Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
267/09.9YFLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: CAPACIDADE DAS SOCIEDADES
GARANTIAS A DÍVIDA DE TERCEIROS
JUSTIFICADO INTERESSE DA SOCIEDADE
CO-ASSUNÇÃO DE DÍVIDAS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Legislação Nacional: ARTºS 6º Nº 1 E 3, 260º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, ARTºS 280º Nº 1, 294º E 595º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário :
1. Não existe uma incapacidade absoluta das sociedades para a prática de liberalidades. Apenas na ponderação do circunstancialismo que acompanhou a situação concreta se deve aferir da licitude, ou não, da liberalidade efectuada pelos órgãos sociais da sociedade.
As sociedades podem validamente praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante, ainda que deles não decorra uma vantagem económica imediata. Basta que haja o objectivo de ser alcançado um fim conveniente à prossecução de vantagens de cariz económico da sociedade e não de proporcionar uma vantagem ao credor garantido.

2. Ao assumir uma ré como sua a obrigação de uma co-ré, mas continuando esta vinculada à sua satisfação, estamos perante uma assunção cumulativa de dívida ou co-assunção de dívida, respondendo os dois devedores solidariamente – nº 2, parte final, do art. 595º C.Civil. Não houve transmissão de dívida; apenas se juntou um novo devedor ao antigo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

L… – P… A…, S.A., intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário,

contra

- L… – S… DE P… L…, LDª;
- Q… – I… DE L..., LDª; e
- AA,

pedindo que sejam condenadas solidariamente:
a. a pagarem-lhe a quantia de € 73.428,47, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 15.787,12, e vincendos até integral e efectivo pagamento;
b. as 2ª e 3ª rés, a pagarem-lhe a quantia de € 79.667,00, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 17.935,17, e vincendos até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que, no exercício da sua actividade, vendeu regularmente à ré L… – S… DE P… L…, LDª, desde o início de 1997 até fins de Agosto de 1999, leite a granel, que esta depois utilizava na produção, distribuição e comercialização de queijo, ascendendo o valor desse fornecimento a € 127.023,58, estando neste momento ainda em dívida a quantia de € 73.428,47.
A partir de 1 de Setembro de 1999, passou a vender à ré Q… – I… DE L..., LDª, que deu continuidade à actividade até aí desenvolvida pela co-ré L… – S… DE P… L…, LDª, leite a granel que ela igualmente utilizava na produção, distribuição e comercialização de queijo, ascendendo o valor desse fornecimento a € 79.711,89, estando neste momento ainda em dívida a quantia de € 79.667,00.
E que a ré AA, em nome e representação da co-ré Q… – I… DE L..., LDª, assumiu para esta a dívida da L… – S… DE P… L…, LDª, assim como lhe garantiu o pagamento desta dívida, bem como da dívida resultante dos fornecimentos feitos à Q… – I… DE L..., LDª.

Contestou apenas a ré Q… – I… DE L..., LDª, alegando que é estranha aos fornecimentos feitos à ré L… – S… DE P… L…, LDª, que não garantiu o pagamento da dívida desta ré e que os fornecimentos feitos directamente a si foram integralmente pagos.

Replicou o ainda a autora para manter o já vertido na petição inicial.

Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, prosseguiu o processo para julgamento.
Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenadas:
- as rés, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de € 73.428,47 acrescida de juros de mora vencidos desde 31.12.2001 até 03.10.2003, no montante de € 15.787,12, e vincendos desde 03.10.2003 até ao integral pagamento do valor de capital;
- as 2ª e 3ª rés, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de € 79.667,00, acrescida de juros de mora desde a citação da 2ª ré até integral pagamento do valor do capital.

Inconformadas com o assim decidido apelaram as rés Q… – I… DE L..., LDª e AA, e com êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto absolveu aquela ré do pagamento solidário com as co-rés da dívida resultante dos fornecimentos da autora à ré L… – S… DE P… L…, LDª e absolveu a ré AA dos pedidos contra si formulados, determinando-se ainda que lhe fossem restituídas as quantias que ela pagara à autora, no montante de € 21.947,72; e ficaram as rés L… – S… DE P… L…, LDª e Q… – I… DE L..., LDª condenadas a pagar à autora as quantias resultantes dos fornecimentos que a cada uma lhes fizera e ainda em dívida.

Irresignada é a vez de recorrer agora a autora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça pugnando pela manutenção do decidido em 1ª instância.

Contra-alegou a ré AA em defesa da improcedência do recurso.

***


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo da recorrente radica, em síntese, no seguinte:
1- O acto ou negócio praticado pelos sócios gerentes de uma sociedade comercial não pode ser considerado nulo com o fundamento de que, dado o princípio da especialidade, a sociedade não tem capacidade de gozo para o realizar.

2- E isto porque a capacidade das sociedades, nos termos do art° 6° do CSC, abrange os direitos e obrigações necessárias ou convenientes á prossecução do seu fim, incluindo-se as liberalidades usuais.

3- Ora, os factos provados demonstram que a assunção da dívida da ré AA em nome e representação da co-ré Q… – I… DE L..., LDª foi assumida no interesse, proveito e vantagem desta, tendo sido mesmo necessária e essencial ao início da sua actividade.

4- Daí resulta a validade e eficácia da obrigação assumida, nos termos e para os efeitos do art° 6° do CSC, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido.

5- Cabe à sociedade o ónus de prova de que a garantia que prestou a terceiro não satisfaz um justificado interesse seu.

6- Considerando que a ré Q… – I… DE L..., LDª, até ao julgamento, negou ter assumido perante a autora a obrigação de lhe pagar a dívida da ré L… – S… DE P… L…, LDª (só em sede de recurso para a Relação veio invocar a nulidade de tal garantia) e que sobre ela recaía o ónus de provar a sua falta de interesse ou de vantagem em tal acto, certo é que, mesmo que não lhe pertencesse tal ónus, não podia nem pode exigir-se que a autora se defendesse de tal arguição em sede de recurso, alegando e provando ela a falta de interesse, porque já não o podia fazer, uma vez que isso teria de ser feito nos articulados.

7- Como esta ré não assumiu a assunção dessa dívida e, consequentemente, não invocou a sua nulidade e gratuitidade, e o ónus era seu, não podia a Relação acolher tal situação, porque isso violaria os princípios da estabilidade e oportunidade da instância (arts. 268°, 481° e 660°; 2 do CPC), do contraditório (art.° 3°) e da igualdade das partes (art.°3° CPC).

8- Uma vez que a “assunção de dívida”, prevista no art° 595°, n.° 1, al. b) C.Civil, está sujeita, quanto aos requisitos (designadamente de forma), ao tipo de negócio que lhe serve de base (aquele contrato de compra e venda de leite) e este não estava nem está sujeito a forma, aquele também o não estava.

9- Por outro lado, não faz sentido a interpretação defendida pelo acórdão recorrido segundo a qual, por resultar da matéria assente que a ré Q… – I… DE L..., LDª se obriga e obrigava pela assinatura da ré AA, sua gerente, isso significava que a única forma prescrita para que os actos praticados em nome daquela ré fossem válidos era e é a forma escrita, razão pela qual o acordo de assunção de divida aqui em causa seria nulo por não ter sido reduzido a escrito nem assinado pela gerente.

10- A expressão “assinatura de um gerente” constante do registo comercial da ré Q… – I… DE L..., LDª só pode razoavelmente ser interpretado sentido de que:
- nos actos de gerência não sujeitos a forma escrita é suficiente a intervenção do gerente, em nome da sociedade e dentro dos seus poderes de representação (n° 1 do art. 260° do CSC);
- nos autos escritos, é suficiente a assinatura do gerente com indicação dessa qualidade (n.° 4 do mesmo art° 260°).

11- Só alegando e provando que a autora, no momento dos factos descritos sob os nºs 4 a 8, tinha conhecimento do modo e forma de se fazer representar e obrigar (o que não fez) podia opor-lhe a nulidade admitida pelo acórdão recorrido, se tal nulidade devesse proceder.

12- Mas se se viesse a considerar nulo, inválido ou ineficaz o acordo de assunção de dívida por parte da ré Q… – I… DE L..., LDª, então, a levar a nulidade daí decorrente à imposição à autora do dever de restituir as quantias que, de modo livre e voluntário, lhe foram pagas em cumprimento daquele acordo livremente assumido e em que a contraparte confiou para “abrir” os fornecimentos posteriores a 31.8.99, constituiria um manifesto excesso dos limites impostos pelo fim social e económico do correspondente direito das rés Q… – I… DE L..., LDª e AA, sendo abusivo o exercício do correspondente direito.

13- O acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação designadamente dos arts. 6°, 259°, 260°, 1 e 4, do CSC, 3°, 3°-A, 268°, 481°, 660°, 2 do CPC, 463° do C.Com. 595°, 219°, 223°, 627°, 628°, 634°, 875° e 940° do CC.


B- Face ao teor das conclusões formuladas, delimitativas do âmbito do recurso, as questões controvertidas a decidir reconduzem-se, no essencial, a apreciar:
- validade e eficácia da obrigação de assunção de dívida assumida pela sociedade Q… – I… DE L..., LDª;
- validade e eficácia da obrigação assumida pela ré AA;
- ónus da prova da garantia prestada pela sociedade Q… – I… DE L..., LDª;
- possibilidade de conhecimento da nulidade de assunção da dívida da ré L… – S… DE P… L…, LDª;
- abuso de direito na restituição das quantias pagas pela sociedade Q… – I… DE L..., LDª.


III. Fundamentação


A- Os factos

Foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos:

1- A autora dedica-se, com fins lucrativos e como actividade regular, à aquisição, industrialização e comercialização de leite de vaca e outros produtos lácteos.

2 - A 1ª ré foi constituída e iniciou a sua actividade em 22 de Junho de 1983, consistindo essa sua actividade, designadamente, na produção, industrialização, distribuição e comercialização de queijo a partir de leite de vaca e desenrolou-se até fins de Agosto de 1999.

3- Estava instalada em instalações próprias no ARMAZÉM … da Estrada …., concelho de Coimbra.

4- A 3ª ré é sócia da 1ª ré desde Abril de 1993 e foi sua gerente desde 21/3/93 até 18/1/95.

5- No exercício das suas referidas actividades, a partir do início de 1997,a autora vendeu regularmente à 1ª ré o leite a granel que esta utilizava na sua actividade, referida em 2.

6- Antes de 1997, quem vendia o leite a granel à 1ª ré era a L…, UCRL, que, entretanto, passou a ser accionista da autora.

7- O referido em 5 foi praticado por autora e 1ª ré até ao fim de Agosto de 1999.

8- A 2ª ré foi constituída em 2/7/99.

9- A 3ª ré participou, como sócia, na constituição da 2ª ré e foi designada sua gerente desde a sua constituição.

10- A designação como gerente e a qualidade de sócia referida em 9 ainda subsistem na presente data.

13- A 2ª ré obrigava-se e obriga-se apenas pela assinatura da 3ª ré.

14- A actividade da 2ª ré consistia e consiste, também, na produção industrial, distribuição e comercialização de queijo a partir de leite de vaca.

15- A 1ª ré cessou a sua actividade operacional no fim de Agosto de 1999.

16- O relacionamento entre a autora, como vendedora, e a 1ª ré, como compradora, proveniente das vendas referidas em 5 e 6 encontra-se reproduzido no extracto organizado informaticamente em forma de conta-corrente, e no qual se mostram lançadas, a débito da segunda, isto é, da 1ª ré, as facturas relativas às partidas de leite vendido, bem como substituições ou devoluções de cheques, juros de mora e transferências, e, a crédito da mesma, os recibos dos pagamentos por ela feitos e notas de crédito.

17- No fim de Agosto de 1999, a 1ª ré devia à autora, em resultado do relacionamento referido, como preço, não pago, das quantidades de leite a que se referem as facturas lançadas no documento ali referido, a quantia de 25.465.941 $00,correspondentes a 127.023,58 euros.

18- A autora vendeu e entregou à 1ª ré partidas de leite a granel, nas quantidades, aos preços unitários e pelos preços e valores totais discriminados nas facturas seguintes:

a) X3001203, em 25/10/98, pelo preço total de 221.218$00, correspondente a € 1.103,43;
b) X3001205, em 27/10/98, pelo preço total de 220.811$00, correspondente a € 1.101,40;
c) X3001207, em 28/10/98, pelo preço total de 550.721 $00, correspondente a € 2.746,98;
d) X3001209, em 29/10/98, pelo preço total de 224.240$00, correspondente a € 1.118,50;
e) X3001210, em 1/11/98, pelo preço total de 223.499$00, correspondente a € 1.114,80;
f) X3001212, em 2/11/98, pelo preço total de 223.005$00, correspondente a € 1.112,34;
g) X3001218, em 6/11 /98, pelo preço total de 161.924$00, correspondente a € 807,67;
h) X3001219, em 9/11/98, pelo preço total de 197.156$00, correspondente a € 983,40;
i) X3001221, em 10/11 /98, pelo preço total de 225.945$00, correspondente a € 1.127,00;
j) X3001222, em 11/11/98, pelo preço total de 222.099$00, correspondente a € 1.107,823;
I) X3001223, em 12/11/98, pelo preço total de 223.087$00, correspondente a € 1.112,75;
m) X3001225, em 13/11/98, pelo preço total de 223.910$00, correspondente a € 1.116,86;
n) X3001226, em 16/11/98, pelo preço total de 221.463$00, correspondente a € 1.104,65;
o) X3001230, em 17/11/98, pelo preço total de 224.734$00, correspondente a € 1.120,97;
p) X3001231, em 18/11/98, pelo preço total de 221.544$00, correspondente a € 1.105,05;
q) X3001232, em 19/11/98, pelo preço total de 223.499$00, correspondente a € 1.114,80;
r) X3001235, em 19/11/98, pelo preço total de 223.910$00, correspondente a € 1.116,86;
s) X3001236, em 23/11/98, pelo preço total de 224.734$00, correspondente a € 1.120,97;
t) X3001244, em 24/11/98, pelo preço total de 222.676$00, correspondente a € 1.110,70;
u) X3001245, em 25/11/98, pelo preço total de 223.910$00, correspondente a € 1.116,86;
v) X3001246, em 26/11/98, pelo preço total de 223.499$00, correspondente a € 1.114,80;
x) X3001247, em 27/11 /98, pelo preço total de 165.463$00, correspondente a € 825,33;
z) X3001248, em 30/11/98, pelo preço total de 166.286$00, correspondente a € 829,43;
aa) X3001249, em 2/12/98, pelo preço total de 221.136$00, correspondente a € 1.103,02;
ab) X3001256, em 3/12/98, pelo preço total de 221.626$00, correspondente a € 1.105,47;
ac) X3001259, em 7/12/98, pelo preço total de 223.087$00, correspondente a € 1.112,75;
ad) X3001260, em 8/12/98, pelo preço total de 226.380$00, correspondente a € 1.129,18;
ae) X3001261, em 10/12/98, pelo preço total de 164.997$00, correspondente a € 823,00;
af) X3001266, em 11/12/98, pelo preço total de 163.775$00, correspondente a € 816,90;
ag) X3001267, em 13/12/98, pelo preço total de 222.264$00, correspondente a € 1.108,65;
ah) X3001269, em 14/12/98, pelo preço total de 301.291 $00, correspondente a € 1.502,83;
ai) X3001273, em 15/12/98, pelo preço total de 223.087$00, correspondente a € 1.112,75;
aj) X3001275, em 17/12/98, pelo preço total de 221.852$00, correspondente a € 1.106,59;
al) X3001276, em 20/12/98, pelo preço total de 222.264$00, correspondente a € 1.108,65;
am) X3001278, em 21/12/98, pelo preço total de 222.264$00, correspondente a € 1.108,65;
an) X3001279, em 23/12/98, pelo preço total de 219.996$00, correspondente a € 1.097,33;
ao) X3001280, em 27/12/98, pelo preço total de 224.734$00, correspondente a € 1.120,97;
ap) X3001281, em 28/12/98, pelo preço total de 220.403$00, correspondente a € 1.099,36;
aq) X3001293, em 03/12/99, pelo preço total de 224.322$00, correspondente a € 1.118,91;
ar) X3001294, em 6/01/99, pelo preço total de 225.804$00, correspondente a € 1.126,31;
as) X3001295, em 7/01/99, pelo preço total de 180.199$00, correspondente a € 898,83;
at) X3001302, em 11/01/99, pelo preço total de 223.664$00, correspondente a € 1.115,63;
au) X3001303, em 18/01/99, pelo preço total de 223.746$00, correspondente a € 1.116,04;
av) X3001310, em 21/01/99, pelo preço total de 226.716$00, correspondente a € 1.130,85;
ax) X3001311, em 25/01/99, pelo preço total de 226.195$00, correspondente a € 1.128,26;
az) X3001326, em 14/02/99, pelo preço total de 202.079$00, correspondente a € 1.007,97;
ba) X3001340, em 23/02/99, pelo preço total de 197.996$00, correspondente a € 987,60 ;
bb) X3001339, em 28/02/99, pelo preço total de 188.698$00, correspondente a € 941,22 ;
bb) X3001344, em 3/03/99, pelo preço total de 197.996$00, correspondente a € 987,60;
bc) X3001347, em 4/03/99, pelo preço total de 198.363$00, correspondente a € 989,43 ;
bd) X3001350, em 7/03/99, pelo preço total de 198.729$00, correspondente a € 991,26;
be) X3001353, em 11/03/99, pelo preço total de 197.770$00, correspondente a € 986,47;
bf) X3001355, em 11/03/99, pelo preço total de 197.263$00, correspondente a € 983,94;
bg) X3001359, em 14/03/99, pelo preço total de 203.052$00, correspondente a € 1.012,82;
bh) X3001361, em 16/03/99, pelo preço total de 200.196$00, correspondente a € 998,57;
bi) X3001366, em 17/03/99, pelo preço total de 197.770$00, correspondente a € 986,47;
bj) X3001371, em 18/03/99, pelo preço total de 199.830$00, correspondente a € 996,75;
bl) X3001372, em 21/03/99, pelo preço total de 200.490$00, correspondente a € 1.000,04;
bm) X3001373, em 23/03/99, pelo preço total de 196.318$00, correspondente a € 979,23;
bn) X3001375, em 24/03/99, pelo preço total de 200.704$00, correspondente a € 1.001,11;
bo) X3001378, em 25/03/99, pelo preço total de 198.729$00, correspondente a € 991,26 ;
bp) X3001379, em 28/03/99, pelo preço total de 197.996$00, correspondente a € 987,60;
bq) X3001381, em 30/03/99, pelo preço total de 201.519$00, correspondente a € 1.005,17;
br) X3001382, em 31/03/99, pelo preço total de 199.463$00, correspondente a € 994,92 ;
bs) X3001384, em 5/04/99, pelo preço total de 298.575$00, correspondente a € 1.489,29 ;
bt) X3001391, em 11/04/99, pelo preço total de 108.165$00, correspondente a € 539,52;
bu) X3001393, em 11/04/99, pelo preço total de 190.663$00, correspondente a € 951,02;
bv) X3001392, em 12/04/99, pelo preço total de 302.370$00, correspondente a € 1.508,22;
bx) X3001394, em 14/04/99, pelo preço total de 296.995$00, correspondente a € 1.481,40;
bz) X3001401, em 18/04/99, pelo preço total de 295.161 $00, correspondente a € 1.472,26;
ca) X3001402, em 20/04/99, pelo preço total de 279.543$00, correspondente a € 1.394,35;
cb) X3001403, em 21/04/99, pelo preço total de 260.457$00, correspondente a € 1.299,15;
cc) X3001406, em 25/04/99, pelo preço total de 306.112$00, correspondente a € 1.526,88;
cd) X3001415, em 2/05/99, pelo preço total de 310.761$00, correspondente a € 1.550,07 ;
ce) X3001418, em 9/05/99, pelo preço total de 301.846$00, correspondente a € 1.505,60 ;
cf) X3001422, em 16/05/99, pelo preço total de 296.618$00, correspondente a € 1.479,52;
cg) X3001424, em 17/05/99, pelo preço total de 183.504$00, correspondente a € 915,31;
eh) X3001425, em 18/05/99, pelo preço total de 250.387$00, correspondente a € 1.248,93;
ci) X3001433, em 22/05/99, pelo preço total de 279.377$00, correspondente a € 1.393,53;
cj) X3001435, em 26/05/99, pelo preço total de 292.844$00, correspondente a € 1.460,70;
cl) X3001445, em 27/05/99, pelo preço total de 151.725$00, correspondente a € 756,80;
cm) X3001446, em 29/05/99, pelo preço total de 214.725$00, correspondente a € 1.071,04;
cn) X3001447, em 30/05/99, pelo preço total de 217.875$00, correspondente a € 1.086,76;
co) X3001440, em 31/05/99, pelo preço total de 136.500$00, correspondente a € 680,86;
cp) X3001458, em 4/06/99, pelo preço total de 296.836$00, correspondente a € 1.480,61;
cq) X3001459, em 10/06/99, pelo preço total de 295.315$00, correspondente a € 1.473,03;
cr) X3001461, em 15/06/99, pelo preço total de 290.795$00, correspondente a € 1.450,48;
es) X3001464, em 16/06/99, pelo preço total de 302.861$00, correspondente a € 1.510,66;
et) X3001466, em 17/06/99, pelo preço total de 132.835$00, correspondente a € 662,53 ;
cu) X3001471, em 22/06/99, pelo preço total de 290.304$00, correspondente a € 1.448,03;
cv) X3001462, em 23/06/99, pelo preço total de 302.128$00, correspondente a € 1.507,01;
cx) X3001467, em 27/06/99, pelo preço total de 304.819$00, correspondente a € 1.520,43;
cz) X3001468, em 28/06/99, pelo preço total de 299.315$00, correspondente a € 1.492,98;
da) X3001456, em 30/06/99, pelo preço total de 146.475$00, correspondente a € 730,61;
db) X3001457, em 30/06/99, pelo preço total de 189.000$00, correspondente a € 942,73;
dc) X3001482, em 7/07/99, pelo preço total de 293.933$00, correspondente a € 1.466,13;
dd) X3001484, em 8/07/99, pelo preço total de 153.014$00, correspondente a € 763,23;
de) X3001485, em 8/07/99, pelo preço total de 80.430$00, correspondente a € 401,18;
df) X3001486, em 13/07/99, pelo preço total de 157.500$00, correspondente a € 785,61;
dg) X3001487, em 13/07/99, pelo preço total de 74.844$00, correspondente a € 373,32;
dh) X3001499, em 21/07/99, pelo preço total de 301.909$00, correspondente a € 1.505,92;
di) X3001495, em 22/07/99, pelo preço total de 217.613$00, correspondente a € 1.085,45;
dj) X3001500, em 23/07/99, pelo preço total de 216.248$00, correspondente a € 1.078,64;
dl) X3001502, em 28/07/99, pelo preço total de 304.872$00, correspondente a € 1.520,70;
dm) X3001516, em 3/08/99, pelo preço total de 305.021 $00, correspondente a € 1.521,44;
dn) X3001517, em 5/08/99, pelo preço total de 266.936$00, correspondente a € 1.331,47 ;
do) X3001525, em 19/08/99, pelo preço total de 296.352$00, correspondente a € 1.478,20;
dp) X3001518, em 10/08/99, pelo preço total de 293.920$00, correspondente a € 1.466,07;
dq) X3001520, em 11/08/99, pelo preço total de 296.617$00, correspondente a € 1.479,52;
dr) X3001521, em 15/08/99, pelo preço total de 294.731 $00, correspondente a € 1.470,11;
ds) X3001526, em 19/08/99, pelo preço total de 291,755$00, correspondente a € 1.455,27;
dt) X3001523, em 25/08/99, pelo preço total de 300.465$00, correspondente a € 1.498,71;
du) X3001527, em 28/08/99, pelo preço total de 132.615$00, correspondente a € 661,48;
dv) X3001528, em 28/08/99, pelo preço total de 119.750$00, correspondente a € 597,31.

19- O pagamento destas facturas estava combinado ser feito no prazo de trinta dias a contar da data de emissão respectiva.

20- Nenhuma das rés pagou até à presente data.

21- A autora vendeu e entregou à 2ª ré, mediante encomenda desta, as quantidades de leite discriminadas nas facturas números:

a) X3003215, em 2/09/01, pelo preço total de 316.386$00, a que correspondem € 1.578,13;
b) X3003216, em 3/09/01, pelo preço total de 304.920$00, a que correspondem € 1.520,93;
c) X3003217, em 5/09/01, pelo preço total de 320.292$00, a que correspondem € 1.597,61;
d) X3003218, em 9/09/01, pelo preço total de 307.377$00, a que correspondem € 1.533,19;
e) X3003219, em 10/09/01, preço total de 315.126$00, a que correspondem € 1.571,84;
f) X3003220, em 11/09/01, preço total de 317.709$00, a que correspondem € 1.584,73;
g) X3003228, em 13/09/01, preço total de 315.126$00, a que correspondem € 1.571,84;
h) X3003229, em 16/09/01, pelo preço total de 317.709$00, a que correspondem € 1.584,73;
i) X3003255, em 18/09/01, preço total de 309.960$00, a que correspondem € 1.546,07;
j) X3003256, em 19/09/01, preço total de 311,283$00, a que correspondem € 1.552,67;
I) X3003257, em 23/09/01, preço total de 311.018$00, a que correspondem € 1.551,35;
m) X3003258, em 24/09/01, preço total de 317.709$00, a que correspondem € 1.584,73;
n) X3003259, em 25/09/01, preço total de 307.377$00, a que correspondem € 1.533,19;
o) X3003260, em 26/09/01, pelo preço total de 297.045$00, a que correspondem € 1.481,65;
p) X3003261, em 30/09/01, preço total de 320.292$00, a que correspondem € 1.597,61;
q) X3003265, em 1/10/01, preço total de 315.000$00, a que correspondem € 1.571,21,
r) X3003266, em 2/10/01, preço total de 193.725$00, a que correspondem € 966,30;
s) X3003267, em 7/10/01, preço total de 309.960$00, a que correspondem € 1.546,07;
t) X3003268, em 8/10/01, preço total de 318.969$00, a que correspondem € 1.591,01;
u) X3003269, em 8/10/01, pelo preço total de 56.858$00, a que correspondem 283,61 €;
v) X3003270, em 8/10/01, pelo preço total de 75.827$00, a que correspondem € 378,22;
x) X3003273, em 11/10/01, preço total de 309.960$00, a que correspondem 1.546,07 €;
z) X3003274, em 14/10/01, preço total de 312.480$00, a que correspondem € 1.558,64 ;
aa) X3003275, em 15/10/01, preço total de 326.841 $00, a que correspondem € 1.630,28;
ab) X3003276, em 17/10/01, pelo preço total de 317.709$00, a que correspondem € 1.584,73;
ac) X3003282, em 21/10/01, pelo preço total de 125.780$00, a que correspondem € 627,39;
ad) X3003283, em 21/10/01, pelo preço total de 186.764$00, a que correspondem € 931,57;
ae) X3003284,em 22/10/01, pelo preço total de 343.451 $00, a que correspondem € 1.713,13;
af) X3003286, em 24/10/01, pelo preço total de 316.663$00, a que correspondem € 1.579,51.
ag) X3003286, em 28/10/01, pelo preço total de 315.000$00, a que correspondem € 1.571,21;
ah) X3003287, 30/10/01, pelo preço total de 333.207$00, a que correspondem € 1.662,03;
ai) X3003292, em 4/11/01, pelo preço total de 322.875$00, a que correspondem € 1.610,49;
aj) X3003293, em 6/11/01, pelo preço total de 321.932$00, a que correspondem € 1.605,79;
ai) X3003294, de 7/11/01, pelo preço total de 309.960$00, a que correspondem € 1.546,07;
am) X3003295, em 11/11/01, pelo preço total de 315.384$00, a que correspondem € 1.573,13;
an) X3003296, em 12/11/01, pelo preço total de 322.875$00, a que correspondem € 1.610,49;
ao) X3003297, em 13/11/01, pelo preço total de 334.020$00, a que correspondem € 1.666,08;
ap) X3003301, de 18/11/01, pelo preço total de 320.292$00, a que correspondem € 1.597,61;
aq) X3003302, em 19/11/01, pelo preço total de 328.041$00, a que correspondem € 1.636,26;
ar) X3003303, em 21/11/01, pelo preço total de 330.441 $00, a que correspondem € 1.648,23;
as) X3003309, em 25/11/01, pelo preço total de 325.238$00, a que correspondem € 1.622,28;
at) X3003310, em 27/11/01, pelo preço total de 332.237$00, a que correspondem € 1.657,19;
au) X3003322, em 2/12/01, pelo preço total de 317.709$00, a que correspondem € 1.584,73;
av) X3003323, em 4/12/01, pelo preço total de 322.560$00, a que correspondem € 1.608,92,
ax) X3003324, em 5/12/01, pelo preço total de 325.080$00, a que correspondem € 1.621,49;
az) X3003325, em 9/12/01, pelo preço total de 307.440$00, a que correspondem € 1.533,50;
ba) X3003326, em 10/12/01, pelo preço total de 333.642$00, a que correspondem € 1.664,20;
bb) X3003327, em 13/12/01, pelo preço total de 339.721 $00, a que correspondem € 1.694,52;
bc) X3003328, em 16/12/01, pelo preço total de 322.560$00, a que correspondem € 1.608,92;
bd) X3003329, em 19/12/01, pelo preço total de 325.553$00, a que correspondem € 1.623,85;
be) X3003340, em 24/12/01, pelo preço total de 315.000$00, a que correspondem € 1.571,21,
bf) X3003341, em 26/12/01, pelo preço total de 325.080$00, a que correspondem € 1.621,49;
bg) X3003342, em 31/12/01, pelo preço total de 335.645$00, a que corresponde € 1.674,19;
bh) X3003413, em 16/05/02, pelo preço total de 315.110$00, a que corresponde € 1.571,76.

22- Todos estes produtos foram vendidos e entregues aos preços unitários referidos nas facturas e têm já incluído o IVA correspondente.

23- Por conta do total destas facturas a autora levou a crédito da ré a quantia de € 44,89.

24- Ao longo de dois anos decorridos desde Setembro de 1999 até Setembro de 2001, a 3ª ré não pagou qualquer prestação mensal de 550.000$00 por conta do preço em dívida pelos fornecimentos de leite feitos à 1ª ré pela autora e que ascendia a €127.023,58.

25- A 3ª ré nunca chegou a substituir o cheque, com data de 31/12/01, no valor de 19.121.210$00, acabando por pagar, por várias vezes, 21.947,72 euros (correspondentes a 4.400.122$80) por conta do mesmo.

26- O pagamento dos fornecimentos feitos pela autora à 1ª ré, referidos em 18, estava combinado ser feito no prazo de 30 dias a contar da data de emissão das respectivas facturas.

27- A actividade da 1ª ré foi continuada pela 2ª ré nas instalações onde até então aquela vinha desenvolvendo a sua própria actividade.

28- Para isso, a 2ª ré passou a utilizar parte dos bens e equipamentos anteriormente aí utilizados pela 1ª ré e a ser abastecida pelos mesmos fornecedores e a vender aos mesmos clientes que anteriormente eram da 1ª ré.

29- No fim de Agosto de 1999, a 3ª ré informou a autora que a 2ª ré se propunha continuar a actividade da 1ª ré, nas instalações desta e pediu à autora que continuasse a vender o leite a granel à 2ª ré como até então o vinha fazendo à 1ª ré.

30- A autora colocou como condição para aceitar esse pedido que lhe fosse garantido o pagamento do preço do leite vendido até ao fim de Agosto de 1999 à 1ª ré e lhe fossem dadas garantias de pagamento do leite a vender de futuro à 2ª ré.

31- Então, a 3ª ré, em nome e representação da 2ª ré, assumiu para esta a dívida como sendo desta última e comprometeu essa sua representada, em nome próprio e como se fosse sua a dívida correspondente, a pagar à autora o preço em dívida por todos os fornecimentos de leite feitos à 1ª ré até ao fim desse mês de Agosto.

32- A 3ª ré justificou isso com o facto da 2ª ré ir continuar a actividade da 1ª ré, nas instalações onde esta havia desenvolvido a sua actividade.

33- Na mesma ocasião, e para que a autora aceitasse continuar a vender o leite à 2ª ré, a 3ª ré também garantiu pessoalmente e em seu próprio nome, à autora, que lhe pagaria o preço dos fornecimentos de leite feitos à 1ª ré até ao fim do mês de Agosto em causa e os que viesse a fazer à 2ª ré a partir do dia 1 de Setembro do mesmo ano, e isso como se a dívida ou obrigação de pagamento fosse própria dela, 3ª ré e como seu pagador principal.

34- A autora aceitou as garantias de pagamento referidas em 31 a 33.

35- A autora e a 3ª ré combinaram que esta começaria desde logo a pagar a quantia referida em 17 em prestações mensais de 550.000$00 e que esta subscreveria como sacadora e entregaria desde logo à autora um cheque bancário próprio dela pelo valor que, dali a um ano, correspondesse a essa quantia deduzido do valor correspondente ao valor das prestações pagáveis ao longo desse ano.

36- O que ela fez.

37- E que também subscreveria, igualmente como sacadora, e entregaria desde logo à autora, 12 cheques bancários pelo valor unitário de 550.000$00, sendo um para pagamento em cada um dos 12 meses seguintes.

38- O que ela também fez.

39- E que, ao fim de um ano, fariam o acerto de contas e repetiriam para os 12 meses seguintes o procedimento referido em 35 e 37 e assim sucessivamente, ao longo dos anos seguintes, até ao pagamento total da quantia referida em 17.

40- Devido ao referido em 24, em 27 de Setembro de 2001, a autora e a 3ª ré reuniram e acordaram que, nessa data, do valor referido em 17 ainda estavam em dívida 21.321.210$00.

41- Nessa altura, no seguimento do acordo referido em 33 a 39, a 3ª ré, em seu nome pessoal, preencheu, subscreveu como sacadora e entregou à autora, com data de 31/12/01, o cheque no valor de 19.121.210$00, correspondente ao valor que em 31/12/01 estaria em dívida, depois de deduzidas à quantia referida em 40 as prestações mensais de 550.000$00 que a ela iria pagar até essa data.

42- Mais combinaram então que, em 31/12/01, a 3ª ré assinaria e entregaria nove cheques, em euros, moeda que entretanto entraria em vigor, para pagar as 9 prestações seguintes até Setembro de 2002, e para pagar o saldo final, de acordo com o procedimento iniciado em 1999 e referido em 35 a 39.

43- No seguimento do referido em 29 a 32, a partir de 1 de Setembro de 1999, a autora passou a vender à 2ª ré o leite a granel que esta utilizava na sua actividade referida em 14.

44- As 2ª e 3ª rés pagaram apenas parte dos fornecimentos de leite que a autora lhes fez.


B- O direito

É uma realidade, processualmente adquirida, que a autora/recorrente vendeu às rés/recorridas L… – S… DE P… L…, LDª, desde o início de 1997 até fins de Agosto de 1999, e Q… – I… DE L..., LDª, desde 1 de Setembro de 1999 até Setembro de 2001, regularmente, partidas de leite a granel, encontrando-se em dívida as quantias de € 73.428,47, referente aos fornecimentos feitos àquela 1ª ré, e de € 79.667,00, referente aos fornecimentos feitos a esta.
Estão, por isso, estas rés obrigados a satisfazer o pagamento do preço da venda deste produto, em conformidade com o disposto nos arts. 874º e 879º, al. c) C.Civil.

Agora o que se questiona é saber se as rés Q… – I… DE L..., LDª e AA são solidariamente responsáveis pelo pagamento da dívida referente aos fornecimentos de leite feitos à co-ré L… – S… DE P… L…, LDª e se a ré AA é ainda solidariamente responsável pelo pagamento do leite vendido à co-ré Q… – I… DE L..., LDª.
Enquanto na 1ª instância estas questões tiveram resposta positiva, já no acórdão recorrido se entendeu que a responsabilidade pelo pagamento do preço recaía apenas individualmente sobre cada uma das rés compradoras.


1. validade e eficácia da obrigação de assunção de dívida assumida pela sociedade Q… – I… DE L..., LDª

1.1- Considerou-se no acórdão recorrido que a obrigação assumida pela Q… – I… DE L..., LDª era nula desde logo porque se traduziu na prática de uma acto gratuito, contrário ao seu fim lucrativo.

Preconiza o nº 1 do art. 6º CSComerciais que a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.
Para no nº 3 se dispor que se considera contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.
Deste normativo, em consonância, aliás, com o disposto no art. 160º C.Civil, não decorre uma incapacidade absoluta das sociedades para a prática de liberalidades. Apenas na ponderação do circunstancialismo que acompanhou a situação concreta se deve aferir da licitude, ou não, da liberalidade efectuada pelos órgãos sociais da sociedade. E este entendimento aparece corroborado quando o nº 2 do citado art. 6º determina que as liberalidades que possam ser consideradas usuais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria sociedade, não são havidas como contrárias ao fim desta.
As sociedades podem validamente praticar actos gratuitos, nomeadamente prestar garantias a dívidas de terceiros quando a esses actos presida um interesse próprio da sociedade garante, ainda que deles não decorra uma vantagem económica imediata. Basta que haja o objectivo de ser alcançado um fim conveniente à prossecução de vantagens de cariz económico da sociedade e não de proporcionar uma vantagem ao credor garantido (1).
A não se demonstrar um justificado interesse em vista da prossecução de vantagens lucrativas da sociedade garante, então o acto de prestação de garantia é nulo, porque contrário à lei, na conformidade do disposto nos arts. 280º, nº 1 e 294º C.Civil.

Na situação concreta, temos que a ré Q… – I… DE L..., LDª deu continuidade à actividade desenvolvida pela ré L… – S… DE P… L…, LDª, utilizando parte dos mesmos equipamentos, sendo abastecida pelos mesmos fornecedores e vendendo o produto aos mesmos clientes. Para além disso, como pretendesse continuar a ser abastecida pela autora, a ré AA, sua sócia e gerente, solicitou expressamente à autora que continuasse a fornecer-lhe leite a granel, venda esta que ficou condicionada ao pagamento da dívida contraída pela L… – S… DE P… L…, LDª, dívida que esta ré, em nome e representação da Q… – I… DE L..., LDª assumiu como própria.

A Q… – I… DE L..., LDª herdou toda uma estrutura produtiva montada - equipamentos, fornecedores e clientela. Para evitar qualquer hiato nesta engrenagem tinha um evidente interesse em manter inalterados todos os seus elementos integrantes, desde logo e também a matéria-prima a transformar. Sem necessidade de procurar novos fornecedores e sem uma eventual quebra no abastecimento e mantendo o produto acabado as mesmas características, é evidente que desta estabilidade abastecedora decorria a manutenção, por um lado, da fidelização da clientela e, por outro, do ciclo produtivo.
Havia todo um interesse, em vista da prossecução da actividade lucrativa a que a Q… – I… DE L..., LDª se dedicava, em manter o fornecimento de leite por parte da autora. Por isso, quando esta sociedade se vinculou a garantir o pagamento das dívidas contraídas pela sociedade que substituiu neste ciclo produtivo como condição para continuar a ser abastecida de matéria-prima pela autora, tinha nisso um claro interesse económico, existia um justificado interesse próprio da sociedade garante em manter a autora como fornecedora.
Mas chegando-se, então, à conclusão de que a prestação desta garantia a dívida de terceiros foi assumida no interesse da própria sociedade garante, a operação integra-se no âmbito normal da capacidade da sociedade, sendo a assunção desta obrigação válida e eficaz.


1.2- No acórdão recorrido, para além de se considerar que a obrigação assumida pela Q… – I… DE L..., LDª era nula por nela se não descortinar qualquer interesse da sociedade, decidiu-se que o acordo de fornecimento de leite era ainda nulo por inobservância da forma prescrita para a sua concretização.

Decorre do disposto no art. 260º CSComerciais que os actos praticados pelos gerentes em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere a vinculam para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios. E que a sociedade pode opor a terceiros limitações de poderes resultantes do objecto social se provar que o terceiro tinha conhecimento ou não podia ignorar essas limitações.
Os actos praticados pelos órgãos de representação de uma sociedade em nome desta produzem o seu efeito na esfera jurídica da sociedade. A sociedade só não ficará vinculada se provar que o terceiro sabia, ou não podia deixar de saber, que o acto extravasava o objecto social.

Quanto a actos não sujeitos a forma especial, a sua prática em nome da sociedade, tanto pode ser expressa, como resultar das circunstâncias do acto, enquanto relativamente a actos escritos necessário se torna a assinatura do gerente com indicação dessa qualidade.
Sendo exigida a forma escrita para determinado acto, então a sociedade só se vincula através de documento escrito em que os gerentes o assinem com a menção dessa qualidade.
Trata-se de situações em que não vigora o princípio da liberdade de forma.

O acordo de manutenção de fornecimento de leite a granel à Q… – I… DE L..., LDª, fornecimento esse a continuar a ser feito pela autora nas mesmas condições em que o vinha a fazer à ré L… – S… DE P… L…, LDª, não exigia qualquer formalidade especial para a sua celebração. Estava em causa a (continuação) venda de leite à sociedade, isto é, um acto de gestão corrente da sociedade integrado na prossecução da sua actividade social e de um acto consubstanciador de contrato de compra e venda não sujeito a formalidade especial.
E não sendo exigida a forma escrita, este acordo era perfeitamente válido e, como tal, vinculava a sociedade ao ter sido, como foi, celebrado verbalmente.

De igual modo, a ré AA ao vincular a co-ré Q… – I… DE L..., LDª ao pagamento da dívida da L… – S… DE P… L…, LDª para com a autora estava a impor-lhe a assunção da obrigação resultante da compra e venda de leite a granel. Como este negócio, que está na origem da assunção de tal obrigação, não está sujeito a forma escrita, nem este formalismo fora adoptado, também não era exigível qualquer formalidade específica para que essa vinculação fosse válida e eficaz.


2. validade da obrigação assumida pela ré AA

A ré AA assumiu verbalmente perante a autora a obrigação de lhe pagar a dívida que perante ela tinha a ré L… – S… DE P… L…, LDª, assim como assumiu o compromisso de lhe pagar os fornecimentos a fazer à Q… – I… DE L..., LDª, assumindo estas como dívidas próprias e como seu principal pagador.

Para assegurar, sem sobressaltos, o desenvolvimento da actividade societária da Q… – I… DE L..., LDª, de que era sócia e gerente, a ré AA assumiu como próprias as dívidas desta sociedade perante a autora, mediante acordo firmado directamente com esta, independentemente do consentimento da devedora. Não se limitou a responsabilizar-se acessória e subsidiariamente pelo seu cumprimento.
Mas também não decorre da factualidade assente, já que não há declaração expressa do credor nesse sentido, que a ré, primitiva devedora, tenha ficado desonerada desta obrigação, mantendo-se, portanto, vinculada à sua satisfação ao lado do novo assuntor da mesma obrigação.
Assim sendo, ao assumir a ré AA como sua a obrigação da co-ré Q… – I… DE L..., LDª, mas continuando esta vinculada à sua satisfação, estamos perante uma assunção cumulativa de dívida ou co-assunção de dívida como refere Antunes Varela (2), respondendo os dois devedores solidariamente – nº 2, parte final, do art. 595º C.Civil. Não houve transmissão de dívida; apenas se juntou um novo devedor ao antigo.

Na situação ajuizada, o assuntor, ao juntar-se ao antigo devedor na co-assunção de eventuais dívidas, visou garantir a manutenção dos fornecimentos da matéria-prima à Q… – I… DE L..., LDª, isto é, que a venda do leite a granel não sofresse qualquer interrupção e, consequentemente, que a laboração desta empresa não fosse afectada. O negócio que lhe está na origem é a venda de leite e a obrigação assumida reporta-se às eventuais dívidas decorrentes da venda desse produto.

Ora, como já referido, este contrato de compra e venda não está sujeito a formalidade especial. E não sendo exigida a forma escrita para a sua celebração, também o não era para a co-assunção da dívida, pelo que a obrigação assumida pela ré AA se apresenta perfeitamente válida, sendo ela, consequentemente, responsável pela sua satisfação.


Assim sendo, o recurso não poderá deixar de proceder.


3. Com a procedência do recurso, subsistindo o decidido em 1ª instância, prejudicado fica o conhecimento das restantes questões colocadas pela recorrente em suas conclusões de recurso, pelo que delas não se conhecerá em conformidade com o disposto no nº 2 do art. 660º C.Pr.Civil.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em conceder a revista e, consequentemente, revogar o acórdão recorrido, ficando a subsistir o decidido na sentença da 1ª instância.

Custas, da apelação e da revista, pelas recorridas.




Lisboa, 17 de Setembro de 2009

Alberto Sobrinho (Relator)
Pires da Rosa
Custódio Montes


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1- Neste mesmo sentido se pronunciou, entre outros, o ac. STJ, de 2004/06/17, in CJ,XII-2º,94 (acs.STJ)
2- in Das Obrigações em Geral, II, 7ª ed, pág. 362