELSB e colocado à ordem do processo n.º 245/08.5JELSB quando atingiu os 5/6 do cumprimento da pena naquele processo n.º 218/01.9JELSB.

            Sem razão.

           2.1. A situação do requerente configura um caso de cumprimento sucessivo de uma pena de prisão (a pena aplicada no processo n.º 245/08.5JELSB) e de um remanescente de uma pena de prisão, em consequência da revogação da liberdade condicional (o que lhe faltava cumprir da pena aplicada no processo n.º 218/01.9JELSB, quando lhe foi concedida a liberdade condicional).

            A revogação da liberdade condicional determina a execução da parte da pena de prisão ainda não cumprida, nos termos do artigo 64.º, n.º 2, do Código Penal.

         «Verificado o fracasso do juízo de prognose que esteve na base da concessão da liberdade condicional, o respeito devido à sentença condenatória não pode deixar de conduzir a que seja executada a prisão pelo tempo que faltava cumprir.»[2]

           O resto da pena a cumprir não é uma pena autónoma mas o remanescente de uma pena (uma parte, ainda não cumprida, de uma pena de prisão).

           Por isso, não se aplicam as normas dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 63.º relativas à concessão de liberdade condicional no caso de execução sucessiva de várias penas, como é expressamente imposto pelo n.º 4 do mesmo artigo, nos termos do qual «O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação de liberdade condicional».

            Por conseguinte, a regulação da execução sucessiva de várias penas prevista nos n.os 1,2 e 3 do artigo 63.º do Código Penal tem um campo de aplicação limitado à execução sucessiva de várias penas autónomas.

         Assim, as imposições de que «a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena» (n.º 1 do artigo 63.º), de que «o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas» (n.º 2 do artigo 63.º) e de que «se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas» (n.º 3 do artigo 63.º) não se aplicam aos casos em que devam ser cumpridas sucessivamente uma pena autónoma de prisão e o remanescente de uma pena de prisão.

            2.2. É certo que o n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal prevê que, relativamente à “pena de prisão” que vier a ser cumprida, em consequência da revogação da liberdade condicional, «pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º».

           Mas daí não resulta que o remanescente da pena de prisão tenha a natureza de uma pena de prisão autónoma.

  O que se reconhece é que, de um ponto de vista de política criminal não é liminarmente de excluir a concessão, de novo, de liberdade condicional, relativamente à parte da pena ainda não cumprida: «se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa de liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal deverá efectuar»[3].

            Portanto, no caso de remanescente a cumprir, o cômputo para efeitos de nova concessão de liberdade condicional incide sobre a parte da pena a cumprir e não sobre a totalidade da pena (a parte cumprida e a parte ainda não cumprida).

            O n.º 3 do artigo 64.º não deixa qualquer dúvida, a respeito. Como se destacou no acórdão deste Tribunal de 14/08/2009 (processo n.º 490/09.6YFLSB)[4], ao referir que a nova liberdade condicional pode ser concedida “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida” é muito claro «no sentido de autonomizar o remanescente da pena em relação à pena global, dando-lhe um tratamento específico em termos de liberdade condicional, o que significa que o segmento de pena cumprido antes da revogação não releva para tal efeito».         

          Ora, ainda que o requerente só tivesse a cumprir o remanescente da pena de prisão à ordem do processo n.º 218/01.9JELSB, o resto da pena a cumprir (5 anos e 25 dias de prisão) não consentia a liberdade condicional aos 5/6 do remanescente, dado o remanescente ser inferior a 6 anos de prisão.

            Na verdade, a liberdade condicional “obrigatória” aos 5/6 da pena, prevista no n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal, reclama a condenação em pena de prisão superior a 6 anos [«4 – (…) o condenado em pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena»].

           Logo por aqui, a “teoria” do requerente segundo a qual deveria ter sido desligado do processo 218/01.9JELSB aos 5/6 da pena, ademais, calculado em função da totalidade da pena, estaria condenada ao fracasso.

           2.3. Mas a verdadeira razão do insucesso da pretensão do requerente é outra.

 O n.º 3 do artigo 64.º é muito significativo ao dispor que pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional (sublinhado nosso).

            Embora remetendo para o regime do artigo 61.º «estabelece uma restrição: ao dispor pode, a lei está claramente a afastar o regime automático do n.º 4 do artigo 61.º, remetendo somente para as modalidades facultativas da liberdade condicional previstas nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo», como se sustentou no já referido acórdão de 14/08/2009, no qual se ponderou, ainda:

   «O que bem se compreende. A revogação da liberdade condicional foi o resultado de uma violação por parte do condenado das obrigações impostas; traduziu, afinal, a falência da aposta que o tribunal fizera (por avaliação sua ou por imposição legal, no caso do n.º 4 do artigo 61.º) na capacidade do condenado em viver em liberdade de acordo com o direito.

           «Por isso, a concessão de uma segunda liberdade condicional, a formulação de uma segunda aposta, não pode deixar de resultar de uma ponderação rigorosa da evolução da personalidade do condenado, para que a segunda oportunidade não seja falhada, hipótese que seria negativa, quer para a sociedade, quer para o próprio condenado.»

           Por isso se concluiu, como nós, agora, também concluímos, que «o requerente não tem direito à liberdade condicional automática prevista no n.º 4 do artigo 61.º do Código Penal».

           2.4. Por outro lado, bem vistas as coisas, o requerente não reclama a liberdade condicional obrigatória porque bem sabe que nunca poderia ser colocado em liberdade sem o cumprimento da pena (ou parte dela) em que foi condenado no processo n.º 245/08.5JELSB.

           Concebe, afinal, a liberdade condicional aos 5/6 da pena como um puro mecanismo de encurtamento do remanescente da pena a cumprir.

            Ora, a liberdade condicional prevista no n.º 4 do artigo 61.º é automaticamente atribuída como uma ajuda à socialização; dado o já próximo final do cumprimento da pena o que visa é facilitar ao agente o reingresso na vida livre independentemente de qualquer juízo sobre a perigosidade[5].

           Se o condenado não puder ser colocado em liberdade, por exemplo, como é o caso, por ter uma outra pena a cumprir, deixa de haver qualquer fundamento político-criminal para a liberdade condicional obrigatória.

          2.5. Se o condenado dever manter-se preso à ordem de outro processo e não podendo funcionar o sistema “da soma” previsto nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 63.º do Código Penal, pois, como já vimos, o n.º 4 do mesmo preceito o proíbe, a liberdade condicional só poderá ser concedida relativamente a uma das penas a cumprir (seja a pena autónoma ou o remanescente).

            Assim, o que se deverá ponderar é qual o processo que deve ser escolhido para esse efeito, escolha que será sempre feita em função do que se apresente com mais possibilidades de beneficiar o condenado.

           Foi esse, justamente, o procedimento adoptado pelo TEP de Évora.

            Ao colocar o requerente em cumprimento do remanescente da pena do processo n.º 218/01.9JELSB para, terminado o cumprimento desse remanescente de 5 anos e 25 dias, ser novamente ligado ao processo n.º 245/08.5JELSB, para cumprimento da pena autónoma de 11 anos e 8 meses de prisão, o Tribunal da Relação de Évora assegurou a possibilidade de o requerente, relativamente à pena autónoma deste último processo, poder vir a beneficiar da concessão da liberdade condicional facultativa, em tese até mesmo ao meio da pena, e, seguramente, de obter a liberdade condicional obrigatória, aí sim, sendo colocado em liberdade condicional aos 5/6 do cumprimento da pena global[6].    

III

         Termos em que se delibera indeferir a petição apresentada por AA, por falta de fundamento bastante (artigo 223.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal).

            Custas pelo requerente, com 3 UC de taxa de justiça.

 Supremo Tribunal de Justiça, 24/09/2015

Isabel Pais Martins (Relatora)

Manuel Braz

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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.
[2] Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §868, p. 551.
[3] Ibidem, p. 550.
[4] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano XVII, Tomo III/2009, p. 181 e ss.
[5] Figueiredo Dias, ob. cit., § 857, p. 544.
[6] Ressalvando-se que, à data em que seja atingida essa meta, o requerente não tenha outras penas a cumprir.