Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
780/06.0TTLRA.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
CONCLUSÕES
DESERÇÃO
CONTESTAÇÃO
DEFESA POR EXCEPÇÃO
FALTA DE RESPOSTA
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões da alegação devem indicar as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas [artigo 690.º, n. º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil (CPC) — versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto].

II - A falta daquelas indicações — como a falta de conclusões, a deficiência, obscuridade ou complexidade destas — dá lugar a convite para que o recorrente supra a omissão, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada (n.º 4 do artigo 690.º, do CPC); não equivale à falta da alegação que tem como consequência a deserção do recurso (n.º 3 do artigo 690.º do CPC).

III - Em acção em que a trabalhadora pede a reintegração (ou indemnização substitutiva) e as retribuições que deixou de auferir, alegando ter celebrado com a demandada um contrato de trabalho não escrito, que esta lhe comunicou a cessação do mesmo, e que essa comunicação configura um despedimento ilícito, constitui defesa por excepção a alegação, pela Ré, na contestação, de que fora convencionado que o contrato tinha a duração de um ano e que o vínculo cessou por caducidade.

IV - Uma tal defesa da Ré não constitui uma mera negação da existência dos factos dos quais a Autora fez decorrer o efeito jurídico invocado, factos esses aceites na contestação — celebração informal do contrato e comunicação da cessação; contém um elemento de facto novo, no sentido de que a ele não se fez alusão na petição — a estipulação verbal de uma cláusula de termo —, um contra-facto do qual decorre, na perspectiva da contestação, um efeito jurídico (caducidade) diferente do invocado na petição (despedimento), impedindo a produção deste.

V - A alegação desse facto, correspondente a uma causa impeditiva do direito invocado pela Autora, não se mostrando em oposição frontal aos fundamentos da acção expostos na petição inicial, apreciados no seu conjunto, apresenta-se como um ataque lateral ou de flanco à pretensão nela formulada, o que implicava que, em articulado de resposta, a Autora viesse a tomar posição sobre os elementos constitutivos da excepção, impugnando-os ou invocando elementos impeditivos, modificativos ou extintivos e do correlativo efeito jurídico — a caducidade do contrato.

VI - A dúvida relevante quanto à qualificação da defesa como impugnatória ou exceptiva, radica numa incerteza quanto ao carácter constitutivo ou impeditivo dos factos alegados, atenta a sua conexão com o direito invocado ou a pretensão formulada, caso em que, nos termos do artigo 342.º, n.º 3, do Código Civil, a alegação deve considerar-se reportada a factos constitutivos do direito invocado.

VII - Mostrando-se, com clareza, que o facto alegado, na contestação, é um contra-facto, que obsta à produção do efeito jurídico que se pretende fazer valer na acção, tanto basta para se considerar que ele integra defesa por excepção, sendo, para tanto, irrelevante a circunstância de não ter sido cumprida a formalidade, prevista no artigo 488.º do CPC, de, como tal, o destacar, em segmento da peça contestatória.

VIII - A omissão daquela formalidade, podendo dificultar a percepção da parte contrária, quanto à caracterização da defesa apresentada, é susceptível de ter reflexos no cabal exercício dos seus direitos processuais e, consequentemente, vir a influir no exame e na decisão da causa, desse modo se assumindo como irregularidade apta a produzir nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, a qual, porém, não pode ser conhecida se apenas for suscitada no recurso de apelação, caso em que deve considerar-se sanada, por não ter sido arguida tempestivamente (artigos 202.º, 203.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, do CPC).

IX - Não tendo a Autora produzido articulado de resposta, incumpriu o ónus de impugnar a factualidade integrante da excepção, devendo, por isso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 60.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho e 490.º, n.º 2, do CPC, considerar-se admitida por acordo, no pressuposto de quanto a ela ser admitida confissão e a sua prova não se encontrar dependente da existência de documento escrito.

X - No regime especial de contratação de pessoal docente consignado no Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, diversamente do que sucede no regime laboral comum, a celebração de contrato de trabalho de duração limitada não está sujeita a forma escrita.

XI - No quadro descrito nos pontos anteriores, que consequencia a inadmissibilidade, irrelevância e inexigibilidade de produção de prova (artigo 646.º, n.º 4, do CPC), é consentido ao Tribunal da Relação, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal de 1.ª instância, declarando provado o facto não impugnado, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º do CPC.

XII - A tal não obsta a circunstância de a Ré não ter usado da faculdade, consignada no artigo 653.º, n.º 4, do CPC, de reclamar contra deficiências, obscuridades ou contradições da respectiva decisão ou contra a falta da sua fundamentação, visto que a reclamação ali facultada não se destina a impugnar o sentido da decisão, impugnação que se faz através de recurso, cuja admissibilidade a lei não faz depender do uso daquela faculdade.

XIII - Não configura litigância de má fé, por não preencher os pressupostos consignados no n.º 2 do artigo 456.º do CPC, a conduta processual da Ré que consistiu em invocar a seu favor, no recurso de apelação, a cominação do n.º 2 do artigo 490.º do CPC, tendo antes, na contestação, incumprido a formalidade imposta pelo 488.º do mesmo diploma, quanto à dedução das excepções.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho de Leiria, em acção com processo comum, intentada em 27 de Julho de 2006, AA demandou a Universidade Católica Portuguesa, alegando, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em Setembro de 1996, por contrato de trabalho não escrito, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de assistente convidada, tendo como local de prestação de trabalho a Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional das Beiras, Pólo de Leiria; que a ré a despediu ilicitamente; que houve violação do princípio da igualdade, uma vez que a ré em situações semelhantes procedeu ao despedimento colectivo; que toda a situação lhe provocou depressão, nervosismo, angústia e abalo moral.

Concluiu que deve a acção «ser julgada procedente por provada e em consequência:

a) deve o despedimento ser declarado ilícito e a R. ser condenada nos termos dos arts. 436.º e 437.º do Código do Trabalho;

b) deve a R. ser condenada a reintegrar a A. ao seu serviço, “sem prejuízo da sua categoria e antiguidade” ou em substituição, pode a A. optar por uma indemnização nos termos do disposto no artigo 439.º do Código do Trabalho;

c) deve a R. ser condenada a pagar à A. a quantia a apurar em execução de sentença, a título de retribuições devidas e não pagas, bem como de outros montantes que se demonstrem devidos;

d) deve a R. ser condenada a pagar à A. o montante de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais;

e) deve a R. ser condenada no pagamento dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.»

Na contestação, a Ré, para sustentar a improcedência da acção, alegou, em resumo, que o contrato em causa está sujeito a um regime especial, não se lhe aplicando a lei geral, uma vez que as normas que regulamentam tal contrato são as que constam do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, conforme decorre do artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, sendo que, de acordo com tal regulamentação, os contratos dos docentes não integrados, como é o caso da Autora, têm a duração de um ano lectivo, com o seu início em 1 de Outubro e o seu fim no dia 30 de Setembro do ano subsequente, e o último contrato celebrado com a Autora teve o seu fim em 30 de Setembro de 2005, pelo que caducou no prazo acordado; por outro lado, segundo o mesmo regime, o contrato também caduca quando se verifica a impossibilidade absoluta e definitiva de o docente prestar o trabalho a que se vinculou, pelo que, tendo o pólo de Leiria encerrado no ano de 2005, por falta de alunos, sempre o contrato cessaria por caducidade. Não violou o princípio da igualdade, uma vez que a Autora se manteve em funções até ao encerramento do pólo de Leiria, sendo certo que a promoção do processo de despedimento colectivo foi feita indevidamente.

Saneada e instruída a causa, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu declarar «ilícito o despedimento com que a Ré Universidade Católica Portuguesa sancionou a autora AA» e condenar a Ré a pagar-lhe:
«a) Uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades [€ 1.263,04] por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a admissão ao seu serviço [Setembro de 1996] até ao trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 439.º do Código do Trabalho.
b) As quantias referentes às retribuições [€ 1.263,04] que deixou de auferir desde 27 de Junho de 2006 até ao trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 437.º do Código do Trabalho.
c) A quantia de dois mil e quinhentos euros a título de danos não patrimoniais.
d) Relativamente às quantias referidas em a) e b) os juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento e à quantia referida em c) juros de mora a partir da prolação desta sentença.»

2. Apelou a Ré, a pugnar pela revogação da sentença, pedindo a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto atinente à alegada precariedade (anualidade) do vínculo contratual, com fundamento na falta de resposta ao que, a propósito, aduzira na contestação, e sustentando a licitude da cessação do mesmo vínculo por caducidade.

O Tribunal da Relação de Coimbra atendeu à solicitação da Ré de ver alterada a matéria de facto apurada e, por via da alteração, concluiu que o contrato se extinguiu licitamente, por caducidade, pelo que concedeu provimento ao recurso, absolvendo a Ré dos pedidos.

Não se conformou a Autora, por isso que veio pedir revista, tendo formulado, a terminar a alegação, conclusões assim redigidas:

«1. A Recorrida não apresentou a sua contestação na forma prevista nos arts. 487.º e 488.º do CPC aplicáveis ex vi art. 1.º do CPT, isto é, distinguindo de forma clara e inequívoca a defesa por excepção de defesa por impugnação, não podendo o douto Acórdão sanar o vício da contestação da Recorrida, através de um alegado poder/dever da Recorrente em ter invocado o que apelida de "nulidade processual" ao arrepio de toda a Jurisprudência do Tribunal Superior [sic] sobre esta matéria;
2. A Recorrente apresentou a sua petição inicial em obediência aos requisitos previstos para a mesma, cumprindo com a prova do contrato de trabalho e do despedimento, bem como com a impugnação de todos os factos que relevaram para a justa causa do despedimento;
3. A Recorrida, no final da sua contestação, não faz qualquer alusão à alegada excepção;
4. A contestação da Recorrida faz parte da estrutura da acção, limitando-se à negação motivada, não consubstanciando qualquer excepção;
5. Litiga com má fé processual a Recorrida quando invoca a seu favor a cominação do n.º 2 do art. 490.º do CPC conjugado com o art. 505.º do CPC, pelo que se requer a sua condenação como litigante de má fé nos termos do art. 456.º do C.P.C..
6. O douto Acórdão vir [sic], nos termos do art. 712.º do C.P.C, alterar a matéria de facto dada como assente pelo douto Tribunal a quo, porquanto a Recorrente não tinha de responder à alegada excepção, pelo que neste particular o douto Acórdão não se pode substituir à Recorrida, vindo agora colmatar, por este meio, a ausência de defesa por excepção, como vem de ser provado à saciedade.
7. Não pode o douto Acórdão dirimir uma questão que não se encontra nas controvérsias centrais a dirimir e que além disso foi objecto de prova testemunhal, como bem refere a douta sentença do douto Tribunal a quo o que se deu como provado quanto a esta questão foi tão só que "Por norma os contratos de docentes não integrados no estatuto da carreira docente têm a duração de um ano lectivo, tendo o seu início em 01 de Outubro e cessam em 30 de Setembro do ano subsequente. [facto n.º 27]. Não se sabe [se] era o caso dos autos, ou seja, se no caso concreto a duração do contrato era de um ou mais anos. À ré caberia fazer a sua prova [artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil]. Como o não fez, não pode invocar a caducidade [mesmo que automática] do contrato de trabalho, para pôr fim à relação laboral, uma vez que não se sabe se na data que alega o contrato caducaria ou não.".
8. A Recorrida não apresentou qualquer reclamação à matéria dada por provada, designadamente os factos n.ºs 27.º e 28.º, nem arguiu qualquer deficiência, obscuridade, contradição ou falta de fundamentação da resposta nas suas alegações de recurso, logo tais factos são insindicáveis, merecendo o douto Acórdão em crise censura.
9. Era à Recorrida que cabia o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu alegado direito – art.º 342.º n.º 1 do C.C., neste sentido Ac. da RL de 29/04/2004.
10. A Recorrida confessou os artigos 2.º, 3.º, 5.º a 9.º, 11.º (parcialmente), 12.º, 26.º (parcialmente), 27.º, 28.º, 35.º a 42.º, 43.º (parcialmente), 44.º, 45.º (parcialmente), 53.º a 55.º, da P.I.;
11. A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária – art.º 352.º do C.C., sendo que a Recorrida não pode ignorar o efeito jurídico da sua confissão, aceite pela Recorrente – art.º 38.º do CPC..
12. Trata-se de uma confissão judicial espontânea, realizada no início da audiência de discussão e julgamento de dia 10 de Setembro de 2007, confissão essa também expressa em sede de contestação.
13. Confissão essa aceite pela Recorrente [a] que o douto Aresto não faz menção, e entra em contradição com o alegado pela própria Recorrida no seu art.º 26.º da douta contestação onde é expressamente referido que "Contrato esse que teve o seu início em 1 de Outubro de 1999 e celebrado pelo prazo de seis anos" fazendo mau uso da faculdade prevista no art.º 712.º do C.P.C, o douto Acórdão em crise diz expressamente que "...- ré e a autora acordaram verbalmente que o vínculo contratual tinha lugar com a duração de um ano, com início em 1 de Outubro e cessação em 30 de Setembro do ano, tendo no último ano da sua vigência início em 1 de Outubro de 2004 e cessação a 30 de Setembro de 2005.".
14. O douto Acórdão em crise ainda presume e mal "...Chegados aqui, podemos concluir que o contrato de trabalho entre a autora e ré chegou ao seu termo em 30 de Setembro de 2005, considerando o termo que foi, verbal e licitamente, estipulado.".
15. Nem a Recorrente, a Recorrida e o Mmo. Juiz a quo suscitaram a questão da validade da estipulação verbal ou escrita no contrato de trabalho em crise, até porque a mesma é inexistente, pelo que nada foi trazido ao processo e ao recurso, pelo que se entende que o douto Acórdão padece de erro de julgamento.
16. O Acórdão em crise que revoga a douta sentença do tribunal a quo fundamentando em factos que não foram objecto de discussão na primeira instância – erro de julgamento –, pelo menos na forma como foram ponderados e elencados pelo douto Acórdão, em violação do princípio do dispositivo, uma vez que a recorrente não ofereceu a prova que poderia ter produzido para contrariar o que agora o douto Acórdão vem "fundamentar", tendo neste particular violado o princípio da imutabilidade das situações jurídicas entre outros que se encontram consagrados na nossa Lei Fundamental.
Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso de revista, revogando-se o douto Acórdão em crise e confirmando-se a douta decisão recorrida in totum, fazendo-se assim Justiça.»

A Ré apresentou a sua alegação de recorrida, rematada pelas seguintes conclusões:

«1.ª - É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o âmbito dos recursos é determinado nas conclusões da respectiva alegação.
2.ª - O fundamento específico do recurso de revista, segundo o n.º 2 do art.º 721.º do C. P. C, é a violação de lei substantiva. Assim,
3.ª - Para que possa conhecer-se da revista, é indispensável a invocação da lei substantiva, pois o S.T.J. conhece apenas de questões de direito. Desta forma,
4.ª - A recorrente teria de ter indicado, nas conclusões da sua alegação de recurso, quais as normas substantivas violadas, qual o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, ou, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, qual a norma que no seu entender deveria ter sido aplicada, como é expressamente exigido através da interpretação conjugada dos art.ºs 690.º, n.º 2, al. a), b) e c, e art.º 721.º, n.º 2, do C. P. C.
5.ª - Cotejando as dezasseis conclusões do recurso, constata-se que a recorrente não indica qual ou quais as normas jurídicas que o douto acórdão recorrido violou, como não indica que tenha havido erro na determinação da norma aplicável, sendo totalmente omisso quanto a esse aspecto.
6.ª - A não indicação, no recurso de revista, da norma substantiva violada e o consequente incumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 690.º do C. P. C, equivale à falta de alegação (art.º 690.º, n.º 3, do C. P. C), devendo, por isso, ser julgado deserto, o que expressamente se requer.
Sem Prescindir,
7.ª- A recorrente alega que não tinha que responder à excepção invocada pela recorrida na sua contestação, dado que esta não tinha feito a distinção clara e inequívoca da defesa por excepção da defesa por impugnação.
8.ª - Apesar de ser verdade que a R., na sua contestação, não deduziu especificada e discriminadamente a excepção que deduziu, como é exigido pelo art.º 488.º do C.P.C, nem por isso a recorrente ficava dispensada de lhe responder, como é exigido pelo art.º. 60.º, n.º 1, do C. P. T.. Pois,
9.ª - A preterição do disposto no art.º 488.º, do C.P.C., não tem qualquer consequência em termos processuais, inexistindo qualquer disposição que sancione tal omissão. Assim,
10.ª - Tendo a R. alegado um facto impeditivo do direito da A. (estipulação de termo no contrato), trata-se de matéria de excepção, tal como foi qualificada pela decisão proferida em 1.ª instância. E,
11.ª - Tendo a recorrida invocado uma excepção à qual a A. não respondeu, como, no caso sub judice, lhe era exigível, a factualidade alegada considera-se admitida por acordo (art.º 490.º, do C.P.C., ex vi o disposto no art.º 60.º, n.º 3, do C.P. T.).
12.ª - Não merece, por isso, qualquer censura o acórdão recorrido, ao ter decidido nesse sentido, alterando consequentemente e em obediência ao disposto no art.º 712.º, n.º 1, do C. P. C, a matéria de facto, dando como provado o facto admitido por acordo.
13.ª - Ao contrário do pretendido pela recorrente, não basta que a R. invoque a seu favor o art.º. 490.º do C.P.C, sem ter dado cumprimento ao art.º 488.º do C.P.C., para se concluir que há má fé, pois, para tanto, teriam de estar verificados os pressupostos do art.º 456.º do C.P.C, que não se verificam no caso sub judice.
14.ª. - Também não assiste razão à recorrente, ao afirmar que a não reclamação a decisão proferida sobre a matéria de facto torna esta insindicável. Pois,
15.ª - A R., apesar de não ter reclamado, pode sempre e por via de recurso, verificados os respectivos fundamentos, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
16.ª - Bastará atentar no art.º 26.º da contestação para se constatar que carece de sentido, sendo despropositado, o vertido pela recorrente na conclusão 13.ª do seu recurso.
17.ª - Do mesmo modo, carece de sentido a afirmação da recorrente de que o acórdão recorrido fundamenta a decisão em factos que não foram objecto de decisão em 1.ª instância.
NESTES TERMOS,
DEVE O PRESENTE RECURSO, COMO NÃO FORAM INDICADAS AS NORMAS VIOLADAS, NOS TERMOS PREDITOS, SER JULGADO DESERTO, ATENTO O DISPOSTO NO ART.º 690.º, N.°S 2 E 3, EX VI O DISPOSTO NO ART.° 724.º, N.° 1, AMBOS DO C.P.C..
SE ASSIM SE NÃO ENTENDER, SEMPRE O RECURSO DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE, CONFIRMANDO-SE O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO.»

Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, o relator proferiu despacho convidando a Autora a aperfeiçoar as conclusões do recurso, sob pena de, não o fazendo, não se conhecer do seu objecto na parte afectada., designadamente no tocante à questão da caducidade do contrato, tendo a recorrente respondido com a apresentação das conclusões cujo texto, no essencial, corresponde ao das anteriormente formuladas, com aditamento de preceitos legais.

Sobre as novas conclusões, a recorrida não tomou posição.

A Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista.

A tal parecer respondeu a Ré para reafirmar a posição anteriormente assumida.

3. Face ao teor das conclusões formuladas pela recorrente, as questões que vêm colocadas à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes:

— Saber se o Tribunal da Relação podia alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto;

— Saber se há fundamento para condenar a Ré por litigância de má fé.

Preliminarmente, haverá que apreciar o alegado pela recorrida quanto à deserção do recurso (conclusões 1.ª a 6.ª da contra-alegação).

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Na 1.ª instância foram declarados provados os seguintes factos:

«1. A ré com data de 05/07/2005 mandou à autora o documento que se encontra junto a folhas 20, do seguinte teor:

“Exma. Senhora,
A fim de tratar de assuntos do seu interesse, venho convocá-la para uma reunião a ter lugar no Gabinete da Presidência do Centro Regional das Beiras, na próxima quinta-feira, dia 7 de Julho, às 15h00.
Apresento a V. Ex. os melhores cumprimentos,
O Consultor Jurídico do Centro Regional das Beiras”

2. Em resposta a autora através da sua advogada mandou à ré o documento que se encontra junto a folhas 21, do seguinte teor:

“Assunto: M/constituinte: Prof.ª AA
V/oficio OF.640-CRB de 5/07/2005
Exmos. Senhores,
Fui mandatada pela m/constituinte acima identificada de a representar junto dessa Universidade a fim de tentar resolver o litígio que os opõe, pelo que sou a dizer o seguinte:
1. Na sequência do V/oficio em assunto, informo que a Sra. Prof.ª AA não irá comparecer na reunião por V. Exas. agendada para hoje, dia 7/07/2005 às 15h00m;
2. Pelo atrás exposto, agradeço que, a partir desta data, qualquer contacto relativo a esta matéria me seja dirigido, estando disponível para uma reunião.
Com os melhores cumprimentos,
A Advogada,”
3. A ré mandou à autora por carta registada com A/R datada de 03/10/2005, a carta junta a folhas 19, do seguinte teor:
“Ex.ma Senhora Dr.ª AA,
O contrato especial de trabalho que V. Ex.a celebrou com o Centro Regional das Beiras da Universidade Católica Portuguesa cessou por caducidade no dia 30 de Setembro de 2005, atento o disposto no artigo 34.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do Estatuto da Carreira Docente da UCP.
Aliás, a UCP poderia ter feito cessar o contrato na sequência do encerramento do Pólo de Leiria em Fevereiro de 2005, pois a partir daí V. Ex.a não leccionou qualquer disciplina. Apesar disso a UCP procedeu ao pagamento dos vencimentos de Fevereiro a Setembro de 2005, cumprindo, assim, o prazo do contrato.
O propósito da cessação do contrato por caducidade foi comunicado à Ex.ma Senhora Dra. BB, sua ilustre mandatária em sede [quereria, certamente, escrever-se sete] de Julho de 2005, pelo nosso consultor jurídico.
Em conformidade, anexamos a declaração de situação de desemprego e o recibo de vencimento relativo ao fecho de contas, o qual deverá ser assinado e devolvido. A quantia a que se reporta o mesmo recibo, no valor de 3.306,69 €, foi-lhe creditada na sua conta através de transferência bancária no dia 30 de Setembro, incluindo tal valor a remuneração do mês Setembro, o subsídio de alimentação, os proporcionais do subsídio de férias de 2005, das férias não gozadas de 2005 e do subsídio de Natal, devidos pela cessação do contrato de trabalho.
Agradecendo toda a colaboração prestada, apresentamos a V. Ex.a os melhores cumprimentos.
O Presidente do Centro Regional das Beiras
da Universidade Católica Portuguesa”
4. A autora foi admitida para trabalhar por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré em Setembro de 1996, integrando o corpo docente da ré.
5. A A. exercia as funções inerentes à categoria profissional de assistente convidada, leccionando as cadeiras de Gestão Cultural, História da Arte e Museologia, na licenciatura em Comunicação Social e Cultural - variante de Comunicação Cultural, exercendo as suas funções de docente e tendo como local de prestação de trabalho a Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional das Beiras, Pólo de Leiria.
6. A A. cumpria horários de trabalho previamente estabelecidos pela R., assinava o livro de ponto/sumários, cumpria a calendarização para os pontos de exame, sua correcção e publicação, procedendo de igual forma relativamente aos exames orais e tinha igualmente de justificar as suas faltas.
7. Como contrapartida da prestação do seu trabalho a A. auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.263,04.
8. Autora e ré não celebraram por escrito qualquer contrato de trabalho.
9. Nunca a A. passou qualquer “recibo verde”.
10. A A. recebeu a sua remuneração através de recibo emitido pela UCP-Centro Regional das Beiras.
11. Ainda era pago à A. subsídio de refeição, subsídio de Natal, subsídio de férias, submetidos a descontos legais.
12. A autora, no ano de 1997 e seguintes, leccionou as cadeiras de Gestão Cultural e Museologia, na licenciatura em Comunicação Social e Cultural – variante de Comunicação Cultural.
13. Durante o ano de 1998 e parte do ano de 1999, a A. leccionou as cadeiras de Gestão Cultural e Museologia.
14. No ano lectivo de 1999/2000, a A., para além das cadeiras já referidas, passou a leccionar também, História de Arte.
15. No ano de lectivo 2000/2001, a A. leccionou as cadeiras de História Contemporânea, Museologia, Relações Públicas e História de Arte.
16. No ano lectivo de 2001/2002, a A. leccionou as cadeiras de Fomento Cultural Autárquico, História Contemporânea I e História de Arte, para além de acompanhar os Estágios de Comunicação.
17. No ano lectivo de 2002/2003, a A. leccionou as cadeiras de História de Arte Portuguesa, Museologia, Gestão Cultural e História de Arte.
18. No ano lectivo de 2003/2004, a A. leccionou as cadeiras de História de Arte Portuguesa, Cultura e Desenvolvimento, Museologia e Gestão Cultural.
19. No ano lectivo de 2004/2005, a A. leccionou as cadeiras de Cultura e Desenvolvimento, Fomento Cultural Autárquico.
20. Desde o ano da contratação da A. ou seja, em 1996 até 2005, sempre esta prestou à R. a mesma actividade, sujeita às orientações [e] directrizes [sic].
21. A A. desde o início do seu vínculo laboral sempre exerceu as suas obrigações, de respeito, urbanidade, zelo, assiduidade, diligência, profissionalismo no trabalho executado, cumprindo com grande dedicação e zelo todos os deveres a que estava obrigada.
22. A conduta da A. sempre se pautou com total dedicação, empenho e um enorme sentido de responsabilidade, pois que, desde o início do seu vínculo laboral, tem demonstrado à saciedade o seu profissionalismo, muitas vezes em prejuízo da sua vida pessoal, familiar e social.
23. Procedeu ainda a R. ao despedimento colectivo de diversos docentes do Pólo de Leiria do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica, no ano de 2004.
24. Este despedimento colectivo, envolveu os docentes, Dr.ª C...A..., Mestre L...G..., Dr.ª R...C..., Dr. V...R..., Mestre J...C...L....
25. E neste caso, entre os docentes envolvidos no processo de despedimento colectivo, encontrava-se a Dr.ª C...A..., a qual tinha a mesma categoria da A., ou seja, era Assistente Convidada
26.º Toda esta situação criou na autora tristeza, angústia e depressão.

27. Por norma os contratos docentes não integrados no estatuto da Carreira Docente têm a duração de um ano lectivo, tendo o seu início nem 01 de Outubro e cessam em 30 de Setembro do ano subsequente.


28. Por não se tratar de docente integrada no Estatuto da Carreira Docente, a A. não estava obrigada à obtenção dos graus académicos, como o exige o referido Estatuto.

29. O Pólo de Leiria foi encerrado no ano de 2005, por falta de alunos.
30. A A A. foi contratada especificamente para, na qualidade de docente convidada, leccionar no Pólo de Leiria.»

O Tribunal da Relação aditou a este elenco de factos o seguinte:

«- a ré e a autora acordaram verbalmente que o vínculo contratual tinha lugar com a duração de um ano, com início em 1 de Outubro e cessação em 30 de Setembro do ano [subsequente], tendo no último ano da sua vigência início em 1 de Outubro de 2004 e cessação a 30 de Setembro de 2005.»


Fê-lo, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil (CPC) — todas as referências a este diploma se reportam à versão anterior à que resultou da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto —, no entendimento de que tal factualidade, alegada na contestação, assume, na configuração dada ao litígio, e face ao disposto nos artigos 487.º e 493.º, n.º 2, daquele diploma, carácter de defesa por excepção, com reflexos no ónus de alegação e prova decorrentes da norma do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que haveria de ter sido impugnada em articulado de resposta — posto que não podia considerar-se negada na petição inicial —, o que não sucedeu, por isso que, atendendo ao disposto no artigo 60.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (CPT), a dita factualidade teria de considerar-se admitida por acordo.


2. Na revista, a Autora exprime a sua discordância relativamente a tal decisão, invocando expressamente, nas conclusões da alegação, as normas dos artigos 342.º, n.os 1 e 2 e 352.º do Código Civil, 487.º, 488.º e 712.º, n.º 1, do CPC, que, na sua óptica, não foram correctamente interpretadas e aplicadas.

A Ré, na contra-alegação, pretende que, atento o disposto nos artigos 690.º, n.os 2 e 3 e 721.º, n.º 2, do CPC, o recurso deve ser julgado deserto, dizendo que a recorrente não invocou a norma de direito substantivo violada, fundamento especifico do recurso de revista, e sustentando que haveria de o ter feito nas conclusões da alegação e que a omissão equivale à falta de alegação, com a consequência de o recurso ser julgado deserto.

É certo que o fundamento específico do recurso de revista é a violação de lei substantiva (artigo 721.º, n.º 2, do CPC) e que, versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas [artigo 690.º, n. º 2, alíneas a) e b), do CPC].

A falta daquelas indicações — como a falta de conclusões, a deficiência, obscuridade ou complexidade destas — dá lugar a convite para que o recorrente supra a omissão, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada (n.º 4 do artigo 690.º), não equivalendo, ao contrário do que defende a Ré, à falta da alegação, sendo que só esta tem como consequência a deserção do recurso (n.º 3 do artigo 690.º), convite que, no caso, foi formulado pelo relator e ao qual a recorrente respondeu, aperfeiçoando as conclusões, as quais, visando criticar o acórdão no ponto em que decidiu alterar a matéria de facto — alteração em que veio a ser sustentada a decisão sobre o mérito da causa —, mencionam, além de regras de direito adjectivo, os artigos 342.º, n.os 1 e 2 e 352.º do Código Civil, que não podem deixar de considerar-se normas de direito substantivo, sendo que, por outro lado, é minimamente perceptível qual o sentido e alcance que a recorrente delas extrai para sustentar a sua pretensão.

Improcede, por conseguinte, a questão suscitada pela recorrida.

3. A questão central do recurso reside em saber se a Relação podia alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos em que o fez.

3. 1. Numa primeira vertente, importa determinar se, ao alegar a factualidade que o Tribunal da Relação veio a aditar ao elenco dos factos provados, a Ré deduziu defesa por excepção, o que pressupõe averiguar se, atento o objecto da acção (a causa de pedir e o pedido), aqueles factos assumem a natureza de impeditivos do direito invocado pela Autora, caso em que, à demandada competia o ónus de alegação e prova (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil) e à demandante o ónus de impugnação dos mesmos — artigos 60.º, n.º 3, do CPT e 490.º, n.º 2, do CPC.

Sobre o problema o Tribunal da Relação discorreu assim:

«Na contestação, a ré alegou que celebrou com a autora, não um, mas vários contratos de trabalho, cada um com a duração de um ano, com início em 1 de Outubro e cessação em 30 de Setembro do ano, tendo o último, conforme acordo verbal com a autora, tido início em 1 de Outubro de 2004 e cessação a 30 de Setembro de 2005 (artigos 10.º a 15.º da contestação).
Ora, a estipulação de termo no contrato trata-se, sem dúvida, de matéria de excepção, uma vez que reveste a natureza de facto impeditivo do direito da autora que pressupõe a existência de um contrato por tempo indeterminado (v. artigos 487.º e 493.º, nº 2, do C.P. Civil).
A sentença recorrida assim o qualificou, de resto, ao entender que a estipulação de termo era um facto que competia à ré provar como facto impeditivo e nos termos do disposto no artigo 342.º n.º 2 do Código Civil. É a seguinte a passagem da sentença que o refere: “Não se sabe [se] era o caso dos autos, ou seja, se no caso concreto a duração do contrato era de um ou mais anos. À ré caberia fazer a sua prova [artigo 342º, nº 2 do Código Civil]. Como o não fez, não pode invocar a caducidade [mesmo que automática] do contrato de trabalho, para pôr fim à relação laboral, uma vez que não se sabe se na data que alega o contrato caducaria ou não”.
Ora, tal facto impeditivo não pode considerar-se impugnado “à cabeça” na petição inicial da autora, considerando que esta, naquele articulado, já teria negado aquele facto.
O que se observa da petição é que a autora sustentou que se devia considerar como trabalhadora em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado porquanto não foi celebrado qualquer contrato de trabalho por escrito (artigo 25.º da petição).
Esta é uma questão diferente, a ser abordada em termos de apreciação jurídica da sua subsistência.
Certo é que a autora não negou antecipadamente, de forma explícita ou implícita, que tivesse havido acordo verbal quanto à estipulação de termo no contrato (este de reconhecida existência pelas partes como tendo sido ajustado verbalmente).
Daí que, tratando-se de excepção, a autora devesse ter tomado posição expressa quanto ao facto impeditivo em questão, na resposta à contestação, sob pena de se ter tal facto admitido por acordo (artigo 60.º n.º 3 do CPT).
Esse facto (aposição de termo) não carecia de ser provado por escrito, como veremos adiante, pelo que a sua admissão por acordo não estava vedada ao julgador.
Mas, a autora nas suas alegações de recurso vem defender que a ré não apresentou tal matéria como excepção, distinguindo-a separada-mente como manda o artigo 488.º do C. P. Civil. E assim não sucedeu, na verdade.
Todavia, entendemos que a alegação em causa reveste suficiente clareza e a circunstância da matéria de excepção assinalada não ter sido exposta separadamente apenas reveste a natureza de nulidade processual nos termos do artigo 201.º do CPC. Nulidade essa que, sendo passível de reclamação pela autora, não foi arguida em prazo (artigo 205.º do CPC). Não o tendo sido, não cumpre dela conhecer agora e dela extrair consequências obstativas à admissão por acordo do facto que corporiza a excepção, ante a falta de resposta à contestação. É que, como dissemos, o facto foi exposto com clareza e, também, com clareza a autora foi com ele confrontada.
Repetimos que, neste caso, tal facto se reveste de matéria de excepção à qual a autora deveria ter respondido, sob pena de se ter considerado admitido por acordo. Não estamos perante uma situação de uma impugnação de despedimento fundado em justa causa na qual (tratando-se, a nosso ver, de acção de simples apreciação negativa) à autora apenas competiria alegar o contrato e o despedimento e à ré competiria provar os factos da justa causa invocada. Estamos numa situação em que a autora invoca um despedimento e a ré invoca uma causa de extinção diversa, alegando factos que impedem a caracterização da cessação como despedimento.»

3. 2. Entre os motivos expressos na alegação da revista para criticar o acórdão, a recorrente invoca que foi ignorada a confissão expressa de factos alegados nos seguintes artigos da petição inicial:

«2.º - Porém o que aconteceu, foi que a R. convocou a A. para uma reunião a realizar-se no dia 7 de Julho de 2005, peias 17 horas.
3.º - A A. não compareceu a essa reunião, tendo a s/mandatária por fax de 7 de Julho de 2005, dirigido ao Consultor Jurídico do Centro Regional das Beiras da UCP, informando que qualquer assunto a tratar e respeitante à A., a partir dessa data, lhe deveria ser dirigido (doc. n.º 1).
5.º - Aliás, na resposta à mandatária da A., o consultor jurídico da R., em 7/07/2005, refere expressamente que “5. Como a Exma. Senhora Doutora compreenderá, não pode a U.CP./CR.B. deixar de remeter à Senhora Professora AA uma comunicação por escrito, dando-lhe conta do propósito da Universidade.”
6.º - A A. foi admitida para trabalhar por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré em Setembro de 1996, integrando o corpo docente da R..
7.º - A A. exercia as funções inerentes à categoria profissional de assistente convidada, leccionando as cadeiras de Gestão Cultural, História da Arte e Museologia, na licenciatura em Comunicação Social e Cultural - variante de Comunicação Cultural, exercendo as suas funções de docente e tendo como local de prestação de trabalho a Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional das Beiras, Pólo de Leiria (doc. n.º 2).
8.º - E ainda, a A. cumpria horários de trabalho previamente estabelecidos pela R., assinava o livro de ponto/sumários, cumpria a calendarização para os pontos de exame, sua correcção e publicação, procedendo de igual forma relativamente aos exames orais e tinha igualmente de justificar as suas faltas.
9.º - Como contrapartida da prestação do seu trabalho a A. auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.263,04, conforme consta do recibo de vencimento que aqui se junta como doc. n.º 3.
11.º - (...) nunca A. e R. celebraram qualquer contrato de trabalho por escrito.
12.º Alega ainda a R. na sua carta datada de 3 de Outubro de 2005, para além do mais, “que a A. não leccionou qualquer disciplina desde Fevereiro de 2005, data do encerramento do Pólo de Leiria, mas que apesar disso, continuou-lhe a proceder ao pagamento dos vencimentos” (vide doc. n.º 1).
26.º - Mais, nunca a A. passou qualquer “recibo verde” (...).
27.º - Ao invés, sempre a A, recebeu a sua remuneração através de recibo emitido peia UCP - Centro Regional das Beiras (vide doc. n.º 4).
28.º - Ainda era pago à A. subsídio de refeição, subsídio de Natal, subsídio de férias submetidos a descontos legais (vide doc. 4).
35.º - E no ano de 1997 e seguintes, a A. leccionou as cadeiras de Gestão Cultural e Museologia, na licenciatura em Comunicação Social e Cultural - variante de Comunicação Cultural.
36.º - Durante o ano de 1998 e parte do ano de 1999, a A. leccionou as cadeiras de Gestão Cultural e Museologia.
37.º - No ano lectivo de 1999/2000, a A. para além das cadeiras já referidas, passou a leccionar, também, História de Arte.
38.º - No ano de lectivo 2000/2001, a A. leccionou as cadeiras de História Contemporânea, Museologia, Relações Públicas e História de Arte.
39.º - No ano lectivo de 2001/2002, a A. leccionou as cadeiras de Fomento Cultural Autárquico, História Contemporânea I e História de Arte, para além de acompanhar os Estágios de Comunicação.
40.º - No ano lectivo de 2002/2003, a A. leccionou as cadeiras de História de Arte Portuguesa, Museologia, Gestão Cultural e História de Arte.
41.º - No ano lectivo de 2003/2004, a A. leccionou as cadeiras de História de Arte Portuguesa, Cultura e Desenvolvimento, Museologia e Gestão Cultural.
42.º - No ano lectivo de 2004/2005, a A. leccionou as cadeiras de Cultura e Desenvolvimento, Fomento Cultural Autárquico.
43.º - Desde o ano da contratação da A. ou seja, em 1996 até 2005, sempre esta prestou à R. a mesma actividade, sujeita às orientações, directrizes (...).
44.º - A A. desde o início do seu vínculo laboral sempre exerceu as suas obrigações, de respeito, urbanidade, zelo, assiduidade, diligência, profissionalismo no trabalho executado, cumprindo com grande dedicação e zelo todos os deveres estatuídos do n.º 1 e n.º 2 do art. 121.º do Código de Trabalho.
45.º - A conduta da A. sempre se pautou com total dedicação, empenho e um enorme sentido de responsabilidade, pois que, desde o início do seu vínculo laboral, tem demonstrado à saciedade o seu profissionalismo (...).
53.º - Procedeu ainda a R. ao despedimento colectivo de diversos docentes do Pólo de Leiria do Centro Regional das Beiras da Universidade Católica, no ano de 2004, conforme se vê do documento que se junta sob o doc. n.º 4.
54.º - Este despedimento colectivo envolveu os docentes, Dr.ª C...A..., Mestre L...G..., Dr.ª R...C..., Dr. V...R..., Mestre J...C...L... (vide doc. n.º 5).
55.º - E neste caso, entre os docentes envolvidos no processo de despedimento colectivo, encontrava-se a Dr.ª C...A..., a qual tinha a mesma categoria da A. ou seja, era Assistente Convidada, pelo que, desde já se requer a junção aos presentes autos pela R. do processo de despedimento colectivo, bem como os processos individuais dos docentes referenciados para prova do ora alegado.»

Estes factos — todos incluídos no elenco da matéria de facto provada —, como é fácil de ver, em nada afectam os alicerces do raciocínio que conduziu à consideração de que os factos alegados na contestação referentemente à anualidade do vínculo laboral assumem, no contexto da acção, a natureza de factos impeditivos, não se vislumbrando, por outro lado, qualquer contradição entre uns e outros.

Aduz, outrossim, a recorrente que apenas lhe competia provar a existência do contrato de trabalho e o despedimento, e que à Ré competia alegar e provar a justa causa, sendo que a alegação da factualidade descrita na contestação integradora da justa causa, por isso que, fazendo parte da estrutura da acção, configura defesa por impugnação e não por excepção.

3. 3. No ensinamento de Manuel A. Domingues de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1963, págs. 122 e segs.), defesa por impugnação é «toda a defesa directa, toda aquela que ataca de frente o pedido, contradizendo os factos aduzidos pelo Autor como constitutivos do seu direito, ou o efeito jurídico que deles pretende tirar o Autor (inconcludência da petição)», podendo apresentar-se na modalidade de negação directa — negação rotunda ou genérica do facto visado —, na modalidade de negação indirecta ou motivada — traduzida numa contra-versão ou contra-exposição do mesmo facto, de tal modo que dele não pode resultar o efeito pretendido pelo Autor — ou, ainda, na modalidade de negação formal e simples desconhecimento.

Defesa por excepção «é toda a defesa indirecta; toda a defesa que não é por impugnação; toda a defesa que não se traduz, portanto, num ataque frontal à pretensão do Autor (na negação de realidade ou da concludência dos factos por ele invocados como constitutivos do seu direito), mas tão somente num ataque lateral ou de flanco», nela se incluindo a «invocação de factos ou causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção — a uma sentença material desfavorável (mais ou menos) a esse pleiteante. O Réu não nega os factos donde o Autor pretende ter derivado os seu direito, mas opõe-lhe contra-factos (Nikisch) que lhe teriam excluído ou paralisado desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente alterado ou suprimido os efeitos que chegaram a produzir» (obra e local citados).

No caso que nos ocupa, a Autora invocou o direito à reintegração (ou indemnização substitutiva) e às retribuições que deixou de auferir, alegando, ter celebrado com a Ré um contrato de trabalho não escrito e que esta lhe comunicou a cessação do mesmo, e que essa comunicação configura um despedimento ilícito.

Na contestação, a Ré, aceitando ter celebrado verbalmente o contrato de trabalho, aduziu que foi convencionado que ele tinha a duração de um ano e que o último contrato teve o seu início em 1 de Outubro de 2004, cessando em 30 de Setembro de 2005, pelo que o vínculo cessou por caducidade.

Deste modo, a defesa da Ré não constitui uma mera negação da existência dos factos dos quais a Autora fez decorrer o efeito jurídico invocado, factos esses aceites na contestação — celebração informal do contrato e comunicação da cessação; tal defesa contém um elemento de facto novo, no sentido de que a ele não se fez alusão na petição — a estipulação verbal de uma cláusula de termo —, um contra-facto do qual decorre, na perspectiva da contestação, um efeito jurídico (caducidade) diferente do invocado na petição (despedimento), impedindo a produção deste.

Estamos, assim, perante a alegação de facto correspondente a uma causa impeditiva do direito invocado pela Autora, por isso que, não se mostrando em oposição frontal aos fundamentos da acção expostos na petição inicial, apreciados no seu conjunto, antes se apresentando como um ataque lateral ou de flanco à pretensão nela formulada, num quadro alegatório que pressupunha a não exigência de documento escrito para a prova do facto.

Perante isto, tem de considerar-se, como considerou o Tribunal da Relação, que aquela alegação configura defesa por excepção, o que implicava que, em articulado de resposta, a Autora viesse a tomar posição sobre os elementos constitutivos da mesma, impugnando-os ou invocando elementos impeditivos, modificativos ou extintivos e do correlativo efeito jurídico — no caso, a caducidade do contrato.

3. 4. A Autora não apresentou articulado de resposta. Alega que a Ré não distinguiu, na contestação, de forma clara e inequívoca a defesa por excepção e por impugnação, como determinam os artigos 487.º e 488.º do CPC, vício que, em seu entendimento, a Relação não podia sanar e que, extrai-se do que, a propósito, se mostra vertido no corpo da alegação, determinou a dúvida sobre a distinção entre negação motivada e excepção peremptória, a resolver no sentido de ser a defesa qualificada como impugnação.

Sobre este ponto, o acórdão recorrido entendeu, como se vê do trecho supra transcrito, que a alegação da causa impeditiva se mostra feita com suficiente clareza na contestação e que a circunstância de a matéria da excepção não ter sido apresentada separadamente apenas reveste a natureza de nulidade processual nos termos do artigo 201.º do CPC, a qual sendo passível de reclamação, não foi arguida tempestivamente, como prescreve o artigo 205.º do CPC, não podendo por isso dela conhecer e extrair dela as consequências da falta de resposta à contestação.

Subscreve-se este entendimento.


Com efeito, a dúvida relevante quanto à qualificação da defesa como impugnatória ou exceptiva, radica numa incerteza quanto ao carácter constitutivo ou impeditivo dos factos alegados, atenta a sua conexão com o direito invocado ou a pretensão formulada, caso em que, nos termos do artigo 342.º, n.º 3, do Código Civil, a alegação deve considerar-se reportada a factos constitutivos do direito invocado. Mostrando-se, com clareza, que o facto alegado, na contestação, é um contra-facto, que obsta à produção do efeito jurídico que se pretende fazer valer na acção, tanto basta para se considerar que ele integra defesa por excepção, sendo, para tanto, irrelevante a circunstância de não ter sido cumprida a formalidade de, como tal, o destacar, em segmento da peça contestatória.

É certo que a omissão daquela formalidade, podendo dificultar a percepção da parte contrária, quanto à caracterização da defesa apresentada, é susceptível de ter reflexos no cabal exercício dos seus direitos processuais e, consequentemente, vir a influir no exame e na decisão da causa, desse modo se assumindo como irregularidade apta a produzir nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, a qual, porém, só poderia ser conhecida desde que arguida tempestivamente, pela Autora, o que não aconteceu — a questão da irregularidade só foi levantada no recurso de apelação —, por isso que deve considerar-se sanada (artigos 202.º, 203.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, do CPC).

Ora, face ao que acima se deixou explanado, nenhuma dúvida existe quanto à natureza impeditiva da factualidade em causa.

Assim, à Autora incumbia o ónus de impugnar essa factualidade, nos termos das disposições combinadas dos artigos 60.º, n.º 3, do CPT e 490.º, n.º 2, do CPC, sob pena de ela se considerar admitida por acordo, no pressuposto de quanto a ela ser admitida confissão e a sua prova não se encontrar dependente da existência de documento escrito.


Relativamente a este último aspecto, concluiu-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de Novembro de 2009 (Processo n.º 301/07.7TTAVR.C1.S1, em www.dgsi.pt), que, no regime especial de contratação de pessoal docente consignado no Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, que se entendeu não enfermar de inconstitucionalidade ou ilegalidade, «não existe norma que imponha a redução a escrito do contrato, diversamente do que sucede no regime comum que manda considerar como contrato sem termo aquele a que falte a redução a escrito, onde, entre o mais, conste o prazo estipulado e a indicação do motivo justificativo da duração limitada do contrato, deste modo consignando uma formalidade ad substantiam reportada à aposição do termo», entendimento que aqui se acolhe, em apoio do que, a propósito, se afirma no acórdão impugnado.


3. 5. Segundo a recorrente, o acórdão impugnado não podia alterar a decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.º 1, do CPC, por não dispor de todos os elementos de prova.


De acordo com o referido preceito, na parte que aqui releva, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação «a) [s]e do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; b) [s]e os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas».


Resulta, com clareza, do texto do acórdão que se transcreveu, que o Tribunal da Relação fundou a decisão de alterar a matéria de facto, não na apreciação das provas produzidas, mas na circunstância de não ter havido resposta à matéria da excepção, da qual extraiu a consequência de que os atinentes factos se encontravam provados por acordo, situação que, consequenciando a inadmissibilidade, irrelevância e inexigibilidade de produção de prova sobre eles (artigo 646.º, n.º 4, do CPC), se acha contemplada na alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º do CPC.


Disto resulta, também, que não pode assacar-se ao acórdão recorrido a violação do princípio do dispositivo, a que alude a Autora, quando alega que lhe foi vedado oferecer prova que poderia ter produzido sobre a matéria em causa.


Não procede, por isso, o que a tal respeito vem alegado na revista.


3. 6. Também não procede a alegação de que a matéria de facto fixada na 1.ª instância se tornou insindicável, porque a Ré não usou da faculdade, consignada no artigo 653.º, n.º 4, do CPC, de reclamar contra deficiências, obscuridades ou contradições da respectiva decisão ou contra a falta da sua fundamentação, visto que a reclamação ali facultada não se destina a impugnar o sentido da decisão, impugnação que se faz através de recurso, cuja admissibilidade a lei não faz depender do uso daquela faculdade.


3. 7. Diz a recorrente que o acórdão «entra em contradição com o alegado pela própria Recorrida no seu art.º 26.º da douta contestação, onde é expressamente referido queContrato esse que teve o seu início em 1 de Outubro de 1999 e celebrado pelo prazo de seis anos”».


Examinado todo o texto da contestação, nele não se encontra a asserção que a recorrente diz constar do artigo 26.º, sendo de supor que se tratou de evidente lapso, pois o que ali se escreveu foi: «Pelos motivos expostos, é manifesto que não existe qualquer “nulidade do despedimento”», por isso que, como se refere na contra-alegação da revista, carece de sentido, sendo despropositado, o vertido na conclusão 13 da alegação da recorrente.


3. 8. Em suma, no pressuposto de que a prova da estipulação do termo no contrato, face ao regime especial que se entendeu reger a relação laboral em causa, não depende de documento escrito, nada impedia que a Relação procedesse à alteração da matéria de facto nos termos em que o fez.


4. A recorrente critica a solução jurídica do pleito, apontando ao acórdão recorrido erro de julgamento, no ponto em que nele se afirmou “... Chegados aqui, podemos concluir que o contrato de trabalho entre a autora e ré chegou ao seu termo em 30 de Setembro de 2005, considerando o termo que foi, verbal e licitamente, estipulado”. Diz a recorrente que tal erro decorre de, nem ela, nem a recorrida, nem o Mmo. Juiz na 1.ª instância, terem suscitado a questão da validade da estipulação verbal ou escrita no contrato de trabalho, até porque a mesma é inexistente.


Aquela afirmação do Tribunal da Relação mostra-se alicerçada, por um lado, no entendimento de que ao vínculo laboral em causa não é aplicável o regime geral do Código do Trabalho, mas o regime especial que consta do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, conforme havia considerado a sentença da 1.ª instância, regime segundo o qual a celebração de contrato de trabalho de docência com estipulação de termo não está sujeita a forma escrita, e, por outro lado, na circunstância de, por via da alteração da matéria de facto operada no recurso de apelação, se ter por adquirido que as partes acordaram verbalmente que o vínculo contratual tinha lugar com a duração de um ano, tendo no último ano da sua vigência início em 1 de Outubro de 2004 e cessação a 30 de Setembro de 2005.


A crítica, tanto quanto é possível extrair dos termos em que se encontra formulada nas conclusões do recurso, dirige-se, não ao juízo que incidiu sobre o regime jurídico aplicável e interpretação deste, no tocante à validade da estipulação verbal do termo — que, diz a recorrente, foi questão nunca levantada —, mas à consideração de que, no caso, existiu essa estipulação verbal, retirando-se da leitura do corpo da peça alegatória que o reparo feito ao acórdão radica na alegação de que não ficou provada a existência de termo no contrato em causa.


Ora, tendo-se concluído que a decisão do Tribunal da Relação que alterou a matéria de facto, dando como provada a existência de estipulação do termo, não merece censura, carece de fundamento a alegação de que não se provou, ou não existiu, a estipulação verbal de prazo de vigência da relação laboral, não podendo, por outro lado, ser atendida a alegação de que a Relação teve por fundamento «factos que não foram objecto de discussão na primeira instância, pelo menos na forma como foram ponderados e elencados no douto Acórdão», desse modo violando «o princípio da imutabilidade das situações jurídicas».


5. Dado que a recorrente não põe em causa a aplicação do direito aos factos que o acórdão recorrido considerou provados, do que se intui que se conformou com o que, a propósito desse aspecto da lide, foi decidido, mais considerações não são necessárias para concluir pela improcedência da pretensão formulada no recurso, no tocante ao mérito da causa.


6. A recorrente imputa à Ré, tal como fizera no recurso de apelação, litigância de má fé, propugnando a sua condenação em multa, por ter invocado a seu favor a cominação do n.º 2 do artigo 490.º do CPC, tendo antes, na contestação, cometido a irregularidade que consistiu no incumprimento do artigo 488.º do mesmo diploma.

De acordo com o n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil «[d]iz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) [t]iver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) [t]iver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) [t]iver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) [t]iver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.»

Aquela conduta processual não se enquadra em nenhuma das alíneas do preceito que se transcreveu, nem em relação a ela se pode falar de dolo ou negligência grave, por isso que não se vislumbra fundamento para condená-la, como litigante de má fé.

Deste modo, também não merece censura o que a tal respeito decidiu o acórdão impugnado.

III

Por tudo o exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da Autora.

Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010.

Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira