Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2496/19.8T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário : Estando o recurso de revista excepcional sujeito a formalidades próprias em razão da respectiva particularidade, se a recorrente não cuidou de cumprir os ónus adjectivos decorrentes do nº 2 alªs a) e c) do artº 672º do Código de Processo Civil, isso determina, sem mais, a rejeição do recurso de revista excepcional.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO 


AA, intentou acção declarativa com processo comum contra Herdade da Comporta – Actividades Agro Silvícolas e Turísticas, S.A, alegando factos que em seu entendimento suportam o pedido deduzido:

  “1º) Seja reconhecido à autora o direito de propriedade sobre o prédio da ... acima identificado e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7…2 da freguesia da ...;

 2º) Subsidiariamente, seja a ré condenada no pagamento de uma indemnização/compensação à autora no valor de, pelo menos, € 300.000,00, pelas benfeitorias realizadas no prédio, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento.

 3º) Condene a ré no pagamento das custas do processo.”


Contestou a ré, arguindo, além do mais, a excepção dilatória do caso julgado e requerendo a sua absolvição da instância.

Pede que seja declarada como única e legítima proprietária do prédio e ser a autora condenada a abster-se de qualquer acto que prejudique o direito de propriedade sobre o referido prédio. Pede ainda que seja absolvida do pedido.

Foi proferido saneador-sentença, julgando-se procedente a excepção dilatória da do caso julgado e, absolveu-se a ré da instância.      


A autora recorreu e a Relação, por acórdão de 13.02.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença da primeira instância.


A autora interpôs recurso de revista excepcional, “nos termos das normas que se extraem dos artigos 672º, alíneas a) e c) e seguintes do Código de Processo Civil” (sic), tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

I. Os embargos de terceiro (Proc 1…8/15-…), em que embargante era a agora autora, visava obstar à entrega executiva da coisa, reivindicada em acção na qual ela embargante não fora convencida, ou vencida, como parte. E a decisão dos embargos foi no sentido do indeferimento dos embargos, com fundamento que não constitui caso julgado, pois os fundamentos não formam caso julgado.

II. Não houve anterior decisão em que fosse decidido que a recorrente não tinha o direito de propriedade ou não tinha o direito a uma compensação pelas benfeitorias (não se tratava de acção de apreciação negativa).

III. As decisões processuais nos anteriores processos não têm eficácia absoluta, erga omnes, isto é, não podem ser aplicadas contra quem não é parte nelas (confrontar a diferença entre as regras dos artigos 621º e 622º do CPC).

IV. E, em termos de eficácia relativa, no processo nº 5…1/10 não foi proferida qualquer decisão contra o «casal da autora», como se afirma na fundamentação do acórdão recorrido, mas sim contra apenas BB, pelo que existe erro de aplicação do direito aos factos.

V. Por falta da identidade subjectiva (vd. artigo 581º/1 do CPC), não é procedentemente invocável nesta acção, para obstar à apreciação do direito da autora (antes embargante) sobre a coisa cuja entrega foi pedida na execução, a autoridade do caso julgado formado na prévia acção de reivindicação em que interveio como réu apenas o cônjuge marido mas não a recorrente.

VI. Entendimento contrário ao das anteriores conclusões ofende a regra do litisconsórcio necessário passivo entre os cônjuges, que se extrai dos artigos 33º e 34º do CPC, e viola normas constitucionais quanto aos princípios da sua igualdade jurídica, do acesso ao direito e do direito à defesa (artigos 13º da CRP e 1671º do CC, 20º/1 e 4 da CRP).

VII. E, manifestamente, o pedido subsidiário do direito à compensação pela realização de benfeitorias não foi anteriormente formulado por qualquer dos cônjuges. Trata-se de efeito jurídico que não foi submetido a decisão nem tal pedido foi apreciado e decidido em qualquer dos anteriores processos. O mesmo sucede quanto à respectiva causa de pedir (as benfeitorias).

VIII. Os factos dados como provados no acórdão são apenas factos processuais e não factos materiais extraprocessuais, logo não são subsumíveis a qualquer posse como o artigo 1251º do CC a define. E esses factos processuais referem-se apenas à Herdade SA e BB, nunca à agora autora AA. De modo que é irrazoável ver neles qualquer referência à posse ou não posse do «casal».

IX. Por outro lado, para que exista direito à compensação pela realização de benfeitorias basta à autora ter a posse, entendida como domínio de facto sobre a coisa, domínio de facto que evidentemente teve porque aí se realizaram as benfeitorias (artº 1271º nº 1 do CC), sendo desnecessário para o efeito do pedido subsidiário provar que a posse era uma posse em nome próprio.

X. Como bem decidiu o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20.11.2019 (em www.dgsi.pt com o número de processo 401/13.4T2AND.P1.S3, 7ª SECÇÃO, Relator Maria do Rosário Morgado), o disposto no art. 1273º, do CC é aplicável a possuidores precários. Não apenas a possuidores em nome próprio.

XI. Por outro lado, por falta de identidade subjectiva, inexistia caso julgado obstativo à apreciação do pedido subsidiário de compensação pelas benfeitorias.

XII. E assim o Tribunal da Relação devia ter-se orientado no sentido de que na 1ª instância a acção devia ter prosseguido seus termos para julgamento da matéria de facto alegada respeitante inclusivamente às benfeitorias realizadas, em vez de ter sido antecipadamente proferida decisão de mérito sem que a 1ª instância dispusesse das provas necessárias e sem a necessária segurança para decidir (vd. artigo 595º, nº 1, al. b), do CPC).

Termina, dizendo: “Nestes termos, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que revogue a decisão da1ª instância em ordem a que a acção prossiga para conhecimento do pedido de compensação por benfeitorias realizadas pelo casal da autora ainda que na qualidade de detentor”.


A parte contrária contra-alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido. Alegou que não se verificam os pressupostos das alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, pelo que é inadmissível a revista excepcional.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


Mostram-se provados os seguintes factos

1º - Correu termos pelo Juízo Central Cível de …-Juiz … do Tribunal Judicial da Comarca de …, sob o nº nº 551/10.9…, uma acção proposta pela Herdade da Comporta-Actividades Agro Silvícolas e Turísticas, SA., contra BB, formulando, na procedência da acção, os seguintes pedidos:

- Seja declarada como única e legitima proprietária prédio rústico denominado …, sito nas freguesias de …, concelho de … e de … e …, concelho de …, tendo a parte situada no concelho de … a área atual de 1167,2341 hectares e estando inscrito na matriz predial rústica da aludida freguesia de … sobre o artigo 6 secções … a 0…5, descrito na Conservatória do Registo Predial de … atualmente sob o nº 6.124, e aí inscrito a seu favor pelas inscrições 5.502 Livro G-8 fls. 59, 6.336 Livro G-9 fls. 49 e 6.417 Livro G-9 fls. 65;

- Seja o R. condenado a reconhecer a propriedade da A. sobre a parcela de terreno por ele ocupada com construções em alvenaria, situada na zona denominada de ...; Seja o R. condenado a abster-se de qualquer ato que prejudique os direitos de propriedade sobre o referido terreno.

  - Seja o R. condenado a desocupar a referida parcela de terreno, bem como a demolir à sua custa e por sua conta as construções que ali fez edificar, e ainda a remover à sua custa todos móveis e utensílios que se encontrarem no terreno por ele ocupado;

- Seja o R. condenado a pagar à A. uma indemnização correspondente ao benefício por ele obtido no período em que usou o prédio sem qualquer título e até à entrega efetiva do mesmo, bem como por todos os danos e prejuízos que esta está a sofrer, em montante a determinar em execução de sentença.

2º - Nessa acção o Réu apresentou contestação e reconvenção formulando os seguintes pedidos:

  - Ser declarado o direito de propriedade do réu sobre a parcela de terreno que constitui o prédio sito na ..., freguesia da …, concelho de …, com a área de 6.170 m2, dos quais 181 m2 correspondem a área impermeabilizada e habitacional, com as características e a situação constantes nos levantamentos topográficos planimétricos que constituem os documentos nºs 1 e 2;

3º- Em sede de audiência preliminar foi admitido o pedido reconvencional e conhecido parcialmente do mérito, julgando-se a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:

 a) Declarou-se a A. como única e legitima proprietária do prédio rústico denominado …, sito nas freguesias de …, concelho de … e de … e …, concelho de …, tendo a parte situada no concelho de … a área atual de 1167,2341 hectares e estando inscrito na matriz predial rústica da aludida freguesia de … sobre o artigo 6 secções … a 0…5, descrito na Conservatória do Registo Predial de … atualmente sob o nº 6.124, e aí inscrito a seu favor pelas inscrições 5.502 Livro G-8 fls. 59, 6.336 Livro G-9 fls. 49 e 6.417 Livro G-9 fls. 65;

  b) Condenou-se o Réu a reconhecer a propriedade da A. sobre a parcela de terreno por ele ocupada com construções em alvenaria, situada na zona denominada de ...;

 c) Condenou-se o réu a abster-se de qualquer ato que prejudique os direitos de propriedade sobre o referido terreno.

d) Condenou-se o réu a desocupar a referida parcela de terreno, bem como a demolir à sua custa e por sua conta as construções que ali fez edificar, e ainda a remover à sua custa todos móveis e utensílios que se encontrarem no terreno por ele ocupado.

e) Absolveu-se a autora dos pedidos reconvencionais;

Determinou-se a prossecução dos autos para conhecimento do pedido formulado sob a al. e).

4º - Inconformado com essa decisão o réu interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, pugnando pela revogação da sentença, tendo o Tribunal da Relação de Évora, confirmado a sentença.

 - Nesses autos veio a ser proferida decisão que julgou parcialmente procedente o pedido formulado e, em consequência condenou o réu BB a pagar à autora Herdade da Comporta, SA., a quantia de 1.000,00 euros/mês, pela privação dos terrenos em causa desde a data da citação até à data da efetiva entrega dos mesmos.

5º - Não se tendo conformado com tal decisão, o Réu BB dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tendo o Tribunal da Relação de Évora dado provimento à apelação.

6º - Inconformado com tal decisão do Tribunal da Relação de Évora, o Réu BB invocou a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, requerendo que a parte do acórdão que condena o recorrente no pagamento de uma indemnização de € 300,00, seja declarada nula, e que, depois de apreciada e julgada a questão do erro de julgamento relativo à periodicidade da renda, seja proferido novo acórdão, que julgue não provada a matéria relativa ao montante e à periodicidade da renda que serviu de referência e coeficiente ao cálculo da indemnização, e que absolva o recorrente da totalidade do pedido.

7º - O Tribunal da Relação de Évora julgou procedente a nulidade e determinou a anulação parcial do julgamento, na parte respeitante à fixação da matéria de facto do ponto 7, determinando a repetição parcial do julgamento, em ordem à prova incidir não só sobre o valor das rendas, mas também sobre a sua periodicidade.

8º - Regressados os autos à 1ª. Instância, veio a ser proferida decisão, no dia 20/6/2017, que julgou parcialmente procedente o pedido e em consequência condenou o Réu BB a pagar a Autora Herdade da Comporta, SA, a quantia de 118,50 euros/ano, pela privação do imóvel em causa, desde a data da citação e até à data da efetiva entrega do mesmo.

9º – A Herdade da Comporta, SA., instaurou ação executiva contra o Réu BB, com base no incumprimento da decisão.

10º - A AA, na qualidade de cônjuge de BB deduziu incidente de oposição mediante embargos de terceiro preventivos relativamente a execução para a entrega de imóvel, que Herdade da Comporta - Actividades Agro-Silvicolas e Turísticas, S.A. moveu a BB, em que pediu o reconhecimento do direito de propriedade da Embargante sobre a parcela de terreno que constitui o prédio sito na ..., Freguesia da …a, Concelho de …l com a área de 6.170,00 m2.

11º - Para fundamentar a sua pretensão alegou, no essencial que a Embargante e o seu marido são os legítimos possuidores do terreno e das edificações nele existentes, o imóvel foi adquirido pelo casal em 1985 por compra verbal e mediante o pagamento de 400.000$00, a CC, atualmente viúva de DD, que, por sua vez, o possuíam desde 1947, sem oposição de ninguém, exercendo sobre o mesmo, posse publica, pacífica e ininterrupta e que continuou sob a da embargante até ao presente, pelo que adquiriram o imóvel por usucapião.

12º - Nesses embargos correram seus termos sob o 1…8/15.8…B, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Instância Central – Secção de … – Juiz …, vieram por decisão proferida no dia 2/5/2016, a ser julgados improcedentes, determinando-se o prosseguimento da execução.

13º - Da decisão proferida nos embargos foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido proferido acórdão, em 08/03/2018, a julgar a apelação improcedente e a manter a decisão impugnada.

14º - Inconformada com tal acórdão dele veio a interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional, os quais não foram admitidos por acórdãos proferidos nos dias 4/10/2018 e 21/11/2018, respetivamente.

15º - Na presente ação de processo comum nº. 2496/19.8T8STB, que deu entrada em juízo, no dia 09/04/2019, instaurada pela Autora AA, contra a Ré Herdade da Comporta – Actividades Agro Silvícolas e Turísticas, S.A., alega, em suma, que desde o ano de 1985, por compra, verbal e pelo preço de 400.000$00, a CC está o ocupar em nome próprio, de forma pública e pacifica o prédio da ..., com a intenção de exercer o correspondente direito de propriedade e nesse prédio realizou várias obras que descreve no valor total de €300.000,00 e, consequentemente, formula os seguintes pedidos:

1º) seja reconhecido à autora o direito de propriedade sobre o prédio da ... acima identificado e inscrito na matriz urbana sob o artigo 7…2 da freguesia da ...;

Subsidiariamente, seja a ré condenada no pagamento de uma indemnização/compensação à autora no valor de, pelo menos, € 300.000,00, pelas benfeitorias realizadas no prédio, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento.


B) Fundamentação de direito 


Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do CPC é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Saliente-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, nos termos dos artigos 608º nº 2 e 663º, nº 2 do CPC, pelo que não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Está em causa, no âmbito do presente recurso, apenas o conhecimento da questão respeitante à admissibilidade da revista excepcional, já que existe uma situação de dupla conforme mencionada no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil e que é aceite por ambas as partes.

Por isso, a autora interpôs recurso de revista excepcional argumentando que estão verificados os pressupostos contidos nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil.

Neste particular haverá que considerar que incumbe à Formação a decisão quanto à verificação dos pressupostos do nº 1 do artº 672º do Código de Processo Civil, importando atender, previamente, se o recorrente/autor cumpriu, sob pena de rejeição, os ónus adjectivos decorrente do nº 2 do artº 672º do Código de Processo Civil.


Nos termos desse nº 2 “O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição:

a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;

c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.


A questão que agora se coloca é a de saber se o recurso de revista excepcional deve ser rejeitado conforme vem previsto no citado nº 2 do artigo 672º.


Nem nas conclusões nem nas alegações da autora consta a mínima invocação dos fundamentos pelos quais entendeu ser o recurso admissível ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil.

Assim como não indica nas alegações e nas conclusões “as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, nos termos do nº 2 alª a) do artigo 672º do CPC.


Deve ter-se presente que: “as razões a que se refere a al. a) do nº 2 do artigo 672º, são razões concretas e objectivas que devem ser explicitadas através de argumentação sólida e convincente, susceptível de revelar a alegada relevância jurídica, a qual passa pela complexidade ou dificuldade da questão de direito que se pretende ver reapreciada, pela controvérsia que essa questão venha gerando na doutrina ou jurisprudência, e pela consequente susceptibilidade de produzir decisões divergentes ou mesmo contraditórias.

Não indicando a recorrente as mencionadas razões, o recurso não é admissível com base no referido preceito.

No tocante à invocada alínea c) do nº 2 do artigo 672º vejamos se a recorrente indicou os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e ainda se juntou cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.

A recorrente juntou cópia do acórdão do STJ a fls 148º a 171 retirada da plataforma digital www.dgsi.pt/jstj, alegando ser esse o acórdão-fundamento, transitado em julgado.


António Geraldes escreveu[1]:

“ Como requisito específico, de ordem formal, o recorrente deve enunciar nas alegações de recurso os aspectos de identidade que estão na génese da interposição excepcional do recurso de revista, apresentando cópia, ainda que não certificada, do acórdão-fundamento, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 637º nº 2 e 641º. Embora a lei não exija a certidão de tal acórdão, é indispensável a demonstração do respectivo trânsito em julgado, requisito formal demonstrativo do seu carácter definitivo. Esse trânsito deve ser anterior à prolação do acórdão recorrido. (…). Por razões que facilmente se compreendem, a sustentação da admissibilidade da revista excepcional deve fazer-se a partir da apresentação e apreciação de um único acórdão (relativamente a cada questão de direito cuja resposta motive a interposição de revista excepcional), não sendo de tolerar a apresentação de diversos arestos, deixando para o STJ o ónus de proceder à sua destrinça”.


Não existe o requisito da identidade das questões de facto e das normas jurídicas subjacentes ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento.

A sentença do tribunal de primeira instância não conheceu a questão de direito, atendendo ao caso julgado verificado quanto à questão da propriedade do imóvel e da ordem de demolição das benfeitorias.

Por isso, o acórdão recorrido apenas analisou a legalidade do não conhecimento dessa questão pelo tribunal de primeira instância, mas não a questão concreta que lhe estava subjacente e que a recorrente invoca.

Não se trata da mesma questão de facto, nem da aplicação das mesmas normas jurídicas a cada uma das situações, o que significa, consequentemente, que os demais requisitos da oposição de acórdãos não se encontram verificados.

Além do mais, não existe a mínima correspondência factual entre as situações inerentes aos acórdãos analisados.


No caso que nos ocupa, correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Cível de … – Juiz …, - o procº nº 551/10.9… -, que respeita a uma acção intentada pela recorrida contra BB, cônjuge da recorrente, peticionando que lhe fosse reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio rústico da ... melhor identificado nos autos.

Nessa acção, como bem refere o acórdão recorrido, o marido da autora foi condenado, por decisão já transitada em julgado, a desocupar o prédio sito na ..., bem como a proceder à demolição de todas as construções que efectuou e ainda a remover à sua custa todos móveis e utensílios que se encontrarem no terreno por ele ocupado.

A decisão definitiva proferida no processo nº 551/10.9…, actua como autoridade de caso julgado, porquanto a possibilidade de conhecimento do pedido formulado no presente ação conflituaria com aquela decisão, na medida em que colocaria em causa o direito que foi reconhecido à ora ré, bem como, o tribunal na alternativa de contradizer a decisão anterior.

O acórdão fundamento diz respeito a uma acção intentada com o propósito de reconhecer o direito de propriedade do “benfeitor”, cuja aquisição teria ocorrido por acessão industrial, apresentando, como pedido subsidiário, a questão da eventual condenação do anterior proprietário no pagamento de quantia, a título de indemnização, por benfeitorias úteis realizadas no imóvel.

Os “aspectos de identidade” a que se refere a alª c), são a identidade das situações de facto analisadas nos arestos em confronto, de modo a poder concluir-se pela alegada contradição, que só se verifica quando a uma idêntica situação de facto, subsumível às mesmas normas jurídicas, correspondem decisões, entre si, incompatíveis. Deve ser rejeitado o recurso de revista excepcional cuja motivação é conclusiva, inconcludente ou redundante quanto às “razões” e é omissa quanto aos «aspectos de identidade”[2].


No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 2016[3] (Processo n.º 102/13.3TVLSB.L1.S1), incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt, enunciou-se no respectivo sumário o seguinte: “I - Constitui entendimento uniforme da Formação de apreciação preliminar, que a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, para efeitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC, verifica-se quando a mesma disposição legal se mostre, num e noutro caso, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação. II - Implica a rejeição do recurso de revista excepcional, por redundar em incumprimento dos ónus impostos pelas als. c) dos n.ºs 1 e 2 do art. 672.º do CPC, a mera transcrição, pelos requerentes, de excertos dos acórdãos alegadamente em contradição, omitindo a completa e relevante referência aos quadros factuais respectivos, que serviriam de pressuposto ou premissa dos silogismos judiciários em que se operaram as qualificações jurídicas alegadamente inconciliáveis.”

Na doutrina, perfilhando idêntica orientação, sustenta Abrantes Geraldes[4] que, “na apreciação de cada um dos requisitos constantes do nº 1 do artº 672º, existem poderes oficiosos que nem sequer dependem da actuação do recorrente, como sucede com a apreciação da identidade ou da dissemelhança substancial da legislação. Todavia, no que respeita às indicações referidas no nº 2, a sua falta implica, como efeito imediato, a rejeição do recurso.”


Terminando, para concluir, diremos que a recorrente, ao apresentar o recurso de revista excepcional, cotejadas as respectivas conclusões, em nenhum momento se vislumbra a invocação de que há razões pelas quais a apreciação da questão do objecto do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

E o mesmo se diga em relação aos requisitos previstos na alínea c) do nº 2 do artigo 672º.


A omissão de tais pressupostos implica a rejeição da revista excepcional.

Nestes termos, improcedem todas as conclusões.


SUMÁRIO

Estando o recurso de revista excepcional sujeito a formalidades próprias em razão da respectiva particularidade, se a recorrente não cuidou de cumprir os ónus adjectivos decorrentes do nº 2 alªs a) e c) do artº 672º do Código de Processo Civil, isso determina, sem mais, a rejeição do recurso de revista excepcional.


III - DECISÃO

Atento o exposto, rejeita-se o recurso de revista excepcional.

Custas pela ré, recorrente.


Lisboa, 12.11.2020


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 386.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 16.06.2015, Procº nº 991/10.3TBGRD.C2.S1, incluído nos Boletins Anuais, in www.stj.pt , citado  por António Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Edição, Almedina, 2018, pág. 389, nota 566.
[3] Processo n.º 102/13.3TVLSB.L1.S1, incluído nos Boletins Anuais disponibilizados em www.stj.pt.
[4] Ob cit pág 391.