Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2573/09.3TBBCD-A.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
OBRIGAÇÃO CONDICIONAL
CONTRATO DE GARANTIA BANCÁRIA
GARANTIA DE BOA EXECUÇÃO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INSOLVÊNCIA DO EMPREITEIRO
NOTIFICAÇÃO ADMONITÓRIA DO ADMINISTRADOR
RECUSA TÁCITA DE CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 01/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DE INSOLVÊNCIA - PROCESSO DE INSOLVÊNCIA - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA SOBRE OS NEGÓCIOS EM CURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (CIRE): - ARTIGO 102.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16/3/10, PROCESSO N.º. 97/2002.L1.S1.
Sumário :
1. O documento em que se consubstancia a garantia simples de boa execução da empreitada, prestada por entidade bancária, constitui título executivo bastante para suportar a instauração de execução, procedendo-se na fase liminar desta às diligências necessárias a tornar a obrigação exequenda certa e exigível, mediante alegação do exequente, incluída no próprio requerimento executivo, em que se invocam os factos que integram a condição de que depende o accionamento da garantia prestada – no caso, o incumprimento definitivo da empreitada.

2. Sendo função primacial da garantia bancária de boa execução da empreitada defender o dono da obra contra os riscos de uma possível situação de insolvabilidade do empreiteiro, deve entender-se que a condição de que depende a exigibilidade da quantia garantida se consuma com uma inquestionável e definitiva situação de incumprimento definitivo do contrato de empreitada - consubstanciada no abandono da obra, há vários anos, acompanhada do decretamento da insolvência do empreiteiro, com liquidação do respectivo estabelecimento comercial – sem que a mesma dependa dos resultados de uma aleatória e altamente improvável efectivação de direitos do dono da obra no âmbito do processo de insolvência.

3. Numa situação factual desse tipo, a inércia, durante vários anos, do administrador da insolvência quanto à conclusão da empreitada em curso, associada à insolvência do empreiteiro, ao projecto de liquidação da empresa e à manifesta improbabilidade de tal obra alguma vez se vir a consumar, é susceptível de valer como declaração tácita no sentido da recusa do cumprimento pontual do negócio, tornando inútil a notificação admonitória prevista no nº2 do art. 102º do CIRE.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. A executada Caixa Geral de Depósitos deduziu oposição à execução que lhe foi movida por AA, pretendendo a sua procedência, com as legais consequências.

   Como fundamento da oposição à execução, sustentou que a execução deveria ter sido liminarmente indeferida, por falta de título executivo; na verdade, o exequente baseia-se num "Termo de Garantia Bancária", na qual figura como beneficiário, sendo garantida a firma "BB, Lda." e, por esse documento, a oponente "constituiu-se garante e principal pagador com expressa renúncia ao benefício da execução" de responsabilidades até 20.000.000$00; porém, em lado algum assumiu a obrigação de pagar imediatamente, após interpelação, pelo que a Garantia não seria título executivo, pois é uma garantia bancária simples e só pode ser exigida se provado o incumprimento da obrigação do garantido; ou seja, não se tratando de uma garantia "à primeira solicitação", o exequente tinha que provar, previamente à instauração da execução, o incumprimento e o prejuízo causado por esse incumprimento da garantida; além disso, o exequente limitou-se a referir que tem cinco fracções em fase de acabamento e que para as terminar são precisos 99.759,58€, não demonstrando como chegou a esse valor, pelo que, além do documento junto não ser título executivo, a obrigação também não seria exigível.

   A oposição foi recebida e o exequente contestou, alegando, em síntese, que:

- A firma garantida há anos se encontra insolvente e a obra parada. Com efeito, a obra a que se refere a garantia respeita a dois prédios urbanos construídos nos terrenos que foram adquiridos pela garantida ao exequente e a duas irmãs deste, tendo a garantida prometido vender-lhes cinco fracções, facto do conhecimento da oponente, sendo certo que a garantida há três anos deixou de realizar as obras em curso.

- Apesar de a garantida ter aprovado os projectos na C. M. de Vila do Conde, não procedeu ao pagamento do alvará de construção e às taxas de urbanização e as fracções prometidas encontram-se inacabadas desde, pelo menos, 30 de Abril de 2007, razão pela qual o exequente enviou à oponente a carta pela qual accionou a garantia, solicitando o depósito da quantia de 99.759,58€-   enviando-lhes a oponente, em Maio de 2007, carta a informar que não podia satisfazer o pedido "porque não se encontra demonstrado o incumprimento da obrigação coberta pela garantia bancária: boa execução da obra em ....... - .......".

- Porém, a 4 de Fevereiro de 2009 a garantida foi declarada insolvente no processo n.º 474/08.1 TYVND e, no âmbito do processo, o contestante, a sua irmã CC e os filhos da falecida DD reclamaram os créditos sobre a massa, créditos que foram reconhecidos, mas a oponente impugnou a lista de credores, no que ao contestante concerne; aí, o Administrador considerou a garantida economicamente inviável e propôs o encerramento do estabelecimento (n.º 2 do art.º 156 do CIRE), com a consequente liquidação dos bens.

- É inquestionável que a garantida cessou a actividade e não concluirá a obra e ao exequente não restava alternativa senão executar a garantia por se encontrar demonstrado o incumprimento da obrigação, o que fez, e os prejuízos decorrentes da não conclusão das fracções nem sequer foram postos em causa até à execução, sendo certo que são muito superiores ao valor garantido - 99.759,58€.

   Após julgamento, foi proferida sentença que decidiu "julgar a oposição deduzida por Caixa Geral de Depósitos, S.A. totalmente improcedente e, consequentemente, determinar-se o prosseguimento da execução".

   Inconformada com tal decisão, a oponente veio apelar, questionando a existência de título executivo e sustentando que não estaria provado o incumprimento determinante do accionamento da garantia bancária em causa.

2. As instâncias fizeram assentar a solução do pleito na seguinte matéria de facto: 

1 - No âmbito da execução com o n.º 2573/09.3TBVCD, de que estes autos são apenso, em que é exequente AA e executada Caixa Geral de Depósitos, S.A., constitui título executivo o documento de fls. 7 daqueles autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que contém os seguintes dizeres:

TERMO DE GARANTIA BANCÁRIA 000000000000 A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S. A., sociedade anónima, pessoa colectivanº.000000000, com sede em Lisboa, na A............., nº...., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº.0000, com o capital social de2.250.000.000, declara, pelo presente documento, e a favor do Beneficiário adiante indicado ,constituir-se garante e principal pagador, com expressa renúncia ao benefício de excussão ,nas seguintes condições:

I – GARANTIDO:BB, LDª.

II – Nº. DE PESSOA COLECTIVA/EQUIPARADA: 000000000.

III – BENEFICIÁRIO: AA.

IV – MORADA/SEDE SOCIAL: RUA ..........., 000 – VAIRÃO – VILA DO CONDE.

V – RESPONSABILIDADE:

5.1 Até ESC. 20 000 000$00 (VINTE MILHÕES DE ESCUDOS)

5.2 A título informativo declara-se que o referido montante equivale a EUROS:

99 759,58, por aplicação da taxa de conversão oficial (1 EURO=200$482)

VI – FINALIDADE: GARANTIR BOA EXECUÇÃO DA OBRA SITA EM....... – ........

VII – PRAZO: 1 (Um) ano, renovável.

OUTRAS CONDIÇÕES: --------------------------------------------

Vila do Conde, 25 de OUTUBRO de 2001

2 - Em 26 de Outubro de 2007 a executada comunicou ao exequente a alteração da numeração do “termo de garantia bancária” descrito no ponto anterior, que passou a ter o nºPT 0000000000000000000.

3 - A sociedade BB, Ld.ª foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado, no processo nº 474/08.1TYVNG, do1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, tendo sido elaborado o relatório por parte do administrador da insolvência nos termos do artº 155 do CIRE, onde propôs o encerramento do estabelecimento e subsequente liquidação do activo.

4 - A obra sita em ......., ......., identificada no ponto VI do documento supra descrito em 1, diz respeito a dois prédios urbanos construídos respectivamente nos terrenos destinados à construção urbana descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob os n.ºs 00000 e 00000/........

5 - Esses terrenos foram adquiridos pela Montgeron ao exequente e a duas irmãs deste, tendo aquela prometido vender-lhes cinco fracções.

6 - A obra sita em ......., ......., encontra-se parada.

7 - As cinco fracções mencionadas em 5 estão distribuídas por dois blocos e encontram-se em fase de acabamento, pelo menos, desde 30 de Abril de 2007.

8 - Os dois blocos referidos no ponto anterior não se encontram licenciados, dado que a Montgeron, apesar de ter aprovado os projectos na Câmara Municipal de Vila do Conde, não procedeu ao pagamento do alvará de construção bem como às taxas de urbanização.

9 - Para acabamento das cinco fracções e liquidação das licenças e taxas camarárias é necessário quantia superior a 99.759,58 €.

10 - A executada foi interpelada pelo exequente, por carta registada em 30.04.2007,para proceder ao depósito do montante de €99.759,58, na conta de que é titular da Caixa Geral de Depósitos

11 - Em 19 de Maio de 2007 a oponente enviou ao exequente uma carta, comunicando o recebimento da carta descrita no ponto anterior e informando que não podia satisfazer o pedido formulado “porque não se encontra demonstrado o incumprimento da obrigação coberta pela garantia bancária: boa execução da obra em .......–.......”.

3. Passando ao enquadramento jurídico da matéria da causa, considerou a Relação no acórdão ora recorrido, antes de concluir pela procedência da oposição à execução:

   A sentença da 1.ª instância, depois de proceder à "qualificação jurídica do documento que constitui o título executivo", apreciou a sua "validade/exequibilidade", tecendo as seguintes considerações:

"(…) desde já se adianta que discordamos com aposição defendida pela opoente, partilhando assim do entendimento vertido no Acórdão do STJ de 04.02.10, Processo n.º 5943/07.8YYPRT-A.P1.S1, relatado pelo Conselheiro João Bernardo, ou seja, somos da opinião que a prova do incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação garantida pode ser efectuada no processo executivo.

E, no caso concreto, face à factualidade dada como assente, é manifesto que tal prova foi efectuada à saciedade.

Na verdade, por um lado, resultou provado que a sociedade Montgeron foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado, encontrando-se a obra sita em .......-....... parada e as cinco fracções prometidas vender ao exequente e às suas irmãs em fase de acabamento, pelo menos, desde 30 de Abril de 2007.Por outro lado, os dois blocos em que se encontram inseridas essas fracções não se encontram licenciados, dado que a Montgeron, apesar de ter aprovado os projectos na Câmara Municipal de Vila do Conde, não procedeu ao pagamento do alvará de construção bem como às taxas de urbanização. A isto acresce que, conforme também decorre dos factos assentes, para acabamento das cinco fracções e liquidação das licenças e taxas camarárias é necessário quantia superior a99.759,58€.

Repare-se ainda que, na sua essência, tais factos foram alegados no próprio requerimento executivo, resultando logo assentes por falta de impugnação da executada em sede de oposição à execução, voltando o exequente a reafirmá-los, com mais precisão, em sede de contestação à oposição à execução, novamente sem qualquer tipo de reacção por parte da opoente/executada – cfr., a este propósito, o teor do despacho de fls. 86/87".

A questão relevante do recurso parece-nos muito clara: a primeira instância, atentos os factos que deu como provados, considerou que houve incumprimento; logo, podia o recorrido accionar a garantia. A recorrente, por sua vez, considera que dos factos apurados não resulta o incumprimento e, por isso, a garantia não podia ser accionada pelo recorrido ou, dito de outro modo, o título em que ela se constitui não é exequível.

Importa dizer (como resulta da matéria de facto apurada, que neste sede não está em causa) que a sociedade garantida foi declarada insolvente (por sentença transitada em julgado) e que o Administrador da Insolvência propôs o encerramento do "seu" estabelecimento e consequente liquidação do activo.

Parece entender a 1.ª instância, se bem interpretamos, na solução jurídica que encontrou, que essa factualidade (além de outra, naturalmente, que se não prende directamente com a situação de insolvência e a posição do Administrador) é bastante e suficiente à decisão que tomou; ou seja – se continuamos a interpretar bem o decidido – a proposta de encerramento do estabelecimento e liquidação do activo societário significariam um comportamento concludente com o significado, relevante e único, de o Administrador querer recusar o cumprimento contratual.

Dito ainda de outro modo, se o Administrador não tomou posição direta sobre o negócio "em curso", o negócio que ainda não estava cumprido, terá tomado uma posição incompatível com a sua execução, terá implícita mas necessariamente recusado o cumprimento desse negócio.

Sucede que esta construção jurídica, com todo o respeito, não nos parece estar em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102 do CIRE (na versão aqui aplicável).

Com efeito, o n.º 1 deste preceito vem dizer que, nos casos em que o contrato (que vincula o insolvente) não está ainda totalmente cumprido por ele (ou por outrem), esse mesmo cumprimento fica suspenso até que o administrador tome posição, ou seja, declare a opção pela sua execução ou recuse o cumprimento do contrato. E como não se estipula aí qualquer prazo, o n.º 2 do mesmo preceito esclarece que "a outra parte pode, contudo, fixar um prazo razoável ao administrador da insolvência para este exercer a sua opção, findo o qual se considera que recusa o cumprimento".

Parece-nos que se a lei, clara e expressamente, exige a pronúncia do Administrador da Insolvência ou, pelo menos, a sua notificação cominatória, tal exigência não pode ser substituída, atribuindo-se-lhe o mesmo valor declaratório, com a sua mera inação.

Revertendo para o caso presente, parece-nos claro que a validade (exequibilidade) do título executivo (a garantia) dependente que está do incumprimento do (entretanto) insolvente exige a demonstração, pelo exequente, enquanto condição de exequibilidade do mesmo título, de ter havido recusa de cumprimento por parte do Administrador da insolvência; recusa porque assim, mas expressamente, o decidiu, ele Administrador, ou recusa porque, pelo menos, não se pronunciou, uma vez notificado para a opção, com fixação de um prazo razoável.

Atento o acabado de concluir, é insuficiente (como defende a recorrente) para se concluir que ocorreu incumprimento, a circunstância de as obras de encontrarem há muito paradas e não terem sido concluídas (alínea b) do objeto da apelação.

Em suma, decorre do que acaba de dizer-se que o correto julgamento da presente oposição impunha a ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 712.º, n.º 4 do CPC: a exequibilidade do título depende da posição tomada pelo administrador sobre a execução do negócio ou a sua recusa do cumprimento.

No entanto, lido atentamente o requerimento executivo e, bem assim, a contestação à presente oposição, em lado algum se alega que o administrador da insolvência se recusou ao cumprimento ou, a segunda hipótese, que tenha sido notificado pelo exequente para tomar a sua opção (pelo cumprimento ou não).

Assim, tendo em conta a situação de insolvência, o requisito de exequibilidade, o incumprimento, não está demonstrado; por outro lado, nada se alega que o permita demonstrar; neste caso e por essa causa, não pode o tribunal substituir-se à omissão do exequente, nomeadamente através da repetição do julgamento com ampliação da matéria de facto: essa matéria de facto relevante nem sequer foi alegada pelo exequente.

Concluindo, dizemos: A proposta do administrador (no sentido do encerramento do estabelecimento e liquidação do activo da garantida), cujo resultado, aliás, se desconhece, não equivale à admissão do não cumprimento do negócio; este só pode ser demonstrado pela declaração nesse sentido do administrador ou pelo decurso do prazo razoável que lhe haja sido fixado para se pronunciar (102, n.º 2 do CIRE).

            4. Inconformado com este sentido decisório, interpôs o exequente a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1-0 recorrente alegou e demonstrou o incumprimento da garantida no que à garantia da boa execução da obra diz respeito.

2- A garantida foi declarada insolvente em 4 de Fevereiro de 2009.

3-0 Sr. Administrador da Insolvência considerou a garantida economicamente inviável e propôs o encerramento do estabelecimento com a consequente liquidação, o que confirmou em depoimento prestado em sede de julgamento.

4- A obra sita em T.....está parada desde 2007.

5-         Não há qualquer intenção da parte da massa de concluir as obras .

6-         Se fosse o caso, e bem sabendo o que se discutia na execução e oposição, concerteza que o Sr. Administrador o teria dito quando foi ouvido e até já as teria iniciado quando estavam decorridos mais de três anos após a declaração de insolvência.

7-         O Sr. Administrador da Insolvência tomou posição definitiva quanto à não conclusão das obras.

8-         Uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias supra referidas não teria retirado outro sentido senão esse.

9-         A sentença de primeira instância fixou o sentido e alcance juridicamente relevante e decisivo para a causa dos factos dados como assentes.

10-       No caso concreto a opção pela execução seria até abusiva pois o cumprimento pontual das obrigações contratuais por parte da massa insolvente era manifestamente improvável - artigo 102, n° 4 do CIRE.

11 - O que está em causa não é o não cumprimento dos contratos promessa e o previsto no artigo 102, n°s 1 e 2 do CIRE mas antes a não conclusão das obras das cinco fracções pertencentes ao recorrente.

12- Mesmo que o Sr. Administrador da Insolvência optasse por cumprir os contratos promessa relativos ás fracções, o que até se pode admitir face á dispensa de apresentação de licença de utilização nos termos do artigo 905°, n° 6 do C.P.C.

13-       Mesmo que o Sr. Administrador da Insolvência cumprisse os contratos promessa, tal não implicaria o não accionamento da garantia pois as fracções não estão acabadas, para a sua conclusão era necessário montante superior ao garantido, o que não foi posto em causa.

14-       Violado, assim , se mostra o disposto no art° 46 , alinea c) do C.P.C. .

Termos em que e nos mais que não deixarão de ser supridos por v.as ex.as deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto acórdão proferido, quanto à exequibilidade da garantia, julgando-se em conformidade improcedent e a oposição deduzida, determinando-se o prosseguimento da execução, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.

   A entidade recorrida pugna pela manutenção da solução acolhida no acórdão recorrido.

            5. Não sendo controvertida a natureza jurídica do contrato de garantia  bancária simples cujo título suporta a presente execução, são dois os problemas discutidos no âmbito da oposição deduzida pela executada:

- constituirá o documento em que se consubstancia a garantia simples de boa execução da empreitada, prestada pela entidade executada, título executivo bastante para suportar a instauração da instância executiva, procedendo-se na fase liminar desta às diligências necessárias para tornar a obrigação exequenda certa e exigível, mediante alegação do exequente, incluída no próprio requerimento executivo, nos termos dos arts. 804º, nº2, e 810º, nº3, alínea b) do CPC, em que se invoquem os factos que integram a condição de que dependia o accionamento da garantia prestada ( ou seja: o incumprimento definitivo da empreitada)?

- sendo tal documento título executivo bastante – e podendo, deste modo, proceder-se à demonstração da verificação da dita condição já no decorrer da acção executiva, nos termos do art. 804º do CPC -  terá o exequente logrado demonstrar efectivamente a verificação da referida condição de que dependia a exigibilidade da quantia a que a garantia bancária simples se reportava?

   A primeira questão merece resposta claramente afirmativa – não sendo, aliás, em bom rigor, posta sequer em crise no presente recurso: a entidade recorrida não controverte a possibilidade de, já no âmbito da execução, se fazer prova do incumprimento contratual que é susceptível de despoletar o funcionamento da garantia bancária prestada – funcionando como condição da exigibilidade da quantia objecto dessa garantia; simplesmente, considera que, do ponto de vista material, a factualidade processualmente adquirida não seria suficiente para considerar demonstrada uma situação de incumprimento definitivo do contrato de empreitada.

   É este, aliás, o sentido decisório constante do acórdão proferido pela Relação, ao entender que o decretamento judicial da insolvência do empreiteiro, associado ao projecto de liquidação do respectivo activo e à paragem temporalmente prolongada das obras, há vários anos, sem que sequer tivessem sido pagas as taxas indispensáveis ao licenciamento municipal, não integraria, só por si, uma situação de definitivo incumprimento da empreitada, impondo-se ainda necessariamente a notificação admonitória do administrador da insolvência, para que este declarasse se pretende ou não concluir a obra parada, em substituição do empreiteiro insolvente.

   Será assim?

   Saliente-se que, no caso dos autos, é inquestionável a existência de uma situação de incumprimento definitivo por parte da sociedade empreiteira, atento o abandono, há vários anos, da obra em curso, culminando na situação de insolvência, judicialmente decretada, que, associada à liquidação do estabelecimento comercial, obviamente compromete irremediavelmente o prosseguimento da actividade empresarial e a conclusão das edificações em curso.

   É certo que no art. 102º, nº1, do CIRE se prevê a possibilidade de o administrador da insolvência exercer a faculdade de opção aí prevista - tendo a recusa de cumprimento, no plano das relações entre a outra parte no negócio jurídico em causa e a massa insolvente, os efeitos especificados no nº 3 desse preceito legal.

   Não pode, porém, perder-se de vista a especificidade do caso dos autos, em que não está em causa o apuramento, para os efeitos do nº3 do art. 120º do CIRE, das relações que irão vigorar entre o outro contraente e a massa insolvente - mas antes o simples apuramento da verificação da condição  objectivamente idónea para despoletar o funcionamento da garantia bancária de boa execução da empreitada, prestada pela entidade executada. Ou seja: na peculiar situação litigiosa dos autos, a posição a assumir pelo administrador da insolvência acerca de uma possível e hipotética conclusão do negócio de empreitada em curso não se projectaria no plano do apuramento das relações entre o outro contraente e a massa insolvente, mas antes e apenas no plano das relações externas entre o dono da obra e a entidade bancária que havia garantido o cumprimento integral das obrigações que incidiam sobre o empreiteiro.

   Ora, sendo função obviamente primacial da garantia bancária de boa execução da empreitada, prestada pela executada, defender o dono da obra contra os riscos de uma possível situação de insolvabilidade do empreiteiro, é, pelo menos, duvidoso que, numa correcta interpretação do negócio, a condição de que depende a exigibilidade da quantia garantida se não consume perante uma inquestionável e definitiva situação de incumprimento definitivo do contrato de empreitada (consubstanciada no abandono da obra, há vários anos), acompanhada do decretamento da insolvência do empreiteiro, com liquidação do respectivo estabelecimento comercial – sem que a mesma dependa dos resultados aleatórios de uma eventual e altamente improvável efectivação de direitos do dono da obra no âmbito do processo de insolvência. E, nesta perspectiva, não seria naturalmente possível ao prestador da garantia de boa execução escudar-se – perante a inquestionável e definitiva inexecução por parte do empreiteiro insolvente – numa hipotética possibilidade de efectivação dos direitos do dono da obra no âmbito do processo de insolvência do empreiteiro, só funcionando efectivamente a garantia prestada quando estivesse definitivamente exaurida qualquer possibilidade de realização prática dos direitos do dono da obra contra a massa insolvente .

  Independentemente disto – que só por si já comprometeria a argumentação da recorrida - importa ainda apurar se da concreta factualidade provada não poderá inferir-se um comportamento tácito, mas concludente, do administrador da insolvência, no sentido do evidente desinteresse da massa insolvente na conclusão da obra – que naturalmente, a verificar-se, tornaria inútil a referida notificação admonitória por parte do exequente.

Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 16/3/10  , proferido pelo STJ no P. 97/2002.L1.S1

A declaração tácita é admitida como modalidade de declaração negocial, a par da declaração expressa – “feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade” -, definindo-a a lei como aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” – art. 217º-2 C. Civil.

 Declaração expressa e declaração tácita têm, em regra, e têm no caso, o mesmo valor. A declaração tácita será, então, constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo” (P. PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, 2.ª ed., 298), ou, nas palavras de MOTA PINTO “Teoria Geral”, 3.ª ed. 425), “quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral”.

Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa. Há-de, porém, em qualquer caso, tratar-se de “comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade directamente dirigida ao negócio jurídico em causa” (C. FERREIRA DE ALMEIDA, “Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico”, II, 718). Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita integram matéria de facto, que vem fixada pelas Instâncias. Se eles integram ou não uma declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236º C. Civil. Assim, tratando-se de declaração receptícia, a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário). Do mesmo modo, a determinação do comportamento concludente, “como elemento objectivo da declaração tácita”, far-se-á, tal como na declaração expressa, por via interpretativa. Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”, devendo ser “aferida por um critério prático”, «baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende» (AA. ob. e loc. cits.; RUI DE ALARCÃO, (“A Confirmação dos Negócios Anuláveis”, I, 192); Ac. STJ de 16/01/07 – Proc. n.º 4386/06-1 e de 04/11/04, Proc. 05A1247-ITIJ).

   Ora, no caso dos autos, o comportamento do administrador da insolvência  - devidamente ponderado e analisado de acordo com critérios de razoabilidade prática e em consonância com as exigências da boa fé - revela, em termos concludentes, uma evidente intenção de não conclusão das obras interrompidas pela insolvabilidade da sociedade empreiteira. Basta, para isso, atentar no espaço temporal, de vários anos, em que tais obras de construção foram interrompidas e permanecem abandonadas, sem que sequer tivesse sido removido o obstáculo jurídico decorrente da falta de licenciamento e pagamento das respectivas taxas, associado à intenção, claramente explicitada, de liquidação do estabelecimento comercial da sociedade insolvente.

   É que, numa situação deste tipo, o cumprimento do negócio não se esgotaria nunca numa mera operação de conteúdo jurídico ( como é paradigmaticamente o cumprimento de contratos promessa pendentes, a que estivesse vinculado o insolvente), envolvendo antes a realização de operações técnicas e materiais, obviamente inviabilizadas no âmbito da empresa do insolvente, face ao projecto de liquidação desta no processo falimentar; ou seja, numa situação com a configuração da dos autos, seria indispensável que o administrador da insolvência contratasse com outra empresa de construção a conclusão das obras em curso e pagasse integralmente as taxas em falta, o que parece efectivamente de probabilidade mais do que remota, face à normalidade de situações e à prolongada inércia, até agora verificada.

    Aliás, neste quadro factual, de improbabilíssima consumação prática, não poderíamos deixar de ser remetidos para a previsão normativa constante do  nº4 do citado art.102º do CIRE, por o cumprimento pontual e adequado de tais obrigações por parte da massa insolvente se configurar obviamente como manifestamente improvável.

            6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se provimento à revista, revogando o acórdão recorrido e, em consequência, julgando a oposição à execução deduzida pela executada CGD totalmente improcedente, devendo prosseguir os termos da execução instaurada.

   Custas pela executada.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2013

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor