Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LOPES PINTO | ||
Descritores: | DIREITO DE PERSONALIDADE AMBIENTE VIOLAÇÃO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200505100011761 | ||
Data do Acordão: | 05/10/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 8813/03 | ||
Data: | 12/14/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | AGRAVO. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Como refere Gomes Canotilho, «o ambiente é um bem jurídico autónomo, não dissolvido na protecção de outros bens constitucionalmente relevantes. Por outras palavras, a protecção de alguns direitos fundamentais ambientalmente relevantes como a vida, integridade física, propriedade privada, saúde, não logra obter uma protecção específica e global do ambiente». II - Se o autor, embora fundamentando o seu pedido em violação do direito de ambiente e de direitos de personalidade, invoca o disposto no art. 1346 CC e acciona só o particular está, nesse ponto, a colocar o problema em termos de direito de defesa de perigo para se protegerem de um vizinho-terceiro, isto é, não quis sair de uma relação bilateral. III - A lei adjectiva não permite ao Supremo Tribunal de Justiça substituir-se à Relação no conhecimento daquilo cuja pronúncia foi omitida. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A", B, C e D propuseram contra E - Sociedade Agro Pecuária, Lª., acção (por se verificar uma situação de coligação activa, o tribunal ordenou a apensação das 3 acções interpostas, ut despacho a fls. 161-162) a fim de, com fundamento em violação do direito de ambiente e de direitos de personalidade, se a condenar a:- a) - cessar a actividade lesiva do ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado a uma habitação em condições de higiene e conforto, de bem estar físico e mental e de propriedade dos autores; b) - remover das instalações por si explorados todos os suínos ali existentes bem como a encerrar e tapar as lagoas; c) - a não utilizar os terrenos por si explorados para qualquer actividade lesiva do ambiente. Contestando, a ré excepcionou o caso julgado e impugnou. Após réplica, prosseguiu a acção, tendo, a final, improcedido por sentença confirmada pela Relação. Novamente interpuseram recurso - admitido como revista mas recebido como agravo, tendo o acórdão por incurso em nulidade de falta de fundamentação de direito e omissão de pronúncia, pelo que concluíram, em suma e no essencial, em suas alegações - - não se pronunciou sobre a arguida nulidade da sentença e as invocadas violações do direito de ambiente e qualidade de vida; - tendo-se provado que a suinicultura, com 4.000 porcos e 5 lagoas, com dejectos, se situa a 50 metros das habitações dos autores, ressalta da experiência comum e do senso lógico de vida que a instalação é inidónea; - da prova (resposta aos ques. 2º, 5º, 9º e 45º, entre outros) resulta que a suinicultura afecta o equilíbrio, o ambiente e qualidade de vida dos autores; - o local é inidóneo e a exploração deve ser encerrada; - nulo o acórdão (CPC 668, 1 b) e d)) e violado o disposto nos arts. 66, 1 e 2 a) e b), 17, 18 e 52-3 Const.; 2, 3 a), 5, 6, 10, 11, 21, 24, 26 e 40 da lei 11/87, de 07.04; 1, 2 e 12-2 da lei 83/95, de 31.08; 70 e 1.346 CC; 37-2 b) do PDM de Torres Vedras, ratificado pelo Conselho de Ministros em 95.09.21 (Resolução 159/95 in D. R. de 95.11.30). Contraalegando, a ré pugnou pela confirmação do acórdão. Colhidos os vistos. Ao abrigo do disposto nos arts. 713, n. 6 e 726 CPC, remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido. Decidindo: - 1.- Nulidades arguidas - falta de fundamentação de direito e omissão de pronúncia. A sentença, na sua fundamentação refere tão somente - «Tem a presente acção (principal e apensos) como causa de pedir a ofensa pela Ré dos direitos consagrados na Lei de Bases do Ambiente e na Constituição da República Portuguesa que mais não são do que a emanação do direito geral de personalidade cuja tutela geral está consagrada no art. 70º do Código Civil. Não lograram os Autores, porém, fazer a prova dos factos constitutivos do direito que invocam, como lhes competia nos termos do nº 1 do art. 3342 do Código Civil. Designadamente, não lograram demonstrar que houvesse qualquer ofensa ou ameaça à sua personalidade física ou moral, como bem se vê da matéria de facto provada. Assim, improcederá necessariamente a presente acção». Por seu turno, a Relação referindo - «A decisão recorrida apreciou os factos alegados e dados como provados encontrando-se a decisão bem estruturada e fundamentada, nada havendo a acrescentar», lavrou, por remissão (CPC 713, n. 5), o acórdão recorrido. Apelando, os autores, definiram a questão a resolver: saber se o local é inidóneo para a instalação da suinicultura e se as instalações devem ser encerradas, atentando a suinicultura contra os direitos de ambiente e qualidade de vida dos recorrentes; concluíram ipsis verbis como no agravo quanto às conclusões 2ª a 4ª deste agravo, pela nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito (CPC 668, 1 b)) e tiveram como violadas as normas aqui indicadas na conclusão 5ª. 2.- Falta de fundamentação é distinto de fundamentação divergente. Apenas a falta absoluta de fundamentação constitui nulidade da decisão. Os autores, apelando, assentaram em dois pontos - inexistência de fundamentação de direito; a tê-la havido, a matéria facto provada subsumir-se-ia ao regime jurídico tal como o interpretam. Para efeitos de conhecimento do concreto vício arguido, apenas interessa o primeiro aspecto. 3.- Os autores, configurando a sua tese, fizeram-na assentar ab initio, o que mantêm, em dois pilares - direito ao ambiente e direito de personalidade (que dizem violados), e limite ao direito de propriedade (que dizem desrespeitado). Relativamente ao primeiro pilar afigura-se oportuna a observação de Gomes Canotilho in BFD, Stvdia Ivridica 81, Colloquia 13, p. 52: «o ambiente é um bem jurídico autónomo, não dissolvido na protecção de outros bens constitucionalmente relevantes. Por outras palavras, a protecção de alguns direitos fundamentais ambientalmente relevantes como a vida, integridade física, propriedade privada, saúde, não logra obter uma protecção específica e global do ambiente». Embora pareça aparentar que a alegação se dirige ao direito à protecção do ambiente e ao regime jurídico de prevenção e controlo integrados da poluição, não é sob este ângulo que aquela deve ser interpretada pois quem é demandado não é o Estado (este tem o dever de proteger os cidadãos de agressões e qualidade de vida perpetrados por outros cidadãos - aut. e op. cits., p. 56) nem uma autarquia local. Este ensinamento permite observar que a sentença, para a qual o acórdão recorrido se limita a remeter, não apreciou o fundamento, tido por essencial para os autores, do direito ao ambiente, ainda que fosse para lhe não reconhecer (o que teria de justificar) um tal relevo. Por outro lado, embora os autores não formulem qualquer pedido indemnizatório (que não poderia assentar na LBA - lei 11/87, de 07.04 - pois inexiste a legislação complementar prevista no seu art. 41-2), o certo é desde o princípio peticionarem a relocalização da actividade económica da ré e o seu encerramento definitivo enquanto ali exercida - pedido que mantêm. A sentença, para a qual o acórdão se limita a remeter, não analisa este pedido quando havia que ver se ele pode ser considerado através do prisma «compensações» (LBA- 40,5) e ser dirigido pelos autores contra a ré (se poderá configurar uma ‘compensação’ e se poderá ter cabimento numa acção entre particulares para defesa de direitos individuais). Os autores, com este segundo pedido (e ainda o último, independentemente, quanto a este, da questão da sua admissibilidade tal como vem formulado), estão a definir a extensão da protecção que entendem dever ser concedida pelo direito de propriedade, sem prejuízo de considerarem que também estão em causa direitos de personalidade (à protecção da saúde, a um ambiente de vida humana sadio e à qualidade de vida). Invocando o disposto no art. 1346 CC e accionando só o particular estão, nesse ponto, a colocar o problema em termos de direito de defesa de perigo para se protegerem de um vizinho-terceiro, isto é, não quiseram sair de uma relação bilateral. Uma vez mais, silêncio completo. Para a Relação, os autores arguiram a nulidade por falta de fundamentação. Analisando o que consta da sentença e embora seja uma questão de fronteiras entre um e outro, afigura-se mais correcto afirmar que o vício em que incorreu foi o de omissão de pronúncia. O acórdão foi lavrado por remissão incorporando apenas o que da sentença consta, a qual, sob estes aspectos, fez silêncio completo. Se tivesse definido a causa de pedir accionada, concluiria que tinha de deles conhecer não lhe bastando afirmar o que disse - a que «factos constitutivos» e a qual direito peticionado se refere (além de ‘extrair’ uma ‘conclusão’ sem enunciar o que a fundamente, trata-se de mera ‘conclusão’ desprovida de um necessário e lógico apoio)? e não refere se alguns dos provados o são (se têm aquela natureza) e se podem, só por si, relevar. Quer se perspective a causa de nulidade de que foi acusada a sentença como de falta de fundamentação quer como de omissão de pronúncia, dúvida não pode restar que, em relação ao acórdão, a causa de nulidade é de omissão de pronúncia (e, por arrastamento, será ainda a outra se a Relação vier a julgar que a sentença incorreu no vício de falta de fundamentação). A lei adjectiva não permite ao Supremo Tribunal de Justiça substituir-se à Relação no conhecimento daquilo cuja pronúncia foi omitida (as observações supra tornaram-se exigíveis em função das causas de nulidade de que se acusava o acórdão recorrido e por o verificado melhor caracterizar o de omissão de pronúncia prevista no art. 668 n. 1 d), 1ª parte, CPC). Anulado o acórdão, baixa o processo à Relação para se o reformar, nele intervindo, sempre que possível, os mesmos juízes (CPC - 718, 1, 762, 1 e 2 e 731, 2). Termos em que, no provimento do agravo, se anula o acórdão e se ordena a remessa do processo à Relação a fim de se o reformar, se possível, pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores que nele intervieram. Custas pela ré. Lisboa, 10 de Maio de 2005 Lopes Pinto, Pinto Monteiro, Lemos Triunfante. |