Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | VASQUES DINIS | ||
Descritores: | ALEGAÇÕES DE RECURSO CONCLUSÕES DESERÇÃO CONTESTAÇÃO DEFESA POR EXCEPÇÃO FALTA DE RESPOSTA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 02/03/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | I - Versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões da alegação devem indicar as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas [artigo 690.º, n. º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil (CPC) — versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto]. II - A falta daquelas indicações — como a falta de conclusões, a deficiência, obscuridade ou complexidade destas — dá lugar a convite para que o recorrente supra a omissão, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada (n.º 4 do artigo 690.º, do CPC); não equivale à falta da alegação que tem como consequência a deserção do recurso (n.º 3 do artigo 690.º do CPC). III - Em acção em que a trabalhadora pede a reintegração (ou indemnização substitutiva) e as retribuições que deixou de auferir, alegando ter celebrado com a demandada um contrato de trabalho não escrito, que esta lhe comunicou a cessação do mesmo, e que essa comunicação configura um despedimento ilícito, constitui defesa por excepção a alegação, pela Ré, na contestação, de que fora convencionado que o contrato tinha a duração de um ano e que o vínculo cessou por caducidade. IV - Uma tal defesa da Ré não constitui uma mera negação da existência dos factos dos quais a Autora fez decorrer o efeito jurídico invocado, factos esses aceites na contestação — celebração informal do contrato e comunicação da cessação; contém um elemento de facto novo, no sentido de que a ele não se fez alusão na petição — a estipulação verbal de uma cláusula de termo —, um contra-facto do qual decorre, na perspectiva da contestação, um efeito jurídico (caducidade) diferente do invocado na petição (despedimento), impedindo a produção deste. V - A alegação desse facto, correspondente a uma causa impeditiva do direito invocado pela Autora, não se mostrando em oposição frontal aos fundamentos da acção expostos na petição inicial, apreciados no seu conjunto, apresenta-se como um ataque lateral ou de flanco à pretensão nela formulada, o que implicava que, em articulado de resposta, a Autora viesse a tomar posição sobre os elementos constitutivos da excepção, impugnando-os ou invocando elementos impeditivos, modificativos ou extintivos e do correlativo efeito jurídico — a caducidade do contrato. VI - A dúvida relevante quanto à qualificação da defesa como impugnatória ou exceptiva, radica numa incerteza quanto ao carácter constitutivo ou impeditivo dos factos alegados, atenta a sua conexão com o direito invocado ou a pretensão formulada, caso em que, nos termos do artigo 342.º, n.º 3, do Código Civil, a alegação deve considerar-se reportada a factos constitutivos do direito invocado. VII - Mostrando-se, com clareza, que o facto alegado, na contestação, é um contra-facto, que obsta à produção do efeito jurídico que se pretende fazer valer na acção, tanto basta para se considerar que ele integra defesa por excepção, sendo, para tanto, irrelevante a circunstância de não ter sido cumprida a formalidade, prevista no artigo 488.º do CPC, de, como tal, o destacar, em segmento da peça contestatória. VIII - A omissão daquela formalidade, podendo dificultar a percepção da parte contrária, quanto à caracterização da defesa apresentada, é susceptível de ter reflexos no cabal exercício dos seus direitos processuais e, consequentemente, vir a influir no exame e na decisão da causa, desse modo se assumindo como irregularidade apta a produzir nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, a qual, porém, não pode ser conhecida se apenas for suscitada no recurso de apelação, caso em que deve considerar-se sanada, por não ter sido arguida tempestivamente (artigos 202.º, 203.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, do CPC). IX - Não tendo a Autora produzido articulado de resposta, incumpriu o ónus de impugnar a factualidade integrante da excepção, devendo, por isso, nos termos das disposições combinadas dos artigos 60.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho e 490.º, n.º 2, do CPC, considerar-se admitida por acordo, no pressuposto de quanto a ela ser admitida confissão e a sua prova não se encontrar dependente da existência de documento escrito. X - No regime especial de contratação de pessoal docente consignado no Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, diversamente do que sucede no regime laboral comum, a celebração de contrato de trabalho de duração limitada não está sujeita a forma escrita. XI - No quadro descrito nos pontos anteriores, que consequencia a inadmissibilidade, irrelevância e inexigibilidade de produção de prova (artigo 646.º, n.º 4, do CPC), é consentido ao Tribunal da Relação, alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal de 1.ª instância, declarando provado o facto não impugnado, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º do CPC. XII - A tal não obsta a circunstância de a Ré não ter usado da faculdade, consignada no artigo 653.º, n.º 4, do CPC, de reclamar contra deficiências, obscuridades ou contradições da respectiva decisão ou contra a falta da sua fundamentação, visto que a reclamação ali facultada não se destina a impugnar o sentido da decisão, impugnação que se faz através de recurso, cuja admissibilidade a lei não faz depender do uso daquela faculdade. XIII - Não configura litigância de má fé, por não preencher os pressupostos consignados no n.º 2 do artigo 456.º do CPC, a conduta processual da Ré que consistiu em invocar a seu favor, no recurso de apelação, a cominação do n.º 2 do artigo 490.º do CPC, tendo antes, na contestação, incumprido a formalidade imposta pelo 488.º do mesmo diploma, quanto à dedução das excepções. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No Tribunal do Trabalho de Leiria, em acção com processo comum, intentada em 27 de Julho de 2006, AA demandou a Universidade Católica Portuguesa, alegando, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em Setembro de 1996, por contrato de trabalho não escrito, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de assistente convidada, tendo como local de prestação de trabalho a Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional das Beiras, Pólo de Leiria; que a ré a despediu ilicitamente; que houve violação do princípio da igualdade, uma vez que a ré em situações semelhantes procedeu ao despedimento colectivo; que toda a situação lhe provocou depressão, nervosismo, angústia e abalo moral. Concluiu que deve a acção «ser julgada procedente por provada e em consequência: a) deve o despedimento ser declarado ilícito e a R. ser condenada nos termos dos arts. 436.º e 437.º do Código do Trabalho; b) deve a R. ser condenada a reintegrar a A. ao seu serviço, “sem prejuízo da sua categoria e antiguidade” ou em substituição, pode a A. optar por uma indemnização nos termos do disposto no artigo 439.º do Código do Trabalho; c) deve a R. ser condenada a pagar à A. a quantia a apurar em execução de sentença, a título de retribuições devidas e não pagas, bem como de outros montantes que se demonstrem devidos; d) deve a R. ser condenada a pagar à A. o montante de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais; e) deve a R. ser condenada no pagamento dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.» Na contestação, a Ré, para sustentar a improcedência da acção, alegou, em resumo, que o contrato em causa está sujeito a um regime especial, não se lhe aplicando a lei geral, uma vez que as normas que regulamentam tal contrato são as que constam do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, conforme decorre do artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, sendo que, de acordo com tal regulamentação, os contratos dos docentes não integrados, como é o caso da Autora, têm a duração de um ano lectivo, com o seu início em 1 de Outubro e o seu fim no dia 30 de Setembro do ano subsequente, e o último contrato celebrado com a Autora teve o seu fim em 30 de Setembro de 2005, pelo que caducou no prazo acordado; por outro lado, segundo o mesmo regime, o contrato também caduca quando se verifica a impossibilidade absoluta e definitiva de o docente prestar o trabalho a que se vinculou, pelo que, tendo o pólo de Leiria encerrado no ano de 2005, por falta de alunos, sempre o contrato cessaria por caducidade. Não violou o princípio da igualdade, uma vez que a Autora se manteve em funções até ao encerramento do pólo de Leiria, sendo certo que a promoção do processo de despedimento colectivo foi feita indevidamente. Saneada e instruída a causa, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu declarar «ilícito o despedimento com que a Ré Universidade Católica Portuguesa sancionou a autora AA» e condenar a Ré a pagar-lhe: A Ré apresentou a sua alegação de recorrida, rematada pelas seguintes conclusões: «1.ª - É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o âmbito dos recursos é determinado nas conclusões da respectiva alegação. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, o relator proferiu despacho convidando a Autora a aperfeiçoar as conclusões do recurso, sob pena de, não o fazendo, não se conhecer do seu objecto na parte afectada., designadamente no tocante à questão da caducidade do contrato, tendo a recorrente respondido com a apresentação das conclusões cujo texto, no essencial, corresponde ao das anteriormente formuladas, com aditamento de preceitos legais. Sobre as novas conclusões, a recorrida não tomou posição. A Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista. A tal parecer respondeu a Ré para reafirmar a posição anteriormente assumida. 3. Face ao teor das conclusões formuladas pela recorrente, as questões que vêm colocadas à apreciação deste Supremo Tribunal são as seguintes: — Saber se o Tribunal da Relação podia alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto; — Saber se há fundamento para condenar a Ré por litigância de má fé. Preliminarmente, haverá que apreciar o alegado pela recorrida quanto à deserção do recurso (conclusões 1.ª a 6.ª da contra-alegação). Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Na 1.ª instância foram declarados provados os seguintes factos: «1. A ré com data de 05/07/2005 mandou à autora o documento que se encontra junto a folhas 20, do seguinte teor: “Exma. Senhora, 2. Em resposta a autora através da sua advogada mandou à ré o documento que se encontra junto a folhas 21, do seguinte teor: “Assunto: M/constituinte: Prof.ª AA 27. Por norma os contratos docentes não integrados no estatuto da Carreira Docente têm a duração de um ano lectivo, tendo o seu início nem 01 de Outubro e cessam em 30 de Setembro do ano subsequente. 28. Por não se tratar de docente integrada no Estatuto da Carreira Docente, a A. não estava obrigada à obtenção dos graus académicos, como o exige o referido Estatuto. 29. O Pólo de Leiria foi encerrado no ano de 2005, por falta de alunos. O Tribunal da Relação aditou a este elenco de factos o seguinte: «- a ré e a autora acordaram verbalmente que o vínculo contratual tinha lugar com a duração de um ano, com início em 1 de Outubro e cessação em 30 de Setembro do ano [subsequente], tendo no último ano da sua vigência início em 1 de Outubro de 2004 e cessação a 30 de Setembro de 2005.» Fê-lo, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil (CPC) — todas as referências a este diploma se reportam à versão anterior à que resultou da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto —, no entendimento de que tal factualidade, alegada na contestação, assume, na configuração dada ao litígio, e face ao disposto nos artigos 487.º e 493.º, n.º 2, daquele diploma, carácter de defesa por excepção, com reflexos no ónus de alegação e prova decorrentes da norma do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que haveria de ter sido impugnada em articulado de resposta — posto que não podia considerar-se negada na petição inicial —, o que não sucedeu, por isso que, atendendo ao disposto no artigo 60.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (CPT), a dita factualidade teria de considerar-se admitida por acordo. 2. Na revista, a Autora exprime a sua discordância relativamente a tal decisão, invocando expressamente, nas conclusões da alegação, as normas dos artigos 342.º, n.os 1 e 2 e 352.º do Código Civil, 487.º, 488.º e 712.º, n.º 1, do CPC, que, na sua óptica, não foram correctamente interpretadas e aplicadas. A Ré, na contra-alegação, pretende que, atento o disposto nos artigos 690.º, n.os 2 e 3 e 721.º, n.º 2, do CPC, o recurso deve ser julgado deserto, dizendo que a recorrente não invocou a norma de direito substantivo violada, fundamento especifico do recurso de revista, e sustentando que haveria de o ter feito nas conclusões da alegação e que a omissão equivale à falta de alegação, com a consequência de o recurso ser julgado deserto. É certo que o fundamento específico do recurso de revista é a violação de lei substantiva (artigo 721.º, n.º 2, do CPC) e que, versando o recurso sobre a matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas e o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas [artigo 690.º, n. º 2, alíneas a) e b), do CPC]. A falta daquelas indicações — como a falta de conclusões, a deficiência, obscuridade ou complexidade destas — dá lugar a convite para que o recorrente supra a omissão, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada (n.º 4 do artigo 690.º), não equivalendo, ao contrário do que defende a Ré, à falta da alegação, sendo que só esta tem como consequência a deserção do recurso (n.º 3 do artigo 690.º), convite que, no caso, foi formulado pelo relator e ao qual a recorrente respondeu, aperfeiçoando as conclusões, as quais, visando criticar o acórdão no ponto em que decidiu alterar a matéria de facto — alteração em que veio a ser sustentada a decisão sobre o mérito da causa —, mencionam, além de regras de direito adjectivo, os artigos 342.º, n.os 1 e 2 e 352.º do Código Civil, que não podem deixar de considerar-se normas de direito substantivo, sendo que, por outro lado, é minimamente perceptível qual o sentido e alcance que a recorrente delas extrai para sustentar a sua pretensão. Improcede, por conseguinte, a questão suscitada pela recorrida. 3. A questão central do recurso reside em saber se a Relação podia alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos em que o fez. 3. 1. Numa primeira vertente, importa determinar se, ao alegar a factualidade que o Tribunal da Relação veio a aditar ao elenco dos factos provados, a Ré deduziu defesa por excepção, o que pressupõe averiguar se, atento o objecto da acção (a causa de pedir e o pedido), aqueles factos assumem a natureza de impeditivos do direito invocado pela Autora, caso em que, à demandada competia o ónus de alegação e prova (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil) e à demandante o ónus de impugnação dos mesmos — artigos 60.º, n.º 3, do CPT e 490.º, n.º 2, do CPC. Sobre o problema o Tribunal da Relação discorreu assim: «Na contestação, a ré alegou que celebrou com a autora, não um, mas vários contratos de trabalho, cada um com a duração de um ano, com início em 1 de Outubro e cessação em 30 de Setembro do ano, tendo o último, conforme acordo verbal com a autora, tido início em 1 de Outubro de 2004 e cessação a 30 de Setembro de 2005 (artigos 10.º a 15.º da contestação). 3. 2. Entre os motivos expressos na alegação da revista para criticar o acórdão, a recorrente invoca que foi ignorada a confissão expressa de factos alegados nos seguintes artigos da petição inicial: «2.º - Porém o que aconteceu, foi que a R. convocou a A. para uma reunião a realizar-se no dia 7 de Julho de 2005, peias 17 horas. Estes factos — todos incluídos no elenco da matéria de facto provada —, como é fácil de ver, em nada afectam os alicerces do raciocínio que conduziu à consideração de que os factos alegados na contestação referentemente à anualidade do vínculo laboral assumem, no contexto da acção, a natureza de factos impeditivos, não se vislumbrando, por outro lado, qualquer contradição entre uns e outros. Aduz, outrossim, a recorrente que apenas lhe competia provar a existência do contrato de trabalho e o despedimento, e que à Ré competia alegar e provar a justa causa, sendo que a alegação da factualidade descrita na contestação integradora da justa causa, por isso que, fazendo parte da estrutura da acção, configura defesa por impugnação e não por excepção. 3. 3. No ensinamento de Manuel A. Domingues de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1963, págs. 122 e segs.), defesa por impugnação é «toda a defesa directa, toda aquela que ataca de frente o pedido, contradizendo os factos aduzidos pelo Autor como constitutivos do seu direito, ou o efeito jurídico que deles pretende tirar o Autor (inconcludência da petição)», podendo apresentar-se na modalidade de negação directa — negação rotunda ou genérica do facto visado —, na modalidade de negação indirecta ou motivada — traduzida numa contra-versão ou contra-exposição do mesmo facto, de tal modo que dele não pode resultar o efeito pretendido pelo Autor — ou, ainda, na modalidade de negação formal e simples desconhecimento. Defesa por excepção «é toda a defesa indirecta; toda a defesa que não é por impugnação; toda a defesa que não se traduz, portanto, num ataque frontal à pretensão do Autor (na negação de realidade ou da concludência dos factos por ele invocados como constitutivos do seu direito), mas tão somente num ataque lateral ou de flanco», nela se incluindo a «invocação de factos ou causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção — a uma sentença material desfavorável (mais ou menos) a esse pleiteante. O Réu não nega os factos donde o Autor pretende ter derivado os seu direito, mas opõe-lhe contra-factos (Nikisch) que lhe teriam excluído ou paralisado desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente alterado ou suprimido os efeitos que chegaram a produzir» (obra e local citados). No caso que nos ocupa, a Autora invocou o direito à reintegração (ou indemnização substitutiva) e às retribuições que deixou de auferir, alegando, ter celebrado com a Ré um contrato de trabalho não escrito e que esta lhe comunicou a cessação do mesmo, e que essa comunicação configura um despedimento ilícito. Na contestação, a Ré, aceitando ter celebrado verbalmente o contrato de trabalho, aduziu que foi convencionado que ele tinha a duração de um ano e que o último contrato teve o seu início em 1 de Outubro de 2004, cessando em 30 de Setembro de 2005, pelo que o vínculo cessou por caducidade. Deste modo, a defesa da Ré não constitui uma mera negação da existência dos factos dos quais a Autora fez decorrer o efeito jurídico invocado, factos esses aceites na contestação — celebração informal do contrato e comunicação da cessação; tal defesa contém um elemento de facto novo, no sentido de que a ele não se fez alusão na petição — a estipulação verbal de uma cláusula de termo —, um contra-facto do qual decorre, na perspectiva da contestação, um efeito jurídico (caducidade) diferente do invocado na petição (despedimento), impedindo a produção deste. Estamos, assim, perante a alegação de facto correspondente a uma causa impeditiva do direito invocado pela Autora, por isso que, não se mostrando em oposição frontal aos fundamentos da acção expostos na petição inicial, apreciados no seu conjunto, antes se apresentando como um ataque lateral ou de flanco à pretensão nela formulada, num quadro alegatório que pressupunha a não exigência de documento escrito para a prova do facto. Perante isto, tem de considerar-se, como considerou o Tribunal da Relação, que aquela alegação configura defesa por excepção, o que implicava que, em articulado de resposta, a Autora viesse a tomar posição sobre os elementos constitutivos da mesma, impugnando-os ou invocando elementos impeditivos, modificativos ou extintivos e do correlativo efeito jurídico — no caso, a caducidade do contrato. 3. 4. A Autora não apresentou articulado de resposta. Alega que a Ré não distinguiu, na contestação, de forma clara e inequívoca a defesa por excepção e por impugnação, como determinam os artigos 487.º e 488.º do CPC, vício que, em seu entendimento, a Relação não podia sanar e que, extrai-se do que, a propósito, se mostra vertido no corpo da alegação, determinou a dúvida sobre a distinção entre negação motivada e excepção peremptória, a resolver no sentido de ser a defesa qualificada como impugnação. Sobre este ponto, o acórdão recorrido entendeu, como se vê do trecho supra transcrito, que a alegação da causa impeditiva se mostra feita com suficiente clareza na contestação e que a circunstância de a matéria da excepção não ter sido apresentada separadamente apenas reveste a natureza de nulidade processual nos termos do artigo 201.º do CPC, a qual sendo passível de reclamação, não foi arguida tempestivamente, como prescreve o artigo 205.º do CPC, não podendo por isso dela conhecer e extrair dela as consequências da falta de resposta à contestação. Subscreve-se este entendimento. Com efeito, a dúvida relevante quanto à qualificação da defesa como impugnatória ou exceptiva, radica numa incerteza quanto ao carácter constitutivo ou impeditivo dos factos alegados, atenta a sua conexão com o direito invocado ou a pretensão formulada, caso em que, nos termos do artigo 342.º, n.º 3, do Código Civil, a alegação deve considerar-se reportada a factos constitutivos do direito invocado. Mostrando-se, com clareza, que o facto alegado, na contestação, é um contra-facto, que obsta à produção do efeito jurídico que se pretende fazer valer na acção, tanto basta para se considerar que ele integra defesa por excepção, sendo, para tanto, irrelevante a circunstância de não ter sido cumprida a formalidade de, como tal, o destacar, em segmento da peça contestatória. É certo que a omissão daquela formalidade, podendo dificultar a percepção da parte contrária, quanto à caracterização da defesa apresentada, é susceptível de ter reflexos no cabal exercício dos seus direitos processuais e, consequentemente, vir a influir no exame e na decisão da causa, desse modo se assumindo como irregularidade apta a produzir nulidade, nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, a qual, porém, só poderia ser conhecida desde que arguida tempestivamente, pela Autora, o que não aconteceu — a questão da irregularidade só foi levantada no recurso de apelação —, por isso que deve considerar-se sanada (artigos 202.º, 203.º, n.º 1, e 205.º, n.º 1, do CPC). Ora, face ao que acima se deixou explanado, nenhuma dúvida existe quanto à natureza impeditiva da factualidade em causa. Assim, à Autora incumbia o ónus de impugnar essa factualidade, nos termos das disposições combinadas dos artigos 60.º, n.º 3, do CPT e 490.º, n.º 2, do CPC, sob pena de ela se considerar admitida por acordo, no pressuposto de quanto a ela ser admitida confissão e a sua prova não se encontrar dependente da existência de documento escrito. Relativamente a este último aspecto, concluiu-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de Novembro de 2009 (Processo n.º 301/07.7TTAVR.C1.S1, em www.dgsi.pt), que, no regime especial de contratação de pessoal docente consignado no Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, que se entendeu não enfermar de inconstitucionalidade ou ilegalidade, «não existe norma que imponha a redução a escrito do contrato, diversamente do que sucede no regime comum que manda considerar como contrato sem termo aquele a que falte a redução a escrito, onde, entre o mais, conste o prazo estipulado e a indicação do motivo justificativo da duração limitada do contrato, deste modo consignando uma formalidade ad substantiam reportada à aposição do termo», entendimento que aqui se acolhe, em apoio do que, a propósito, se afirma no acórdão impugnado. 3. 5. Segundo a recorrente, o acórdão impugnado não podia alterar a decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 712.º, n.º 1, do CPC, por não dispor de todos os elementos de prova. De acordo com o referido preceito, na parte que aqui releva, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação «a) [s]e do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; b) [s]e os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas». Resulta, com clareza, do texto do acórdão que se transcreveu, que o Tribunal da Relação fundou a decisão de alterar a matéria de facto, não na apreciação das provas produzidas, mas na circunstância de não ter havido resposta à matéria da excepção, da qual extraiu a consequência de que os atinentes factos se encontravam provados por acordo, situação que, consequenciando a inadmissibilidade, irrelevância e inexigibilidade de produção de prova sobre eles (artigo 646.º, n.º 4, do CPC), se acha contemplada na alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º do CPC. Disto resulta, também, que não pode assacar-se ao acórdão recorrido a violação do princípio do dispositivo, a que alude a Autora, quando alega que lhe foi vedado oferecer prova que poderia ter produzido sobre a matéria em causa. Não procede, por isso, o que a tal respeito vem alegado na revista. 3. 6. Também não procede a alegação de que a matéria de facto fixada na 1.ª instância se tornou insindicável, porque a Ré não usou da faculdade, consignada no artigo 653.º, n.º 4, do CPC, de reclamar contra deficiências, obscuridades ou contradições da respectiva decisão ou contra a falta da sua fundamentação, visto que a reclamação ali facultada não se destina a impugnar o sentido da decisão, impugnação que se faz através de recurso, cuja admissibilidade a lei não faz depender do uso daquela faculdade. 3. 7. Diz a recorrente que o acórdão «entra em contradição com o alegado pela própria Recorrida no seu art.º 26.º da douta contestação, onde é expressamente referido que “Contrato esse que teve o seu início em 1 de Outubro de 1999 e celebrado pelo prazo de seis anos”». Examinado todo o texto da contestação, nele não se encontra a asserção que a recorrente diz constar do artigo 26.º, sendo de supor que se tratou de evidente lapso, pois o que ali se escreveu foi: «Pelos motivos expostos, é manifesto que não existe qualquer “nulidade do despedimento”», por isso que, como se refere na contra-alegação da revista, carece de sentido, sendo despropositado, o vertido na conclusão 13 da alegação da recorrente. 3. 8. Em suma, no pressuposto de que a prova da estipulação do termo no contrato, face ao regime especial que se entendeu reger a relação laboral em causa, não depende de documento escrito, nada impedia que a Relação procedesse à alteração da matéria de facto nos termos em que o fez. 4. A recorrente critica a solução jurídica do pleito, apontando ao acórdão recorrido erro de julgamento, no ponto em que nele se afirmou “... Chegados aqui, podemos concluir que o contrato de trabalho entre a autora e ré chegou ao seu termo em 30 de Setembro de 2005, considerando o termo que foi, verbal e licitamente, estipulado”. Diz a recorrente que tal erro decorre de, nem ela, nem a recorrida, nem o Mmo. Juiz na 1.ª instância, terem suscitado a questão da validade da estipulação verbal ou escrita no contrato de trabalho, até porque a mesma é inexistente. Aquela afirmação do Tribunal da Relação mostra-se alicerçada, por um lado, no entendimento de que ao vínculo laboral em causa não é aplicável o regime geral do Código do Trabalho, mas o regime especial que consta do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, conforme havia considerado a sentença da 1.ª instância, regime segundo o qual a celebração de contrato de trabalho de docência com estipulação de termo não está sujeita a forma escrita, e, por outro lado, na circunstância de, por via da alteração da matéria de facto operada no recurso de apelação, se ter por adquirido que as partes acordaram verbalmente que o vínculo contratual tinha lugar com a duração de um ano, tendo no último ano da sua vigência início em 1 de Outubro de 2004 e cessação a 30 de Setembro de 2005. A crítica, tanto quanto é possível extrair dos termos em que se encontra formulada nas conclusões do recurso, dirige-se, não ao juízo que incidiu sobre o regime jurídico aplicável e interpretação deste, no tocante à validade da estipulação verbal do termo — que, diz a recorrente, foi questão nunca levantada —, mas à consideração de que, no caso, existiu essa estipulação verbal, retirando-se da leitura do corpo da peça alegatória que o reparo feito ao acórdão radica na alegação de que não ficou provada a existência de termo no contrato em causa. Ora, tendo-se concluído que a decisão do Tribunal da Relação que alterou a matéria de facto, dando como provada a existência de estipulação do termo, não merece censura, carece de fundamento a alegação de que não se provou, ou não existiu, a estipulação verbal de prazo de vigência da relação laboral, não podendo, por outro lado, ser atendida a alegação de que a Relação teve por fundamento «factos que não foram objecto de discussão na primeira instância, pelo menos na forma como foram ponderados e elencados no douto Acórdão», desse modo violando «o princípio da imutabilidade das situações jurídicas». 5. Dado que a recorrente não põe em causa a aplicação do direito aos factos que o acórdão recorrido considerou provados, do que se intui que se conformou com o que, a propósito desse aspecto da lide, foi decidido, mais considerações não são necessárias para concluir pela improcedência da pretensão formulada no recurso, no tocante ao mérito da causa. 6. A recorrente imputa à Ré, tal como fizera no recurso de apelação, litigância de má fé, propugnando a sua condenação em multa, por ter invocado a seu favor a cominação do n.º 2 do artigo 490.º do CPC, tendo antes, na contestação, cometido a irregularidade que consistiu no incumprimento do artigo 488.º do mesmo diploma. De acordo com o n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil «[d]iz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) [t]iver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) [t]iver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) [t]iver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) [t]iver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.» Aquela conduta processual não se enquadra em nenhuma das alíneas do preceito que se transcreveu, nem em relação a ela se pode falar de dolo ou negligência grave, por isso que não se vislumbra fundamento para condená-la, como litigante de má fé. Deste modo, também não merece censura o que a tal respeito decidiu o acórdão impugnado. III Custas a cargo da Autora. Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010. Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira |