Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30290/16.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
BANCO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 02/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
Estando demonstrado que o intermediário financeiro violou deveres de esclarecimento e/ou de informação ao apresentar ao investidor um determinado produto financeiro e que a violação do dever foi condição sine qua non da decisão de investir, o art. 562.º do Código Civil determina que deva ser reconstituída a situação que existiria se o investidor não tivesse adquirido o produto financeiro que lhe foi apresentado.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. IVPG - Imobiliária SA, instaurou ação declarativa, com processo comum, contra o Banco BIC Português, SA, pedindo a condenação deste a restituir-lhe a quantia de € 50.000,00 acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre o capital e € 2.500,00 a título de danos patrimoniais sofridos em virtude do investimento por si efetuado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.


2. O Réu Banco BIC Português, SA, contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.


3. Deduziu a excepção peremptória de prescrição.


4. A Autora respondeu à excepção deduzida pelo Réu pugnando pela sua improcedência.


5. O Tribunal da 1.ª instância julgou a acção improcedente.


6. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.


7. O Tribunal da Relação julgou procedente o recurso.


8. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Face ao exposto, julgando-se parcialmente procedente a Apelação, revoga-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que é substituída pelo presente acórdão e, nessa conformidade, condena-se a Ré a pagar à A. a quantia de € 50.000,00 acrescida dos juros de mora à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado.

Custas pela A./Apelante e pela Ré/Apelada, que se fixam em 10% para as A. e em 90% para a Ré.


9. Inconformado, o Réu interpôs recurso de revista.


10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

2) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

3) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

4) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

5) Insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

6) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

7) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

8) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

9) Ao parecer entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

10) De resto, o dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

11) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

12) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

13) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

14) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

15) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

16) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

17) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

— Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

— A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

— O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

— Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

18) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

19) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

20) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

21) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

22) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

23) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

24) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

25) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

26) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

27) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.


11. A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


12. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

a. O tribunal a quo decidiu em conformidade com a legislação em vigor e com a matéria de facto dada como provada.

b. Entendemos que o Tribunal recorrido efectuou a correcta valoração do direito

c. O Acórdão recorrido encontra-se devidamente fundamentado e o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e valoração do direito e da factualidade provada e apurada nos autos.

d. Recorreu o Réu do Acórdão proferido por entender que não foram violados quaisquer deveres por parte do Banco Réu, sendo o dever de informação um dever acessório e não principal, todavia não logrou o mesmo provar e fundamentar que tenham sido cumpridos todos os deveres legalmente estatuídos para com a Autora.

e. Entende a recorrida que nos termos expostos no douto Acórdão proferido foi violado o direito à informação por parte do Banco Réu.

f. Considerou o Acórdão recorrido que: Neste quadro é imperioso concluir-se que a Ré violou o seu dever de informação em relação à aqui A., enquanto sua cliente, omissão que é ilícita, porquanto resultante de violação de determinação legal expressa – artigos 304.º e 312.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CVM -, comportamento que foi assumido pelos próprios funcionários da Ré, e cujo resultado final, traduzido num efetivo prejuízo patrimonial para a A., decorre, em termos de causalidade adequada, da violação do dever de informação que impendia sobre o Banco, na sua qualidade            de intermediário financeiro, conforme já acima deixamos expresso. E que, por outro lado, também no que se reporta à parte informativa transmitida aos seus clientes, no caso, a aqui A., acaba por se traduzir numa informação enganosa quando garante o reembolso do capital a todo o tempo – artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil.

g. Em face da atuação desenvolvida pela Ré, enquanto intermediária financeira, entendemos como inquestionável a sua responsabilidade perante a aqui A., relativamente ao compromisso com a mesma assumido quanto à garantia de reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados produtos financeiros – neste sentido, entre outros, pode consultar-se o Ac. do STJ de 10 de Janeiro de 2013, Proc. 89/10.4TVPRT.P1.S1, em www.dgsi/pt/jstj.

h. Também como se refere no Acórdão proferido no Processo 3194/16.0T8LRA.L1, datado de 24 de Abril de 2018, desta 7.ª Secção, subscrito pela aqui relatora na qualidade de Adjunta e em que, com as devidas adaptações, foi decidida uma situação semelhante àquela que aqui estamos a analisar, diremos que: “no mínimo, este comportamento (da Ré) traduz-se numa violação grosseira dos deveres impostos ao intermediário financeiro, porque é incompreensível que não tenham tido estes cuidados elementares no cumprimento da obrigação de informação respeitante a instrumentos financeiros que comercializaram, quando essa informação se quer sempre completa, atual, clara, objetiva e lícita (Art. 7.º n.º 1 e n.º 2 do CVM)

i. Em face do que fica exposto, podemos concluir que a Ré incorreu, enquanto intermediária financeira, em responsabilidade civil, presumindo-se a sua culpa que, neste caso, está amplamente demonstrada pela omissão de prestações de informações à sua cliente, a aqui A./Apelante, e pela forma de atuação que desenvolveu para proceder à venda de tais produtos, concluindo-se também que essa culpa tem de ser qualificada como grave – artigos 314.º, nºs. 1 e 2 e 348.º, n.º 2, 1.ª parte, do CVM. E, como tal, sempre teríamos de concluir como o faz o Acórdão proferido no Proc. 30303/16.6T8LSB.L1, em 15.Março.2018, relatado pelo senhor Desembargador Eduardo Petersen, que: “(…)

j. Não se justifica considerar o prazo curto de prescrição fixado no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, mas antes o prazo geral de prescrição mais alargado de 20 anos, e ao qual alude o artigo 309.º do Código Civil”, seguindo a posição de Paula Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, pág. 139. Nestes casos, em que a violação do dever de informação por parte do Banco ocorre na fase da formação do contrato – ou seja, naquela fase em que era importante para a A. ter a informação correta sobre os produtos a adquirir para que pudesse tomar uma decisão esclarecida e informada -, a indemnização devida deve ser medida pelo interesse contratual positivo – entre outros, Ac. do STJ de 28 de Abril de 2009, Proc. 09A0457, in www.dgsi.jstj.pt.

k. Entendemos que o Acórdão recorrido não enferma de qualquer vício ou reparo, devendo o mesmo ser confirmado, mantendo-se inalterado.

l. O recorrente não tem razão, pelo que deverá improceder o seu recurso.

m. Deve o Acórdão recorrido ser confirmado e manter-se inalterado.


13. O anterior relator proferiu o seguinte despacho:

Encontrando-se pendente de resolução o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, aguarde pela realização do respetivo Pleno, uma vez que o que aí for decidido poderá interferir na resolução do caso concreto.


14. Em 6 de Dezembro de 2021, foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A — e, tendo transitado em julgado o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foram os presentes autos conclusos ao actual relator.


15. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

      I. — se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação;

      II. — se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da decisão de investir;

      III. — se a decisão de investir foi causa de danos patrimoniais, no montante correspondente ao valor investido pela Autora.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


16. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes.

1. O Banco BIC Português, S.A., é um banco comercial, que girava anteriormente sob a denominação BPN - Banco Português de Negócios, S.A.

2. Até à nacionalização do BPN, operada pela Lei n.° 62-A/08, de 11-11, a totalidade do seu capital social era detida pela BPN - SGPS, SA, a qual, por sua vez, era detida também na íntegra pela então denominada SLN - SGPS, S.A.

3. SLN - SGPS, S.A., e BPN - S.A., à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração, José de Oliveira Costa.

4. A A. é investidora não qualificada.

5. A A. é cliente, há mais de 10 anos, do BPN com a conta n°  ...01, na agência de ....

6. A SLN - SGPS, SA, emitiu 1000 obrigações (SLN Rendimento Mais 2004) subordinadas, sob a forma escritural, ao portador, com o valor nominal de € 50.000,00, com reembolso a 10 anos, amortização ao par, de uma só vez em 27/10/2014.

7. Na página 2 (fls. 136, vº) da Nota Interna da emissão dessas Obrigações, consta “Capital Garantido: 100% do capital investido”.

8. Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo.

9. A colocação das obrigações tinha incentivos para os funcionários.

10. Os funcionários do balcão em que a A. tinha depositada a sua quantia acreditava que as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 que vendiam eram produtos seguros e não ofereciam risco para os subscritores.

11. Um funcionário do R. informou por telefone a A. que estava disponível um produto financeiro, com características parecidas a um depósito a prazo, mas melhor remunerado.

12. O funcionário do banco na apresentação da emissão obrigacionista - Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 - disse à A. tratar-se de produto sem risco, de capital garantido, que podia ser resgatado a qualquer altura.

12-A. À data da aquisição dos produtos aqui em causa, a R. sabia que a A. apenas pretendia adquirir produtos sem risco, tendo-a classificado como uma cliente conservadora.

12-B. Os funcionários da Ré "afiançaram” à A. que o retorno das quantias investidas era assegurado pelo próprio banco.

12-C. A A. nunca tinha comprado ou vendido na R. qualquer produto diverso de um fundo de baixo risco, semelhante a um depósito a prazo.

12-D. A A. não foi informada pela R. que os valores investidos só seriam reembolsados a partir de 8-5-16.

12-E. A A não teria adquirido as obrigações se lhe tivessem referido os seus aspetos quanto ao reembolso, liquidez e subordinação.

12-F. A A. não teria subscrito a compra das obrigações se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o documento que constitui a Nota Informativa do Produto.

12-G. Anteriormente aos factos aqui em apreciação, a A. não tinha adquirido obrigações da SLN - SGPS,SA, atualmente Galilei - SGPS, SA.

13. A SLN, posteriormente Galilei, pagou os juros (cupões) das Obrigações SLN 2004 até 27-4-15.

14. O funcionário do banco sempre agiu de acordo com o que lhes pedia a A. e nunca fizeram nada sem a sua autorização.

15. O funcionário do banco propôs à A. que subscrevesse o produto e ela aceitou.

16. O A. deu ordem telefónica para subscrever essa Obrigação (SLN 2004), conforme referido em 11 e 15°.

17. O banco R. emitiu e enviou, de forma automática, o débito emitido por tal investimento com a indicação do débito e respetivo valor a 18-3-08.

18. O R. sempre expediu de forma automática o extrato mensal onde apareciam as Obrigações como integrando a carteira de títulos.

19. O A. fez investimentos em aplicações financeiras também no BPN, antes da subscrição da obrigação SLN 2004, nomeadamente BPN Conservador - Fundo de Investimento Aberto Obrigações de Taxa Variável, investimento de baixo risco e de liquidez imediata.

20. A A., antes de ordenar a subscrição das Obrigações, não sabia a diferença entre obrigações e depósitos a prazo.

21. Foi explicado à A. que se tratava de investimento de “baixo risco” e que podia levantar o dinheiro a qualquer altura.

22. Não foi entregue ao A. a nota informativa do produto.

22-A. Os valores captados nas emissões obrigacionistas de SLN 2004 foram usados para reforçar os capitais do BPN.

23. A A. solicitou o R., a 5-6-09, que procedesse à venda da obrigação SLN Rendimento Mais 2004, no montante de € 50.000,00 por si subscrita, porque precisava de liquidez, mas o R. não logrou encontrar comprador.

23-A. Só após a nacionalização do Banco é que foi dada informação à A. sobre as condições de aplicação de tal quantia, o prazo, a rentabilidade, as condições de movimentação, e demais informação relevante e legalmente exigida para esse tipo de operação”.

23-B. A presente ação deu entrada em Tribunal no dia 7-12-16.


O DIREITO


17. O tema da intermediação financeira [1] e, em particular, da responsabilidade dos intermediários financeiros pela violação de deveres de esclarecimento e de informação dos clientes tem sido objecto de uma apreciável atenção da doutrina [2] e da jurisprudência [3] — fenómeno explicável por uma particular conjuntura económica e social [4].


18. A primeira questão suscitada consiste em averiguar se o Réu violou ilicitamente deveres de esclarecimento e/ou de informação.


19. O sistema dos deveres de esclarecimento e de informação dos intermediários financeiros é complexo [5], devendo coordenar-se os princípios gerais do art. 227.º do Código Civil com as regras dos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e com as regras dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras [6].

a) O art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, era do seguinte teor:

1. — O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2. — A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.


Em termos semelhantes ao art. 312.º, n.ºs 1 e 2, o art. 75.º, n.º 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial, determinava que “[a]s instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”.


O fim dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários deve determinar-se através de uma referência aos interesses protegidos:

O art. 304.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, afirmava que “[o]s intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado” e o art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras confirmava-o, dizendo que, “[n]as relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

O conteúdo dos deveres consignados no art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários, esse, deve determinar-se através de uma referência a duas coisas:— ao standard genérico dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e do art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras; — ao standard específico do art. 7.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, por que se exigem “determinados requisitos, positivos e negativos, a toda a informação prevista noutros preceitos do código” [7].

Ora o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, determinava que “[n]as relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência” e os arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em termos globalmente consonantes com o art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, determinavam que “[a]s instituições de crédito […], em todas as actividades que exerçam,” devem proceder com diligência [8]; “devem assegurar aos clientes elevados níveis de competência técnica” [9]; e devem proceder com lealdade e com neutralidade [10] [11].


b) O padrão ou standard genérico decorrente dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e dos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras deve completar-se com o standard específico sobre a qualidade da informação consignado no art. 7.º do Código dos Valores Mobiliários: a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores… deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita [12].

Ora a extensão necessária para que a informação prestada pelo intermediário possa completar-se completa, e a profundidade necessária para que uma informação completa permita ao cliente uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, dependem de pelo menos quatro elementos: em primeiro lugar, do tipo de contrato de intermediação financeira [13];  em segundo lugar, dos conhecimentos e da experiência dos clientes; em terceiro lugar, da natureza e dos riscos especiais dos instrumentos financeiros negociados; e, em quarto lugar, do perfil e da situação financeira dos clientes. Em relação ao segundo elemento — i.e., aos conhecimentos e à experiência dos clientes —, o art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra a chamada regra da proporcionalidade inversa [14]: “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”. Em relação ao terceiro e ao quarto elementos, a relevãncia dos riscos especiais resulta explicitamente do art. 312.º, n.º 1, alínea b), e a relevância da situação financeira, do art. 314.º, n.º 3, do Código dos Valores Mobiliários [15].


20. Entre os corolários dos arts. 312.º e 314.º do Código dos Valores Mobiliários está o de que o conteúdo e a extensão dos deveres dos intermediários financeiros dependem das circunstâncias do caso; têm uma geometria variável [16].

Estando em causa instrumentos financeiros como as obrigações, “conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público”, o conteúdo dos deveres de eslcarecimento do intermediário pode ir de um mínimo a um máximo.  O seu conteúdo mínimo consistirá em “explicar aos clientes que estes receberiam periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido; explicitar o período de maturidade do investimento e as taxas de juro, cuja aplicação ao montante daquele capital determinará o valor que receberá; e avisar que, em contrapartida, só poderão resgatar o capital investido, em qualquer altura, mediante a cedência da [obrigação] a terceiros”.  O seu conteúdo máximo, esse, consistirá, p. ex., em “mostrar [aos clientes] — mesmo quando negoceiem por conta própria — os factores de cálculo das vantagens e desvantagens de certo produto financeiro, a subscrever por estes; ou [em] indicar o pior cenário relacionado com essa mesma subscrição; ou de apresentar a esse mesmo cliente as alternativas que existem para as suas necessidades (tal como previamente apuradas pelo intermediário financeiro, ou tendo ele mesmo o dever de as perscrutar e avaliar); ou [em] indicar, mesmo, o valor (de mercado, quando exista), sobretudo se negativo, do aludido produto ao tempo da celebração do contrato” [17].

Em abstracto, não pode dizer-se se uma acção ou se uma omissão do intermediário financeiro implica, ou não implica, uma violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — comportamentos comparáveis do intermediário podem representar uma violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação em relação a produtos financeiros mais complexos e não representar nenhuma violação ilícita em relação a produtos financeiros menos complexos, como uma obrigação; poderão representar uma violação ilícita em relação a produtos financeiros com riscos especiais e não represantar nenhuma violação em relação a produtos sem riscos especiais; poderão representar uma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos seja mínimo ou, em todo o caso, mais reduzido e não representar nenhuma violação ilícita em relação a investidores cujo grau de conhecimentos e/ou de experiência seja mais elevado.


21. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

1. — No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Os factores referidos no n.º 2 do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 correspondem à descrição de um caso exemplar de violação de deveres pré-contratuais de esclarecimento e de informação — em lugar de requisitos cumulativos, de cujo preenchimento depende a conclusão de que foi infringido ou violado um dever pré-contratual, devem interpretar-se como factores relevantes para a decisão.

O intermediário financeiro tem o dever de informar “com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que os investidores possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (artigo 7.º do CVM), sendo que a informação deve ser mais aprofundada quanto menor for o conhecimento do investidor […]”. Entre os corolários do dever de informar estão os de que o intermediário financeiro deve comunicar ao cliente-investidor as características das obrigações e, em particular, as características das obrigações subordinadas [18] e os riscos da sua subscrição [19]; deve dar-lhe conta de que a remuneração e a restituição do capital investido depende sempre da solidez financeira da entidade emitente [20]; de que o banco não está obrigado a remunerar ou a restituir o capital investido, “com capitais próprios” [21]; de que não há nem fundo de garantia nem “mecanismos [alternativos] de proteção contra eventos imprevisíveis”; de que o cliente-investidor não poderá levantar o capital quando quiser [22]; e de que tem uma relação de dependência com a entidade emitente, “na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses”.


22. Face aos arts. 7.º e 312.º, “enquadrados pelo art. 304.º”, do Código dos Valores Mobiliários, e aos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, como interpretados no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, entendemos uma violação de deveres pré-contratuals de esclarecimento e de informação imputável ao Réu, agora Recorrente.

Os factos dados como provados são suficientes para que se conclua pelo preenchimento dos requisitos da tipicidade e da ilicitude.

Em primeiro lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro, como decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 11 e 15 [23], e foi sugerida pelo intermediário a uma investidora não qualificada [24], que desconhecia a diferença entre depósitos a prazo e obrigações subordinadas [25], que nunca tinha adquirido produtos de risco [26] e que não tinha a intenção de adquirir produtos de risco [27].

Embora esteja provado que “[o] A. fez investimentos em aplicações financeiras também no BPN, antes da subscrição da obrigação SLN 2004, nomeadamente BPN Conservador - Fundo de Investimento Aberto Obrigações de Taxa Variável, investimento de baixo risco e de liquidez imediata” [28], o teor dos factos dados como provados sob os n.ºs 12-E e 12-F depõe no sentido de que os Autores não representaram adequadamente o risco da subscrição de uma obrigação subordinada e de que, desde que tivessem representado adequadamente o risco, não a teriam subscrito:

12-E. A A não teria adquirido as obrigações se lhe tivessem referido os seus aspetos quanto ao reembolso, liquidez e subordinação.

12-F. A A. não teria subscrito a compra das obrigações se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido, sobretudo, se lhe tivesse sido mostrado o documento que constitui a Nota Informativa do Produto.


Em segundo lugar, a subscrição de obrigações subordinadas foi sugerida pelo intermediário financeiro com a informação / explicação de que o reembolso do capital era garantido, ou uma informação equivalente, como decorre dos factos dados como provados sob os n.ºs 8, 12 e 12-B [29] e, sobretudo, sem uma explicação adequada do que eram obrigações subordinadas.

O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz expressamente, na sua fundamentação, que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis” e que, para que a informação seja detalhada e verdadeira, “o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

Em vez de dar conta de que a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados dependia sempre da solidez financeira da entidade emitente, o Réu transmitiu à Autora que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo [30], sem risco [31], cujo capital era garantido [32] pelo próprio BPN [33]; e, em vez de dar conta de que o risco de não retorno do capital investido corria por conta do cliente (corria por conta do investidor), “não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios”, o Réu transmitiu à Autora que o risco de não retorno do capital investido corria por conta do Banco — que o Banco estava obrigado a restituir-se o valor investido e a pagar-lhe os juros respectivos, “com capitais próprios” [34].


23. Entendendo, como entendemos, que está provada a violação ilícita de deveres de esclarecimento e de informação, deve esclarecer-se se a violação ilícita é imputável ao Réu, agora Recorrente e, caso afirmativo, se lhe imputável a título de culpa grave ou de culpa leve

O art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redacção inicial, consagrava a presunção de culpa do intermediário financeiro [35]; como a presunção de culpa do art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários era e é, tão-só, uma presunção de culpa leve, o problema está em averiguar se os factos dados como provados no acórdão recorrido são suficientes para ilidir a presunção, no sentido de qualificar a culpa como grave.

A responsabilidade do intermediário financeiro deve apreciar-se de acordo com um padrão especialmente elevado, determinado pelo art. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e pelos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras. Em tal contexto — no contexto de tal padrão — será mais fácil sustentar-se que a culpa do intermediário financeiro é uma culpa grave: não será necessário que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada da medida normal de cuidado; no sentido de se tratar “[d]aquela [negligência] em que só cai um homem extraordinariamente desleixado” [36]; será suficiente que a negligência seja grosseira, escandalosa, intolerável, no sentido de corresponder a uma omissão qualificada de uma medida elevada, e especialmente elevada, de cuidado.

Ora o padrão especialmente elevado dos arts. 304.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e 73.º-74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras tem como consequência que a apresentação de obrigações subordinadas como um produto semelhante a um depósito a prazo [37], sem risco [38], cujo capital era garantido [39] pelo próprio BPN [40], deva coordenar-se ao conceito de culpa grave.

Em termos em tudo semelhantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 e de 10 de Abril de 2018 pronunciaram-se no sentido de que “actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido” [41] e, sobretudo, de que,

“[a]tento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave” [42].


24. A segunda e a terceira questões suscitadas consistem em averiguar se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi causa da conclusão do contrato / da decisão de investir e se a conclusão do contrato / se a decisão de investir foi causa de danos, no montante correspondente ao valor investido pela Autora.

Estabelecidas a tipicidade, i.e., a violação de deveres de esclarecimento e de informação, a ilicitude e a culpa do Réu, agora Recorrente, põe-se duas questões de causalidade: a primeiro consiste em averiguar se a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato e a segunda, em averiguar se a conclusão do contrato foi condição sine qua non de danos, no montante correspondente ao valor investido pela Autora, agora Recorrida.


a) O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022, de 6 de Dezembro de 2021, esclarece que:

3. — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Ora, o acórdão recorrido dá expressamente como provado que a Autora não teria adquirido as obrigações se lhe tivessem sido explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido [43], designadamente quanto ao reembolso, liquidez e subordinação [44] — a situação é, por consequência, semelhante à apreciada e decidida no acórdão do STJ de 5 de Junho de 2018, no processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1, em que se sustentou que

“[t]endo a Relação tido como demonstrado que o autor não teria subscrito as obrigações se lhe tivesse sido dito, pelos funcionários do recorrente, que corria o risco de perder, no todo ou em parte, o seu dinheiro em caso de insolvência da emitente, é de considerar verificado um nexo causal (e não meramente naturalístico) entre aquele facto e os prejuízos sofridos pelo primeiro”.


b) Esclarecido que a violação ilícita e culposa de deveres de esclarecimento e de informação foi condição sine qua non da conclusão do contrato, deverá averiguar-se se a conclusão do contrato como causa de um dano patrimonial, de valor correspondente ao capital investido.

O Réu, agora Recorrente, Banco BIC Português suscita a questão nas alegações de recurso, ao alegar que a Autora, agora Recorrida, “deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude” (conclusão n.º 27) e a Autora, agora Recorrida, IVPG - Imobiliária SA, responde-lhe nas contra-alegações, ao referir-se ao “compromisso […] assumido quanto à garantia de reembolso do capital investido” [alínea g)] e à “indemnização do interesse positivo [alínea j)].

Ora o art. 562.º do Código Civil consagra o princípio geral sobre a obrigação de indemnização, determinando que

“[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.


A Autora, agora Recorrida, alegou que, desde que tivessem sido adequadamente esclarecidos e informados, não teria subscrito o produto financeiro em causa: pode, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se não o tivesse subscrito; não pode, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se o tivesse subscrito e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento.

Quando se diz que pode pretender que seja reconstituída a situação que existiria se não o tivesse subscrito, está a dizer-se que a indemnização pelo interesse contratual negativo é compatível com a sua alegação. Quando se diz que não pode, em coerência, pretender que seja reconstituída a situação que existiria se o tivesse subscrito e se as obrigações tivessem sido pagas na data do seu vencimento, está a dizer-se que a indemnização pelo interesse contratual positivo é incompatível com a sua alegação.

Está a dizer-se que não pode pretender uma indemnização que a coloque na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido — em que estaria se um contrato, que alegadamente não teriam celebrado, tivesse sido cumprido [45].  

O princípio de que a indemnização há-de colocar a Autora, agora Recorrida, na situação em que estariam se não tivessem subscrito as obrigações subordinadas SLN exige em todo o caso um esclarecimento. em primeiro lugar, o valor do capital investido deverá ser sempre deduzido do valor actual das obrigações da emitente adquiridas pela Autora e, em segundo lugar, o valor do capital investido deve ser sempre deduzido do valor dos juros pagos pela entidade emitente, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos pela entidade emitente como remuneração de um depósito a prazo [46].


III. — DECISÃO

Face ao exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente o acórdão recorrido, condenando a Ré / Recorrente Banco Bic Português, S.A., a pagar a quantia que se vier a liquidar em execução, a qual deverá ter em consideração:

I. — que a Autora / Recorrida tem direito a uma indemnização por danos patrimoniais correspondente ao capital investido (50 000 euros);

II. — que o capital investido deve ser deduzido:

a. — do valor actual da obrigação;

b. — do valor dos juros pagos pela entidade emitente SLN — Sociedade Lusa de Negócios, na parte em que excedam o valor dos juros que teriam sido pagos como remuneração de um depósito a prazo;

III. — que a quantia resultante da aplicação dos critérios enunciados em I e II deve ser acrescida de juros à taxa legal a contar do momento em que o Réu haja sido citado para a presente acção.


Custas pelo Recorrente e pela Recorridaa, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 2 de Fevereiro de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_____

[1] Sobre o conceito e o regime da intermediação financeira em geral, vide António Pereira de Almeida, Sociedades comerciais, valores mobiliários e mercados, 6.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 729-737; A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2016, págs. 245-327; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, 4.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 271-273 e 381-528; José Augusto Engrácia Antunes, Direito dos contratos comerciais, Livraria Almedina, Coimbra, 2009, págs. 573-615; Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 353-373 = in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, Livraria Almedina, Coimbra, 2015, págs. 7-26; Fátima Gomes, “Contratos de intermediação financeira: sumário alargado”, in: Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2002, págs. 565-599; José Augusto Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, in: Boletim da Faculdade de Direito [da Universidade de Coimbra], vol. 85.º (2009), págs. 277-319; José Augusto Engrácia Antunes, “Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro. Alguns aspectos”; in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 56 — Abril de 2017, págs. 31-52; Assunção Cristas, Transmissão contratual do direito de crédito. Do carácter real do direito de crédito, Livraria Almedina, Coimbra, 2005, pág. 423 (nota n.º 1114); José Pedro Fazenda Martins, “Deveres dos intermediários financeiros, em especial os deveres para com os clientes e o mercado”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 7 — 2000, págs. 331-350; ou José Queirós de Almeida, “Contratos de intermediação financeira enquanto categoria jurídica”, in: Cadernos do mercado de valores mobiliários, n.º 24 — 2006, págs. 291-303.

[2] Como demonstram, p. ex., António Menezes Cordeiro, “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade”, in: António Menezes Cordeiro / Manuel Januário da Costa Gomes / Miguel Brito Bastos / Ana Alves Leal (coord.), Estudos de direito bancário I, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 9-46; Luís Menezes Leitão, “Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros”, in: Direito dos valores mobiliários, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, págs. 129-156; Luís Menezes Leitão, “Informação bancária e responsabilidade”, in: Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. II — Direito bancário, Livraria Almedina, Coimbra 2002, págs. 225-244; Agostinho Cardoso Guedes, “A responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil”, in: Revista de direito e economia, ano 14.º (1988), págs. 135-165; Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, in: Direito das sociedades em revista, vol. 16 — 2016, págs. 15-31; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 401-410; Margarida Azevedo de Almeida, “A responsabilidade civil de intermediários financeiros por informação deficitária e falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, Livraria Almedina, Coimbra, 2017, págs. 411-424; Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Revista de direito comercial, ano 2.º (2018), págs. 1225-1240, disponível in: WWW: < https://www.revistadedireitocomercial.com >; Margarida Azevedo de Almeida. A responsabilidade civil por prospecto no direito dos valores mobiliários. O bem jurídico protegido, Livraria Almedina, Coimbra, 2018, esp. nas págs. 222-227; Ana Afonso, “O contrato de gestão de carteira. Deveres e responsabilidade do intermediário financeiro”,  in: Maria de Fátima Ribeiro (coord.), Jornadas — Sociedades abertas, valores mobiliários e intermediação financeira, Livraria Almedina, Coimbra, 2007, págs.  55-86; Catarina Monteiro Pires, “Entre um modelo correctivo e um modelo informacional em direito bancário e financeiro”, in: Cadernos de direito privado, n.º 44 — Outubro / Dezembro de 2013, págs. 3-22; Sofia Nascimento Rodrigues, A protecção dos investidores em valores mobiliários, Livraria Almedina, Coimbra, 2001; Gonçalo André Castilho dos Santos, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Livraria Almedina, Coimbra, 2008; Fernando Canabarro Teixeira, “Os deveres de informação dos intermediários financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil”, in: Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31 — 2008, págs. 50-87; Pedro Miguel Rodrigues, A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário (dissertação de mestrado), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2011; ou Pedro Miguel Rodrigues, “A intermediação financeira. Em especial, os deveres de informação do intermediário”, in: DataVenia. Revista jurídica digital, ano 1.º (2013), págs. 101-131, disponível in: < https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao02/datavenia02_p101-132.pdf >.

[3] Como o demonstram, p. ex., as colectâneas O direito bancário na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in: WWW: < http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitobancario.pdf > ou in: Centro de Estudos Judiciários, Direito bancário, in: WWW: < http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf >.

[4] Vide designadamente António Menezes Cordeiro, “A tutela do consumidor de serviços financeiros e a crise mundial”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 603-632; ou Paulo Câmara, “Crise financeira e regulação”, in: Revista da Ordem dos Advogados, ano 69.º (2009), págs. 697-728, esp. nas págs. 716-719.

[5] Cf. designadamente Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 403 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1229: “… a construção do sistema no âmbito da responsabilidade dos intermediários financeiros [apresenta-se] extremamente complexa”. Entre as razões da sua complexidade estaria a necessidade de “articulação entre o Código dos Valores Mobiliários e o direito privado comum”: “importa sobretudo”, escreve o Professor Carneiro da Frada, “pôr em guarda contra apriorismo simplificadores, que partem com excessiva auto-suficientência do Código dos Valores Mobiliários para resolver os problemas de responsabilidade dos intermediários financeiros e não reconhecem, como é mister, a necessidade e a imprescindível valia, para o efeito, o direito comum dos contratos”.

[6] Salvo indicação em contrário, considerar-se-á o teor das disposições do Código dos Valores mobiliários e do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras em vigor em Abril de 2006, ou seja, na data da conclusão do contrato pelos Autores, agora Recorridos.

[7] Expressão de Carlos Ferreira de Almeida, “Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados financeiros”, cit., pág. 30.

[8] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados”.

[9] Cf. art. 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial: “As instituições de crédito devem assegurar aos clientes, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência”.

[10] Cf. art. 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras, na sua redacção inicial.

[11] Entre os pontos mais ou menos consensuais está o de que o padrão de diligência do art. 304º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários e nos arts. 73.º e 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras é superior ao padrão do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil [vide, na doutrina, p. ex., A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de direito dos valores mobiliários, cit., pág. 258 — dizendo que “[d]o confronto entre os regimes regra com os regimes mobiliários específicos resulta, do ponto de vista da diligência exigida, um plus: aos intermediários financeiros é exigida uma diligência que ultrapassa o conceito de bom pai de família (homem médio) espera-se uma actuação como elevados padrões de diligência” — e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 — e de de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1 —, considerando que se substitui o bonus paterfamilias do art. 487.º, n.º 2, por um diligentissimus paterfamilias, “não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve”.

[12] Como se diz no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de de 5 de Abril de 2016 — processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1 —, “[a] violação dos deveres de informação do emitente de títulos mobiliários, seja relativamente aos prospectos ou às informações periódicas ou eventuais, tanto inclui a informação desconforme divulgada como a omitida, sob pena de ficar esvaziado o objecto e escopo legal do art. 7.º do Código de Valores Mobiliários”.

[13] Cf. designdamente Rui Pinto Duarte, “Contratos de intermediação no Código dos Valores Mobiliários”, in: Escritos jurídicos vários 2000-2015, cit., pág. 17: “… nos preceitos dedicados a cada tipo contratual surgem também regras sobre deveres de informação”.

[14] Expressão usada, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2018 — processo n.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1 —: “O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente”. (

[15] Embora o art. 312.º não refira expressamente a natureza dos instrumentos financeiros negociados, deve concordar-se com as afirmações feitas pelo Professor António Pinto Monteiro, no parecer junto aos autos: “… o grau de conhecimento de uma pessoa em relação a um instrumento como uma obrigação é completamente diverso do conhecimento que o mesmo sujeito possa ter, p. ex., de um swap de taxas de juro” (págs. 15-16); “conceitos como ‘obrigação’ e, no seu âmbito, ‘resgate’, são conhecidos — ou facilmente apreensíveis — pela generalidade do público, contrariamente ao que acontece com produtos de elevada complexidade, como a noção de synthetic collateralized debt obligation, assente em swaps e outros derivados, já que assentarão no pólo oposto do espectro” (pág. 16)

[16] Expressão usada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2018 — processo n.º 1236/15.5T8PVZ.L1.S1 —e de 11 de Outubro de 2018 — processo n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1.

[17] Cf. Manuel Carneiro da Frada, “A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros”, in: Paulo Câmara (coord.), O novo direito dos valores mobiliários. I Congresso sobre valores mobiliários e mercados financeiros, cit., pág. 404 = in: Revista de direito comercial, cit., págs. 1231.

[18] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as "obrigações subordinadas", isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada”.

[19] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente)”.

[20] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que “[se exige] que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis”.

[21] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente: “Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial”.

[22] A fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2022 diz, textualmente, que o intermediário financeiro deve “informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão — desmobilização do investimento — do produto”.

[23] Cujo teor é o seguinte: “11. Um funcionário do R. informou por telefone a A. que estava disponível um produto financeiro, com características parecidas a um depósito a prazo, mas melhor remunerado. 15. O funcionário do banco propôs à A. que subscrevesse o produto e ela aceitou”.

[24] Cf. facto dado como provado sob o n.º 4.

[25] Cf. facto dado como provado sob o n.º 20: “A A., antes de ordenar a subscrição das Obrigações, não sabia a diferença entre obrigações e depósitos a prazo”.

[26] Cf. factos dado como provados sob os n.ºs 12-C e 19: “12-C. A A. nunca tinha comprado ou vendido na R. qualquer produto diverso de um fundo de baixo risco, semelhante a um depósito a prazo. 19. O A. fez investimentos em aplicações financeiras também no BPN, antes da subscrição da obrigação SLN 2004, nomeadamente BPN Conservador - Fundo de Investimento Aberto Obrigações de Taxa Variável, investimento de baixo risco e de liquidez imediata”.

[27] Cf. facto dado como provado sob o n.º 12-A: “À data da aquisição dos produtos aqui em causa, a R. sabia que a A. apenas pretendia adquirir produtos sem risco, tendo-a classificado como uma cliente conservadora”.

[28] Cf, facto dado como provado sob o n.º 19.

[29] Cujo teor é o seguinte: “8. Aos clientes era dito que se tratava de um produto semelhante a um depósito a prazo. 12. O funcionário do banco na apresentação da emissão obrigacionista - Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 - disse à A. tratar-se de produto sem risco, de capital garantido, que podia ser resgatado a qualquer altura. 12-B. Os funcionários da Ré "afiançaram” à A. que o retorno das quantias investidas era assegurado pelo próprio banco”.

[30] Cf. facto dado como provado sob o n.º 8.

[31] Cf. facto dado como provado sob o n.º 12.

[32] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 8 e 12-B.

[33] Cf. facto dado como provado sob o n.º 12-B.

[34] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 8 e 12-B.

[35] O texto do art. 314.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários é o seguinte: “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.

[36] Expressão de Manuel de Andrade (com a colaboração de Rui de Alarcão), Teoria geral das obrigações, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1966, pág. 342.

[37] Cf. facto dado como provado sob o n.º 8.

[38] Cf. facto dado como provado sob o n.º 12.

[39] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 8 e 12-B.

[40] Cf. facto dado como provado sob o n.º 12-B.

[41] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 — processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1.

[42] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2018 — processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1.

[43] Cf. facto dado como provado sob o n.º 12-F.

[44] Cf. facto dado como provado sob o n.º 12-E.

[45] O resultado corresponde àquele a que se chegou no direito italiano, de que a indemnização deve conter-se dentro dos limites do interesse contratual negativo (cf. Valentino Lenoci, “Responsabilità dell’intermediario finanziario e tutela del risparmiatore”, cit., pág. 2089]. 

[46] Cf. acórdão do STJ de 5 de Junho de 2018 — processo n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 —: “Apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano directo por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal (por não se verificar o pressuposto a que alude o art. 102.º do CCom) a contar das datas em que os mesmos dever-lhe-iam ter sido reembolsados (como sucederia se, efectivamente, tivesse sido contratado esse depósito); a essa importância devem ser deduzidos o valor das obrigações da emitente (apesar da insolvência desta) e o valor dos juros remuneratórios que foram por esta pagos, assim se limitando a medida da responsabilidade do recorrente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo recorrido”.