Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
379/13.4TBGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: OFENSA DO CASO JULGADO
AÇÃO EXECUTIVA
ARRESTO
CRÉDITO
CAUÇÃO
HONORÁRIOS
AGENTE DE EXECUÇÃO
CUSTAS
PAGAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I – A precipuidade das custas estabelecida pelo art.º 541.º do Código de Processo Civil não permite concluir que desde que haja dinheiro depositado num processo executivo pelo executado, responderá sempre pelos honorários do Agente de Execução e pelas custas.

II - Indica apenas que o valor das custas, em fase de pagamentos, não será rateado ou entrará em concurso com outros créditos, sendo pago a título principal pelo valor arrecadado no processo executivo para satisfação do crédito exequendo e créditos reclamados.

III - A precipuidade das custas, não autoriza, em nenhuma circunstância, o desrespeito pela decisão proferida no arresto, preliminar da acção declarativa onde veio a ser decidida a falsidade do título dado à execução, a inexistência de relação subjacente à emissão da letra de câmbio, e se declarou que o processo executivo resulta de comportamentos processuais ilícitos e constitui fraude processual.

Decisão Texto Integral:

Recorrentes: AA,

BB

M..., S.A., executados

Recorrida: Optifafe – Comércio de Telemóveis, Ld.ª, exequente



*


I – Relatório

I.1 – relatório

AA, BB e M..., S.A., executados, apresentaram recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 23 de Março de 2023 na parte em que este julgou improcedente a apelação interposta contra a decisão da 1.ª instância proferida em 2/05/2022, que indeferiu a arguição da nulidade dos actos da Agente de Execução consistentes no pagamento de juros ao IGFIJ no valor de 1 472,28€ (pagamento com o dinheiro depositado) e no pagamento da sua nota de despesas e honorários no valor de 1241,54€ (também com o dinheiro depositado), e na parte em que este não conheceu do recurso, interposto subsidiariamente, contra a decisão da 1.ª instância proferida em 29-04-2021 (decisão que indeferiu o pedido de suspensão da instância até que fosse proferida decisão no âmbito do processo n.º 6039/20.2...).

Os recorrentes apresentaram alegações que terminam com as seguintes conclusões:

DA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA – decisão de 29/04/2021

1. Em sede de recurso de apelação, os Recorrentes impugnaram expressamente a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância - de 29/04/2021, ref citius .......16 – que indeferiu a SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA executiva, pelo que tendo o Tribunal da Relação de Guimarães omitido por completo qualquer pronúncia sobre esta concreta impugnação, o Acórdão padece de nulidade por omissão de pronúncia – cfr. art. 615º n.º 1 al. d) do CPC.

2. Impunha-se ao Tribunal, como garante do respeito pelos princípios do Estado de direito democrático, que exercesse a função jurisdicional que lhe é cometida constitucionalmente e assegurasse a possibilidade de obstar ao objetivo ilegal prosseguido pelas partes do processo fraudulento (anular ou declarar sem efeito o processo, determinado a extinção da instância).

3. O objeto da acção declarativa processo n.º 6039/20.2... constitui elemento e pressuposto da pretensão formulada pelos Exequentes nos presentes autos, porquanto, declarando-se na acção declarativa processo n.º 6039/20.2... que (a) a dívida vertida na letra de câmbio que serve de título à presente execução é INEXISTENTE, (b) a letra de câmbio que serve de título à presente execução é FALSA, e que (c) o presente PROCESSO EXECUTIVO n.º 379/13.4TBGMR resulta de comportamentos processuais ILÍCITOS e constitui uma BURLA E FRAUDE PROCESSUAL, demonstrado fica que o elemento e pressuposto da pretensão formulada pelos Exequentes nos presentes autos executivos é INEXISTENTE, FALSA e resulta de comportamentos processuais ILÍCITOS - BURLA E FRAUDE PROCESSUAL, sendo notório que os autos estão interligados e juridicamente dependentes.

4. A decisão que vier a ser proferida no processo declarativo é determinante para que o Tribunal possa dar cumprimento ao disposto no artigo 612.º do Código de Processo Civil, exercendo o seu poder-dever de impedir que as partes ficcionem a existência de um litígio inexistente com vista à obtenção de um fim ilegal, designadamente com vista à obtenção de direitos sem protecção legal e artificialmente criados.

5. Ocorre motivo justificado para a presente instância seja declarada suspensa, nos termos do disposto no Artigo 272.º do Código de Processo Civil, até que seja proferida decisão, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 6039/20.2..., porquanto considera-se causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, DESTRUINDO OU MODIFICANDO os fundamentos em que esta se baseia;

6. Ocorre MOTIVO JUSTIFICADO para a suspensão da presente instância executiva, porquanto só através da suspensão da presente instância executiva se assegura a possibilidade do Tribunal recorrido, dando cumprimento ao disposto no art. 612º do Código de Processo Civil, sancionar o uso anormal do processo e determinar a anulação do processado, paralisar os efeitos da execução para pagamento de quantia certa instaurada e evitar que os executados fossem forçados ao pagamento da conta final da AE.

DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO

7. - O Tribunal do procedimento cautelar (processo n.º 6039/20.2...), PROFERIU DECISÃO no sentido da Agente de Execução ficar impedida de realizar quaisquer transferências e pagamentos com as quantias depositadas nestes autos pelos executados.

8. O sentido e alcance desta decisão e ordem judicial foi claramente interpretado pelo Tribunal de 1ª Instância, o que resulta quer do despacho de 09.02.2021, quer do despacho de 30.06.2021.

9. Incumprida a ordem judicial pela Sra. AE, o Tribunal da providência cautelar foi mais uma vez esclarecedor tendo, por despacho de 18.03.2022, determinado que a Sra. AE devia comprovar o deposito da TOTALIDADE das quantias depositadas nos autos de execução n.º 379/13.4TBGMR.

10. É inequívoco que o valor depositado nestes autos se fixa em 102.712,51€ (correspondente à caução prestada pelos executados) e que a decisão proferida no procedimento cautelar e as decisões proferidas pelo Tribunal de 1ª Instância (a 09.02.2021 e 30.06.2021), referem-se e têm por objecto O VALOR TOTAL DEPOSITADO NESTES AUTOS: 102.712,51€.

11. Não obstante,

(i) a evidente clareza do sentido, alcance e abrangência da decisão proferida no âmbito do mencionado procedimento cautelar,

(ii) a evidente clareza das ordens e instruções que, pelo Tribunal do procedimento cautelar, foram transmitidas ao presente processo executivo,

(iii) se verificar o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito da providência cautelar, (iv) se verificar o trânsito em julgado formal das decisões de 09.02.2021 e 30.06.2021 proferidas no âmbito dos presentes autos, os Tribunais recorridos alteraram o sentido e o alcance das sobreditas decisões proferidas, violando flagrante a decisão proferida no âmbito da providência cautelar, o caso julgado e os poderes do tribunal.

12. A decisão recorrida, na medida em que declara válida a utilização/transferência/realização de pagamentos com parte do valor depositado nos autos, viola o caso julgado material da decisão que decretou a providência cautelar porquanto

i. não se vincula nem dá cumprimento à decisão proferida na providência cautelar e que

ii. volta a emitir pronúncia sobre a questão decidida na providência cautelar, decidindo alterar o sentido, alcance e abrangência da decisão proferida – cfr. art.º 497º, 498º, 671º, n.º 1 e 673º do C. P. Civil.

13. A decisão recorrida viola o caso julgado formal – decisões proferidas pelo Tribunal recorrido em 09.02.2021 e 30.06.2021 na medida em que, tendo o Tribunal previamente decidido que

(i) o Tribunal e a SE encontram-se sujeitos à decisão proferida no procedimento cautelar,

(ii) a quantia aqui depositada não está, já, por força da decisão da providência cautelar, na esfera de disponibilidade destes autos,

(iii) a quantia aqui depositada encontra-se afecta aos autos de providência cautelar e que

(iv) o valor depositado nos autos deveria ser transferido para os autos de providência cautelar, estava impedido de, num momento futuro, decidir em sentido contrário, declarando válida a utilização/transferência/realização de pagamentos com parte do valor depositado nos autos – transferência para pagamento dos honorários da SE e transferência para pagamento dos juros compulsórios ao Estado.

14. O acto da Sra. AE (que transferiu o valor depositado nos autos para o pagamento dos seus honorários e para o pagamento dos compulsórios ao Estado), validado ilegalmente pelo Tribunal recorrido, viola flagrantemente a decisão proferida na providência cautelar - Proc. nº 6039/20.2... (anterior proc. N.º 4964/20.0...) –E viola flagrantemente a decisão proferida nestes autos - despacho de 09.02.2021 e de 30.06.2021.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve:

a) Ser declarada nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto ao recurso interposto da DECISÃO de 29/04/2021 (ref citius .......16) e em consequência,

Ser revogado o despacho proferido em 29/04/2021, declarando-se que o objeto do processo n.º 6039/20.2... constitui elemento e pressuposto da pretensão formulada pelos Exequentes nos presentes auto e que a decisão que vier a ser proferida nesse processo é determinante para que o Tribunal possa dar cumprimento ao disposto no artigo 612.º do Código de Processo Civil e, em consequência, declarar que ocorre motivo justificado para a presente instância seja declarada suspensa, nos termos do disposto no Artigo 272.º do Código de Processo Civil, até que seja proferida decisão, transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 6039/20.2..., ordenando-se a anulação de todos os actos praticados após a decisão revogada.

b) Ser revogado o Acórdão recorrido, declarando-se a ilegalidade da decisão recorrida por violação do caso julgado e a ilegalidade do acto praticado pela AE – pagamento dos juros compulsórios ao Estado e pagamento da nota de despesas e honorários – pelos fundamentos invocados, com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.


*


I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto nos art.º 629.º, n.º 2, a) do Código de Processo Civil exclusivamente quanto à questão do caso julgado.

Quanto às demais questões suscitadas no recurso, por estarmos num processo de execução sem que esteja em causa qualquer procedimento de liquidação, de verificação e graduação de créditos ou de oposição deduzida contra a execução, a revista é inadmissível por força do disposto no art.º 854.º do Código de Processo Civil.


*


I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Violação de caso julgado por parte do acórdão recorrido.


*


I.4 - Os factos

O acórdão recorrido não fixou expressamente os factos provados que considerou relevantes para a decisão do recurso, mas enunciou a sequência de actos processuais em que sustentou a sua decisão, que a eles correspondem e que são os seguintes, provados documentalmente nos autos:

1. Em 01 de Fevereiro de 2013 Optifafe - Comércio de Telemóveis, Lda apresentou requerimento executivo para instauração de execução para pagamento de quantia certa contra CC, tendo apresentado como título executivo uma letra de câmbio, com data de 19/05/2011 e com a data de vencimento em 01/08/2012, aceite pelo Executado CC Coutinho, sacada por DD e por este endossada à Exequente OPTIFAFE.

2. Agente de Execução penhorou o crédito que o executado CC Coutinho pudesse vir a ter sobre AA, BB e M..., S.A. por força da decisão que viesse a ser proferida no processo nº 2555/13.0...

3. Tal crédito litigioso foi transmitido e adjudicado à exequente em 1 de Fevereiro de 2017 – ref.ª Citius .....54 -

4. A exequente em 27/12/2017 cumulou com esta execução uma outra que instaurou contra AA, BB e M..., S.A. com vista à cobrança do crédito litigioso que lhe fora adjudicado – ref.ª Citius .....21 –

5. Em 21/06/2018, o executado AA, por apenso ao processo executivo deduziu incidente de prestação espontânea de caução onde requereu a substituição da penhora do depósito bancário, pela prestação de caução – ref.ª Citius .....27 do processo 379/13.4T8GMR-C

6. Apesar da oposição da exequente a tal substituição do bem penhorado foi o executado autorizado a prestar caução por decisão proferida em .../.../2018 - ref.ª Citius .......54 do processo 379/13.4T8GMR-C

7. A caução, no valor de 101 629,95€ foi prestada pelo executado AA por depósito na conta bancária titulada pela Agente de Execução - ref.ª Citius .....69 do processo 379/13.4T8GMR-C

8. Em 20/02/2018 os executados AA, BB e M..., S.A., deduziram embargos à execução, que foram autuados por apenso em 22/02/2018 – ref.ª Citius .......84;

9. Os embargos de executado foram julgados improcedentes em 23/04/2018 - ref.ª Citius .......54 do processo 379/13.4T8GMR-B

10. Tal decisão foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 28/02/2018 - ref.ª Citius .......54 do processo 379/13.4T8GMR-B

11. Em 14/10/2020, os executados AA, BB e M..., S.A., em 03/12/2020 intentaram procedimento cautelar de arresto contra a exequente (inicialmente processo n.º 4964/20.0..., hoje processo n.º 6039/20.2...) no 1º Juízo Central Cível de Guimarães – ref.ª Citius ......68 do processo n.º 6039/20.2...-A.

12. Nesse processo formularam os pedidos de:

“(…) ordenar a produção de prova e, sem audiência prévia da Requerida, decretar o arresto do crédito reconhecido à Requerida OPTIFAFE no âmbito do PROCESSO EXECUTIVO n.º 379/13.4TBGMR,

E, em consequência, ordenar, pela forma mais expedita, notificação imediata dos autos de PROCESSO EXECUTIVO n.º 379/13.4TBGMR, informando que o crédito da aí exequente OPTIFAFE – COMÉRCIO DE TELEMÓVEIS, LDA. fica arrestado à ordem

dos presentes autos, mais devendo ser ordenado à Agente de Execução nomeada naqueles autos que se encontra impedida de realizar quaisquer transferências e pagamentos com as quantias depositadas nos autos pelos executados”.

13. No mesmo procedimento cautelar de arresto em 03/11/2020 foi proferida a seguinte decisão:

Termos em que se ordena o Arresto do crédito reconhecido à Requerida OPTIFAFE

no âmbito do PROCESSO EXECUTIVO n.º 379/13.4TBGMR.

Oficie-se, de imediato e pela forma mais expedita:

- aos autos de PROCESSO EXECUTIVO n.º 379/13.4TBGMR, informando que o crédito da aí exequente OPTIFAFE – COMÉRCIO DE TELEMÓVEIS, LDA. fica arrestado à ordem dos presentes autos; e

- à Agente de Execução nomeada naqueles autos que se encontra impedida de realizar

quaisquer transferências e pagamentos com as quantias depositadas nos autos pelos executados.”

14. A Agente de Execução foi notificada, nos termos ordenados em 05/11/2020 – ref. ª Citius .......11 do processo n.º 6039/20.2...-A

15. Em 21/12/2020 foi lida a decisão final proferida no processo cautelar de arresto após oposição da requerida Optifafe – Comércio de Telemóveis, Ld.ª, aqui exequente, que julgou improcedente a oposição e manteve o arresto – ref. ª Citius .......77 do processo n.º 6039/20.2....

16. Em 25/03/2021 o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a decisão que julgou improcedente a oposição e manteve o arresto e condenou a aqui exequente como litigante de má-fé - ref. ª Citius .....92 do processo n.º 6039/20.2...-A.

17. Admitido o recurso de revista apenas quanto à condenação como litigante de má-fé, veio esta a ser confirmada por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17/11/2021 – ref. ª Citius ......18 do processo n.º 6039/20.2...-A.

18. Os executados AA, BB e M..., S.A., em 03/12/2020 intentaram a acção declarativa contra CC, DD, Optifafe – Comércio de Telemóveis, Ld.ª, EE e FF - processo n.º 6039/20.2... onde formularam os pedidos de declaração de que a dívida vertida na letra de câmbio n.º ................69, aceite por CC Coutinho e sacada por DD, na data de 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) e posteriormente endossada à OPTIFAFE, é falsa e inexistente, e a declaração de que este processo executivo n.º 379/13.4TBGMR resulta de comportamentos processuais ilícitos e constitui uma burla e fraude processual;

19. Tal acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência:

“a) Declara-se que a dívida vertida na letra de câmbio n.º ................69, aceite pelo 1.º Réu e sacada pelo 2.º Réu, na data de 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) e, posteriormente, endossada à OPTIFAFE, é inexistente;

b) Declara-se que a letra de câmbio n.º ................69, aceite pelo 1.º Réu e sacada pelo 2.º Réu, na data de 19/05/2011, com a data de vencimento em 01/08/2012, no valor de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros) e posteriormente endossada à OPTIFAFE, é falsa;

c) Declara-se que o processo executivo n.º 379/13.4TBGMR (que pende no Juízo de Execução de ... – Juiz 1) resulta de comportamentos processuais ilícitos e constitui fraude processual;

d) Condena-se solidariamente o 1.º Réu, o 2.º Réu e as antigas sócios da sociedade OPTIFAFE (caso lhes venha a ser partilhado ativo superveniente) no pagamento aos Autores (…)” por decisão proferida em 06/01/2023 – ref. ª Citius .......48 do processo 6039/20.2...;

20. A Agente de Execução, depois da notificação referida em 14 utilizou parte do montante depositado nos autos para se cobrar dos seus honorários, no valor de 1 241,15€, e, proceder a pagamento de juros compensatórios ao IGFIJ no valor de 1.472,28€


*****


II – Fundamentação

1. Ofensa de caso julgado

O objecto do presente recurso de revista cinge-se a definir se a decisão proferida no procedimento cautelar instaurado pelos aqui recorrentes contra a exequente e que determinou o arresto do crédito reconhecido à aqui exequente Optifafe no âmbito do processo executivo n.º 379/13.4TBGMR, crédito litigioso, que foi transmitido e adjudicado à exequente em 1 de Fevereiro de 2017 – ref.º citius .....54, pode ser utilizado, por qualquer forma, ou, para qualquer fim, nesse processo executivo, nomeadamente para o pagamento de honorários da Agente de Execução e custas.

Os fundamentos dos pedidos de arresto e dos pedidos formulados na acção declarativa pelos executados, aqui recorrentes, não é desconhecido do processo executivo, desde 20/02/2018, data em que deduziram embargos à execução. Muito embora os embargos hajam sido julgados improcedentes não o foram por falta de prova dos factos neles alegados, mas por se ter entendido que a sua qualidade de executados apenas na execução cumulada não lhes permitia discutir a obrigação subjacente.

A decisão de arresto do crédito reconhecido à exequente Optifafe no âmbito do processo executivo n.º 379/13.4TBGMR que foi até confirmada pelas instâncias de recurso e se mostra também suportada pela decisão final proferida na acção principal é obrigatória para todas as entidades públicas e privadas, magistrados e agentes de execução, naturalmente incluídos, nos termos constitucionais.

Foi determinado o arresto do crédito reconhecido à exequente Optifafe que na execução correspondia ao valor da caução prestada pelos executados aqui recorrentes para obstarem à penhora. A Sr.ª Agente de Execução nomeada naqueles autos foi pessoalmente notificada pelo Tribunal que decretou o arresto de que estava impedida de realizar quaisquer transferências e pagamentos com as quantias depositadas nos autos pelos executados. Esta notificação judicial era clara, inequívoca e em caso algum permitiria, sem incumprir tal ordem judicial, qualquer pagamento ou transferência do montante depositado nos autos pelos executados por parte da Sr.ª Agente de Execução sem prévia autorização do Tribunal que a determinou.

O arresto não foi efectuado em parte da quantia que sobejasse depois de pagas as custas da execução e os honorários do Agente de Execução. A quantia tinha sido depositada no processo de execução pelos executados, a eles pertencia e existiam já diversas decisões judiciais expressas a determinar que esse montante ficaria à ordem do processo cautelar. Para todos os efeitos é uma quantia inexistente no processo executivo, porque foi dele retirado por decisão judicial proferida em processo cautelar em que têm intervenção as partes deste processo impondo-se-lhe com força de caso julgado.

O Tribunal recorrido considerou que: “A retenção dos valores dos encargos e custas é lícita uma vez que no processo 6039/20.2...-A se determinou o arresto do crédito devido à aqui Exequente e, tendo em conta ao que acima se disse, relativamente à precipuidade dos encargos e honorários, o valor desse crédito era apenas o remanescente do valor da caução, após liquidação dos mencionados valores”.

A Sr.ª Agente de Execução foi notificada pelo Tribunal que decretou o arresto “que se encontra impedida de realizar quaisquer transferências e pagamentos com as quantias depositadas nos autos pelos executados.” Tal notificação é bem clara no sentido de obstar a quaisquer pagamentos, de custas também, e dos seus honorários igualmente. Impedida de fazer qualquer pagamento implica que não podem fazer-se pagamentos por conta de tal quantia.

A precipuidade das custas não permite concluir que desde que haja dinheiro depositado num processo executivo, pertença ele a quem pertencer, responderá pelos honorários do Agente de Execução e pelas custas. Indica apenas que o valor das custas, em fase de pagamentos não será rateado ou entrará em concurso com outros créditos, sendo pago a título principal pelo valor arrecadado no processo executivo para satisfação do crédito exequendo e créditos reclamados.

Todavia, a precipuidade das custas, estabelecida pelo art.º 541.º do Código de Processo Civil não autoriza, em nenhuma circunstância, o desrespeito pela decisão proferida no arresto que tem de ser cumprida neste processo executivo por todos os intervenientes processuais. A decisão proferida pelo tribunal recorrido entra em confronto directo com a decisão proferida no processo de arresto, não acatando neste processo a decisão proferida no processo de arresto, com manifesto prejuízo para a coerência e dignidade das decisões judiciais, desconsiderando a autoridade de caso julgado daquela decisão neste processo executivo. No processo executivo, como no arresto, e, depois, na acção principal a ele atinente, estava em causa a falsidade do título dado à execução, a inexistência da relação subjacente à emissão da letra de câmbio, título executivo da execução, que, por razões atinentes ao regime jurídico aplicável às letras de câmbio estava vedada a discussão no processo executivo. A aparência do direito invocado pelos executados e o receio de sem a apreensão do montante depositado no processo de execução nunca mais o virem a reaver, levaram o Tribunal da providência cautelar a decretar o arresto, decisão também confirmada pela instância de recurso. Está em causa em ambos os processos a mesma relação material controvertida estabelecida entre as mesmas partes cujos contornos foram definidos na acção declarativa e foram tidos no procedimento cautelar de arresto como gozando de probabilidade séria de existência, sendo aquelas decisões sobre tal relação material controvertida vinculativa para o processo executivo. A decisão do arresto não pode deixar de ser integralmente cumprida no processo executivo até que o mesmo venha a ser levantado.

A amputação pela Agente de execução do montante depositado pelos executados neste processo depois de arrestado com desrespeito pela expressa notificação de que se encontra impedida de realizar quaisquer transferências e pagamentos com as quantias depositadas nos autos pelos executados, constitui nulidade processual dada a susceptibilidade de influir na decisão da causa, nos termos do disposto no art.º 195.º do Código de Processo Civil.

Procede, pois, a revista.


***


III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em conceder a revista, e revogar o acórdão recorrido e declarar a nulidade dos actos da Agente de Execução consistentes no pagamento de juros ao IGFIJ no valor de 1 472,28 (pagamento com o dinheiro depositado) e no pagamento da sua nota de despesas e honorários no valor de 1241,54 (também com o dinheiro depositado) e que estava arrestado.

Custas pelo vencido a final.


*


Lisboa, 25 de Janeiro de 2024

Ana Paula Lobo, relatora por vencimento

Emídio Santos

Afonso Henrique Ferreira, vencido pelas razões expostas no voto que se segue


***


DECLARAÇÃO DE VOTO POR VENCIMENTO

Não acompanho o decidido por maioria, porquanto, considero inexistir ofensa de caso julgado, com a fundamentação que passo a explicitar.

No processo nº 6039/20.2...-A (procedimento cautelar) decidiu-se que a Agente de Execução/AE fica impedida de realizar quaisquer transferências e pagamentos com as quantias depositadas nestes autos.

O valor em causa corresponde à caução prestada pelos executados nestes autos: €102.712,51 (pº nº 379).

Alegam os executados ter havido violação da decidido, na medida em que: “declara válida a utilização/transferência/realização de pagamentos com parte do valor depositado nos autos, violando o caso julgado material da decisão que decretou a providencia cautelar porquanto (i) não se vincula nem dá cumprimento à decisão proferida na providência cautelar e que (ii) volta a emitir pronúncia sobre a questão decidida na providência cautelar, decidindo alterar o sentido, alcance e abrangência da decisão proferida”.

Alegam ainda que “o acto da Sra. AE (que transferiu o valor depositado nos autos para o pagamento dos seus honorários e para o pagamento dos compulsórios ao Estado), validado ilegalmente pelo Tribunal recorrido, viola flagrantemente a decisão proferida na providencia cautelar - Proc. no 6039/20.2...-A (anterior proc. nº 4964/20.0...) – e viola flagrantemente a decisão proferida nestes autos - despacho de 09.02.2021 e de 30.06.2021.

- Que dizer?

Importa relembrar que o recurso de revista está circunscrito há alegada violação do caso julgado material, face ao decidido na referenciada providência cautelar, e do caso julgado formal em relação às decisões proferidas nestes autos que deram sequência ao ali determinado – artºs 577º i), 580º, 581º, 582º e artº 620º do CPC, todos do CPC; e cfr. decisões aludidas em II. do relatório.

Escreveu-se no acórdão recorrido, com relevância para esta revista:

“(…)

No entanto, no despacho proferido em 9/2/21, a Sra. Juiz já tinha declarado no processo que a quantia arrestada no proc. 4964/20.0... e que atualmente é o 6039/20.2..., “não está já, por força dessa decisão que foi regularmente comunicada e recebida, na esfera da disponibilidade destes autos.” Tendo ainda decidido que “é naqueles autos de procedimento cautelar que a exequente deve obter decisão de levantamento da apreensão determinada, não cabendo a este tribunal aferir da razão do(a)(s) ali requerente(s).”

Este despacho foi notificado às partes em 9/02/21 e não foi impugnado.

Assim, no processo já tinha sido proferida decisão sobre a questão acima referida e a mesma transitou em julgado, fazendo caso julgado formal (cfr. Art. 620º, nº 1 do C. P. Civil).

Não pode, pois, ser novamente apreciada no âmbito dos presentes autos. De qualquer forma, entendemos que tal decisão está correta.

Questão da retenção do montante dos juros compulsórios (Estado) e dos honorários da AE:

Nos autos, as quantias referidas foram subtraídas ao montante da caução prestada no processo.

A caução constitui uma garantia especial das obrigações tendo genericamente, por finalidade facultar ao credor a satisfação do seu crédito e, no processo executivo em causa, destinou-se a suspender a execução durante a pendência do recurso interposto no âmbito dos embargos de Executado, garantindo o cumprimento da obrigação exequenda. Esses embargos foram julgados improcedentes, decisão que foi confirmada nos recursos, tendo transitado em julgado.

“Destinando-se a caução a obter a suspensão da execução, o seu valor deve garantir o pagamento da quantia exequenda, dos juros de mora, das custas da execução e dos honorários e despesas do agente de execução” (cfr. Marco Carvalho Gonçalves Lições de Processo Civil Executivo, 3.ª Edição, 2019, Almedina, pág. 274).

Como resulta do disposto no art. 541º do C. P. Civil, as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.

Por sua vez, dispõe o art. 721º, nº 1 do C. P. Civil que, “Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no art. 541.º”.

Resulta assim, dos mencionados preceitos que a regra é a da precipuidade, só não sendo aplicada quando os mencionados encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores decorrentes do pagamento voluntário da quantia exequenda. Neste caso, é o exequente que paga esses valores, podendo posteriormente reclamá-los do executado(s).

Neste processo, a AE, em face da improcedência dos embargos por decisão transitada em julgado, preparava-se para entregar o montante caucionado à Exequente, para pagamento da quantia exequenda, quando foi ordenado o arresto da quantia em causa.

O montante prestado a título de caução pode ser utilizado para satisfação da quantia exequenda quando o executado não provar que pagou a quantia exequenda no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado, no caso da decisão proferida nos embargos (v. art. 733º, nº 6 do C. P. Civil do mesmo Código, por via do disposto no art. 650, nº 3).

No caso, os Executados não fizeram tal prova, pelo que o valor depositado a título de caução respondia pela satisfação da quantia exequenda tal como se se tratasse do valor da venda de bens penhorados.

Assim, não obstante o valor caucionado não consistir no produto da venda, em face da inexistência de prova do cumprimento da obrigação por parte do Executado, podia ser utilizado pela AE para pagamento da quantia exequenda.

Deste modo, nada há de ilícito, pelo contrário, no ato da AE de retirar desse que se destinada a pagar a quantia exequenda, o valor dos encargos do processo e os montantes dos seus honorários.

Questão diferente e que há-de ser decida é se, em face do arresto determinado no processo 6039/20.2... –A, podia neste processo ser retida a quantia necessária ao pagamento dos encargos e honorários e se os valores retirados estão corretos.

A retenção dos valores dos encargos e custas é lícita uma vez que no processo 6039/20.2...-A se determinou o arresto do crédito devido à aqui Exequente e, tendo em conta ao que acima se disse, relativamente à precipuidade dos encargos e honorários, o valor desse crédito era apenas o remanescente do valor da caução, após liquidação dos mencionados valores.

Deste modo, não há violação do caso julgado, uma vez que o valor correspondente aos encargos e honorários da AE, não integrando o valor do crédito da Exequente, não estava abrangido na decisão proferida no procedimento cautelar.

(…)”

Como é bom de ver, e atento à delimitação do litígio relativamente ao invocado caso julgado, importa tomar posição quanto a esta última questão decidida pela Relação nestes termos: “A retenção dos valores dos encargos e custas é lícita uma vez que no processo 6039/20.2...-A se determinou o arresto do crédito devido à aqui Exequente e, tendo em conta ao que acima se disse, relativamente à precipuidade dos encargos e honorários, o valor desse crédito era apenas o remanescente do valor da caução, após liquidação dos mencionados valores”.

Como sabemos o relevo das custas processuais é manifesto, porque tem a ver com o custo da justiça e a matéria em discussão respeita às intituladas garantias de pagamento de custas – vide, Salvador da Costa, in, “As Custas Processuais”, análise e comentário, 9ª Edição/Almedina, em especial, fls.5 e 39.

Sobre essa matéria estabelece o artº 541º do CPC: “As custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução/AE, apensos e respectiva acção declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.”

Por sua vez, o nº1 do artº 721º do CPC regula o pagamento das quantias devidas ao agente de execução, deste modo: “Os honorários devidos ao agente de execução/AE e o reembolso das despesas por ele efectuadas (…) são suportadas pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artº 541º.”

A caução prestada pelos executados teve como finalidade evitar o prosseguimento da execução, deduzida que foi oposição à execução, e simultaneamente garantir o pagamento da quantia exequenda – artº 733º nº1 a) do CPC.

In casu, a execução foi extinta por inutilidade da lide, derivada da dissolução e liquidação da sociedade exequente, o que responsabiliza a exequente pelas custas – artº 536 nº 3 do CPC e cfr. certidão (AP. 19/202111130) e ponto II.

Finalmente, há que ter em conta o disposto no artº 45º nº1 da Portaria 282/2013 do seguinte teor: “Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado.”

Ora, em conformidade com as regras de custas gerais - de que se realça a sua precipuidade - e especiais acima enunciadas, e as quantias em causa corresponderem a custas e aos pagamentos previstos no citado artº45º da Portaria 282/2013, a sua retenção nestes autos é lícita, por legal.

Isto, claro está, sem prejuízo de, por analogia e nos termos do mesmo artº 45º os executados poderem reclamar o seu reembolso da exequente, confirmada que seja a decisão cautelar proferida no processo nº 6039/20.2...-A, que determinou o arresto do valor monetário caucionado.

Em consequência, não se verifica a apontada ofensa de caso julgado, material ou formal.

Lisboa, 25-1-2024

Afonso Henrique