Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B3336
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
ALIMENTOS
RECURSO
MAIORIDADE
DEFICIENTE
Nº do Documento: SJ200512070033362
Data do Acordão: 12/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 341/05
Data: 02/17/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O artº 1411º nº 3 do C. P. Civil, ao determinar que nos processos de jurisdição voluntária não são passíveis de recurso para o STJ as resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e razoabilidade, implica que no recurso da decisão sobre alimentos a filho maior, proferida nos termos dos artºs 1412º desse código e 1880º do C. Civil, não possam ser apreciadas pelo Supremo questões como as que respeitam à avaliação das situações económicas do autor e do réu e às consequentes necessidades de prestar e receber.
II - Se alguém com 24 anos de idade, frequenta o 2º ano dum curso superior e sofre duma incapacidade psicológica da ordem dos 5% , duma incapacidade física de 65%, precisando da assistência de alguém nas tarefas quotidianas, sendo ainda incontinente, não se encontra numa situação de falta de aproveitamento escolar.
III - No pedido de prestação de alimentos ao abrigo do artº 1880º do C. Civil o filho maior não tem de demonstrar que não é capaz de angariar meios de subsistência, uma vez que se trata duma situação que é o prolongamento da situação de menoridade, sendo certo que ao menor não é de exigir essa capacidade.
IV - A lei pressupõe que o peticionante estuda, não que trabalha ou pode trabalhar.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"A" intentou a presente acção com vista à fixação de uma prestação de alimentos contra seu pai B.
O réu contestou.
O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença que condenou o réu a prestar ao autor uma pensão de alimentos no valor de € 250 mensais, acrescida de € 150 durante 116 meses e de € 50 no 117º mês.
Apelou o réu, mas sem êxito.
Recorre o mesmo novamente, apresentando nas suas alegações de recurso, em síntese, as seguintes conclusões:

1 - O autor não provou o nexo de causalidade entre os seus problemas de saúde e o seu insucesso escolar.
2 - Também não provou tal nexo entre esse insucesso e a falta de meios económicos.
3 - Igualmente não conseguiu demonstrar que não é capaz de angariar meios para a sua subsistência.
4 - O montante fixado a título de alimentos não se coaduna com os seus rendimentos, nem com os seus encargos, devendo antes ser de € 250 até Outubro de 2001 e de € 150 a partir dessa data.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II
Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos dados por assentes pelas instâncias remetendo para o que consta de fls. 532 verso a 535 verso.

III
Apreciando

Antes do mais há que apreciar a questão prévia da recorribilidade da decisão em apreço.
O artº 1411º nº 3 do C. P. Civil determina que, nos processos de jurisdição voluntária, não são passíveis de recurso para o STJ as resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade.
O presente processo é um processo de jurisdição voluntária, previsto no respectivo capítulo - artº 1412º do mesmo código.

1. O que bem se compreende, sabido como é que o Supremo tem por função primordial fiscalizar a aplicação da lei e na jurisdição voluntária, para além da aplicação directa das normas, o que está em causa é o bom senso e a razoabilidade do julgador.
Daqui decorre que, nestes autos, todas aquelas questões cuja solução resultou do seu bom critério são agora insindicáveis por este Tribunal.
Nomeadamente, as que respeitam à avaliação da situação económica do autor e do réu, e às consequentes necessidades de prestar e de receber. Não resultam estas duma predeterminação normativa rígida e concreta, sendo antes o resultado da capacidade de percepção e qualificação dos factos por parte do juiz e da suas considerações subjectivas.
Deste modo, como questões intrinsecamente jurídicas restam apenas as que têm a ver com a demonstração da ocorrência dos pressupostos da obrigação em litígio. Estão neste caso a justificação do réu para o seu insucesso escolar e a alegada incapacidade para angariar meios de subsistência.

2. Pretende o recorrente que não foi alegado ou provado que o insucesso escolar do autor seja de atribuir aos seus problemas de saúde.
O artº 1880º do C. Civil estabelece a obrigação dos progenitores continuarem a prestar alimentos a filhos que tenham atingido a maioridade, se tal for necessário para completar a sua formação profissional. Doutrinal e jurisprudencialmente tem vindo a ser entendido que é exigível que, para que este direito possa vir a ser exercido, o filho seja diligente na realização dessa formação. Se há da sua parte culpa na falta ou no atraso da preparação profissional, manifesto é que não se justifica o prolongamento do auxílio familiar a quem, por já ser adulto, deve ser posto perante as suas responsabilidades.
Dos factos assentes retira-se que o autor está, em alguma medida, atrasado nos seus estudos. À data da sentença de 1ª instância - 27.07.04 - tinha 24 anos e frequentava o 2º ano de um curso superior. Mas igualmente ficou provado que:
o autor é incontinente mudando de fraldas várias vezes por dia;
sofre no aspecto psicológico duma incapacidade de 5%;
tem uma incapacidade física da ordem dos 65%, requerendo a assistência duma pessoa para as tarefas quotidianas.
Face a este quadro de limitações pessoais é forçoso concluir que mais não lhe é exigível em termos de aproveitamento escolar, uma vez que os problemas de saúde que apresenta não podem deixar de condicionar e seriamente a sua actividade diária, mormente a sua preparação académica.
Acresce que quem tinha de provar o insucesso do autor e que ele não era devido aos problemas de saúde era o réu, por se tratar dum facto extintivo do direito invocado pelo primeiro.

3. Refere o recorrente que o autor não demonstrou que o insucesso resultasse falta de meios. A verdade é que não o tinha de fazer.
O insucesso está justificado, como vimos em 2.
Para além disso, o que o autor tinha de provar era que precisava dos alimentos para continuar a estudar E isso ficou assente pelas instâncias e não pode agora ser analisado pelas razões consignadas em 1.

4. Refere igualmente o réu que o autor não demonstrou que não fosse capaz de angariar meios de subsistência.
No entanto, tal prova não era necessária.
O artº 1880º prevê uma situação em que se pressupõe que o alimentando não trabalha, no sentido em que não angaria os meios de subsistência, mas em que estuda. É essa aliás a razão para existirem os alimentos. Pelo que, nesta hipótese, a capacidade de obter meios para subsistir, não é, ao contrário de outras situações de alimentos, um
pressuposto do direito.
Note-se que este direito é o prolongamento, dentro dos limites da razoabilidade, como refere o preceito, da situação de menoridade, sendo certo que ao menor não se exige a capacidade de angariar meios de subsistência.

Não merece, pois, censura a decisão em apreço.

Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2005
Bettencourt de Faria,
Rodrigues dos Santos,
Moitinho de Almeida.