Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01B2028
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DUARTE SOARES
Descritores: LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: SJ200107120020282
Data do Acordão: 07/12/2001
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O disposto no art.º 661, n.º 2, do CPC, tanto se aplica no caso de ser formulado pedido genérico, como no de ser formulado pedido específico mas não se ter conseguido fazer prova da especificação.
II - Sendo parte dum crédito afectada por compensação, não impedida pela iliquidez da dívida nos termos do n.º 3 do art.º 847 do mesmo código, só a parte que já não pode ser afectada deve, desde já, considerar-se líquida e constituir objecto de condenação imediata. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA", residente em Fala, Coimbra, instaurou acção ordinária contra Empresa-A, pedindo que se declare resolvido o contrato de empreitada, por incumprimento definitivo da R, que com ela celebrara, e a devolver-lhe a quantia de 6.590 contos que lhe entregou por conta do preço. Alega, no essencial, que a empreitada respeitava à reconstrução de um prédio pela preço global de 7.090 contos comprometendo-se a R a executar os trabalhos exteriores em 30 dias e os interiores em 60 dias contar do seu início. Apesar de ter iniciado os trabalhos em Dezembro de 1996 e ter recebido aquela quantia, nunca os concluiu nada tendo feito desde Fevereiro de 1997.
Contestou a R aceitando que celebrou o contrato e que apenas realizou parte dos trabalhos no que despendeu 3.547.877$00. Assim, apenas terá que restituir 2.692.123$00, pelo que, em reconvenção pede que se reconheça que efectuou aqueles trabalhos e que lhe assiste o direito de fazer sua a quantia correspondente.
Foi, a final, proferida sentença, declarando resolvido o contrato e condenando a R a pagar ao A o saldo que se liquidar em execução de sentença depois de apurado o valor dos trabalhos efectivamente realizados.
Conhecendo da apelação interposta pelo A, a Relação de Coimbra julgou-a parcialmente procedente condenando a R a pagar de imediato ao A as quantias dele recebidas excedentes a 3.547.877$00 com juros, e relegando para execução de sentença a fixação “do mais que eventualmente lhe for ainda devido”.

Ainda inconformado, pede agora revista e, nas alegações, conclui, no essencial e em resumo, assim:

1 – O acórdão recorrido, se aplicasse correctamente a norma do nº2 do art. 661º do CPC, deveria ter condenado imediatamente a R a restituir ao A a quantia reclamada na acção, que se acha já apurada e demonstrada na matéria de facto, relegando para execução de sentença apenas o pedido reconvencional, porque só quanto a este não dispõem os autos elementos suficientes para a sua determinação.
2 – Foram violadas as normas dos arts. 661º nº 2 do CPC e 565º a 566º nº 3 do CPC, devendo revogar-se a parte decisória por forma a que, aplicando-se correctamente aquelas normas, a acção seja julgada procedente condenando-se a R a restituir imediatamente ao A a quantia de 6.590 contos com juros de mora desde as datas das entregas pelo A das quantias, relegando-se para execução de sentença apenas o pedido reconvencional, isto é, o valor correspondentes aos trabalhos que a R executou na obra não provados na acção.

Não houve resposta da recorrida.

Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir.

Como claramente decorre das conclusões da revista, o objecto do recurso, ultrapassada que está tudo o que se relaciona com a validade da resolução do contrato de empreitada e a admissibilidade da compensação dos créditos recíprocos da A e R, está limitado à questão de saber, tendo em conta a norma do art. 661º do CPC, se era já possível fixar o crédito do A reduzindo-o ao limite mínimo correspondente ao valor da diferença entre as quantias de 6590 contos – respeitante à parte do preço já pago pelo A – e de 3.547.877$00 – correspondente ao valor invocado pela R dos trabalhos por esta realizados e dos materiais incorporados na obra.
Na perspectiva do A, tal redução não é admissível uma vez que só o crédito da R está por liquidar sendo ilegítimo antecipar a compensação dos créditos recíprocos. No seu entender, impunha-se desde logo, nos termos do art. 661º do CPC, a condenação da R na totalidade seu crédito que está já rigorosamente fixado.

Nesta posição está subentendida a ideia de que não é possível a compensação se ambos os créditos não forem líquidos.
Porém, a norma do art. 847º nº3 do CC é perfeitamente clara ao estatuir que, verificados os demais requisitos, a iliquidez da dívida não impede a compensação.
No caso, trata-se de contrato de empreitada resolvido em razão de incumprimento pela empreiteira tendo o A, dono da obra, por conta do preço final, pago a quantia de 6.590 contos, e a R, enquanto empreiteira, realizado trabalhos e incorporado materiais no valor, que reclama, de 3.547.877$00.
A parte sublinhada corresponde, no essencial, à matéria de facto provada e dela decorre que, tendo sido validamente operada a compensação – o que a recorrente nem sequer discute – e porque o crédito ilíquido da R nunca poderá ultrapassar, face ao disposto no nº1 do art. 661º do CPC, o invocado valor de 3. 547.877$00, só é possível, nos termos do nº2 daquele artigo, fixar o quantum do crédito final do A, no valor correspondente à diferença entre aqueles montantes.
Foi o que a Relação fez por entender que essa norma, de acordo com a melhor doutrina e a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, tanto se aplica no caso de se ter formulado pedido genérico, como no de se ter formulado pedido específico mas não se ter conseguido fazer prova da especificação.
Assim, porque parte do crédito do A é afectado pela compensação, só a parte que já não pode já ser afectada deve, desde já considerar-se líquida e constituir objecto de condenação imediata.
Mas não mais do que isso pois, de contrário, comprometer-se ia a eficácia da compensação já operada nos termos do art.848º do CPC.

De tudo exposto decorre a falta de fundamento das conclusões do recurso.

Nestes termos, negam a revista confirmando o douto acórdão recorrido com custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2001

Duarte Soares (Relator)
Simões Freire
Moitinho de Almeida