Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4048/20.0T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
CULPA IN CONTRAHENDO
DECLARAÇÃO INEXATA
BOA FÉ
RISCO
TOMADOR
SEGURADO
SEGURADORA
SINISTRO
NEXO DE CAUSALIDADE
ANULABILIDADE
QUESTIONÁRIO
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DA OCIDENTAL. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO INTERVENIENTE
Sumário :
I. Ao incumprimento, por parte do segurado, do dever pré-contratual de declarar com exatidão o risco, e respetivos efeitos, aplicam-se as normas legais em vigor no momento da celebração do contrato de seguro.

II. A declaração inicial do risco no âmbito do contrato de seguro assume importância e sentido atento o seu desígnio que é o de transferir determinado sinistro para a seguradora mediante uma contrapartida e consubstancia a relevância do princípio da boa-fé na fase pré-contratual, que impõe ao tomador do seguro ou ao segurado a obrigação de declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, e à entidade seguradora, o dever de conduzir todo o processo negocial com clareza procedimental, tudo em razão da tutela da confiança entre as partes outorgantes.

III. O art.º 429º do Código Comercial sanciona com a invalidade o contrato de seguro em que tenha havido uma declaração de risco inexata ou reticente, pressupondo a anulabilidade, ter o tomador/segurado prestado declarações inexatas ou reticentes (respeitantes a factos ou circunstâncias); serem tais factos ou circunstâncias, conhecidos do tomador/segurado; e terem tais declarações inexatas ou reticentes podido influenciar a decisão de contratar ou as condições do contrato de seguro celebrado.

IV. O art.º 429º do Código Comercial não exige, como requisito de anulabilidade, a prova de qualquer nexo de causalidade entre o facto ou circunstância omitidos ou inexatamente declarados e o facto ou circunstância que determinou o sinistro.

V. Em caso de se verificação do sinistro, sendo aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, a seguradora não responde pelo risco quando cumulativamente: (i) se verifique uma declaração inicial do risco desconformes à realidade ou insuficientes para a caracterização da situação segura; (ii) os elementos que caraterizam a desconformidade, encerrem natureza considerável, expressiva, significativa; (iii) ocorra descuido, distração, incúria, quanto ao preenchimento da declaração inicial do risco, no que respeita àqueles elementos desconformes ou omitidos; (iv) seja demonstrado nexo de causalidade adequada entre a desconformidade/omissão ocorrida e o sinistro verificado

Decisão Texto Integral:

Recorrente/Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA.

Recorridos/Autora/AA e o Interveniente/BB

Recorrente/Interveniente/BB

Recorrida/Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA demandou Ocidental -Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., pedindo:

A - Seja declarado como válido o contrato de seguro de vida associado ao crédito à habitação com apólice n.º GR......59 e o contrato de seguro de crédito pessoal com a apólice n.º GR......20, cuja pessoa segura era a falecida filha da A., CC, à data de 14 de março de 2017, data de óbito desta,

B - A condenação da Ré seguradora a reconhecer que a responsabilidade pelas coberturas e garantias nele[s] consignadas pertence à mesma,

C - Seja o contrato de seguro liquidado à data de 14 de Março de 2017, data do óbito do devedor principal, por força do seguro de vida associado ao crédito à habitação com apólice n.º GR......59 e o contrato de seguro de crédito pessoal com a apólice n.º GR......20, e em consequência seja devolvido à A. o montante das prestações que a mesma já pagou desde 14 de Março de 2017 até à decisão final a proferir nos autos.

D - Seja a Ré condenada a indemnizar a autora pelos danos não patrimoniais sofridos, em montante nunca inferior a €2.500,00.

Articulou, com utilidade, que é mãe de CC, falecida em 14.03.2017, a qual era dona do 1.º andar do prédio sito na Travessa da Rua ... na ..., ..., ..., sendo que para aquisição deste andar, a CC recorreu a crédito bancário e celebrou com a Ré um contrato de seguro vida e um contrato de seguro relativo a crédito pessoal.

Após o óbito de CC a Autora participou à Ré tal óbito e a mesma declinou a sua responsabilidade pelo sinistro, alegando para tal que existia um quadro clínico decorrente de patologias pré-existente que foram omitidas aquando da celebração dos referidos contratos de seguro, tendo tal posição da Ré levado a que a Autora tenha vindo desde 14.03.2017 a suportar os encargos relacionados com o empréstimo, assim como sofrido diversos danos não patrimoniais.

Outrossim, sustou a Autora que a declaração de saúde de CC correspondia à sua situação de saúde aquando da celebração dos seguros e que o problema oncológico que a levou à morte era desconhecido da mesma, sendo que a morte desta não decorreu de nenhuma doença pré-existente.

Ademais, invocou que a CC padecia de nefrite lúdica e LED, tendo sido submetida a transplante renal, situação que à data da celebração dos seguros em causa se encontrava estável e, por isso, não foi considerada pela falecida segurada no contrato em apreço, sendo que então não lhe foi assegurado pela Ré o dever de informação sobre as condições e implicações do seguro, designadamente, quanto às suas garantias e exclusões, tendo a falecida CC assinado de cruz tais contratos de seguro.

2. Regularmente citada, a Ré. contestou, alegando, em síntese, que a falecida segurada omitiu todos os graves problemas de saúde de que padecia aquando da celebração dos referidos contratos de seguro, prestando assim falsas declarações, termos em que concluiu pela nulidade e anulação daqueles contratos, defendendo ainda que aquando da adesão aos seguros em apreço a falecida segurada foi informada sobre as coberturas dos mesmos.

Concluiu pedindo que a presente ação seja julgada improcedente, por não provada.

3. Foi admitida a intervenção principal provocada de BB, o qual, citado, declarou fazer seu o articulado apresentado pela Autora.

4. Foi dispensada a audiência prévia, proferido saneador, fixado o objeto do processo e enunciados os temas da prova demonstrados e a demonstrar.

5. Calendarizada e realizada audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo a Ré dos pedidos.

6. Inconformada, apelou a Autora/AA tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida e julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência,

1. Declaram-se válidos o contrato de seguro de vida associado ao crédito à habitação, com apólice n.º GR......59, e o contrato de seguro de crédito pessoal, com a apólice n.º GR......20,

2. Condena-se a R., aqui Recorrida, a reconhecer ser da sua inteira responsabilidade a cobertura decorrente daqueles contratos, devendo a R. entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no artigo 609.º, 2, do CPCivil,

Absolvendo no mais a R., aqui Recorrida, do pedido.”

7. É contra este acórdão que a Ré/Ocidental -Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. e o Interveniente/BB se insurgem, interpondo as respetivas revistas, formulando as seguintes conclusões:

7.1. Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA.

“1. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou a douta sentença absolutória proferida em primeira instância, determinando a condenação da ora Ré Seguradora a reconhecer ser da sua inteira responsabilidade a cobertura decorrente daqueles contratos, devendo entregar à Autora o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no artigo 609.º, 2, do CPCivi. Absolvendo no mais a R., aqui Recorrida, do pedido. (negritos nossos), porquanto defende o Tribunal a quo que (a) não se encontra comprovada a situação clínica da filha da Autora no momento antecedente à contratação do seguro de vida, em 2001, pelo que não se comprovam as declarações inexatas ou omissas da mesma, e (b) não ficou demonstrado que a causa de morte da segurada decorreu de qualquer uma das patologias omitidas aquando da celebração do contrato de seguro de vida, em 2015, consequentemente, o referido contrato é também válido.

Contudo,

2. A Ré Seguradora não pode conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação por violadora de normas de processo e da lei substantiva aplicável ao caso particular, termos em que se interpõe o presente recurso.

3. Da factualidade julgada provada resulta que a filha da Autora foi diagnosticada com nefrite lúpica4 e LED5, tendo iniciado hemodiálise em 07.01.1992 e sido submetida a transplante renal com rim de cadáver em 04.05.2012 – cf. facto n.º 13.

4. É notório que o diagnostico de Lúpus e insuficiência renal, que determinou a hemodiálise e subsequente transplante, são condições crónicas e tratamentos aos quais a filha da Autora teria de recorrer com frequência semanal, como é do conhecimento comum.

5. A hemodiálise é tão somente substituição mecânica da função humana dos rins, que se encontram em progressiva falência, e tanto assim é, e foi o caso da filha da Autora, que a mesma acabou por vir a ser submetida a um transplante renal em 2012 (!).

6. O mesmo é dizer que atenta a factualidade julgada provada é notório que a função renal da filha da Autora não melhorou – pelo contrário, sendo por demais evidente que durante o período que mediou o início da hemodiálise e o transplante, incluindo no período que antecedeu à contratação do seguro de vida, em momento algum, a filha da Autora pode deixar de recorrer à hemodiálise.

7. Tivesse deixado de recorrer à hemodiálise o infeliz decesso da filha da Autora teria ocorrido em data muito anterior àquela em que se verificou o sinistro (!).

8. Em suma, nos dois anos ou mesmo nos seis meses anteriores à contratação do seguro de vida, a Autora foi necessariamente submetida a tratamentos regulares, periódicos (semanais) e recorrentes de hemodiálise, mantendo ainda o diagnóstico de Lúpus – o que constitui ilação evidente ou facto notório, por ser do conhecimento geral dos cidadãos e constituir raciocínio acessível ao homem médio.

9. Termos em que não se concorda com o Tribunal a quo quando refere que “…da factualidade apurada não decorre a efetiva situação de saúde da falecida filha da A. em fins do século XX e inícios do século XXI…”.

10. Com o respeito que é devido, que é muito, a situação clínica da filha da Autora no período que antecedeu a contratação do primeiro seguro de vida é por demais evidente em face da factualidade julgada provada e da factualidade notória, que caberia ao Tribunal da Relação considerar nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2 al. c) do CPC.

11. Os factos notórios devem ser considerados pelo Tribunal, não carecendo de prova ou alegação, constituindo exceção ao princípio dispositivo na vertente respeitante à formação do material fático da causa, sendo do senso comum, conhecimento geral e oficiosamente cognoscíveis, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 412.º do CPC.

Ora,

12. Atendendo ao diagnostico de Lúpus, mas em particular aos evidentes tratamentos de hemodiálise a que a pessoa segura/filha da Autora foi submetida antes da subscrição da proposta do contrato de seguro de vida, em 2001, sempre teria de ter respondido positivamente, pelo menos, à questão “Verificou-se, nos últimos seis meses, alguma alteração do seu estado de saúde que o tenha levado a consultar um médico ou a recorrer a uma instituição hospitalar?”.

Ou, ainda,

13. Teria de ter declarado perante a Ré Seguradora o seu concreto estado clínico, na medida em que a filha da Autora não estava limitada nas suas declarações ao questionário clínico, como de resto a própria declarou saber – cf. facto n.º 25.

No entanto,

14. A filha da Autora respondeu negativamente a todas as questões do questionário clínico, declarando estar de boa saúde (facto n.º 25), não obstante saber que que as suas respostas constituíam elementos mínimos e indispensáveis à apreciação do risco por parte da Ré Seguradora.

15. Termos em que se encontram preenchidos os pressupostos do disposto no artigo 419.º do Código Comercial, aplicável ao presente contrato de seguro de 2001 e respetivo sinistro morte.

16. Com efeito, resultando comprovada a declaração inexata conhecida do próprio segurado, in casu a filha da Autora (que não podia desconhecer as patologias diagnosticadas, por serem factos próprios, de alguma gravidade e que exigiam tratamento e intervenções médicas e medicamentosas regulares) e o nexo causal entre as patologias omitidas e a vontade da Ré Seguradora contratar (facto n.º 26), sempre deveria o Tribunal a quo ter mantido a decisão absolutória,

17. Não o tendo feito, o Tribunal da Relação violou o disposto nos artigos 5.º e 214.º do CPC, na medida em que não teve em conta factualidade notória e de senso comum, da qual resulta apurada a situação de saúde da pessoa falecida no período que antecedeu a contratação do seguro. Termos em que se requer a revogação desta última decisão, por parte do Tribunal ad quem, por aplicação daquele artigo 429.º do Código Comercial, 5.º e 412.º do CPC.

Mas ainda,

18. A atuação da pessoa segura aquando da contratação dos seguros não pode deixar de ser qualificada como dolosa, sendo certo que, em todo e qualquer caso, o nexo causal cuja prova se exige é entre a doença(s) omitida(s) e a vontade da Ré Seguradora contratar, não entre a doença omitida e a causa de morte.

Vejamos,

19. A pessoa segura sabia e não podia desconhecer o seu quadro clínico, desde logo por ser facto pessoal, mas também pela gravidade das patologias, tendo a mesma sido observada em consulta de transplante em nefrologia dias antes da celebração do presente contrato (cf. facto provado n.º 11).

20. Sendo certo que a profissão da pessoa segura (técnica superior no Hospital ..., cf. facto n.º 12) é particularmente indiciadora de um conhecimento superior ao do homem médio quanto a estas questões das patologias e intervenções médicas.

21. Acrescendo aqui o facto de o presente não ser o primeiro contrato de seguro de vida celebrado pela pessoa segura!

22. Atenta a factualidade julgada provada, em concreto os factos n.º 10, 11 e 12 é por demais evidente a intensão dolosa da pessoa segura, quando omite o seu verdadeiro quadro clínico no momento do preenchimento da proposta de seguro.

23. Termos em que errou o Tribunal da Relação ao aplicar ao presente o disposto no artigo 26.º do Regime Juridico do Contrato de Seguro, por oposição à aplicabilidade correta 21 do disposto no artigo 25.º daquele mesmo diploma.

Mas ainda,

24. A pessoa segura não podia desconhecer da importância do seu quadro clínico para a avaliação e análise do risco do contrato de seguro, não só porque subscreveu declaração nesse sentido, como sobre si impendia um dever de informação, que decorre também dos deveres de boa-fé contratuais que impedem sobre as partes, incluindo a pessoa segura ou proponente do contrato.

25. As partes negoceiam tendo por base princípios de boa-fé contratual, pelo que as declarações prestadas tendem a fazer fé. De tal modo que é com base nas mesmas declarações que a R. Seguradora procederá a uma análise do risco, sem que mais lhe seja exigível.

26. A subscrição da filha da Autora enquanto proponente para aderir ao contrato de seguro de vida de grupo em apreço (e mesmo o celebrado em 2001) nunca teria sido aceite, fosse a Ré Seguradora conhecedora do mesmo.

27. Assim, mal andou o Tribunal da Relação, na aplicação da lei, quando reverteu a declarada nulidade dos contratos, o que constitui interpretação ou aplicação errada da lei substantiva nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 1 al. b) do CPC, em concreto dos deveres de contratuais e pré-contratuais de boa-fé e, bem assim, o disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.

28. Neste particular e neste mesmo sentido, refere José Vasques, in “Contrato de Seguros”, que “… a caracterização do seguro como contrato de boa fé não pretende reforçar a ideia de que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé (artº 227º, nº 1, do C. Civ.), mas sublinhar a necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição. … A lei sanciona expressamente a omissão ou inexatidão da declaração do proponente com a nulidade, independentemente de ter ou não existido má-fé de quem fez o seguro...”

29. Posição que encontra eco na jurisprudência, nomeadamente nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça referente ao processo n.º 349/14.5TBMTA.L1.S1 e do Tribunal da Relação do Porto referente ao processo n.º 1210/19.2T8MAI.P1, onde expressamente se refere que o efeito anulatório do contrato não fica precludido pela circunstância da morte ter radicado em processo patológico autónomo da doença omitida.

Em suma,

30. Perante este quadro legal, só poderia proceder a exceção invocada pela Ré Seguradora com a subsequente cominação de anulabilidade do contrato de seguro, retroagindo a sua não produção de efeitos à data da contratação.

31. O que não acolhido pelo Tribunal da Relação por interpretação errada dos princípios de boa-fé contratual que regem também os contratos de seguro e que vigoram sobre os artigos 25.º e 26.º do RJCS.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as devidas e legais consequências, só assim se fazendo a acostumada Justiça”

7.2. Interveniente/BB

“A) O presente recurso vem interposto da parte da Decisão proferida, em 14 de Setembro de 2023, no Recurso de Apelação N.º Proc. 4048/20.0T8LRS.L1 em que o Tribunal da Relação, concedendo provimento parcial ao Recurso interposto pela A., decidiu condenar a R. , nos seguintes termos:

“(…) verificado o sinistro, no caso o óbito de CC, o segurador, no caso a R., fica obrigado a pagar o capital seguro com referência à data do respetivo sinistro.

Ora, conforme decorre dos factos provados n.ºs 18 e 20, tais contratos de seguro cobriam, além do mais, o risco morte de CC, filha da A., sendo que o óbito da mesma ocorreu em 14.03.2017. Mais, ficou igualmente demonstrado que àquela data o seguro de vida crédito habitação apresentava como capital seguro a quantia de €46.562,88 e que desde a data do falecimento da filha da A. esta tem pago as prestações do crédito à habitação, conforme factos provados n.ºs 20 e 17.

Em consequência, considerando o disposto no artigo 320.º do CPCivil, nos termos peticionados pela A. e pelo Interveniente, deve a R. ser condenada a reconhecer a sua responsabilidade pela cobertura do risco morte com referência a 14.03.2017,conforme contratos de seguro em causa, devendo a R. entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no artigo 609.º, 2, do CPCivil, Não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente de qualquer prestação, não há que condenar a R. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título”.

E proferiu a seguinte DECISÃO:

“Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida e julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência,

1. Declaram-se válidos o contrato de seguro de vida associado ao crédito à habitação, com apólice n.º GR......59, e o contrato de seguro de crédito pessoal, com a apólice n.º GR......20,

2. Condena-se a R., aqui Recorrida, a reconhecer ser da sua inteira responsabilidade a cobertura decorrente daqueles contratos, devendo a R. entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no artigo 609.º, 2, do CPCivil,

Absolvendo no mais a R., aqui Recorrida, do pedido.

Custas pelos Recorrentes e pela Recorrida na proporção de 22% e 78%, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à A., ora Recorrida.

Lisboa, 14 de setembro de 2023”;

B) O Recorrente não concorda com a sentença proferida, na parte que decidiu que: “Não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente de qualquer prestação, não há que condenar a R. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título” e que “a R. deve entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final”, porquanto a mesma viola o disposto nos artos. 639º, 608º n.º 2 e 615º n.º 1 alínea d), todos do C.P.C., uma vez que aprecia e decide questões que não foram submetidas pelas partes ao Tribunal e que não constituem matéria das Conclusões da Recorrente que delimitam o objeto do recurso;

C) Para o que releva para o objecto do presente recurso, é de referir que a A., AA, interpôs ação de Processo Comum contra a R., Ocidental – Companhia de Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., pedindo:

“A - que seja declarado como válido o contrato de seguro de vida associado ao crédito à habitação com apólice n.º GR......59 e o contrato de seguro de crédito pessoal com a apólice n.º GR......20, cuja pessoa segura era a falecida filha da A., CC, à data de 14 de Março de 2017, data de óbito desta,

B - a condenação da Ré seguradora a reconhecer que a responsabilidade pelas coberturas e garantias nele consignadas pertence à mesma,

C - bem como o contrato de seguro seja liquidado à data de 14 de Março de 2017, data do óbito do devedor principal, por força do seguro de vida associado ao crédito à habitação com apólice n.º GR......59 e o contrato de seguro de crédito pessoal com a apólice n.º GR......20, e em consequência seja devolvido à A. o montante das prestações que a mesma já pagou desde 14 de Março de 2017 até à decisão final a proferir nos autos.

D - Seja a Ré condenada a indemnizar a autora pelos danos não patrimoniais sofridos, em montante nunca inferior a €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).”;

D) A R. apresentou contestação, alegando, em síntese, que a falecida segurada omitiu todos os graves problemas de saúde de que padecia aquando da celebração dos referidos contratos de seguro, prestando falsas declarações, o que determinou a anulação daqueles contratos;

E) Foi deduzido incidente de intervenção principal provocada de BB, pai da falecida CC, na qualidade de co-herdeiro, o qual foi admitido, tendo aderido ao pedido formulado pela A., através de requerimento de 11-05-2022, que não foi objeto de contestação, alegando em síntese, que:

- “é pai de CC, falecida em 14 de Março de 2017, e, por conseguinte seu herdeiro legal e cabeça-de-casal,

- foi a A. e o Interveniente, pais e herdeiros da falecida, que procederam ao pagamento das prestações devidas até final dos empréstimos, à habitação e crédito pessoal, aos quais se encontram associados os contratos de seguro titulados pelas apólices n.º GR......59 e n.º GR......20, respetivamente, uma vez que a R. declinou a responsabilidade que sobre si impendia decorrente dos supra identificados contratos de seguro e que

- tal como a A., tem direito a que lhe seja devolvido pela R. o montante das prestações dos empréstimos à habitação e crédito pessoal que ambos liquidaram desde 14 de Março de 2017.”;

F) Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, em 14-10-2022, onde foi estabelecido o objeto do litígio e seleccionados os factos assentes e fixados os temas da prova nos seguintes termos:

“3. Objecto do Litígio

- Averiguar se foi legitima a comunicação de anulação dos seguros por parte da R.

- Indagar se ocorre alguma causa que afaste a obrigação da R. de assumir o risco segurado. - Apurar se a R. se constituiu na obrigação de indemnizar a A.

TEMAS DA PROVA 4.2. A demonstrar

Os demais factos relevantes constantes da PI e da Contestação, designadamente: - os respeitantes à exclusão da cobertura dos seguros, em particular os contidos nos artºs.27º, 29º, 30º, 31º, 36º e 46º da contestação. - os atinentes ao cumprimentos do dever de comunicação e informação, conforme artºs.15º e 26º contestação.“;

G) Em 02.03.2023, o Tribunal de 1ª Instância, Juízo Central Cível de Loures, proferiu sentença que julgou a ação improcedente, por não provada, e absolveu a R. dos pedidos, tendo a A. interposto recurso, apresentando as Conclusões que se encontram transcritas integralmente no supra ponto 8 das presentes Alegações;

H) O Interveniente Principal, ora Recorrente, aderiu ao recurso e a R. contra-alegou, concluindo pela manutenção da decisão recorrida;

I) O Tribunal da Relação, com base nas conclusões dos recorrentes, delimitou o OBJECTO DO RECURSO considerando que nos presentes autos está em causa apreciar e decidir da impugnação da decisão de facto e da (in)validade do contrato de seguro e dos efeitos daí decorrentes;

J) O Tribunal “ad quem” decidiu bem ao reconhecer a validade dos dois contratos de seguro de vida em causa, tendo como consequência que “verificado o sinistro, no caso o óbito de CC, o segurador, no caso a R., fica obrigado a pagar o capital seguro com referência à data do respetivo sinistro”(…) e “(…)Em consequência, considerando o disposto no artigo 320.º do CP Civil, nos termos peticionados pela A. e pelo Interveniente, deve a R. ser condenada a reconhecer a sua responsabilidade pela cobertura do risco morte com referência a 14.03.2017, conforme contratos de seguro em causa”;

K) Contudo, o Recorrente não pode concordar com a decisão do Tribunal ad quem na parte que determinou que: “Não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente de qualquer prestação, não há que condenar a R. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título” e que decidiu “Condena-se a R., aqui Recorrida, a reconhecer ser da sua inteira responsabilidade a cobertura decorrente daqueles contratos, devendo a R. entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no artigo 609.º, 2, do CPCivil”;

L) Desde logo, diga-se em abono da verdade que, apreciada a prova documental constante dos autos, tão pouco a A. fez prova de que tenha sido ela a pagar sozinha as prestações do empréstimo;

M) Por outro lado, é por demais evidente a contradição da decisão ao dizer, primeiro, que a R. fica condenada a reconhecer a sua responsabilidade pela cobertura do risco morte com referência a 14.03.2017 nos termos peticionados pela A. e pelo Interveniente e, depois, decidir que a R. nada deve pagar ao Interveniente, quando tanto a A. como o Interveniente requereram a condenação da R. a pagar, a ambos, o capital seguro!

N) Se a condenação da R. é nos termos peticionados pela A. e pelo Interveniente, então deve esta ser condenada a pagar a ambos as quantias decorrentes do contrato de seguro, pois que foi esse o requerido;

O) Acresce que na 1ª Instância, o Despacho Saneador delimitou claramente o objecto do litígio, que consistia em: “Averiguar se foi legitima a comunicação de anulação dos seguros por parte da R., indagar se ocorre alguma causa que afaste a obrigação da R. de assumir o risco segurado e Apurar se a R. se constituiu na obrigação de indemnizar a A”;

P) Por seu turno o Tribunal da Relação delimitou o objecto do recurso no sentido de estar em causa apreciar e decidir da impugnação da decisão de facto e da (in)validade do contrato de seguro e dos efeitos daí decorrentes;

Q) Assim, são estas e apenas estas as questões que devem ser apreciadas e não outras!

R) Ao longo de todo o processo nunca foi matéria controvertida nem objecto de litígio apurar quem procedeu ao pagamento das prestações do empréstimo, tendo sido assumido pela A. e pelo Interveniente Principal, enquanto casal, pais da segurada falecida e seus únicos herdeiros, que a liquidação das prestações do empréstimo havia sido feita por ambos;

S) E tanto assim é que as despesas com a venda do andar que ocorreu em 2020, referentes à comissão da Agência Imobiliária que mediou a venda e ao distrate da hipoteca que incindia sobre o imóvel, foram suportadas por ambos os pais e herdeiros de CC, conforme documento que só agora foi possível juntar, mesmo porque só agora, por força da decisão do tribunal “ad quem”, o mesmo se mostrou necessário como elemento de prova. (DOC. 1);

T) E foi sempre este o entendimento da A. e do ora recorrente, ainda que algumas prestações tenham sido pagas apenas por este, aliás muito para além do que consta do documento exemplificativo, que se junta e que só agora, por força da decisão do tribunal “ad quem”, se mostrou necessário como elemento de prova. (DOC. 2);

U) Ao decidir como decidiu, o Tribunal “ad quem” acabou por pronunciar-se e decidir sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento, posto que não fazia parte do objecto do recurso, nem do objecto do litígio nem tão pouco dos temas da prova a demonstrar, conforme Despacho Saneador proferido pelo Tribunal de 1ª Instância resultando a decisão num manifesto excesso de pronúncia;

V) Tendo em conta que, de acordo com o artº. 639º do C.P.C., são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste, a verdade é que, no caso vertente, das extensas Conclusões da Recorrente não consta qualquer referência à necessidade de apurar quem pagou as prestações dos empréstimos;

W) Encontrava-se assim o Tribunal “ad quem” impedido de sobre essa questão se pronunciar e, muito menos, decidir;

X) Ao decidir da forma que decidiu andou mal o Tribunal da Relação, tendo violado a norma constante do Artº. 615º n.º 1 alínea d) do C.P.C. que impede que o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja, que não sejam matéria controvertida e que não integrem de forma clara e inequívoca o objeto do litígio, o disposto no arto. 639º que determina que as Conclusões do Recorrente delimitam o Objecto do Recurso e ainda o disposto no arto. 608º n.º 2 do C.P.C. que determina que o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes”;

Y) A violação do disposto nos artºs. 639º, 608º n.º 2 e 615º n.º 1 alínea d), todos do C.P.C., determina a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal “ad quem” na parte que decidiu que “Não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente de qualquer prestação, não há que condenar a R. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título” e que “a R. deve entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final”.

Nestes termos, e com o devido respeito, requer-se:

Seja dado provimento ao presente Recurso Ordinário de Revista para que, revogando-se o douto Acórdão na parte recorrida, a R. seja condenada a entregar ao Recorrente a sua quota-parte, correspondente a metade, do montante das prestações pagas desde 14-03-2017 até á decisão final.

Mais Requer, ao abrigo do disposto no artº 651 do CPC, seja admitida a junção dos documentos 1 e 2, constituídos por comprovativo de que as despesas com a venda do andar que ocorreu em 2020, referentes à comissão da Agência Imobiliária que mediou a venda e ao distrate da hipoteca que incindia sobre o imóvel, foram suportadas por ambos os pais e herdeiros de CC, e comprovativo do pagamento de algumas prestações efetuado apenas pelo ora Recorrente, documentos cuja junção só agora, por força da decisão do tribunal ad quem, se mostrou necessária e essencial como elemento de prova.

E ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”

8. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade

9. Foram cumpridos os vistos.

10. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações da Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. e do Interveniente/BB, consistem em saber se:

Da Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA.

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao reconhecer a responsabilidade contratual da Ré, emergente dos negócios jurídicos identificados nos autos, deixando de considerar a exceção invocada pela demandada, seguradora, ao invocar a violação do princípio de boa-fé contratual que rege os contratos de seguro e que vigora no aplicável regime jurídico dos contratos de seguro, impondo-se, por isso, a revogação do acórdão recorrido, no reconhecimento da invalidade dos ajuizados contratos de seguros?

Do Interveniente/BB

(1) Os documentos apresentados como documentos 1 e 2 deverão ser admitidos nos autos, ao abrigo do disposto no art.º 651º do Código de Processo Civil?

(2) O Tribunal recorrido cometeu nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que ao decidir que “Não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente de qualquer prestação, não há que condenar a R. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título” e que “a R. deve entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final”, apreciou questões que não foram submetidas pelas partes ao seu escrutínio, arredadas que estão do objeto da apelação?

(3) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao deixar de condenar a demandada a entregar ao Interveniente/BB a sua quota-parte, correspondente a metade, do montante das prestações pagas desde 14 de março de 2017 até á decisão final?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“1. A A. e o interveniente BB são os herdeiros legais da falecida CC;

2. CC, com 47 anos de idade, faleceu no dia 14 de março de 2017, na freguesia de ..., concelho de ...;

3. A filha da A. era proprietária da fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito em Travessa da Rua ... – B, 1.º andar, na ..., ..., freguesia e concelho de Ribeira Grande, distrito de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2334 e descrita na Conservatória de Registo Predial da ... sob o n.º 25, da freguesia da ...;

4. Para aquisição do referido bem imóvel, a filha da A. recorreu a crédito Bancário junto do Banco Comercial Português, S.A., no montante global de 15.188.000,00 escudos (75.757,49 €),

5. Tendo celebrado contrato de seguro de vida associado ao crédito habitação de 14.580.000,00 escudos (72.724,80 €), com a apólice n.º GR......59 e outro contrato de seguro relativo a crédito pessoal de 608.000,00 escudos (3.032,69), com a apólice n.º GR......20, junto da aqui Ré;

6. Após o óbito da filha da A., esta efetuou a participação do mesmo junto da R.,

7. Ao que a R., remeteu missiva datada de 11 de agosto de 2017, a declinar a responsabilidade,

8. Recusando a cobertura do sinistro, alegando que o sinistro se encontrava excluído da cobertura da apólice,

9. Referindo que existia um quadro clínico decorrente de patologias pré-existentes, que não foram mencionadas, na data da subscrição, em 15-06-2015, pela filha da A. de acordo com relatório médico emitido pelo Sr. Dr. DD, do Hospital ..., pelo que não estavam reunidas as condições de subscrição da “declaração de saúde” inserida na Proposta de Seguro;

10. No contrato de seguro subscrito em 2015 a filha da A. subscreveu declaração do seguinte teor:

“Declaro que até à presente data não me foi atribuído qualquer grau de incapacidade funcional, que estou de boa saúde e que no último ano não estive sujeito a qualquer tratamento médico regular nem fui aconselhado a ser hospitalizado para me submeter a uma intervenção cirúrgica ou a tratamento médico.

Mais declaro que nos últimos 3 anos não estive sujeito a tratamento clínico durante mais de 3 semanas consecutivas.

Declaro ainda que sei que a omissão ou falsas declarações conduzem à nulidade da minha adesão à apólice de seguro subjacente ao presente contrato.”,

Sendo que na altura a filha da A. declarou igualmente que:

“1. São exactas e completas as declarações prestadas, tendo tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato, tendo-lhe(s) sido entregues as respectivas Condições Gerais e Especiais, para delas tomou/tomaram integral conhecimento e tendo-lhe(s) sido prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições contratuais, nomeadamente sobre as garantias e exclusões aplicáveis com as quais concorda(m).”;

“4. Toma(m) conhecimento que o Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida e que as declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo, exonerando o Segurado da obrigação de pagamento de qualquer indemnização.”

“6. Autoriza(m) ainda o Segurador à recolha de dados pessoais relativos à respetiva saúde junto de médicos ou outros profissionais de saúde e de organismos públicos ou privados tais como hospitais, clínicas, consultórios, centros de saúde, institutos de medicina legal, mesmo depois da sua morte, tendo em vista a confirmação ou complemento da informação prestada aquando ou após a subscrição do presente seguro, com as finalidades de avaliação do risco de subscrição do seguro ou de gestão da relação contratual subsequente, designadamente para efeitos de determinação da origem, causa e evolução de eventual doença ou acidente que venha a provocar a morte ou incapacidade, e que compreende(m) a essencialidade desta autorização para a celebração do presente contrato de seguros.”;

11. À data da celebração do contrato de seguro, em 15.06.2015, a filha da A. tinha sido observada na consulta de transplantados em nefrologia, em 03.06.2015, pela Dra. EE, encontrando-se analiticamente estável;

12. A filha da A., exerceu funções de Técnica Superior, com contrato por tempo indeterminado, no Hospital de ... da Ilha ..., de ... de ... de 2010 a 14 de março de 2017;

13. À filha da A. foi-lhe diagnosticada aos 17 anos nefrite lúdica e LED bem controlado, tendo iniciado hemodiálise em ........1992 e foi submetida a transplante renal com rim de cadáver em ........2012;

14. A filha da A. foi observada em sede transplante renal, estando apta em 97 % bem como padecia de diabetes mellitus iatrogéncio e suspendeu a insulina;

15. O certificado de óbito n.º ........86, emitido em 14-03-2017, indica como causa da morte “carcinoma urotelial invasivo”;

16. A filha da A. fez transplante renal em ...-...-2012, mas apenas lhe foi diagnosticado neoplasia da bexiga, em novembro de 2015;

17. Desde a data do falecimento da sua filha, a A. tem pago as prestações do crédito à habitação;

18. O Contrato de Seguro de Vida Crédito Habitação titulado pela apólice nº GR......59 e certificado individual RK......57 tinha como coberturas contratadas a Morte ou Invalidez Total e Permanente e o Contrato de Seguro de Vida Crédito Pessoal titulado pela apólice GR......20 e certificado individual RK......20 tinha como coberturas contratadas a Morte ou Invalidez Total e Permanente por Acidente ou Invalidez Absoluta e Definitiva e estavam associados, respetivamente, aos empréstimos ........83 e ........52;

19. A adesão aos seguros de vida em causa encontram-se datadas de 30.06.2001, no caso do Seguro de Vida Crédito Habitação e 15.06.2015, no caso do Seguro de Vida Crédito Pessoal, tendo sido emitidos os respetivos certificados individuais cujos capitais seguros foram sofrendo as devidas atualizações durante a vigência dos contratos;

20. À data da morte, 14.03.2017, o seguro de vida crédito habitação apresentava como capital seguro, a seguinte quantia: € 46.562,88 (quarenta e seis mil quinhentos e sessenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos);

21. Tais contratos de seguro de grupo tiveram como beneficiário o Banco Comercial Português, S.A.., na qualidade de Entidade Credora;

22. Em 18.05.2017 foi recebida na Seguradora, ora Ré, via sucursal do Millennium BCP, uma participação de sinistro por morte da Pessoa Segura, filha da aqui A.;

23. Aquando da adesão aos seguros em apreço nos presentes autos a filha da A. (atenta a sua qualidade de Pessoa Segura) foi informada pelo Banco sobre as coberturas dos seguros aos quais aderia;

24. Os boletins de adesão referentes aos seguros em apreço nos presentes autos, foram subscritos em 2001 e 2015;

25. No contrato de seguro subscrito em 2001 a filha da A. respondeu negativamente às seguintes questões constantes do respetivo questionário clínico que igualmente subscreveu, a acompanhar a respetiva proposta de adesão:

“Verificou-se, nos dois últimos, alguma doença ou acidente que o tenha levado a recorrer a médico?

Verificou-se, nos últimos meses, alguma alteração do seu estado de saúde que o tenha levado a consultar um médico ou a recorrer a uma instituição hospitalar?

Verificou-se, nos últimos seis meses, algum problema no seu estado de saúde, decorrente de doença ou acidente, que lhe não lhe permite estar ou ter estado, no referido período de tempo, na posse da plena capacidade de trabalho e de desenvolver a sua actividade profissional de forma plena e regular?

Possui alguma invalidez?”

Sendo que então a filha da A. declarou ainda que

“Assumo a inteira responsabilidade pelo teor das respostas às questões aqui enunciadas, declarando que as mesmas são completas, sinceras e conformes à verdade. Mais declaro que não dissimulei, omiti ou (…) qualquer facto, tomando consciência, sem prejuízo do dever de declarar quaisquer outros factos relevantes, que as sobreditas respostas constituem os elementos mínimos indispensáveis para a apreciação do risco por parte da Seguradora”.

26. Se a Ré, tivesse conhecimento de que a falecida padecia de tal quadro clínico, não teria celebrado os contratos aqui em causa ou, a ter celebrado, tê-lo-ia feito em condições distintas daquelas em que celebrou.”

Factos não provados:

“1) A filha da A. no último ano, ou seja, de 15 junho de 2014 até 15 de junho de 2015, não esteve sujeita a qualquer tratamento médico nem foi aconselhada a ser hospitalizada para se submeter a uma intervenção cirúrgica ou a tratamento médico;

2) Entre 15 de junho de 2012 a 15 de junho de 2015 não esteve sujeita a tratamento clínico durante mais de 3 semanas consecutivas;

3) Em 15 de junho de 2015, a filha da A.. pensava que estava bem de saúde e desconhecia padecer de problema oncológico, que a levou à morte;

4) A filha da A., desconhecia que sofria de doença oncológica;

5) A filha da A. se nunca foi informada, não poderia declarar, que são exatas e completas as declarações prestadas e de que tomei conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do(s) presente(s) contrato(s), tendo me sido entregues as respetivas Condições Gerais e Especiais, para delas tomar integral conhecimento e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre garantias e exclusões com as quais estou de acordo;

6) Bem como que o Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida;

7) E que as declarações inexatas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e efeito e libertam a Ré de pagamento de qualquer indemnização;

8) Nunca a filha da A. foi informada que, caso existisse um problema de saúde e o mesmo não fosse declarado no “Boletim de Adesão”, isso poderia levar à não assunção do risco;

9) Com toda esta situação, para além da dor profunda da A. em perder uma filha, também adveio este sério e grave problema com a R., a qual não assumiu a responsabilidade em pagar o valor remanescente do crédito habitação contraído pela filha da A.;

10) O que levou a A. a ficar com insónias,

11) mais nervosa,

12) impaciente,

13) deprimida,

14) e a ter que gastar meios económicos que necessita para viver para pagar a prestação bancária.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. e do Recorrente/Interveniente/BB, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Da Recorrente/Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao reconhecer a responsabilidade contratual da Ré, emergente dos negócios jurídicos identificados nos autos, deixando de considerar a exceção invocada pela demandada, seguradora, ao invocar a violação do princípio de boa-fé contratual que rege os contratos de seguro e que vigora no aplicável regime jurídico dos contratos de seguro, impondo-se, por isso, a revogação do acórdão recorrido, no reconhecimento da invalidade dos ajuizados contratos de seguros? (1)

1. Na presente demanda problematiza-se a chamada declaração inicial do risco, no âmbito do contrato de seguro do ramo vida, que implica o dever de declaração exata de todos os factos ou circunstâncias com influência na validade e condições do contrato, reportam-se à validade ou invalidade de contrato de seguro e aos efeitos daí resultantes, ou seja, respeita a um caso em que importa saber se houve incumprimento do dever pré-contratual de declaração do risco na adesão a dois contratos de seguro de grupo, ramo vida, sendo que em um deles o segurado aderiu ao seguro de grupo, associado ao crédito habitação, com proposta de adesão assinada em 30 de junho de 2001, e outro relativo a crédito pessoal, celebrado em 3 de junho de 2015, ambos com cobertura, além do mais, da morte de CC, tendo, entretanto, antes da data do sinistro invocado pela Autora, ocorrido em 17 de março de 2017, entrado em vigor, em 1 de janeiro de 2009, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei 72/2008, de 16 de abril.

2. Escrutinado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, aliás, mereceu censura, tendo sido modificada, com eliminação de factos dados como provados, e nova redação a outros considerados provados), concedeu parcial provimento à apelação, revogando a sentença da 1ª Instância, substituindo-a por outra, em cujo dispositivo enunciou: “1. Declaram-se válidos o contrato de seguro de vida associado ao crédito à habitação, com apólice n.º GR...59, e o contrato de seguro de crédito pessoal, com a apólice n.º GR0...20; 2. Condena-se a R., aqui Recorrida, a reconhecer ser da sua inteira responsabilidade a cobertura decorrente daqueles contratos, devendo a R. entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no artigo 609.º, 2, do CPCivil; Absolvendo no mais a R., aqui Recorrida, do pedido.”

3. O aresto escrutinado apreendeu a conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo. Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta, o Tribunal recorrido proferiu aresto, fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo, posto em crise com a interposição da presente revista, apreciou os atos ou factos jurídicos donde emerge o direito que a demandante se arroga e pretende fazer valer, atos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, e que a demandada questiona, condensando o objeto do recurso, enunciando as questões que importava apreciar, com prévia apreciação da impugnação de facto, tendo-se debruçado sobre as seguintes questões, uma vez fixada a facticidade adquirida processualmente, antes contestada:

i. Dos contratos de seguro e respetivos regime legais aplicáveis.

ii. Do contrato de seguro de vida de 2001.

iii. Do contrato de seguro de vida de 2015.

iv. Dos efeitos decorrentes da validade dos contratos de seguro.

v. Da peticionada indemnização a título de danos morais.

4. O Tribunal recorrido elaborou, como já adiantamos, um aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico onde enunciou os institutos e conceitos de direito aplicáveis, invocando doutrina e jurisprudência aplicáveis à questão sub iudice, que citou com segurança e parcimónia, a par da menção da pertinente legislação, o que não quer dizer que acompanhemos a solução encontrada para dirimir o conflito trazido a juízo.

5. Os litigantes não questionam a qualificação jurídica dos negócios ajuizados, quais sejam, dois contratos de seguro de grupo, um associado ao crédito habitação, com proposta de adesão assinada em 30 de junho de 2001, e outro relativo a crédito pessoal, celebrado em 3 de junho de 2015, ambos com cobertura, além do mais, da morte de CC, entretanto ocorrida em 17 de março de 2017, cuja seguradora é a aqui Ré, e o respetivo tomador o Banco Comercial Português, SA., aceitando-os, conformando-se, nesta parte, com a decisão proferida em 2ª Instância, não havendo também dissensão sobre a orientação seguido pelo Tribunal recorrido de que, estando em causa dois regime jurídicos atinentes à validade ou aos efeitos dos factos constitutivos do contrato de seguro, aplicam-se as normas legais em vigor no momento da celebração do contrato.

Ou seja, não sofre reservas, que estamos perante contratos de seguro de vida celebrado, no estabelecimento de uma relação triangular, tendo por vértices, a seguradora, a segurada que aderiu a um contrato de seguro de grupo do ramo vida, sendo que em caso de morte da pessoa segura, a seguradora liquidaria ao banco interveniente (beneficiário) a quantia que se encontrasse em divida, regendo-se tal contrato pelas condições particulares e gerais constantes da apólice, bem como, pelo disposto no Código Comercial ou Regime Jurídico do Contrato de seguro, considerando a data da celebração do contrato.

Com efeito, é sabido que o contrato de seguro consubstancia-se num acordo vinculativo, que tem por base declarações de vontade, geralmente proposta e aceitação, que se vem a harmonizar em termos da seguradora, mediante uma determinada retribuição satisfeita pelo segurado, visando solver o que for devido, nos termos acordados, pelo prejuízo que advenha ao segurado/tomador/beneficiário, ocorrido que seja o evento.

Outrossim, inexiste divergência de que se aplicam as normas legais em vigor no momento da celebração do contrato, uma vez que estão em causa as consequências (em termos de invalidade contratual) que ambas as leis (antiga e nova), cada uma ao seu modo, associam ao incumprimento, por parte do segurado, do dever de declarar com exatidão o risco, antes do início do contrato, conforme resulta do diploma preambular do Regime Jurídico do Contrato de seguro que contém normas de direito transitório sobre a sua aplicação no tempo (artºs. 2º, 3º e 4º), em conjugação com o disposto no art.º 12.º nºs. 1 e 2, 1.ª parte do Código Civil.

A este propósito, respigamos do acórdão recorrido, a merecer a nossa aprovação, os seguintes trechos retirados do respetivo enquadramento jurídico:

“Os presentes autos reportam-se à validade ou invalidade de contrato de seguro e aos efeitos daí resultantes.

Conforme decorre dos factos dados como provados com os n.ºs 2, 5, 10, 11, 18, 19, 21 e 24 a 26 e é pacificamente aceite pelas partes, estão em causa dois contratos de seguro de grupo, um associado ao crédito habitação, com proposta de adesão assinada em 30.06.2001, e outro relativo a crédito pessoal, celebrado em 03.06.2015, ambos com cobertura, além do mais, da morte de CC, entretanto ocorrida em 17.03.2017, cuja seguradora é a aqui R. e a respetiva tomadora é o Banco Comercial Português, SA.

Ora, aquela diferente data de subscrição dos contratos de seguro em causa determina quanto à respetiva validade o recurso a diverso regime jurídico, conforme artigo 12.º, n.º 2, 1.ª parte, do CCivil e artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 72/2008, de 16.04, diploma este que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, adiante designado simplesmente por RJCS. Com efeito, segundo o artigo 12.º, n.º 2, 1.ª parte, do CCivil, “[q]uando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.

Por sua vez, o referido artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16.04, dispõe que o RJCS “aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei”, o que significa que o RJCS se aplica aos contratos de seguros celebrados a partir de “1 de Janeiro de 2009”, inclusive, conforme disposto no artigo 7.º do mesmo Decreto-Lei n.º 72/2008.

Nos termos do apontado regime legal, em matéria de validade substancial e formal de um negócio jurídico são, pois, em regra, aplicáveis as normas vigentes à data da sua celebração. (…) em matéria de validade dos contratos de seguro em causa nos autos e dos efeitos da sua invalidade aplicam-se os regimes jurídicos vigentes à data da sua celebração, pelo que quanto ao contrato de seguro com proposta de adesão assinada em 30.06.2001 aplicar-se o disposto no artigo 429.º do CComercial, ao passo que relativamente ao contrato de seguro celebrado em 15.06.2015 aplica-se o regime constante dos referidos artigos 24.º a 26.º do RJCS.”

6. Qualificada a relação jurídica estabelecida entre CC, filha da Autora/AA e o Interveniente/BB e a Ré, como contratos de seguro de grupo, um associado ao crédito habitação, com proposta de adesão assinada em 30 de junho de 2001, e outro relativo a crédito pessoal, celebrado em 3 de junho de 2015, ambos com cobertura, além do mais, da morte de CC, entretanto ocorrida em 17 de março de 2017, sendo o respetivo beneficiário o Banco Comercial Português, SA., importa apurar da bondade do decidido, tendo em devida conta a aplicação de diversos regimes jurídicos atinentes à validade e/ou aos efeitos dos factos constitutivos dos ajuizados contrato de seguro, decorrente da diferente data de subscrição dos mesmos.

Questiona-se, como já enunciamos, a declaração inicial do risco, no âmbito do contrato de seguro do ramo Vida, que implica, sublinhamos, o dever de declaração exata de todos os factos ou circunstâncias com influência na validade e condições do contrato.

7.1. Como resulta dos factos adquiridos processualmente, CC, filha da Autora/AA e o Interveniente/BB, aderiu ao seguro de grupo, associado ao crédito habitação em 30 de junho de 2001, tendo, entretanto, antes da data do sinistro, ocorrido em 2017, entrado em vigor, em 1 de janeiro de 2009, a Lei do Contrato de Seguro aprovada pelo Decreto-Lei 72/2008, de 16 de abril, o que significa, como vimos de discretear, que à questão sob litígio atinente às normas que versam sobre a validade e/ou os efeitos dos factos constitutivos do articulado contrato de seguro, outorgado em 2001, são aplicáveis as normas vigentes na lei antiga, sendo que a lei antiga, no caso, a norma legal em vigor no momento da celebração do contrato, é o que à época da adesão ao seguro de grupo se dispunha no art.º 429º do Código Comercial, que, marcado pelo respetivo contexto histórico do seu surgimento (1888), estabelecia um regime bastante favorável ao segurador.

Textua o art.º 429.º do Código Comercial que “toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”, daí que, reconhecido que o segurado prestou declarações inexatas ou reticentes, incumprindo o dever pré-contratual de declaração do risco na adesão a um seguro de grupo, incorre em gravosa cominação, ao ver declarado inválido o contrato de seguro.

Na verdade, entendemos que, encerrando o seguro um contrato pelo qual a seguradora cobre determinados e concretos riscos (o risco é essencial ao contrato de seguro [é para a cobertura dum determinado risco que as partes contratam, sendo o prémio calculado em função de tal determinado risco]), e não há sequer seguro válido sem risco, temos de convir que todas as circunstâncias, que possam contribuir para o reconhecimento de maior ou menor risco, importam uma função determinante para a economia do contrato de seguro, donde, qualquer circunstância, entendida por relevante e/ou significativa para a análise do risco que se pretende que o segurador cubra, em relação à qual o tomador/segurado se encontra em posição privilegiada para as identificar, nomeadamente, aquelas que respeitam ao próprio segurado, tem o tomador/segurado o dever pré-contratual, apelando ao principio da boa-fé inerente, de as declarar ao segurador.

Anota-se que o espirito subjacente ao art.º 429º do Código Comercial está no reconhecimento de que a declaração de risco encerra uma das obrigações fundamentais do tomador/segurado, uma vez que é a partir de tal declaração de risco que o segurador fixa as condições do contrato e o alcance das suas obrigações, ou seja, avalia as circunstâncias que influem no risco e calcula o prémio, sendo, em qualquer caso, desproporcionado exigir ao segurador que perscrute a exatidão da declaração de risco, pelo que, declarações inexatas ou reticentes do tomador/segurado importam a invalidade do negocio jurídico.

Sem embargo, damos nota, como colhemos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 23 de fevereiro de 2021, no âmbito do Processo n.º 2100/18.1T8STR.E1.S1: “(…) a declaração do risco, caraterizada como uma obrigação prévia ao contrato, seja normalmente referida como uma das obrigações fundamentais do tomador/segurado, uma vez que é a partir de tal declaração de risco que o segurador avalia as circunstâncias que influem no risco e calcula o prémio; aqui se situando a lógica e racional do art. 429.º do C. Comercial: o segurador baseia toda a sua prestação nas declarações do tomador/segurado, nas quais deve ter toda a confiança, pelo que declarações inexatas ou reticentes do tomador/segurado merecem ser sancionadas pesadamente.

Sancionamento que a jurisprudência dominante mais recente “atenuou”, entendendo - face ao carácter privado dos interesses que a concreta invalidade visa tutelar, em razão do disposto no art. 429.º do C. Comercial constituir um afloramento do erro vício da vontade (a que a lei, nos termos gerais, associa a anulabilidade do negócio) e atenta a circunstância do CC de 1867, vigente à data da entrada em vigor do C. Comercial, utilizar a terminologia “nulidades absolutas” e “nulidades relativas”, sendo a estas (a que hoje, no C. Civil de 1966, corresponde a anulabilidade) que o art. 429.º se quereria reportar – que se deve considerar que se está perante uma “mera” anulabilidade e que as declarações inexatas ou reticentes do tomador/segurado merecem ser sancionadas com a “mera” anulabilidade do contrato de seguro.

Anulabilidade que, porém, face à letra do art. 429.º do C. Comercial, tem tão só como requisitos:

- ter o segurado/tomador prestado declarações inexatas ou reticentes (respeitantes a factos ou circunstâncias);

- serem tais factos ou circunstâncias conhecidos do segurado/tomador;

e

- terem tais declarações inexatas ou reticentes podido influenciar a decisão de contratar ou as condições do contrato de seguro celebrado.”

De resto, conquanto saibamos que, contrariamente ao que acontecia com os assentes, a doutrina decorrente dos acórdão de uniformização de jurisprudência possa não ser respeitada e seguida pelos Tribunais, importa dizer que só assim será se forem aduzidas fortes razões ou razões poderosas que justifiquem colocar em causa a conhecida uniformização, donde, porque não distinguimos quaisquer fortes razões ou razões poderosas, tenhamos também em atenção a doutrina que se colhe do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 10/2001, de 21 de Novembro de 2001 (Diário da República, I A, de 27/12/2001), tirado na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça onde se sustenta, e passamos a citar: “sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexatas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado. (…) A avaliação do que sejam declarações inexatas, ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio, terá de ser feito caso a caso”, donde se extrai a aplicação do regime da invalidade do contrato de seguro, quando as declarações inexatas prestadas pelo segurado, influam sobre a existência ou condições do contrato.

Revertendo ao caso sub iudice, compreendendo a declaração de risco, num seguro de vida, na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar, releva para o efeito a facticidade consignada em 2, 5, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 25 e 26 dos Factos provados, aqui relembrados:

“2. CC, com 47 anos de idade, faleceu no dia 14 de março de 2017, na freguesia de ..., concelho de ...;

5. Tendo celebrado contrato de seguro de vida associado ao crédito habitação de 14.580.000,00 escudos (72.724,80 €), com a apólice n.º GR...59 e outro contrato de seguro relativo a crédito pessoal de 608.000,00 escudos (3.032,69), com a apólice n.º GR...20, junto da aqui Ré;

13. À filha da A. foi-lhe diagnosticada aos 17 anos nefrite lúdica e LED bem controlado, tendo iniciado hemodiálise em ........1992 e foi submetida a transplante renal com rim de cadáver em ........2012;

14. A filha da A. foi observada em sede transplante renal, estando apta em 97 % bem como padecia de diabetes mellitus iatrogéncio e suspendeu a insulina;

15. O certificado de óbito n.º ........86, emitido em 14-03-2017, indica como causa da morte “carcinoma urotelial invasivo”;

16. A filha da A. fez transplante renal em ...-...-2012, mas apenas lhe foi diagnosticado neoplasia da bexiga, em novembro de 2015;

18. O Contrato de Seguro de Vida Crédito Habitação titulado pela apólice nº GR...59 e certificado individual RK...57 tinha como coberturas contratadas a Morte ou Invalidez Total e Permanente e o Contrato de Seguro de Vida Crédito Pessoal titulado pela apólice GR...20 e certificado individual RK...20 tinha como coberturas contratadas a Morte ou Invalidez Total e Permanente por Acidente ou Invalidez Absoluta e Definitiva e estavam associados, respetivamente, aos empréstimos ........83 e ........52;

19. A adesão aos seguros de vida em causa encontram-se datadas de 30.06.2001, no caso do Seguro de Vida Crédito Habitação e 15.06.2015, no caso do Seguro de Vida Crédito Pessoal, tendo sido emitidos os respetivos certificados individuais cujos capitais seguros foram sofrendo as devidas atualizações durante a vigência dos contratos;

25. No contrato de seguro subscrito em 2001 a filha da A. respondeu negativamente às seguintes questões constantes do respetivo questionário clínico que igualmente subscreveu, a acompanhar a respetiva proposta de adesão: “Verificou-se, nos dois últimos, alguma doença ou acidente que o tenha levado a recorrer a médico? Verificou-se, nos últimos meses, alguma alteração do seu estado de saúde que o tenha levado a consultar um médico ou a recorrer a uma instituição hospitalar? Verificou-se, nos últimos seis meses, algum problema no seu estado de saúde, decorrente de doença ou acidente, que lhe não lhe permite estar ou ter estado, no referido período de tempo, na posse da plena capacidade de trabalho e de desenvolver a sua actividade profissional de forma plena e regular? Possui alguma invalidez?”

Sendo que então a filha da A. declarou ainda que: “Assumo a inteira responsabilidade pelo teor das respostas às questões aqui enunciadas, declarando que as mesmas são completas, sinceras e conformes à verdade. Mais declaro que não dissimulei, omiti ou (…) qualquer facto, tomando consciência, sem prejuízo do dever de declarar quaisquer outros factos relevantes, que as sobreditas respostas constituem os elementos mínimos indispensáveis para a apreciação do risco por parte da Seguradora”.

Demonstrado que na declaração de risco, num seguro de vida, na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar, CC, filha da Autora/AA e o Interveniente/BB, respondeu negativamente às diversas perguntas do questionário clínico apresentado (item 25 dos Factos provados), sendo certo que sabia que lhe foi diagnosticada aos 17 anos nefrite lúdica e LED bem controlado, tendo iniciado hemodiálise em ........1992 e foi submetida a transplante renal com rim de cadáver em ........2012 (item 13 dos Factos provados); que foi observada em sede transplante renal, estando apta em 97 % bem como padecia de diabetes mellitus iatrogéncio e suspendeu a insulina (item 14 dos Factos provados); que fez transplante renal em ...-...-2012 (item 16 dos Factos provados), importa afirmar, sem reservas, que a segurada, a aludida CC, prestou declarações inexatas sobre factos e circunstâncias por si conhecidas, tornando despiciendas, a nosso ver, quaisquer considerações adicionais, quer sobre o papel do questionário na declaração de risco, ou seja, se a existência do questionário, por mais exaustivo que seja, não exime o tomador/segurado da obrigação de comunicar à seguradora outros factos e circunstâncias com influência sobre o risco, quer sobre o dever de declaração do risco incluir todos os factos e circunstâncias conhecidas ou que um segurado diligente com capacidade normal não devesse desconhecer, uma vez que as suas respostas inexatas a concretas perguntas do questionário sobre facto e circunstâncias por si conhecidas afastam toda a relevância e utilidade de tais considerações. Outrossim, é indiscutível, face ao que foi dado como provado no item 26 dos Factos provados: “Se a Ré, tivesse conhecimento de que a falecida padecia de tal quadro clínico, não teria celebrado os contratos aqui em causa ou, a ter celebrado, tê-lo-ia feito em condições distintas daquelas em que celebrou.” que a declaração inexata do risco, repercutiu-se nas condições do contrato de seguro, que poderia, é certo, ser celebrado, mas que comportaria quanto à cobertura morte, condições distintas daquelas outorgadas.

As enunciadas declarações inexatas tiveram influência sobre as condições do contrato de seguro, tornando-o assim, à luz da lei vigente, passível de anulabilidade nos termos do art.º 429º do Código Comercial, sublinhando-se que o regime jurídico anterior à Lei do Contrato de Seguro, como decorre daquele normativo, não exige o nexo de causalidade entre a inexatidão/omissão e o sinistro, enquanto pressuposto de anulabilidade do contrato de seguro, isto é, não se exige a existência/prova de qualquer nexo de causalidade entre o facto ou circunstância omitidos ou inexatamente declarados e o facto ou circunstância que determinou o sinistro, sendo, aliás, indiferente que o tomador/segurado, ao prestar a declaração inexata ou reticente, esteja de boa ou má fé, na medida em que a má-fé só releva, como consta do § único do art.º 426º do Código Comercial, para o segurador ter direito ao prémio, neste sentido, veja-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 2 de novembro de 2023, no âmbito do Processo n.º 5560/17.4T8VIS.C1.S1, entre outros.

A este propósito respigamos do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.º 2100/18.1T8STR.E1.S1: “Para o art. 429.º do C. Comercial (e para a invalidade/anulabilidade do contrato de seguro, ali prevista) apenas importa que, em função de inexatidões/omissões nas declarações ou informações prestadas pelo tomador/segurado, não tenha havido um cálculo exato do risco e do prémio do seguro pelo segurador, estabelecendo um regime que, sem prejuízo de há muito estar ultrapassado o contexto histórico que o fundamentou e do mesmo ser bastante favorável ao segurador, a jurisprudência e doutrina dominantes acolheram.”

7.1.1. Concluindo, diremos que, dependendo a respetiva relevância da possibilidade de influírem na existência ou nas condições do contrato, não decorre do art.º 429º do Código Comercial a exigência de dolo por parte do declarante, bastando-se a lei, com a negligência, isto é, o conhecimento de tais factos e circunstâncias suscetíveis de afetarem a celebração do contrato e respetivas condições, isto é, e para o caso que agora nos interessa, que a segurada soubesse, aquando da prestação das declarações, das ocorrências a si respeitantes, suscetíveis de influenciar a aceitação ou o grau do risco a assumir, pela seguradora, pelo que, necessariamente, não só pelo fim do contrato de seguro, mas também tendo presente o princípio da boa fé, os factos que a segurada não declarou, conhecendo-os, afeta a validade do contrato, donde, salvo o devido respeito, merece censura o aresto em escrutínio ao concluir como válido o contrato de seguro de grupo, associado ao crédito habitação, com proposta de adesão assinada em 30 de junho de 2001, com cobertura, além do mais, da morte de CC, entretanto ocorrida em 17 de março de 2017.

Na procedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterar o destino da presente demanda, traçado pelo Tribunal recorrido, pelo que, se concede, nesta parte, a revista interposta, importando a absolvição da Ré quanto ao pedido formulado, atinente a este segmento recursivo.

7.2. No que respeita ao contrato de seguro de grupo, relativo a crédito pessoal, celebrado em 3 de junho de 2015, com cobertura, além do mais, da morte de CC, filha da Autora/AA e do Interveniente/BB, entretanto ocorrida em 17 de março de 2017, e importando a apreciação da contestada validade do ajuizado contrato de seguro, questionada que está também a chamada declaração inicial do risco, no âmbito do contrato de seguro do ramo Vida, que implica o dever de declaração exata de todos os factos ou circunstâncias com influência na validade e condições do contrato, impõe-se, como já adiantamos, a aplicação do regime jurídico vigente à data da sua celebração, qual seja, aqueloutro decorrente dos artºs 24º a 26º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.

Debruçando-nos sobre a enunciada questão substantiva, importa saber se o articulado contrato do seguro, outorgado em 3 de junho de 2015, padece de invalidade, nos termos dos artºs 24º a 26º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.

Estabelece o n.º 1 e o n.º 2 do art.º 24º da Lei do Contrato de Seguro

“1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.”

Textua o n.º 1 art.º 25º da Lei do Contrato de Seguro

“1 - Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.”

Prescreve o art.º 26º n.º 4 alínea b) da Lei do Contrato de Seguro

“4 - Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:

b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.”

Decorre do enunciado n.º 1 do art.º 24º que o Regime Jurídico do Contrato de Seguro acompanhou o previsto no art.º 429º do Código Comercial, seja na exigência de que a declaração se reporte apenas a factos que os obrigados conheçam, e devam ter como relevantes para a apreciação do risco pelo segurador, seja na manutenção do sistema de declaração espontânea do tomador, em detrimento do sistema de resposta a questionário apresentado pelo segurador, neste sentido, Arnaldo Costa Oliveira, in, Lei do Contrato de Seguro Anotada, Anotação ao artigo 24.º, Almedina, Coimbra, 2020, página 142.

Como já adiantamos ao problematizarmos a declaração inicial do risco vertida no contrato de seguro de grupo, associado ao crédito habitação, com proposta de adesão assinada em 30 de junho de 2001, com cobertura, além do mais, da morte de CC, entretanto ocorrida em 17 de março de 2017, e aqui se reitera por interesse para a economia dos autos, e em concreto para a apreciação da questionada validade do contrato de seguro de grupo, relativo a crédito pessoal, celebrado em 3 de junho de 2015, que a importância da declaração inicial do risco no âmbito do contrato de seguro assume sentido atento o seu desígnio (que é o de transferir determinado sinistro para a seguradora mediante uma contrapartida), e consubstancia a relevância do princípio da boa-fé na fase pré-contratual, que impõe ao tomador do seguro ou ao segurado a obrigação de declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, e à entidade seguradora, o dever de conduzir todo o processo negocial com clareza procedimental, em nome da tutela da confiança da contraparte (refletida, quer na elaboração e teor do questionário, quer no esclarecimento do tomador ou segurado acerca da relevância do dever de informação exata que sobre o mesmo impende).

Assim, o segurado tem o ónus de revelar completamente, e com verdade, o risco a segurar, a fim de que a seguradora possa determinar o âmbito e as condições de cobertura, e/ou os termos da contrapartida, isto é, avaliar o risco em jogo, bem como a probabilidade de o sinistro ocorrer durante a vigência do contrato (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 8 de março de 2022, no âmbito do Processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, publicados, in, dgsi), daí que as declarações inexatas ou omissões passíveis de determinar a anulabilidade do contrato, nos termos do art.º 25º da Lei do Contrato de Seguro, terão de ser essenciais na contratação do seguro, ou seja, determinantes da vontade (viciada) de contratar o respetivo negócio, essencialidade que deverá ser alegada e demonstrada pela seguradora (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 30 de novembro de 2022, no âmbito do Processo n.º 26767/18.1T8LSB.L1.S1, publicado, in, dgsi.

Ademais, decorre do consignado art.º 26º, n.º 4, alínea b), da Lei do Contrato de Seguro que em caso de se verificação do sinistro, a seguradora não responde pelo risco quando cumulativamente: (i) se verifique uma declaração inicial do risco desconformes à realidade ou insuficientes para a caracterização da situação segura; (ii) encerrando os elementos que caraterizam a desconformidade, natureza considerável, expressiva, significativa; (iii) descuido, distração, incúria, quanto ao preenchimento da declaração inicial do risco, no que respeita àqueles elementos desconformes ou omitidos; (iv) nexo de causalidade adequada entre a desconformidade/omissão ocorrida e o sinistro verificado.

Para a ocorrência deste último requisito importa que a circunstância omitida ou insuficientemente declarada tenha uma relação causal com o sinistro, o que significa que se este suceder em razão de causa diversa da circunstância omitida ou deficientemente declarada a seguradora responde pelo risco contratado.

Como refere Luís Poças, in, Problemas e Soluções de Direito dos Seguros, edição de 2021, páginas 30 e 31, “como resulta, a contrario, do n.º 4 do artigo 26.º, se não se verificar” uma “causalidade entre a inexatidão/omissão e o sinistro” o “segurador fica obrigado a cumprir a sua prestação”.

“Diversamente, nos termos do n.º 4 do artigo 26.º, se antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões (…) o segurador demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio (…)”.

No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 23.02.2021, processo n.º 2100/18.1T8STR.E1.S1, que no RJCS estabelece-se “como requisito para o segurador poder invocar a não cobertura do sinistro, a causalidade entre o facto inexato ou omitido e a ocorrência do sinistro”.

Ademais, reconhecemos que a anulabilidade do contrato pressupõe também a existência de um duplo nexo de causalidade: (i) entre a inexatidão e o sinistro; e (ii) entre a inexatidão e a celebração ou o conteúdo do contrato.

Revertendo ao caso trazido a juízo importa agora relembrar a facticidade adquirida processualmente, concretamente:

“3. A filha da A. era proprietária da fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito em Travessa da Rua ...– B, 1.º andar, na ..., ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2334 e descrita na Conservatória de Registo Predial da ... sob o n.º 25, da freguesia da ...;

4. Para aquisição do referido bem imóvel, a filha da A. recorreu a crédito Bancário junto do Banco Comercial Português, S.A., no montante global de 15.188.000,00 escudos (75.757,49 €),

5. Tendo celebrado contrato de seguro de vida associado ao crédito habitação de 14.580.000,00 escudos (72.724,80 €), com a apólice n.º GR......59 e outro contrato de seguro relativo a crédito pessoal de 608.000,00 escudos (3.032,69), com a apólice n.º GR......20, junto da aqui Ré;

10. No contrato de seguro subscrito em 2015 a filha da A. subscreveu declaração do seguinte teor: “Declaro que até à presente data não me foi atribuído qualquer grau de incapacidade funcional, que estou de boa saúde e que no último ano não estive sujeito a qualquer tratamento médico regular nem fui aconselhado a ser hospitalizado para me submeter a uma intervenção cirúrgica ou a tratamento médico. Mais declaro que nos últimos 3 anos não estive sujeito a tratamento clínico durante mais de 3 semanas consecutivas. Declaro ainda que sei que a omissão ou falsas declarações conduzem à nulidade da minha adesão à apólice de seguro subjacente ao presente contrato.”,

Sendo que na altura a filha da A. declarou igualmente que:

“1. São exactas e completas as declarações prestadas, tendo tomado conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato, tendo-lhe(s) sido entregues as respectivas Condições Gerais e Especiais, para delas tomou/tomaram integral conhecimento e tendo-lhe(s) sido prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições contratuais, nomeadamente sobre as garantias e exclusões aplicáveis com as quais concorda(m).”;

“4. Toma(m) conhecimento que o Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida e que as declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo, exonerando o Segurado da obrigação de pagamento de qualquer indemnização.”

“6. Autoriza(m) ainda o Segurador à recolha de dados pessoais relativos à respetiva saúde junto de médicos ou outros profissionais de saúde e de organismos públicos ou privados tais como hospitais, clínicas, consultórios, centros de saúde, institutos de medicina legal, mesmo depois da sua morte, tendo em vista a confirmação ou complemento da informação prestada aquando ou após a subscrição do presente seguro, com as finalidades de avaliação do risco de subscrição do seguro ou de gestão da relação contratual subsequente, designadamente para efeitos de determinação da origem, causa e evolução de eventual doença ou acidente que venha a provocar a morte ou incapacidade, e que compreende(m) a essencialidade desta autorização para a celebração do presente contrato de seguros.”;

11. À data da celebração do contrato de seguro, em 15.06.2015, a filha da A. tinha sido observada na consulta de transplantados em nefrologia, em 03.06.2015, pela Dra. EE, encontrando-se analiticamente estável;

13. À filha da A. foi-lhe diagnosticada aos 17 anos nefrite lúdica e LED bem controlado, tendo iniciado hemodiálise em ........1992 e foi submetida a transplante renal com rim de cadáver em ........2012;

14. A filha da A. foi observada em sede transplante renal, estando apta em 97 % bem como padecia de diabetes mellitus iatrogéncio e suspendeu a insulina;

15. O certificado de óbito n.º ........86, emitido em 14-03-2017, indica como causa da morte “carcinoma urotelial invasivo”;

16. A filha da A. fez transplante renal em ...-...-2012, mas apenas lhe foi diagnosticado neoplasia da bexiga, em novembro de 2015;

17. Desde a data do falecimento da sua filha, a A. tem pago as prestações do crédito à habitação;

18. O Contrato de Seguro de Vida Crédito Habitação titulado pela apólice nº GR...59 e certificado individual RK...57 tinha como coberturas contratadas a Morte ou Invalidez Total e Permanente e o Contrato de Seguro de Vida Crédito Pessoal titulado pela apólice GR...20 e certificado individual RK....20 tinha como coberturas contratadas a Morte ou Invalidez Total e Permanente por Acidente ou Invalidez Absoluta e Definitiva e estavam associados, respetivamente, aos empréstimos ........83 e ........52;

19. A adesão aos seguros de vida em causa encontram-se datadas de 30.06.2001, no caso do Seguro de Vida Crédito Habitação e 15.06.2015, no caso do Seguro de Vida Crédito Pessoal, tendo sido emitidos os respetivos certificados individuais cujos capitais seguros foram sofrendo as devidas atualizações durante a vigência dos contratos;

24. Os boletins de adesão referentes aos seguros em apreço nos presentes autos, foram subscritos em 2001 e 2015;

26. Se a Ré, tivesse conhecimento de que a falecida padecia de tal quadro clínico, não teria celebrado os contratos aqui em causa ou, a ter celebrado, tê-lo-ia feito em condições distintas daquelas em que celebrou.”

Considerando não poder omitir-se que apenas sobre a CC, filha da Autora/AA e do Interveniente/BB, enquanto proponente do seguro, impendia o dever, decorrente do dever de proceder de boa fé, de declarar todo e qualquer facto ou circunstância relevante para que a seguradora pudesse formar a sua decisão de contratar, além de responder, com verdade, às questões que explicitamente lhe fossem colocadas, não podendo ser exigida à seguradora qualquer averiguação sobre o estado de saúde da segurada, partindo da veracidade das declarações que ficaram a constar do “questionário” clínico.

Escrutinados os factos demonstrados, é apodítico concluir não terem sido exatas as respostas contidas no “questionário” clínico de que dependeu a avaliação pela seguradora, do risco inerente ao ajuizado contrato de seguro, então em formação, não se retirando da facticidade consignada no item 10 dos Factos provados que a segurada, CC, tinha a história clínica que decorre do item 11.; item 13.; item 14. e item 16. dos Factos provados, pois, todos estes factos a segurada omitiu, de forma consciente, apesar de ser do seu conhecimento aquando da celebração do contrato, sendo esta informação, sobre a sua situação clínica, determinante para a avaliação do risco pela seguradora, tato mais que: “Se a Ré, tivesse conhecimento de que a falecida padecia de tal quadro clínico, não teria celebrado os contratos aqui em causa ou, a ter celebrado, tê-lo-ia feito em condições distintas daquelas em que celebrou.” item 26. dos Factos provados.

Todavia, como já anotamos, a anulabilidade do contrato pressupõe a existência de um duplo nexo de causalidade: (i) entre a inexactidão e o sinistro; e (ii) entre a inexactidão e a celebração ou o conteúdo do contrato.

Ora, quanto ao primeiro nexo causal, ficou demonstrado, item 15. e item 16. dos Factos provados, que: “O certificado de óbito n.º ........86, emitido em 14-03-2017, indica como causa da morte “carcinoma urotelial invasivo”;” e “A filha da A. (…) apenas lhe foi diagnosticado neoplasia da bexiga, em novembro de 2015”.

Assente que a morte da segurada foi consequência do “carcinoma urotelial invasivo”; falham os factos indispensáveis ao estabelecimento do nexo de causalidade entre essas lesões e a inexactidão das declarações, não se verificando preenchido, por isso, o apontado pressuposto exigido à reclamada anulabilidade do contrato, conquanto se encontre verificado o nexo causal entre a inexatidão e a celebração ou o conteúdo do contrato, conforme já reconhecemos.

Assim sendo, merece aprovação a solução encontrada pelo Tribunal recorrido que, no que a este segmento recursivo respeita, sustentou e concluiu: “Não se provou a existência de um tal nexo causal. É certo que se provou que a falecida filha da A., omitiu a sua situação clínica à R., assim como prestou informações inexatas na sua declaração inicial do risco, pois escamoteou os problemas renais e os diabetes de que padecia, assim como o acompanhamento em nefrologia, declarando estar «de boa saúde», que bem sabia não ser o caso, conforme factos provados n.ºs 10, 11, 13 e 14.

É certo que se apurou que tais elementos omitidos e inexatos tinham natureza significativa para a R. que não teria celebrado o contrato de seguro ora em causa ou tê-lo-ia celebrado com outras condições, conforme facto provado n.º 26. Contudo, o óbito da segurada decorreu de “carcinoma urotelial invasivo”, conforme facto provado n.º 15, não podendo estabelecer-se sem mais um nexo de causalidade entre as omissões e inexatidões da declaração inicial do risco e tal causa de morte da segurada.

(…) Nestes termos, não tendo ficado demonstrado que a causa da morte da segurada decorreu de doença que a mesma omitiu ou de um estado clínico que ela declarou de forma imprecisa e que existia aquando da celebração do seguro, ónus da prova que cabia à R., conforme artigo 342.º, n.º 2, do CCivil, concluiu-se que o contrato de seguro de 2015 é igualmente válido, pelo que procede também nesta parte o recurso interposto.”

Confirmada judicialmente a validade do contrato de seguro de grupo, relativo a crédito pessoal, celebrado em 3 de junho de 2015, com cobertura, além do mais, da morte de CC, filha da Autora/AA e do Interveniente/BB, entretanto ocorrida em 17 de março de 2017, impõe-se conhecer dos efeitos decorrentes da reconhecida validade do aludido contrato de seguro.

Relevam na matéria, como bem adianta o Tribunal recorrido, o disposto nos artigos 1.º, 99.º e 102.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, este último preceito de imperatividade relativa, conforme artigo 13.º, n.º 1, do mesmo regime jurídico.

Segundo tal normativo, verificado o sinistro, no caso, o óbito de CC, filha da Autora/AA e do Interveniente/BB, o segurador, aqui Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., fica obrigado a pagar o capital seguro com referência à data do respetivo sinistro.

Conforme resulta da facticidade adquirida processualmente, e só esta, uma vez que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito, o que não é o caso, temos que o contrato de seguro com a apólice n.º GR......20, outorgado em 15 de junho de 2015, cobria, além do mais, o risco morte da filha da Autora/AA e do Interveniente/BB, sendo que o óbito da mesma ocorreu em 14 de março de 2017. Ademais, demonstrado ficou que é a Autora/AA quem tem pago, desde a data do falecimento da filha, CC, as prestações do crédito à habitação.

Relembremos:

“3. A filha da A. era proprietária da fração autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito em Travessa da Rua ...– B, 1.º andar, na ..., ..., freguesia e concelho de ..., distrito de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2334 e descrita na Conservatória de Registo Predial da ... sob o n.º 25, da freguesia da ...;

4. Para aquisição do referido bem imóvel, a filha da A. recorreu a crédito Bancário junto do Banco Comercial Português, S.A., no montante global de 15.188.000,00 escudos (75.757,49 €),

5. Tendo celebrado contrato de seguro de vida associado ao crédito habitação (…), com a apólice (…) e outro contrato de seguro relativo a crédito pessoal de 608.000,00 escudos (3.032,69), com a apólice n.º GR00079820, junto da aqui Ré;

17. Desde a data do falecimento da sua filha, a A. tem pago as prestações do crédito à habitação;

18. (…) Contrato de Seguro de Vida Crédito Pessoal titulado pela apólice GR...20 e certificado individual RK...20 tinha como coberturas contratadas a Morte ou Invalidez Total e Permanente por Acidente ou Invalidez Absoluta e Definitiva (…)”

Assim, uma vez reconhecida a responsabilidade da Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. pela cobertura do risco morte, ocorrida a 14 de março de 2017, conforme contrato de seguro em causa, outorgado em 15 de junho de 2015, deve a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. pagar à Autora/AA o montante das prestações que esta satisfez desde 14 de março de 2017, a liquidar em execução de sentença.

Atendendo o preceituado no art.º 320º do Código de Processo Civil, e apreciada a relação jurídica a que se arroga o Interveniente/BB, conhecido o mérito da causa, impõe-se afirmar que não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente/BB de qualquer prestação, não há que condenar a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título.

7.2.1. Tudo visto, impõe-se concluir que na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. não reconhecemos às mesmas, neste segmento recursivo, virtualidades no sentido de alterar o destino da presente demanda, traçado pelo Tribunal recorrido, pelo que, nega-se a revista interposta, nesta parte, importando a condenação da Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., nos termos enunciados.

Do Interveniente/BB

II. 3.2. Os documentos apresentados como documentos 1 e 2 deverão ser admitidos nos autos, ao abrigo do disposto no art.º 651º do Código de Processo Civil? (1)

Textua o art.º 651º do Código de Processo Civil, sobre junção de documentos: “1 — As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

O art.º 425º do Código de Processo Civil estabelece sobre a apresentação de documento em momento posterior: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”

Outrossim, prescreve o art.º 423º do Código de Processo Civil sobre prova por documentos e momento da respetiva apresentação: “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”

Da articulação entre o mencionado art.º 651º n.º 1 do Código de Processo Civil e os citados artºs 425º e 423º do mesmo diploma, decorre que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova, pelo interessado nessa junção, de uma de duas situações:

(1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso;

(2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.

Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em 1ª Instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva, sendo que objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado, ao passo que é subjetivamente superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.

Quanto ao segundo elemento, introdução na ação de um elemento de novidade, importa a modificação/alteração a causa de pedir.

Considerando que a pretendida junção dos documentos 1 e 2 não obtiveram, por parte do interessado nessa junção, alegação e prova de ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração da requerida prova documental adicional (anota-se, a propósito que aquando da enunciação pelo Tribunal do objeto do litígio nos termos adiante consignado: “- Averiguar se foi legitima a comunicação de anulação dos seguros por parte da R.; - Indagar se ocorre alguma causa que afaste a obrigação da R. de assumir o risco segurado. - Apurar se a R. se constituiu na obrigação de indemnizar a A.” o Interveniente/BB conformou-se com o aí consignado que expressamente referiu: “Apurar se a R. se constituiu na obrigação de indemnizar a A.) e/ou alegação e prova da impossibilidade de apresentação dos documentos anteriormente ao recurso, não procede a reclamada junção.

Tudo visto, indefere-se a requerida junção dos documentos 1 e 2.

Custas do incidente a cargo do Interveniente/BB.

II. 3.2. O Tribunal recorrido cometeu nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que ao decidir que “Não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente de qualquer prestação, não há que condenar a R. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título” e que “a R. deve entregar à A., aqui Recorrente, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final”, apreciou questões que não foram submetidas pelas partes ao seu escrutínio, arredadas que estão do objeto da apelação? (2)

Sustenta o Interveniente/BB “houve manifesto excesso de pronúncia, porquanto ao longo de todo o processo nunca foi matéria controvertida nem objeto de litígio apurar quem procedeu ao pagamento das prestações do empréstimo. Bem pelo contrário, tratando-se de um casal, pais da segurada falecida e seus únicos herdeiros, foi sempre entendimento de ambas as partes, A. e Interveniente Principal, que a liquidação das prestações do empréstimo havia sido feita por ambos”.

O direito adjetivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º, e 679º todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer ainda pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Considerando o objeto da revista, atinente à invocada nulidade do acórdão recorrido, o vício apontado corresponde aos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, porque o Tribunal recorrido, alegadamente, excedeu pronúncia a que estava vinculado

O Tribunal não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, sob pena de violação do dever prescrito no art.º 608º n.º 2 do Código de Processo Civil “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)

Como sustenta, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e))”.

Neste particular, sublinhamos, a invocada nulidade do acórdão colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.

O vício da nulidade do acórdão, nos termos enunciados, encerra um desvalor que excede o erro de julgamento, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.

Feito este breve enquadramento jurídico acerca do vício apontado ao acórdão recorrido, impõe-se acompanhar o que a propósito foi consignado pelo Tribunal recorrido quando, ao abrigo do disposto nos artºs. 666º, n.º 2 e 617º, n.º 1, do Código de Processo Civil se pronunciou sobre a arguida nulidade sustentado, com utilidade; “Com o devido respeito pelo Recorrente, não se afigura que tal seja o caso vertente.

Com efeito, o acórdão tomou em conta o disposto no artigo 320.º do CPCivil e o facto dado como provado com o n.º 17 que não foi impugnado em sede recursiva, nomeadamente pelo aqui Recorrente: “Desde a data do falecimento da sua filha, a A. tem pago as prestações do crédito à habitação”.

Inexiste, assim, fundamento para a reclamada nulidade.”

Importa relembrar que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente/Interveniente/BB, foi objeto de litígio, e assim consignado pelo Tribunal de 1ª Instância, apurar se a Ré se constituiu na obrigação de indemnizar a Autor, não se distinguindo qualquer referência ao Interveniente/BB, daí que ao distinguirmos no acórdão sob escrutínio, “Atendendo o preceituado no art.º 320º do Código de Processo Civil, e apreciada a relação jurídica a que se arroga o Interveniente/BB, conhecido o mérito da causa, impõe-se afirmar que não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente/BB de qualquer prestação, não há que condenar a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título.” Não temos dificuldade em afirmar que, conhecendo as Instância do mérito da causa, e atendendo ao prevenido no art.º 320º do Código de Processo Civil, impunha-se que apreciasse a relação jurídica a que se arroga o Interveniente/BB, concluindo a Relação, e bem, que não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente/BB de qualquer prestação, não há que condenar a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título.

Improcede, pois, a invocada nulidade do acórdão recorrido.

II. 3.2. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente ao deixar de condenar a demandada a entregar ao Interveniente/BB a sua quota-parte, correspondente a metade, do montante das prestações pagas desde 14 de março de 2017 até á decisão final? (3)

Na decorrência do conhecimento do recurso independente, interposto pela Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., concretamente, a solução encontrada no precedente segmento deste aresto II. 3.1. é apodítico concluir que as conclusões trazidas à discussão pelos Recorrente Interveniente/BB, não encerram virtualidades no sentido de modificar o destino traçado no acórdão recorrido, quanto a este litigante, uma vez foi decidido pelo Tribunal recorrido, agora confirmado por este Tribunal ad quem que, apreciada a relação jurídica a que se arroga o Interveniente/BB, conhecido o mérito da causa, impõe-se afirmar que não se tendo provado o pagamento pelo Interveniente/BB de qualquer prestação, não há que condenar a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. a pagar-lhe qualquer quantia a esse título.

III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente/Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., concedendo parcialmente a revista, e improcedente o recurso interposto pelo Interveniente/BB, negando-se a revista.

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

1. Em julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pela Recorrente/Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., concedendo-se parcialmente a revista, impondo-se revogar a parte decisória do acórdão recorrido, na parte em que declarou válido o contrato de seguro de vida associado ao crédito à habitação, com apólice n.º GR...59, condenando, em consequência a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. a reconhecer ser da sua inteira responsabilidade a cobertura decorrente daquele contrato, devendo a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. entregar à Autora, o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no artigo 609.º, 2, do Código de Processo Civil, mantendo-se o demais decidido, ou seja, declara-se válido o contrato de seguro de vida associado ao contrato de seguro de crédito pessoal, com a apólice n.º GR...20, condenando-se a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., a reconhecer ser da sua inteira responsabilidade a cobertura decorrente deste contrato, devendo a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA. entregar à Autora/AA o montante das prestações que a mesma haja pago desde 14.03.2017 até à decisão final, a liquidar ulteriormente em conformidade com o disposto no art.º 609º n.º 2 do Código de Processo Civil, absolvendo, no mais, a Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA..

2. Custas do recurso interposto pela Recorrente/Ré/Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA., pelos litigantes, na proporção de metade, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que os litigantes beneficiem, ficando as custas do recurso interposto pelo Interveniente/BB a seu cargo, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficie.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 4 de abril de 2024

Oliveira Abreu (relator)

Maria de Fátima Gomes)

Ferreira Lopes