Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
298/12.1TTMTS-A.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
SANÇÃO ABUSIVA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DE SANÇÕES DISCIPLINARES
Data do Acordão: 02/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:
- ANA CRISTINA RIBEIRO COSTA, “Notas Sobre o Prazo para a Impugnação Judicial da Sanção Disciplinar Distinta do Despedimento – A Eterna Lacuna da Legislação Laboral”, Questões Laborais, n.º 42, Vinte Anos de Questões Laborais, p. 265 e ss..
- JOÃO LEAL AMADO, In Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3954, Ano 138.º, Janeiro – Fevereiro de 2009.
- KARL ENGISH, Introdução ao Pensamento Jurídico, 6ª ed., p. 276.
- MÁRIO PINTO e Outros, Comentário às Leis do Trabalho, LEX, Volume I, 1994, pp. 162, 188.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12ª ed., p. 256 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 10.º, 287.º, 296.º, E SS..
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 328.º, N.º1, ALÍNEAS C) E E), 329.º, N.º7, 330.º, 331.º, 332.º, 337.º, 345.º, 371.º, N.º2.
REGIME JURÍDICO DA CESSAÇÃO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO E DA CELEBRAÇÃO E CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 64-A/89, DE 27 DE FEVEREIRO): - ARTIGO 10.º, N.º8.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 49 408, DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969 (LCT): - ARTIGOS 26.º, N.º1, 27.º, 31.º, N.ºS1 E 3, 2.º, N.º2, 38.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13 DE MAIO DE 1998, N.º 82/98 IN CJ – AC. STJ, ANO VI, TOMO II, 1998, P. 278 E SS.
-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2001, PROCESSO N.º 19/07.0TTLSB.L1-4
-DE 29 DE NOVEMBRO DE 2005, PROCESSO N.º 1703/05, EM WWW.DGSI.PT
-DE 16 DE MARÇO DE 2007, PROCESSO N.º 12093/05, IN C J, ANO XXXII, TOMO III, (2007), P.153 E SS.
-DE 22 DE OUTUBRO DE 2008, PROCESSO N.º 3787/2008
-DE 28 DE JUNHO DE 2010, PROCESSO N.º 199/09.0TTBRG-A.P1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 4 DE DEZEMBRO DE 2010, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 409/08.1TTSTS-A.P1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 30 DE MARÇO DE 2011, PROCESSO N.º 338/08.9TTLSB.L1, CJ, N.º 229.º, ANO XXXVI, TOMO II, 2001
-DE 6 DE DEZEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 338/08.9TTLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 9 DE SETEMBRO DE 2013, PROCESSO N.º 315/11.5TTVFR.P1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 29 DE OUTUBRO DE 2013, PROCESSO N.º 3579/11.8TTLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 12 DE FEVEREIRO DE 2009, PROCESSO N.º 638/06.2TTCBR.C1, EM WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-DE 23 DE MARÇO DE 2004, N.º 422/03, DISPONÍVEL EM: HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
-*-
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
- DE 21 DE NOVEMBRO DE 1984, IN COLECTÂNEA DE JURISPRUDÊNCIA, ANO IX, TOMO V, 1984, PP. 204 E 205
-DE 5 DE JUNHO DE 2013, PROCESSO N.º 5961/12.4T2SNT.L1-4, EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
1 − As sanções disciplinares laborais não abusivas, distintas do despedimento, devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor;

2 Estando em causa a impugnação de sanções abusivas diversas do despedimento, a acção respectiva pode ser instaurada até um ano após o termo da relação de trabalho, estando os créditos derivados da respectiva aplicação sujeitos ao regime de prescrição decorrente do n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 e aos condicionalismos probatórios previstos no n.º 2 do mesmo artigo, quando vencidos há mais de cinco anos;

3 – Invocada a natureza abusiva de uma sanção disciplinar como pressuposto do direito à indemnização pela respectiva aplicação, o conhecimento da excepção de caducidade do direito de acção, por ter sido exercido para além do prazo de um ano após a respectiva comunicação, deve ser relegado para final, já que dependente da demonstração que venha a ser feita da natureza abusiva ou não da sanção em causa.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA instaurou contra BB, SA, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, formulando os seguintes pedidos:

a) - a anulação da sanção disciplinar de seis (6) dias de suspensão do trabalho com perda de retribuições e de antiguidade aplicada ao A.  pela Ré,  sem causa justificada,  por aquele cumprida de 1 a 9 de Fevereiro de 2011;

b) - a condenação da R. no pagamento  ao A.  dos montantes  retributivos  que este não recebeu mas que normalmente auferiria caso não tivesse sido sujeito à dita sanção disciplinar, os quais ascendem, na sua globalidade, a € 4.894,09;

c) - a condenação da R. no pagamento ao A. da indemnização por aplicação de sanção abusiva nos termos previstos no artigo 331º n.º 5, do Código do Trabalho, no montante de € 48.940,90 ou, pelo menos, a pagar-lhe a quantia de € 3.000,00, a título de indemnização por danos  não  patrimoniais por  ele sofridos  em  consequência  da  conduta ilícita da R., consubstanciada na  instauração do processo disciplinar e   na  subsequente aplicação injustificada da sanção disciplinar, o que subsidiariamente pede;

d) - a condenação da Ré no pagamento do prémio para gozo de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2009, no montante de € 1.437.75;

e) - Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas nas als. b), c) e d), a calcular em condições que discrimina.

A acção prosseguiu seus termos e, tendo sido invocada pela Ré a excepção de caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar em causa, o Tribunal conheceu desta excepção no despacho saneador, considerando-a procedente e, por consequência, absolveu a Ré dos pedidos formulados nas als. a), b), c) e e), «este apenas no que se reporta aos créditos referidos naquelas alíneas», mais havendo ordenado o prosseguimento da acção relativamente aos outros pedidos formulados.

Inconformada com esta decisão dela interpôs o Autor recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, recurso que, tendo subido em separado, veio a ser decidido por acórdão de 17 de Junho de 2013, cujo dispositivo é do seguinte teor:

«Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga, na totalidade, a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão, considerando improcedente a exceção peremptória da caducidade do direito de impugnação da sanção disciplinar aplicada ao A. em 17 de Janeiro de 2011 e, consequentemente, se revoga o segmento decisório que, com esse fundamento, absolveu a Ré dos pedidos formulados sob as als. a), b), c) e e) [este na parte considerada na decisão recorrida].  

Custas, na 1ª instância, pela Recorrida (correspondentes a 97,41% das devidas a final, proporção considerada na decisão recorrida e que se mantém).

Custas do Recurso pela Recorrida».

Irresignada com o assim decidido veio agora a Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A - O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto (TRP), que decidiu julgar improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de impugnação judicial da sanção disciplinar aplicada ao A. e ora Recorrida pela R. e ora Recorrente de suspensão do trabalhador com perda de retribuição e antiguidade pelo período de 6 (seis) dias.

B - No entender do TRP, o A. e ora Recorrido não estava sujeito ao prazo de caducidade de 1 (um) ano a contar da comunicação da sua aplicação para deduzir a competente impugnação judicial, mas antes ao prazo prescricional previsto no n.° 1, do art.° 337° do Cód. do Trabalho que, no caso em apreço, não se iniciou, na medida em que a relação laboral se mantém em vigor, tanto mais que in casu se discute a aplicação de sanção disciplinar reputada como abusiva. 

C - Salvo o devido respeito, ao perfilhar tal tese o douto acórdão recorrido aplicou incorrectamente à situação sub judice os artigos 331°, n° 5, 337°, n°s 1 e 2, ambos do Cód. do Trabalho, e art.° 287°, n° 1, do Cód. Civil, porquanto, atenta a inexistência de preceito legal que fixe o prazo de que o trabalhador dispõe para impugnar sanção disciplinar distinta do despedimento, a solução que melhor se harmoniza com os princípios de estabilidade e certeza do direito disciplinar é a que considera que o prazo para a impugnação de sanção disciplinar diversa do despedimento é de 1 (um) ano a contar da data de comunicação da sua aplicação ao trabalhador.

D - Com efeito, o Cód. do Trabalho (bem como os diplomas legais que o precederam) não estabelece qualquer prazo para os trabalhadores impugnarem sanções disciplinares distintas do despedimento, pelo que estamos perante uma (óbvia) lacuna jurídica, que deve ser preenchida com recurso às regras consagradas no artº 10° do Cód. Civil.

E - Para preencher a aludida lacuna não pode, porém, aplicar-se analogicamente o artº 337.°, n° 1, do Cód. do Trabalho, na medida em que a previsão desta norma é diametralmente oposta ao que o espírito do sistema jurídico em geral, e do laboral em particular, reclama.

Inexistindo preceito análogo do qual nos possamos recorrer para suprir a aludida lacuna, o n° 3 do citado artigo 10° do Cód. Civil determina que se recorra à denominada analogia iuris, ou seja, à criação da norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.

F - Existem ponderosas razões de paz jurídica a exigir que não se protele excessivamente no tempo a resolução efectiva dos litígios associados à prática de uma infracção disciplinar e ao seu sancionamento, tanto mais que o legislador não foi indiferente e estabeleceu apertados prazos no âmbito do exercício disciplinar por parte do empregador.

Sendo assim tão prementes as razões de paz jurídica nesta matéria, resulta evidente que o espírito do sistema jurídico impõe que se estabeleça um prazo para a impugnação das sanções disciplinares não expulsivas e que tal prazo corra na vigência do contrato individual de trabalho.

Efectivamente, atenta a relevância que os princípios da estabilidade e da certeza jurídica assumem no domínio laboral, revela-se inconveniente a manutenção durante anos de uma situação de indefinição quanto à viabilidade da sanção disciplinar aplicada. 

G - Dado que, a impugnação de uma sanção disciplinar visa obter a sua anulabilidade, reputa-se adequado, na senda da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação do regime geral da anulabilidade dos actos jurídicos, previsto no art.° 287.° do Cód. Civil, devendo, em consequência, a sanção disciplinar distinta do despedimento ser impugnada judicialmente no prazo de 1 (um) ano a contar da data da sua comunicação ao trabalhador.

Convirá, igualmente, salientar que, do ponto de vista da prova, que se vai diluindo com o decurso do tempo, a solução acima sufragada revela-se como a mais adequada, na medida em que não deixa correr um prazo demasiadamente longo entre a ocorrência dos factos e a sua apreciação em juízo.

H - Em sentido contrário, aduz-se no douto acórdão recorrido que do n° 2 do art.° 337° do Cód. do Trabalho "decorre que, relativamente a impugnação das sanções abusivas - que é o caso em apreço nos autos - e ao pedido da correspondente indemnização, o legislador não pretendeu estabelecer qualquer prazo de caducidade (de um ano ou outro) a contar da comunicação da sua aplicação, antes considerando que o prazo de impugnação é o (de prescrição) previsto no art.° 337°, n.° 1 (e apenas tendo pretendido estabelecer, no n° 2 desse preceito, um regime de prova mais restritivo relativamente à indemnização por sanções abusivas vencidas há mais de cinco anos)."

Ora, a tese sufragada pela decisão recorrida deverá manifestamente improceder, na medida em que o aludido normativo legal não se refere à prescrição do direito de o trabalhador reclamar créditos advenientes da aplicação de uma sanção disciplinar que o mesmo reputa de abusiva, limitando-se a estabelecer um regime probatório especial, através de documento idóneo, relativamente aos créditos advenientes da aplicação de uma sanção disciplinar abusiva vencidos há mais de 5 anos, conforme, aliás, tem vindo a ser pacificamente reconhecido pela maioria dos tribunais superiores.

I - Mas ainda que se entendesse que a o n.° 2 do art.° 337.° do Cód. do Trabalho pudesse alterar enquadramento jurídico-decisório da questão sub judice, o que se refuta, apenas se admitindo à cautela e sem conceder, sempre se deveria ter em consideração que o art.° 331.° do Cód. do Trabalho engloba duas indemnizações, uma prevista no seu n.° 3, que visa ressarcir o trabalhador, nos termos gerais, consagrados nos artigos 483.° e 562.° e ss. do Cód. Civil, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em resultado do exercício abusivo do poder disciplinar por parte da entidade empregadora, e outra prevista no seu n.° 5, que visa punir o comportamento ilícito adoptado pelo empregador e acautelar que o mesmo, de futuro, não incorra em condutas semelhantes. 

J - Ora, a proceder a tese plasmada na decisão recorrida, o que não se concede e apenas se admite à cautela, concluir-se-á que o legislador, ao prever a possibilidade de a indemnização por sanção abusiva, nos termos do n° 3 do citado art.° 331°, vencida há mais de 5 anos, poder ser provada por documento idóneo, estará a consagrar que o prazo de prescrição aplicável a esta obrigação de indemnização nos termos gerais de direito será o previsto no artigo 337.°, n° 1, do Cód. do Trabalho.

De igual modo, nesta senda, impor-se-á também concluir que a indemnização prevista no n.° 5 do artigo 331.° do Cód. do Trabalho, porque apresenta finalidades marcadamente distintas do ressarcimento real de danos, estará sujeita ao prazo de impugnação das sanções disciplinares não expulsivas, o qual, como acima referido, é de 1 (um) ano após a sua aplicação, por força da integração da lacuna legal existente por recurso ao disposto no artigo 287.° do Cód. Civil.

Assim, e caso proceda o entendimento sufragado na decisão recorrida, o que apenas se admite à cautela e sem conceder, a consequência a extrair será que o A. e ora Recorrido, ao ter impugnado a sanção disciplinar de 6 (seis) de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, que o mesmo reputa como abusiva, decorrido mais de 1 (um) ano sobre a sua aplicação, apenas poderia, nesse pressuposto, reclamar da R. e ora Recorrente o pagamento da indemnização prevista no n.° 3 do art.° 331° do Cód. do Trabalho, ou seja, o ressarcimento dos danos reais que, alegadamente, sofreu em razão da sua aplicação e já não o dano punitivo previsto no art° 331.°, n.° 5, do mesmo diploma legal.

K - Por tudo o acima exposto, impõe-se concluir que o acórdão recorrido, ao considerar improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de o A. impugnar judicialmente a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade pelo período de 6 (seis) dias, fez uma [in]correcta interpretação e violou os artigos 331.°, n.° 5, 337°, n°s 1 e 2, ambos do Cód. do Trabalho, e art.° 287 n.° 1 do Cód. Civil, devendo, em consequência, o mesmo ser revogado e substituído por outro que considere, na senda da jurisprudência do STJ, que o prazo para impugnação da sanção disciplinar sub judice, seria de 1 (um) ano a contar da comunicação da sua aplicação ao trabalhador.»

Termina pedindo a procedência da revista.

O Autor não respondeu à motivação do recurso.

Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo de Trabalho, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso, em conformidade com a jurisprudência desta Secção, nomeadamente, o acórdão de 6 de Novembro de 2011.

Notificadas as partes deste parecer veio o Autor manifestar-se contra a orientação decorrente do mesmo, na linha da decisão recorrida.

Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3 e 639.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que correspondem aos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, do anterior Código de Processo Civil, na versão que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se o prazo para a impugnação de sanções disciplinares, que não o despedimento, susceptíveis de serem consideradas abusivas, se conta a partir do termo da relação de trabalho, ou da comunicação da decisão da empregadora que aplica as sanções em causa.


II


1 - A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:

«1. O Autor mantém, desde 1 de Setembro de 1987, relação laboral com a R., ao abrigo da qual desempenha funções de “Operador de controlo Industrial II” na Fábrica de Utilidades da Refinaria da ré, sita em ..., com a categoria profissional de Coordenador Técnico II.

2. Em 18 de Maio de 2010, a Ré iniciou um procedimento prévio de inquérito para averiguação de eventuais condutas violadoras de deveres laborais alegadamente praticadas pelo A. em 19 e 20 de Abril, durante o período da greve em causa, conforme documento constante de fls. 2 do procedimento disciplinar apenso e cujo teor se dá por reproduzido.

3. A Ré concluiu esse procedimento prévio de inquérito em 20 de Agosto de 2010.

4. Por carta registada com aviso de receção expedida em 17 de Setembro de 2010, que o autor recebeu em 20/09/2010, a Ré comunicou ao A. que lhe tinha instaurado um processo disciplinar, com vista ao seu despedimento com justa causa, anexando nota de culpa, conforme documentos constantes de fls. 18 a 29 do procedimento disciplinar apenso e cujo teor se dá por reproduzido.

5. A essa nota de culpa respondeu o A., conforme documento constante de fls. 32 a 47 do procedimento disciplinar apenso e cujo teor se dá por reproduzido.

6. Emitidos os pareceres pela Comissão Central de Trabalhadores e pelo Sindicato de

fls. 123 a 125 e 139 e 143, respetivamente, a Ré decidiu aplicar ao A. a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com  perda de retribuição  e antiguidade  por  um  período de 6 (seis) dias,  com  início  em 1 de Fevereiro  de 2011 e termo em 9 de Fevereiro de 2011, conforme decisão final que comunicou ao A.  por  carta  registada  com  aviso de receção expedida em 14  de Janeiro de 2011  e que este  recebeu em 17 de Janeiro de 2011, e que constitui  o documento  de fls. 268 a 293 do procedimento  disciplinar apenso e  cujo teor  se dá  por reproduzido.

7. Tal como lhe foi imposto pela R., o A. cumpriu a sobredita sanção disciplinar no período de 1 a 9 de Fevereiro de 2011.

8. A presente ação foi instaurada em 23/03/2012 (cfr. fls. 101).

9. O A. ainda continua a prestar a sua atividade laboral para a ré.»

2 – Os factos que integram a causa de pedir da presente acção ocorreram na vigência do Código de Trabalho de 2009, diploma com base no qual se conhecerá da questão que constitui o objecto do presente recurso.

Este código, tal como os diplomas que o antecederam, não prevê expressamente um prazo para a impugnação das sanções disciplinares, diversas do despedimento, daí resultando a questão que integra o objecto do presente recurso.

Na verdade, no que se refere ao despedimento, resulta do artigo 337.º, n.º 1 deste código que «o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

Este dispositivo é aplicável à impugnação dos despedimentos não abrangidos pelo n.º 2 do artigo 387.º daquele código, que prevê que o «trabalhador se pode opor ao despedimento mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data da cessação do contrato, se posterior».

Esta forma de impugnação do despedimento veio a ser restringida pelo artigo 98.º C do Código de Processo do Trabalho aos casos em que o despedimento seja comunicado por escrito ao trabalhador.

Tal como ainda recentemente se decidiu nesta secção, «na vigência, desde 1 de Janeiro de 2010, do CPT, na redação conferida pelo DL 295/2009, e do artigo 387º do CT/2009: a) O prazo para as ações de impugnação de despedimento individual fundadas em despedimento disciplinar, inadaptação e extinção por posto de trabalho, comunicados por escrito ao trabalhador, é de 60 dias, sob pena de caducidade; b) Todos os outros casos de despedimento individual para cuja impugnação o trabalhador deva recorrer à forma de processo comum, tanto a propositura da ação como os créditos emergentes de despedimento ilícito, ficam abrangidos pelo regime de prescrição previsto no nº1 do artº 337º do CT/2009.[1]»

Contudo, o código é omisso no que se refere à impugnação das restantes sanções disciplinares, omissão que motivou, conforme se referiu, a questão que constitui objecto do presente recurso.

3 - Na decisão proferida na 1.ª instância decidiu-se «julgar procedente, por provada, a excepção de caducidade do direito de impugnação da sanção disciplinar aplicada em 17 de Janeiro de 2011 ao Autor AA e, em consequência, absolvo a ré, BB – ..., S.A., dos pedidos formulados sob as als. a), b) e c) e e) (este apenas na parte em se que reporta aos juros dos créditos referidos no art. 115º da p.i.)».

Esta decisão fundamentou-se, para além do mais, no seguinte:

«Sopesando os argumentos em confronto, não podemos deixar de ser sensíveis ao facto de, enquanto se mantiver ao serviço do empregador, o trabalhador poderá ver-se constrangido a não fazer valer os seus direitos, antevendo eventual reação negativa daquele.

Sendo assim, poder-se-á dizer que, se o objectivo do prazo especial de prescrição de créditos laborais previsto no n.º 1 do art. 337º é o de tutelar a posição de fragilidade do trabalhador quanto à perspectiva de consequências negativas eventualmente resultantes da opção de accionar judicialmente o empregador na vigência do contrato, essa tutela justifica-se tanto quanto à reclamação de quantias de que este seja credor a título de retribuições, como quanto a créditos decorrentes da aplicação das sanções disciplinares.  A necessidade de tutela estará na perspectiva de reclamar judicialmente,       e não especificamente no que venha a constituir objecto dessa reclamação.

Todavia, a aplicação prática desta orientação suscita também importantes reservas. Com efeito, salvaguardado um prazo razoável para o seu direito de ação, é igualmente razoável que se proteja também o empregador, não o deixando injustificadamente à mercê da outra parte, como seria se o trabalhador pudesse demandar até à prescrição dos  seus  créditos   (com    todos   os   problemas  que

tal envolveria, nomeadamente  em sede de prova,  para a defesa do  empregador).  O intuito da lei não é premiar negligentes; é sim garantir a tutela de direitos (.).

E recaindo sobre o empregador o ónus da prova dos factos em que se consubstancia a infracção disciplinar, em caso de impugnação judicial de sanções conservatórias (.), não é de aceitar que, findo o contrato, o trabalhador possa impugnar indiscriminadamente todo o seu histórico disciplinar na expectativa do insucesso de instrução probatória do empregador (.). O espírito do sistema jurídico pressupõe a resolução rápida dos conflitos surgidos o âmbito do direito disciplinar laboral, exigindo que o contencioso daí resultante deva ser integralmente resolvido em período que não se distancie demasiado da prática infraccional invocada, abstraindo sempre do ciclo de vida da relação laboral. Esta solução corresponde, de resto, ao espírito de celeridade na actuação disciplinar, que emerge do estabelecimento dos “apertados” prazos supra referenciados a propósito do exercício do poder disciplinar. Os princípios da certeza e segurança jurídica impõem, pois, a necessidade de evitar que sobre a sanção aplicada recaía, por longo período, o espectro da impugnabilidade.

Por outro lado, o argumento de que “o prazo de um ano só começa a correr após a cessação do contrato de trabalho e justifica-se por só após esta data o trabalhador readquirir a sua liberdade”, sob pena de se verificar uma limitação à liberdade do trabalho atendendo à especial relação de subordinação do trabalhador, não (im)pressiona no sentido que defende, pois o receio de propor  acção contra o empregador não se justifica quando já existe   um   litígio   manifestado   formalmente   como   um   procedimento   disciplinar que  é culminado com uma sanção (.).

Aliás, por via encurtamento do prazo para a impugnação do despedimento individual – 60 dias nos casos a que for aplicável o processo especial previsto nos art.ºs  98.º-B  ss.  do C.P.T/2010,  “ex vi” do disposto  no art.º 387.º,  n.º  2 do C.T./2009,  mas mantendo-se  em 1 (um)  ano para os  demais casos em que o  despedimento  não tenha  sido  comunicado por escrito -, não se compreenderia que uma sanção menos grave pudesse ser impugnada dentro do  critério  definido pelo citado  n.º  1 do  artigo  337º,  pois  se o contrato  se mantivesse  em vigor  por  um  período superior a um  ano –  v.  g.  10 ou 20 anos –  seria aquele  prazo mais dilatado do que o correspondente ao do despedimento não escrito, sendo esta solução a que melhor se  harmoniza com  os  princípios   da estabilidade  e certeza  do  direito  disciplinar, evitando que se fique vários anos – 10, 15 ou mais – sem se saber se determinada sanção se mantém ou é anulada.

Na verdade, se o prazo de impugnação de uma sanção menos grave pudesse ser superior ao prazo previsto para uma sanção mais grave –  no   caso,   reportamo-nos, unicamente,  ao prazo mais longo  de impugnação de despedimento,  ou seja,  de um  ano,  e não de 60 dias - teríamos na ordem jurídica uma incompreensível desarmonia, a evitar com recurso às regras de interpretação  consagradas no  art. 9º do  Código  Civil.  Parafraseando Maria Adelaide Domingos (.) diremos que resultaria incongruente que uma sanção menos grave gerasse um espectro de impugnabilidade durante um prazo que se nos afigura excessivo em termos de salutar manutenção da relação laboral e que elimina definitivamente o carácter preventivo que lhe deve estar associado.

Afastado o regime do n.º 1 do art. 337º, fica autorizada a aplicação do regime das invalidades do negócio jurídico, mais concretamente da anulabilidade, previsto no art. 287º do Código Civil, que deve ser arguida no prazo de 1 ano.

Ponderando, pois, os argumentos em confronto e revendo a nossa posição anterior, é também este o nosso entendimento, acolhendo, assim, a corrente jurisprudencial maioritária.

Sufraga-se, por isso, o entendimento de que as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor.»

4 - A decisão recorrida depois de traçar as linhas gerais das duas posições que têm sido defendidas relativamente à resolução da questão em análise, veio a fundamentar o decidido, nos seguintes termos:

«5. Independentemente da posição que se tome em relação a uma ou outra das teses apontadas, a verdade é que, pelo menos nos casos em que o trabalhador pretende impugnar sanção disciplinar que considera abusiva, não poderemos deixar de aderir à segunda das mencionadas posições por, de jure constituto, ser a que, e salvo melhor opinião, decorre da lei e/ou com ela melhor se harmoniza.

Com efeito, e pelas razões já acima apontadas, ela é a única que se harmoniza com o disposto no art. 337º, nº 2, do CT/2009, que dispõe que “2. O crédito correspondente a (…), indemnização por aplicação de sanção abusiva (…), vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.”.

Não é demais repetir que, pese embora tal preceito consagre apenas um especial regime de prova, a verdade é que ele, ao prever que a indemnização por sanção abusiva vencida há mais de cinco anos apenas se prova por documento, está, naturalmente, a admitir que essa sanção abusiva possa ser impugnada e a correspondente indemnização reclamada, apesar de vencida há mais de 5 anos, ou seja, muito para além do prazo de um ano a contar da sua aplicação (não se vê como se possa reclamar uma indemnização por sanção abusiva sem a possibilidade de a impugnar). E mais, a contrario sensu, desse preceito decorre também que a indemnização por sanção abusiva vencida há menos de 5 anos possa ser reclamada e provada por outro meio que não o documento idóneo.

Ou seja, do preceito decorre que, relativamente à impugnação das sanções abusivas – que é o caso em apreço nos autos – e ao pedido da correspondente indemnização, o legislador não pretendeu estabelecer qualquer prazo de caducidade (de um ano ou outro) a contar da comunicação da sua aplicação, antes considerando que o prazo de impugnação é o (de prescrição) previsto no art. 337º, nº 1 (e apenas tendo pretendido estabelecer, no nº 2 desse preceito, um regime de prova mais restritivo relativamente à indemnização por sanções abusivas vencidas há mais de cinco anos).

6. No caso, o A. impugnou judicialmente sanção que considera ser abusiva e reclamou, com esse fundamento, os créditos consequentes (créditos salariais não auferidos por virtude dessa sanção e indemnização por sanção abusiva). E se é certo que o fez após o decurso do ano subsequente à comunicação dessa sanção, a verdade é que o contrato de trabalho ainda se mantém em vigor, pelo que, atento o acima exposto, não estava sujeito ao prazo (de caducidade) de um ano a contar da sua aplicação, entendimento este o perfilhado na sentença recorrida, mas sim e apenas ao prazo prescricional previsto no art. 337º, nº 1, do CT/2009 que, in casu, nem se iniciou uma vez que a relação laboral se mantém em vigor. Reafirma-se, novamente, que não se vê como compatibilizar a solução pugnada na decisão recorrida com o disposto no art. 337º, nº 2, do CT/2009, na medida em que deste decorre, ou tem como pressuposto, a admissibilidade da impugnação judicial de sanções abusivas aplicadas há mais de um ano.»


III

1 - A jurisprudência desta secção há muito que se sedimentou relativamente ao prazo para impugnação das sanções disciplinares em geral e respectiva forma de cômputo, embora não se tenha debruçado sobre a específica situação das sanções abusivas, nomeadamente, sobre o reflexo, nessa questão, do disposto no n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho, ou das disposições equivalentes no Código de Trabalho de 2003, ou da LCT.

Uma das decisões base da jurisprudência desta secção sobre os prazos para impugnação das sanções disciplinares conservatórias é o acórdão de 13 de Maio de 1998, acórdão n.º 82/98[2], proferido ainda na vigência da LCT, onde se veio a decidir que «o prazo para impugnação das sanções disciplinares [aplicadas] aos trabalhadores pela sua entidade patronal é de um ano a contar da comunicação da aplicação das sanções».

Naquela decisão equacionou-se a possibilidade de aplicação à resolução da questão em causa do disposto no artigo 38.º, n.º 1, daquele diploma, que referia que «todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na lei geral acerca dos créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais», dispositivo que corresponde, nas suas linhas gerais, embora também com diferenças, ao disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código de Trabalho, nos seguintes termos:

«E nem se diga que este artigo se refere só ao crédito, no sentido de prestação pecuniária, na linguagem generalizada. E nem ele pode ser entendido num puro critério civilístico, antes se tendo de atender às especificidades próprias do direito laboral. E, nestes termos, aquela expressão créditos, tem de ser entendida como um critério mais genérico, correspondendo ao direito pessoal (…), aí se incluindo o direito de impugnação de decisão disciplinar, pois, o que está em causa é o accionamento tempestivo de um direito.

(…)

Mas a aplicação do prazo referido no n.º 1 do falado art. 38.º também se afigura como não aplicável.

Na verdade, o despedimento – sanção mais grave – só pode ser impugnado no prazo de um ano a contar da data em que foi decretado. Assim sendo, e estando a impugnação do despedimento sujeita àquele prazo e condição, não se compreende que uma sanção menos grave pudesse ser impugnada dentro do critério definido pelo citado n.º 1, pois se o contrato se mantivesse em vigor por um período superior a um ano –  v.g. 10 ou 20 anos - seria aquele prazo mais dilatado do que o correspondente ao do despedimento.

E com a aplicação daquele prazo, tal como o referido no n.º 1 o regulamenta, poderia acarretar para o trabalhador a dificuldade de prova para a impugnação. E aqui, haverá que ter em conta o disposto no n.º 2 do mesmo art. 38.º, que permite a reclamação de crédito pela aplicação de sanção abusiva, no prazo de um ano a contar do despedimento, mas exige que a prova se faça por documento idóneo.

Se se fosse aplicar aquele prazo à sanção não abusiva e, por isso menos grave – como ela não está sujeita à exigência daquele n.º 2, por não estar ali prevista, o que não é de aceitar.

Assim, de concluir é da não aplicação daquele prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato.

Assim, não se aplicando os normativos referidos, haverá que determinar qual o prazo para a reclamação já que ele terá de existir.

Afigura-se como mais correcta a solução de que a reclamação terá de ser feita no prazo de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção.

Esta é a solução que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos (…) sem se saber se determinada sanção se mantém ou é anulada».

2 - A constitucionalidade da interpretação daquele n.º 1 do artigo 38.º da LCT subjacente a esta decisão veio a ser objecto do acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de Março de 2004, proferido no processo n.º 422/03[3], em que se veio a decidir: «a) Não julgar inconstitucional a norma, que a decisão recorrida reportou ao artigo 38.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, de acordo com a qual o prazo de impugnação judicial de decisão de sanção disciplinar de um dia de suspensão sem vencimento prescreve no prazo de um ano contado desde a data de comunicação da aplicação da respectiva sanção, mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado».

Na fundamentação desta decisão considerou-se, com relevo no âmbito do presente recurso, o seguinte:

«2.2. Quanto à alegada violação do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, há que considerar, como se explanou no citado Acórdão n.º 140/94, que “o direito de acesso aos tribunais não é violado pela simples fixação pelo legislador de um prazo (seja ele de prescrição ou, antes, de caducidade) para o exercício”, pois “essa violação só existiria se o prazo fosse desadequado e desproporcionado (cf. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 99/88 e 370/91, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, n.º 193, de 22 de Agosto de 1988, o segundo no mesmo Diário, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992), em termos de dificultar gravemente o exercício concreto daquele direito, uma vez que, em tal caso, estar-se-ia perante uma restrição ao direito de acesso aos tribunais e não em face de um simples condicionamento ao exercício desse direito”.

O prazo de um ano para impugnar uma sanção de gravidade inferior à de despedimento, a contar da data da comunicação da aplicação dessa sanção, não é, manifestamente, um prazo desadequado ou desproporcionado, que dificulte gravemente o exercício desse direito impugnatório.

Dir-se-á que o que restringe o exercício do direito não é a duração do prazo, mas antes a circunstância de o mesmo decorrer na vigência do contrato de trabalho, em que se presume a inibição do trabalhador em litigar contra a entidade empregadora, sendo esta a razão pela qual o artigo 38.º, n.º 1, da LCT manda contar o prazo de prescrição da generalidade dos créditos do trabalhador apenas a partir da cessação de facto da relação laboral.

A este respeito – e independentemente da questão de saber se o regime de prescrição dos créditos laborais constante do artigo 38.º, n.º 1, da LCT é o único constitucionalmente admissível – há que reconhecer que, no que respeita à impugnação de sanções disciplinares, ocorrem ponderosas razões de paz jurídica, a reclamar que não se deixe protelar excessivamente no tempo a solução desses litígios, que tornam constitucionalmente conforme a interpretação acolhida na decisão recorrida de que o prazo de tal impugnação corre mesmo na vigência da relação laboral. Essa preocupação de paz jurídica é evidenciada pelos apertados prazos, legalmente impostos à entidade empregadora, de início do procedimento disciplinar (60 dias subsequentes ao conhecimento da infracção – n.º 1 do artigo 31.º da LCT), de prolação da decisão punitiva (30 dias após a conclusão da instrução – n.º 8 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e de execução da sanção disciplinar (3 meses subsequentes à decisão punitiva – n.º 3 do artigo 31.º da LCT).

De resto, e sem excluir a possibilidade da ocorrência de situações em que esse constrangimento exista, há que considerar que, sendo a apontada inibição do trabalhador em accionar a entidade empregadora susceptível de perder intensidade à medida que cresce a empresa em que está inserido, por diminuir o risco de represálias, mais próprio de empresas de reduzida dimensão, no presente caso está em causa uma empresa como a Carris, com centenas ou milhares de trabalhadores. E, por outro lado, importa não esquecer que o recorrente intentou a presente acção na vigência do seu contrato de trabalho; fê-lo, porém, para além do prazo de um ano e só por não ter respeitado este dilatado prazo – o que não pode deixar de ser imputado a negligência sua – é que viu soçobrar a sua pretensão.

Não se pode, assim, considerar verificada a alegada violação do direito de acesso aos tribunais e de tutela jurisdicional efectiva.»

3 - Este acórdão do Tribunal Constitucional passou a estar presente na fundamentação das decisões posteriores desta Secção sobre a questão em análise.

Assim, no acórdão de 29 de Novembro de 2005, proferido na revista n.º 1703/05[4], onde a linha de orientação subjacente ao acórdão de 1998 foi mantida, veio a considerar-se, face ao silêncio da lei sobre a questão em causa, como fundamento do decidido, o seguinte:

«Mal se compreende essa continuada omissão, tanto quanto é certo que o complexo do ordenamento jurídico sentiu a necessidade de estabelecer, nos mais variados domínios, prazos concretos para o exercício de direitos.

No plano do direito civil, essa necessidade corporiza-se nas regras gerais relativas no tempo daquele exercício e à sua repercussão ao nível das correspondentes relações jurídicas – art.ºs 296º e segs. do Código Civil.

Concretiza-se também no direito criminal - que, à semelhança do direito disciplinar, se inscreve no plano do direito sancionatório - através dos institutos da prescrição do procedimento criminal (art.ºs 118º e segs. do Código Penal) e da prescrição das penas e medidas de segurança (art.ºs 122º e segs. do mesmo diploma).

O próprio direito disciplinar laboral prevê a prescrição da infracção disciplinar - por entender que já não é razoável punir o infractor se tiver entretanto decorrido o prazo de um ano sobre a pretensa infracção - e a caducidade do procedimento disciplinar - se a entidade patronal não actuar disciplinarmente no prazo de 60 dias, entende-se que se conformou com a atitude indisciplinada do seu trabalhador.

Deve dizer-se, por isso, que estamos perante uma óbvia lacuna jurídica, já que a lei não contém qualquer regra aplicável à situação vertente, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, segundo a teleologia do sistema e a coerência que o deve reger (cfr. Baptista Machado in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 2ª reimp., págs. 192 e segs.).

Ou dizer, como explica Karl Engish, que continua a existir, na matéria, uma falha de regulamentação jurídica para determinada situação de facto, sendo que essa falha - por ser de esperar tal regulamentação - postula e admite a sua remoção através de uma decisão jurídico-integradora (in “Introdução ao Pensamento Jurídico”, 6ª ed., pág. 276).

Se essa remoção não for feita, estaremos necessariamente a admitir e a aceitar que a entidade empregadora fique indefinidamente na contingência de ver sindicada pelo tribunal e, eventualmente, anulada, qualquer decisão disciplinar que haja assumido.

Caberá reconhecer que essa situação brigaria, de forma intolerável, com o regime previsto na lei vigente para o exercício dos mais variados direitos.

Deste modo, propomo-nos assumir a referida decisão jurídico-integradora.

3.2.6.

Para o efeito, importa reflectir sobre a especificidade da situação vertente e conferi-la, de seguida, com o regime legal atendível, emanado do art.º 10º do Código Civil.

O Tribunal Constitucional - chamado a sindicar o já citado Acórdão do Supremo de 13/5/98 - pronunciou-se sobre a matéria em análise, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, decidindo maioritariamente “... não julgar inconstitucional a norma, que a decisão recorrida reportou ao artigo 38º n.º 1 do “Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, de acordo com a qual o prazo de impugnação judicial de decisão de sanção disciplinar de um dia de suspensão sem vencimento prescreve no prazo de um ano contado desde a data da comunicação da aplicação da sanção, mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado”.

A opção sufragada por este entendimento maioritário prende-se, essencialmente, com a existência de ponderosas razões de paz jurídica, a reclamar que não se protele excessivamente no tempo a resolução efectiva dos litígios associados à prática de uma infracção disciplinar e à aplicação da correspondente sanção por banda da entidade empregadora.

Aliás, essas razões não foram indiferentes ao legislador que, motivado por elas, impôs apertados prazos à entidade empregadora no exercício do seu poder disciplinar:

- o prazo de um ano para a prescrição da sanção disciplinar – art.º 27º;

- o prazo (de caducidade) de 60 dias para o accionamento do procedimento disciplinar – art.º 31º n.º 1;

- o prazo de 30 dias, após a conclusão da instrução, para a prolação da decisão punitiva (no processo disciplinar com vista ao despedimento) – art.º 10º n.º 8;

- o prazo de 3 meses, subsequente a essa decisão, para a execução da sanção disciplinar – art.º 31º n.º 3 que, como os demais, pertence à L.C.T..

O estabelecimento de prazos curtos no âmbito do direito disciplinar laboral e, especificamente ao nível do processo disciplinar com vista ao despedimento, justifica-se plenamente se pensarmos na especial configuração do poder disciplinar nesta área, tendo sobretudo em conta as gravosas consequências que, para efeitos do contrato individual de trabalho, decorrem tanto do comportamento do trabalhador que pratica, uma infracção disciplinar, quanto da entidade patronal que a sanciona.

Essas consequências aconselham vivamente que a entidade patronal seja célere e diligente na sua reacção disciplinar, por forma a impedir que o trabalhador fique indefinidamente à espera dessa eventual reacção e que uma sanção tardia se torne inadequada à sua finalidade preventiva.

Como explica o Prof. Monteiro Fernandes, o poder disciplinar plasmado no art.º 26º n.º 1 da L.C.T. consiste na “... faculdade atribuída ao dador de trabalho de aplicar internamente sanções aos trabalhadores ao serviço, cuja conduta ponha em perigo a consistência da empresa ou se mostre inadequada à correcta efectivação do contrato” (in “Direito do Trabalho”, 12ª ed., pags. 256 e segs.).

Com este poder que a lei lhe confere, o empregador dispõe de uma “singular” faculdade, (singular, porque se trata de relações entre particulares), qual seja a de reagir por via punitiva através de sanções reactivas, sempre que o trabalhador adopte uma conduta censurável e inadequada à correcta efectivação dos deveres contratuais, no âmbito da empresa e da permanência do contrato.

A sanção disciplinar, com esta configuração, tem sobretudo um objectivo conservatório - o de manter o comportamento do trabalhador adequado ao interesse da empresa - e constitui uma reacção dirigida à pessoa do próprio trabalhador, tentando que ele proceda de harmonia com as regras da disciplina estabelecida, reintegrando-o no padrão de conduta visado.

Sendo assim tão prementes as razões de paz jurídica nesta matéria, facilmente se compreende também que o prazo de impugnação da sanção disciplinar tenha de correr igualmente na vigência do contrato individual de trabalho.

É que este contrato é de natureza “intuitus personae”: como a prestação do trabalhador se traduz, por definição, na sua própria actividade intelectual ou manual, as suas qualidades profissionais e pessoais são essenciais para a constituição e manutenção do vínculo, do mesmo passo que essa prestação se desenvolve num condicionalismo de subordinação jurídica a outrem, em cuja organização o trabalhador se integra.

Nestas circunstâncias, a manutenção de um litígio latente - eventual indefinição quanto à persistência da sanção aplicada - não deixará de comportar gravosas consequências na estabilidade e desenvolvimento daquela especial relação.

Por via disso, somos a concluir que o espírito do sistema jurídico - em geral e, particularmente no domínio laboral - reclama a necessidade de:

- por um lado, estabelecer um prazo para a impugnação judicial das sanções disciplinares diversas do despedimento;

- por outro, de fazer coincidir o “dies a quo” para a sua contagem com a data da comunicação da sanção, sendo de evitar a sua transferência para o momento incerto da cessação do contrato individual de trabalho.

3.2.7.

É altura de conferir a previsão do art.º 10º do Código Civil:

“1- Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

2- Há analogia sempre que no caso omisso procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

3- Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”.

Uma vez que ao caso dos autos é aplicável o regime anterior ao novo Código do Trabalho, a analogia prevista no preceito transcrito só poderá ser invocável no âmbito do ordenamento jurídico coevo da L.C.T.

Porém, não vemos que nos seja lícito socorrer de algum preceito análogo inserido nesse regime.

Com o devido respeito, a referência que alguma jurisprudência tem vindo a fazer ao art.º 38º n.º 1 da L.C.T. − único que poderia ser eventualmente atendível − não passa, seguramente, pela sua aplicação analógica, pois nela se prevê expressamente que os créditos laborais prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

A analogia só seria consentida relativamente à duração do prazo mas nunca quanto ao início da sua contagem: quanto a essa contagem, aquilo que a norma prevê é coisa diametralmente oposta ao que, para nós, o espírito do sistema aqui reclama.

Afastada a analogia, o art.º 10º só consente, para a integração das lacunas a criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Já vimos que esse espírito exige a resolução rápida dos conflitos surgidos no âmbito do direito disciplinar laboral: é dizer que o contencioso daí resultante deve ser integralmente resolvido em período que não se distancie demasiado da prática infraccional invocada, abstraindo sempre do ciclo de vida da relação laboral.

Resta proceder à fixação do prazo.

Como a impugnação judicial de uma sanção disciplinar visa obter a sua anulabilidade, parece-nos adequado atender ao regime que a lei geral estipula para esse tipo de invalidade: o prazo de um ano, previsto no art.º 287º do Código Civil.

De resto, é também esse prazo que o art.º 345º do actual Código de Trabalho veio expressamente fixar para uma das sanções disciplinares: a sanção específica do despedimento.

Ainda que este preceito não seja analogicamente atendível no caso dos autos − como já referimos − é patente a similitude das situações, porque estamos no mesmo domínio do direito disciplinar laboral, e não devemos ignorar que o legislador acabou por consagrar agora, para o despedimento, uma solução que alguma doutrina e jurisprudência já vinha reclamando para a generalidade das sanções disciplinares.

Tudo ponderado, entende-se fixar que as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor.»

4 – A orientação subjacente ao acórdão de 29 de Novembro de 2005 foi assumida integralmente no acórdão de 22 de Outubro de 2008, proferido no recurso n.º 3787/2008, sendo também elemento de referência na fundamentação do acórdão de 6 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 338/08.9TTLSB.L1.S1[5], de que foi extraído sumário do seguinte teor:

«I - É de caducidade o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal, pois trata-se de um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo.

II - No Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, prevê-se, de forma expressa, a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artigo 371.º), bem como o prazo de um (1) ano, a contar da data do despedimento, para intentar a respectiva acção de impugnação, mas é omisso quanto ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento.

III- Não contendo a lei qualquer norma aplicável à situação referida, e inexistindo qualquer preceito análogo que possa resolver a referida lacuna, quanto ao início da contagem do prazo, a integração das lacunas de lei deverá fazer-se por analogia iuris, isto é, pelo espírito do sistema jurídico, traduzindo-se na criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.

IV - Atendendo a que com a impugnação judicial de uma sanção disciplinar se visa obter a sua anulabilidade, estabelecendo a lei geral (art. 287.º do Código Civil) o prazo de um ano prazo para a impugnação das invalidades, e que é, também, esse o prazo que o art. 435.º do Código do Trabalho de 2003 fixa para a sanção especifica do despedimento, as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, na vigência do CT, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor, sob pena de caducidade desse direito.»

5 – O acórdão de 22 de Outubro de 2008, que conforme se referiu integrou a fundamentação do acórdão de 29 de Novembro de 2005, foi objecto de um comentário da autoria de JOÃO LEAL AMADO, que é elemento relevante na fundamentação da decisão recorrida.

Referiu com efeito aquele Autor, no mencionado comentário[6] que, «ao invés do STJ, julgamos que, nesta matéria, as mesmas razões que explicam a suspensão do curso da prescrição de créditos durante a vigência da relação laboral legitimam, analogicamente, uma regra segundo a qual a faculdade de impugnar judicialmente uma qualquer sanção disciplinar não pode desaparecer enquanto se mantiver em vigor a relação de poder em que a relação de trabalho, afinal, se analisa. O que a nosso ver, poderá ser comprovado se levarmos em conta o regime probatório peculiar estabelecido, para certos créditos do trabalhador, pelo n.º 2 do art. 337.º do CT.

 IX. Com efeito, no n.º 2 do art. 337.º do CT lê-se que «o crédito correspondente compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo» (itálico nosso). Ora é pacífico que, apesar da sua localização sistemática, esta norma nada tem a ver com a matéria da prescrição, limitando-se a estatuir um regime probatório especial para os créditos do trabalhador que enuncia. Assim, esta disposição não modifica o prazo prescricional do n.º 1. Ela prende-se apenas com a prova dos factos constitutivos de determinados créditos, para tal exigindo documento idóneo (afasta-se por conseguinte, a prova testemunhal), normalmente com origem na própria entidade patronal, revelando a sua posição de devedora.

Vale isto por dizer que, ex vi legis, um trabalhador que pretenda reclamar judicialmente o pagamento de uma qualquer indemnização devida pela aplicação de uma sanção disciplinar que considera abusiva (…) terá de utilizar um «documento idóneo» em ordem a tentar persuadir o tribunal do carácter abusivo de tal sanção, caso esta já tenha sido aplicada há mais de cinco anos. Mas, se assim é, então isto significa que o direito de impugnar judicialmente uma sanção disciplinar conservatória do vínculo laboral, ainda que sujeito às particulares exigências probatórias resultantes do n.º 2, sempre deverá considerar-se sujeito ao prazo previsto no n.º 1, ou seja apenas decairá «decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».

Por conseguinte, e se bem lemos o preceito, do mesmo passo que onera probatoriamente a posição do trabalhador que pretenda impugnar uma sanção disciplinar que repute abusiva (desde que aplicada há mais de cinco anos), o n.º 2 do art. 337.º pressupõe que esse mesmo trabalhador dispõe do prazo estabelecido no n.º 1 (até um ano após a extinção do contrato) para contestar judicialmente uma sanção.

Repare-se que, na leitura propugnada pelo STJ, este segmento da norma parece ficar sem conteúdo útil, visto referir-se ao crédito correspondente à indemnização por aplicação de sanção abusiva, vencido há mais de cinco anos – sanção que, porém, enquanto tal e na óptica do STJ, será sempre inatacável pelo trabalhador, por já ter decorrido mais de um ano sobre a data da respectiva comunicação».

6 – Constata-se uma clara divisão da jurisprudência dos Tribunais da Relação sobre a questão que constitui o objecto do presente recurso.

A decisão recorrida dá pleno testemunho desta divisão que se pode igualmente constatar no acórdão de 5 de Junho de 2013, do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido na apelação n.º 5961/12.4T2SNT.L1-4[7].

As posições estão genericamente definidas em torno de duas linhas de orientação[8], onde o momento a partir do qual se conta o prazo de impugnação de sanções disciplinares assume papel relevante, mas que não esgota o universo de elementos caracterizadores das referidas posições.

Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa acima referido decidiu-se no sentido de que «o prazo de impugnação das sanções disciplinares não abusivas e conservatórias da manutenção do contrato de trabalho possui a natureza de um prazo de caducidade e é de um ano contado desde a comunicação da referida pena disciplinar ao trabalhador».

Esta orientação tem sido acatada noutros arestos daquele Tribunal, conforme pode ver-se do acórdão de 15 de Dezembro de 2001, proferido no processo n.º 19/07.0TTLSB.L1-4, em que se decidiu no sentido de que «o prazo para a impugnação judicial das sanções disciplinares diversas do despedimento é de um ano a contar da data da notificação da decisão que aplicou a sanção», mas existem igualmente decisões em sentido contrário proferidas neste Tribunal, do que dá testemunho o voto de vencido exarado neste acórdão, ou ainda o acórdão de 30 de Março de 2011, proferido no processo n.º 338/08.9TTLSB.L1, em que se decidiu no sentido de que «o início do prazo de prescrição de créditos fundados na impugnação de sanção disciplinar diversa do despedimento só se inicia no dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho»[9], ou o acórdão de 16 de Março de 2007, proferido no processo n.º 12093/05[10].

Por outro lado, no Tribunal da Relação do Porto, mantém alguma estabilidade a linha de orientação subjacente à decisão recorrida, que foi acatada igualmente nos acórdãos de 9 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 315/11.5TTVFR.P1[11], ou no acórdão de 4 de Dezembro de 2010, proferido no processo n.º 409/08.1TTSTS-A.P1[12], bem como no acórdão de 28 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 199/09.0TTBRG-A.P1[13], de que foi extraído o seguinte sumário:

«I – A impugnação das sanções disciplinares, que não sejam despedimentos [sanções conservatórias do vínculo], são reguladas pela disciplina da prescrição, sendo de 1 ano o respectivo prazo e a contar da data da cessação do contrato de trabalho.

II – A razão de ser de tal disciplina assenta na asserção de que só nesse momento é que o trabalhador sentirá a liberdade psicológica, suspensa pela subordinação jurídica e económica que o contrato de trabalho supõe, que lhe permitirá demandar o empregador, sem recear correr o risco de perder o emprego.

III – Por isso, mantendo-se o contrato de trabalho em execução, o prazo de prescrição nem sequer se iniciou.

IV – (…).

V – (…)».

No Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão proferido no processo n.º 638/06.2TTCBR.C1, de 12 de Fevereiro de 2009[14], decidiu-se em conformidade com a jurisprudência desta secção, acima referida.


IV

1 - No cerne das questões que constituem o objecto do presente recurso está o n.º 2 do artigo 337.º do Código de Trabalho de 2009, que é do seguinte teor:


«Artigo 337.º

Prescrição e prova de crédito


1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

2 - O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.»

O n.º 1 deste artigo estabelece o prazo de prescrição dos direitos de «crédito[s]» emergentes da relação de trabalho, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, prazo este contado «a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho» do que decorre a não extinção por prescrição dos créditos em causa na pendência da relação de trabalho.

São óbvias as razões que estão subjacentes a este regime que assentam na especificidade da situação do trabalhador no contexto da relação de trabalho embora o mesmo regime seja também aplicável aos créditos da entidade empregadora.

Está em causa no presente recurso saber se esta norma também é aplicável à impugnação de sanções disciplinares diversas do despedimento, ou seja, se os créditos derivados da aplicação daquelas sanções, nomeadamente, quando se possam considerar abusivas, também estão sujeitos ao regime de prescrição previsto neste número.

A decisão recorrida respondeu afirmativamente a essa questão, louvando-se do disposto no n.º 2 deste mesmo dispositivo, que estabelece um específico regime probatório relativamente a direitos emergentes da relação de trabalho, quando esses direitos tenham por objecto «compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar».

Nos termos desse dispositivo, os direitos constituídos há mais de cinco anos só poderão ser provados por documento idóneo. Como referem MÁRIO PINTO e Outros, citando BERNARDO XAVIER, «1972, PAG. 103», tem sido entendido como documento idóneo o «documento escrito que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito»[15].

Enquanto no trabalho suplementar o objecto da exigência probatória é a prestação dessa forma de trabalho e o seu não pagamento tempestivo, nos demais casos estão em causa factos ilícitos geradores de responsabilidade civil.

São razões de segurança jurídica que impõem que os factos que fundamentem o reconhecimento dos direitos em causa, desde que ocorridos há mais de cinco anos, só possam provar-se através da referida espécie de documento.

2 - O regime das sanções abusivas e da responsabilização da entidade empregadora pela sua aplicação tem assento no artigo 331.º do Código do Trabalho de 2009, que é do seguinte teor:


«Artigo 331.º

Sanções abusivas


1 - Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:

a) Ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho;

b) Se recusar a cumprir ordem a que não deva obediência, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 128.º;

c) Exercer ou candidatar-se ao exercício de funções em estrutura de representação colectiva dos trabalhadores;

d) Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos ou garantias.

2 - Presume-se abusivo o despedimento ou outra sanção aplicada alegadamente para punir uma infracção, quando tenha lugar:

a) Até seis meses após qualquer dos factos mencionados no número anterior;

b) Até um ano após reclamação ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade e não discriminação.

3 - O empregador que aplicar sanção abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais, com as alterações constantes dos números seguintes.

4 - Em caso de despedimento, o trabalhador tem direito a optar entre a reintegração e uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 392.º

5 - Em caso de sanção pecuniária ou suspensão do trabalho, a indemnização não deve ser inferior a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida.

6 - O empregador que aplique sanção abusiva no caso previsto na alínea c) do n.º 1 deve indemnizar o trabalhador nos seguintes termos:

a) Os mínimos a que se refere o número anterior são elevados para o dobro;

b) Em caso de despedimento, a indemnização não deve ser inferior ao valor da retribuição base e diuturnidades correspondentes a 12 meses.

7 – (…).» 

Ponderado o disposto no n.º 1 deste artigo, constata-se que o conceito de sanção abusiva é um conceito objectivado: São sanções abusivas as sanções que a lei expressamente considera como tais, nas várias alíneas do n.º 1 deste artigo, todas derivadas do exercício, da pretensão de exercício, ou da invocação de direitos ou garantias pelo trabalhador.

Trata-se de uma sanção caracterizada pela especial ilicitude do acto sancionatório de que decorre, motivado apenas pelo exercício ou pretensão do exercício de direitos pelo trabalhador, nada tendo que ver com a ilicitude dos factos que a este são imputados, ou com a violação do princípio da proporcionalidade no exercício do poder disciplinar.

O n.º 2 cria uma presunção da natureza abusiva relativamente a sanções aplicadas «para punir uma infracção, quando tenha lugar: a) Até seis meses após qualquer dos factos mencionados no número anterior; b) Até um ano após reclamação ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade e não discriminação».

Esta presunção do carácter abusivo das sanções aplicadas neste condicionalismo prende-se com a especificidade da distribuição do ónus da prova em matéria de impugnação de sanções disciplinares.

Em regra, o trabalhador apenas terá de provar na acção impugnatória esse facto, ou seja que foi sancionado, incumbindo à empregadora demonstrar a prática dos factos que imputa ao trabalhador e do circunstancialismo que considerou relevante na fixação da sanção, principalmente, a proporcionalidade da mesma.

Já no que se refere a sanções abusivas incumbe ao trabalhador a prova dos factos dos quais faz decorrer o caracter abusivo da sanção que pretende impugnar, ou seja, dos factos que permitem demonstrar a relação entre os comportamentos descritos nas várias alíneas do n.º 1 daquele artigo 331.º e o sancionamento.

Nas situações descritas no n.º 2 deste artigo, o trabalhador beneficia da presunção que resulta deste dispositivo relativamente à demonstração que lhe incumbe do carácter abusivo da sanção que lhe foi aplicada.

Pronunciando-se ainda sobre o n.º 2 do artigo 32.º da LCT, dispositivo análogo ao do n.º 2 deste artigo 331.º do Código do Trabalho de 2009, referem MÁRIO PINTO e Outros que «as sanções abusivas são qualificadas pelo motivo que as determina – prejudicar o trabalhador por ele exercer legitimamente um direito que lhe compete −, sendo este “elemento subjectivo do abuso” (na expressão de MENESES CORDEIRO, 1991, pág. 756), um elemento essencial para a qualificação da sanção como abusiva. Mas, como é evidente, não é esse o motivo que o empregador invoca para justificar a punição do trabalhador, e sim a prática por este de uma determinada infracção disciplinar. (…) A prova do elemento subjectivo é portanto, na maioria dos casos, muito difícil. Por isso mesmo, o legislador estabelece uma presunção do carácter abusivo da sanção, servindo-se para tal da ligação temporal existente entre o momento em que se verificaram os factos descritos no n.º 1 e a aplicação da sanção disciplinar. Trata-se obviamente de uma presunção ilidível, como resulta, desde logo, do texto do n.º 2»[16].

Por sua vez o n.º 3 deste artigo 331.º prevê a obrigação geral de indemnização do empregador que aplique sanções abusivas, referindo que «o empregador que aplicar sanção abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais, com as alterações constantes dos números seguintes».

Os restantes números do artigo estabelecem formas concretas de indemnização derivadas do carácter abusivo das sanções aplicadas, resultando do n.º 5 que, «em caso de sanção pecuniária ou suspensão do trabalho, a indemnização não deve ser inferior a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida».

Deste modo, a entidade empregadora que aplica a um trabalhador uma sanção pecuniária ou de suspensão de trabalho com perda de retribuição e antiguidade, nos termos das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 328.º, constitui-se na obrigação de indemnizar o trabalhador nos termos daquele dispositivo.

3 – O artigo 329.º do Código de Trabalho de 2009 consagra no seu n.º 7 o direito de acção judicial para a impugnação de sanções disciplinares aplicadas ao trabalhador, na linha de idêntica solução consagrada no n.º 2 do artigo 371.º do Código do Trabalho de 2003.

Mesmo na vigência da LCT já a jurisprudência configurara o direito à impugnação de sanções disciplinares diversas do despedimento pela via do direito de acção e definira os parâmetros enquadradores do respectivo exercício[17].

Este direito confere ao trabalhador a possibilidade de provocar a sindicância judicial da decisão da entidade empregadora que lhe aplicou uma sanção disciplinar, nomeadamente, do respeito pelos parâmetros legais que enquadram o exercício do poder disciplinar e do respeito pelo princípio consagrado no n.º 1 do artigo 330.º do mesmo código, e obter, por esse modo, a anulação daquela sanção.

Essa sindicância é exercida pela via do direito de acção.

A acção através da qual o trabalhador impugne uma sanção que lhe tenha sido aplicada pode enquadrar um pedido de indemnização pelo carácter abusivo da sanção, quando o trabalhador entenda que se mostram preenchidos os pressupostos dessa categoria de sanções que, importa dizê-lo, não esgota o universo das sanções ilegais susceptíveis de impugnação.

Por outro lado, importa igualmente que se tenha presente que, na generalidade dos casos, a impugnação visa apenas o ressarcimento do trabalhador pelos danos sofridos, sejam eles materiais ou morais, porque a sanção já terá sido executada.

De facto, prevendo o n.º 2 do artigo 330.º do Código de Trabalho que a sanção seja executada nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade, a impugnação judicial da decisão visará normalmente sanções já executadas e daí o relevo que a indemnização assume nesse contexto, porque, rigorosamente, será essa indemnização o conteúdo mais relevante que o trabalhador pode obter pela via da impugnação, não se olvidando também o cancelamento de sanções declaradas ilícitas nos respectivos registos disciplinares, previsto no artigo 332.º do mesmo código.

3.1 - Assente que a acção para a impugnação de uma sanção disciplinar pode integrar um pedido de responsabilização civil da entidade empregadora, nomeadamente, nas situações em que a sanção se possa considerar abusiva, pergunta-se qual o real sentido e utilidade da norma do n.º 2 do artigo 337.º do Código de Trabalho.

Tal como acima referimos, essa norma estabelece uma específica exigência probatória relativamente à prova dos pressupostos de créditos reclamados.

Pela sua inserção sistemática esta norma não pode deixar de ser interpretada em conjunto com o n.º 1 do mesmo dispositivo que estabelece um regime de prescrição dos créditos emergentes da relação de trabalho no prazo de um ano contado do termo do contrato.

Deste modo, os créditos cuja prova fica condicionada pelo n.º 2 terão forçosamente de ser accionados nos termos do n.º 1 deste artigo.

A norma em causa não tem efectivamente qualquer sentido fora do contexto normativo onde se insere, e esse é o que é definido pelo n.º 1 do artigo relativamente à prescrição de créditos derivados da relação de trabalho, sejam eles do trabalhador, ou do empregador.

Daqui decorre que a acção para efectivação da responsabilidade do empregador pela aplicação de sanções abusivas, e é apenas sobre essa que incide o presente recurso, poderá ser exercida até um ano, após o termo do contrato, independentemente da data em que tais sanções tenham sido aplicadas, uma vez que essa aplicação é o pressuposto daquela forma de responsabilização.

É aqui que entra a restrição probatória decorrente do n.º 2 daquele artigo, impondo que os pressupostos dessa forma de responsabilização, fundamentalmente a decisão da entidade empregadora que aplicou tal sanção, só possam ser provados por documento idóneo.

Mau grado aquele n.º 2 contenha uma exigência ao nível da prova dos factos que integram os pressupostos dos créditos referidos, ele ficaria sem qualquer conteúdo útil se o pedido de ressarcimento daqueles créditos não pudesse ser efectuado no contexto do n.º 1 deste dispositivo.

3.2 – Assente que o disposto no n.º 1 do artigo 337.º é aplicável relativamente a créditos decorrentes da aplicação de sanções abusivas, embora com a ressalva em termos probatórios prevista no n.º 2 deste dispositivo relativamente a decisões sancionatórias que tenham ocorrido antes dos cinco anos anteriores à apresentação da respectiva petição inicial, torna-se necessário ponderar a específica situação dos créditos emergentes de sanções abusivas face ao regime geral de impugnação das sanções disciplinares.

Como vimos, a impugnação em geral de sanções disciplinares diversas do despedimento deve ocorrer no prazo de um ano após a comunicação da decisão sancionatória, sob pena de caducidade, não havendo qualquer razão válida para afastar a orientação definida nesta Secção e há muito sedimentada.

Quando esteja em causa a impugnação de sanções abusivas, por força do disposto no n.º 1 do artigo 337.º, os créditos derivadas dessa aplicação não prescrevem na pendência da relação laboral, o que só ocorre no prazo de um ano após a cessação da mesma.

Relativamente a este tipo de sanções, e face ao regime de prescrição que lhes é aplicável, cedem os interesses que estão subjacentes ao regime de impugnação em geral das sanções disciplinares e que motivaram a jurisprudência definida por esta Secção, o que decorre do exercício abusivo do poder disciplinar e da violação de direitos que está inerente à respectiva aplicação.

A gravidade destes procedimentos sancionatórios e o condicionalismo inerente à relação laboral e aos valores e princípios que a enquadram justificam este específico regime de prescrição, com reflexo directo no cômputo do prazo para a instauração da acção tendente à responsabilização do empregador.

Face a esta realidade, o trabalhador pode optar pela responsabilização do empregador na pendência da relação de trabalho, assumindo os riscos dessa decisão, ou pelo accionamento do empregador no termo da relação de trabalho, uma vez que não perde o seu direito a ser indemnizado porque os créditos não se extinguem enquanto a relação de trabalho se mantiver.

Finda a relação de trabalho, no caso de não ter havido accionamento anterior, o trabalhador terá de accionar o empregador, nos termos do n.º 1 do referido artigo 337.º, sob pena de prescrição dos seus créditos inerentes àquela forma de indemnização.

No fundo, está na discricionariedade do trabalhador que se sente vítima de uma sanção abusiva escolher o momento em que accionará o empregador, assumindo os riscos na relação de trabalho da instauração de uma acção na pendência da mesma, ou optar pelo accionamento dos créditos a que se sente com direito após o termo daquela relação, tendo que contar aí com as limitações em termos de prova que decorrem do n.º 2 do referido artigo 337.º do Código do Trabalho que podem introduzir sérias restrições à demonstração dos pressupostos do carácter abusivo e da inerente obrigação de indemnizar.

Refira-se que se não se demonstrar a natureza abusiva da sanção aplicada, em acção instaurada após o decurso do prazo de um ano contado a partir da comunicação da decisão, o atinente direito de acção terá de se considerar caducado com fundamento no seu exercício intempestivo.

4 – A diferenciação de regimes que resulta deste entendimento relativamente à forma de impugnação das sanções disciplinares, tomando em consideração as especificidades das sanções abusivas, decorre da especial gravidade dos factos que são pressuposto dessas sanções e revela-se materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade e da justiça e não se baseia em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, carecendo de sentido a afirmação de que a mesma introduz diferenciações onde a lei não o prevê, «já que em momento algum o legislador manifestou a intenção de distinguir tais hipóteses»[18].

Na verdade, as diferenciações relativamente à impugnação de sanções já existem, nomeadamente, as derivadas do regime de impugnação de despedimentos, face à duplicidade de regimes existente, não se podendo olvidar que aquela forma de cessação da relação de trabalho é uma sanção relativamente à qual podem ocorrer situações susceptíveis de preencher os pressupostos das sanções abusivas, que devem ser impugnadas em função do regime de impugnação do despedimento que lhes seja aplicável.

Por outro lado, carece de fundamento a afirmação de que o n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho se refere a todos os créditos derivados da relação de trabalho, o que não permitiria distinguir o regime aplicável aos créditos resultantes da declaração de ilicitude da sanção disciplinar, abusiva ou não, dos créditos emergentes da cessação da relação laboral ou de quaisquer outros.

Na verdade, aquele dispositivo apresenta diferenças relativamente ao teor do n.º 1 do artigo 38.º da LCT que não poderão ser ignoradas, embora essas diferenças possam ter motivações múltiplas.

Com efeito, onde agora se fala em «o crédito» falava-se na LCT em «todos os créditos», o que não deixa de ter relevo na apreciação da questão em análise, nomeadamente, por força da duplicação do regime de impugnação de despedimentos.

A diferenciação de regimes relativamente ao accionamento de créditos está implícita na configuração de uma acção autónoma para impugnação de sanções, acção que perde sentido se desligada do direito à indemnização dos danos daí decorrentes.

5 – Resulta da matéria de facto dada como provada que «a Ré decidiu aplicar ao A. a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade por um período de 6 (seis) dias, com início em 1 de Fevereiro de 2011 e termo em 9 de Fevereiro de 2011, conforme decisão final que comunicou ao A. por carta registada com aviso de receção expedida em 14 de Janeiro de 2011 e que este recebeu em 17 de Janeiro de 2011».

Flui igualmente dessa factualidade que «tal como lhe foi imposto pela R., o A.  cumpriu  a sobredita  sanção disciplinar no período de 1 a 9 de Fevereiro de 2011» e que «a presente acção foi instaurada em 23/03/2012».

Resulta também da matéria de facto dada como provada que «o A. ainda continua a prestar a sua atividade laboral para a ré».

Tal como decorre da petição inicial, o Autor impugnou judicialmente a sanção que lhe foi aplicada referindo que a mesma é abusiva e, com base nesse facto, reclamou os créditos salariais não auferidos por virtude do cumprimento dessa sanção e a indemnização pela aplicação daquela sanção.

A acção foi instaurada já depois do decurso do prazo de um ano após a comunicação da decisão de que decorria aquele sancionamento, mas no momento da propositura da acção ainda se mantinha a relação laboral que o ligava à Ré.

Assim, os créditos laborais reclamados decorrentes da aplicação dessa sanção não se encontrariam ainda extintos por prescrição, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, no pressuposto de que a mesma tem natureza abusiva.

Contudo, se o Autor não demonstrar essa natureza da sanção que invoca como pressuposto desses créditos, o seu direito de acção ter-se-á extinto por caducidade, pelo seu exercício não tempestivo.

A decisão recorrida, conforme se referiu, declarou «improcedente a exceção peremptória da caducidade do direito de impugnação da sanção disciplinar aplicada ao A. em 17 de Janeiro de 2011 e, consequentemente» revogou «o segmento decisório que, com esse fundamento, absolveu a Ré dos pedidos formulados sob as als. a), b), c) e e) [este na parte considerada na decisão recorrida].

À luz do acima exposto, esta decisão estaria dependente da demonstração de que a sanção impugnada tinha natureza abusiva, pelo que não podia declarar-se improcedente a excepção de caducidade do direito de acção exercido pelo Autor, sem esse conhecimento.

Impõe-se, pois, conceder parcialmente a revista e determinar que o conhecimento da excepção de caducidade seja relegado para a decisão final, a apreciar em função da qualificação que venha a ser dada à sanção (de carácter abusivo ou não).

Se o Autor vier a fazer prova desse pressuposto do direito à indemnização objecto da acção que instaurou, o direito de acção não poderá ser declarado extinto por caducidade e haverá então que conhecer do mesmo. Caso contrário, procederá a respectiva excepção peremptória, o que só pode ser decidido depois do conhecimento da natureza abusiva ou não daquela sanção.


V

Pelo exposto, delibera-se conceder parcialmente a revista, determinando-se a remessa dos autos ao tribunal recorrido a fim de que, prosseguindo a acção seus termos relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a), b), c) e e) da petição inicial, o último apenas no que se reporta aos créditos referidos nessas alíneas a), b), c), se conheça da alegada excepção de caducidade a final, após a apreciação da invocada natureza abusiva da sanção disciplinar aplicada.

Custas, nas instâncias e na revista, de acordo com o que for decidido a final sobre os pedidos formulados, na petição inicial, sob as alíneas a), b), c) e e).

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014

António Leones Dantas (relator)

Melo Lima

Mário Belo Morgado

______________________
[1] Acórdão de 29 de Outubro de 2013, proferido na revista n.º 3579/11.8TTLSB.L1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[2] In Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VI, Tomo II, 1998, p.p. 278 e ss.
[3] Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt.
[4] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[5] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[6] In Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3954, Ano 138.º, Janeiro – Fevereiro de 2009.
[7] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[8] Uma visão integrada destas duas linhas de orientação, numa perspectiva crítica, pode encontrar-se em ANA CRISTINA RIBEIRO COSTA, “Notas Sobre o Prazo para a Impugnação Judicial da Sanção Disciplinar Distinta do Despedimento – A Eterna Lacuna da Legislação Laboral”, Questões Laborais, n.º 42, Vinte Anos de Questões Laborais, p.p. 265 e ss.
[9] Colectânea de Jurisprudência, n.º 229.º, Ano XXXVI, Tomo II, 2001, a p.p.
[10] In Colectânea de Jurisprudência, Ano XXXII, Tomo III, (2007), pp.153 e ss.
[11] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[12] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[13] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[14] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[15] Comentário às Leis do Trabalho, Volume I, Lex, 1994, p. 188.
[16] Comentário às Leis do Trabalho, LEX, Volume I, 1994, p. 162.
[17] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Novembro de 1984, in Colectânea de Jurisprudência, Ano IX, Tomo V, 1984, p.p. 204 e 205.
[18] ANA CRISTINA RIBEIRO COSTA, “Notas Sobre o Prazo para a Impugnação Judicial da Sanção Disciplinar Distinta do Despedimento – A Eterna Lacuna da Legislação Laboral”, Questões Laborais, n.º 42, Vinte Anos de Questões Laborais, p.p. 265 e ss.