Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2857/19.2T8OER.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
AÇÃO DE DESPEJO
ARRENDAMENTO URBANO
DURAÇÃO
PRAZO CERTO
NEGÓCIO FORMAL
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
CLÁUSULA CONTRATUAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
Apenso:
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O contrato de arrendamento urbano celebrado no domínio do Regime do Arrendamento Urbano é formal e esta natureza formal determina que a declaração nele constante não possa valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil).

II. No que respeita ao arrendamento urbano para habitação, o nº 1, do artigo 98º do Regime do Arrendamento Urbano, inserido na subsecção I relativa ao contratos de duração limitada, da secção VI, do Capítulo II, previa que as partes podiam estipular um prazo para a duração efetiva do arrendamento urbano para habitação, desde que a respetiva cláusula fosse inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes.


III. Não é exigível o recurso a uma qualquer fórmula convencional  para que se entenda que as partes pretenderam sujeitar um certo contrato de arrendamento urbano ao regime dos contratos de duração limitada, exigindo-se contudo que do texto contratual decorra que as partes, direta ou indiretamente, quiseram submeter o contrato ao regime da duração limitada.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

P... Lda. instaurou contra AA ação de despejo com processo comum declarativo pedindo que seja:

1. Decretada a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação com efeitos a 31/08/2018;

2. A Ré condenada a despejar imediatamente o locado e a entregar, nas condições em que o recebeu, livre de pessoas e bens, a fração autónoma arrendada.

3. A Ré condenada no pagamento de uma indemnização por cada mês ou fração que decorreu desde a data em que produziu efeitos a oposição à renovação do arrendamento – 31/08/2018 – até à entrega efetiva do imóvel, no valor equivalente ao dobro da renda que vigorou nos últimos anos, ou seja, de € 132,00 mensais.

Alegou que em 1 de março de 2004 e com início nessa data, deu de arrendamento à Ré, pela renda mensal de € 50,00, para habitação permanente desta, a fração identificada, pelo prazo de 6 meses, com renovação automática, enquanto as partes não o denunciassem; que se opôs à renovação do contrato enviando de tal comunicação à Ré, datada de 27 de fevereiro de 2018 sem que a Ré tenha entregado a fração à Autora; apesar de a Ré ter continuado a depositar o valor da renda, a Autora vê-se privada do uso e fruição do seu bem imóvel desde 1 de setembro de 2018, devendo a Ré pagar-lhe indemnização igual ao dobro da renda na data da cessação do contrato, a qual era mensalmente de € 66,00.

A Ré contestou que o arrendamento tivesse sido feito pelo prazo de seis meses, renovando-se automaticamente nos termos do disposto no nº 1 do art.º 1054 do Código Civil, pelo que não é de duração limitada, antes foi celebrado sem termo.

Instruídos os autos foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Nos termos supra expostos, julga o Tribunal a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, decide:

A) Declarar que a A. é a legítima proprietária da fração autónoma designada pelas letras BS, composta pelo Quinto andar D do prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...50 da freguesia ... e ..., ... e ...;

B) Declarar a caducidade do contrato de arrendamento celebrado pela A. e pela R. relativo à fração autónoma designada pelas letras BS, composta pelo Quinto andar D do prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...50 da freguesia ... e ..., ... e ... a partir de 1/03/2019;

C) Condenar a R. a restituir a fração referida em A) à A., livre de pessoas e bens;

D) Condenar a R. a pagar à A. o valor de € 132,00 por mês contados desde 1/03/2019 até à efetiva restituição do locado, a título da indemnização prevista no artigo 1045.º do Código Civil;

E) Absolver a R. do demais contra si peticionado.

… …

A Ré interpôs o presente recurso e o Tribunal da Relação julgou a apelação procedente revogando a sentença na parte em que declarou a caducidade do contrato de arrendamento celebrado pela Autora e pela Ré e condenou a Ré a restituir a fração arrendada à Autora e a pagar à Autora o valor de € 132,00 por mês contados desde 1/03/2019 até à efetiva restituição do locado, a título da indemnização prevista no artigo 1045.º do Código Civil, mantendo no mais a decisão recorrida.


Desta decisão interpõe agora a autora recurso de revista concluindo que:

“A) Vem o presente recurso interposto da decisão do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou procedente o recurso interposto pela Ré, revogando a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª. Instância, e mantendo em vigor o contrato de arrendamento em causa nos autos.

B) O presente recurso versa somente sobre matéria de direito, entendendo a Recorrente, salvo o devido respeito e melhor opinião, que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, não analisou corretamente o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nem interpretou e aplicou corretamente as normas jurídicas aplicáveis ao caso.

C) No entender da recorrente a decisão em recurso violou o disposto nos artigos 98.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 do RAU, bem como nos artigos 236.º, 238.º e 405.º do Código Civil.

D) Assim como o Tribunal da Relação de Lisboa se pronunciou sobre questões que não foram suscitadas pela Ré, enquanto recorrente, porque o que por esta era pretendido com o seu recurso era o prosseguimento dos autos, com vista à produção da prova sobre a matéria de facto alegada, para se apurar se de facto as partes quiseram celebrar um contrato de arrendamento, pelo prazo de 6 meses renováveis.

E) Questão essa sobre a insuficiência da matéria de facto assente que foi entendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no sentido de não assistir razão à Ré, concluindo pela desnecessidade de apuramento de novos factos e que os factos assentes naquela fase processual permitiam o conhecimento do mérito da pretensão.

F) E à margem das questões de recurso suscitadas pela Ré, prosseguiu o douto Tribunal da Relação de Lisboa com o conhecimento do objeto do recurso e dos pressupostos da cessação do contrato.

G) Pelo que, a questão a apreciar é a seguinte: Saber se o contrato de arrendamento em causa é um contrato de arrendamento de duração limitada, regulado no art. 98.º e seguintes do R.A.U., ou um contrato de arrendamento habitacional vinculístico (sem duração limitada).

H) No entendimento da Recorrente, o contrato de arrendamento em análise nos presentes autos configura um contrato de arrendamento de duração limitada, nos termos do disposto no artigo 98.º do anterior Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro.

I) Foi precisamente o RAU que veio estabelecer a possibilidade de celebração de contratos de duração limitada - artigo 98.º (note-se enquadrado na Subsecção – “Dos contratos de duração limitada”.

J) Consta, expressamente, logo da 3.ª cláusula do Contrato de arrendamento em apreço, a estipulação de um prazo de duração efetiva.

K) Na Sentença ora recorrida o Tribunal a quo limitou-se a aderir à orientação e argumentação (erróneas) dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 4 de junho de 2013, proferido no processo 7099/11.2TBBRG-A.G1 (Paulo Duarte Barreto), do Tribunal da Relação do Porto de 26 de junho de 2017, proferido no processo 3974/16.6YLPRT.P1 (Carlos Gil) e, mais recentemente, do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Março de 2021, proferido no processo 2462/19.3YLPRT.L1-8 (Teresa Sandiães).

L) Esquecendo como se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), sobre matéria idêntica em 20-01-2010: “a lei não exigiu que as partes adotassem a designação legal ou nomen juris de contrato de duração limitada ou efetiva, mas apenas que convencionassem um prazo para tal duração, e que tal prazo constasse de uma cláusula contratual inequívoca, isto é, de forma clara, sem ambiguidades, cláusula essa que estivesse plasmada no texto do contrato (…) a única exigência legal é, como deflui do texto legal transcrito, que tal prazo conste inequivocamente de uma cláusula contratual, portanto, inserta no texto contratual assinado pelos contraentes.

Sufragamos, assim, por inteiramente adequado, o entendimento do Tribunal da Relação, no aresto sob recurso, segundo o qual «o que aí deve ser inequivocamente previsto, é a cláusula respeitante à convenção das partes sobre o prazo para a duração efetiva do arrendamento e não a indicação de que adotam tal regime”.

M) No mesmo sentido decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa, de 25-06-2009, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 8.07.2004, citando-se o primeiro Acórdão referido: “quando a lei refere a inserção de tal cláusula inequívoca no texto do contrato, não quer significar a utilização, obrigatória, de forma sacramental que implique que dele conste “que o pretendem celebrar no regime de duração limitada". Bastará que do texto conste a cláusula que permita concluir, de modo inequívoco, ser essa a vontade das partes. O que a lei impõe é que fique claramente estipulado no contrato um prazo de duração efetiva do contrato”.

N) A interpretação restritiva feita pelo Tribunal a quo não tem correspondência no texto do contrato subscrito e na correspondente declaração negocial emitida pelas partes, defraudando por completo os objetivos do legislador, a letra da lei, e a vontade das partes expressa no contrato.

O) O artigo 236º, n.º 1 do Código Civil determina que a declaração vale com o sentido que o comum dos cidadãos lhe daria, se colocado na situação concreta do declaratário, e in casu qualquer cidadão médio interpretaria a dita cláusula no sentido que o referido contrato tem uma duração limitada.

P) Aliás, exigindo o artigo 238º do mesmo código que nos negócios formais a interpretação tenha um mínimo de correspondência no texto, a interpretação contrária (feita pelo Tribunal a quo) não só não tem este suporte literal, como até se lhe opõe.

Q) O facto do contrato ter sido celebrado por prazo inicial de duração inferior a cinco anos não lhe retira a natureza de duração limitada, pois tal prazo tem a natureza de prazo supletivo, no caso de as partes omitirem a estipulação de prazo ou desrespeitarem o seu limite mínimo ou máximo, devendo considerar-se automática e legalmente ampliado esse prazo para os cinco anos previstos na lei (neste sentido cfr. Prof. M. Januário C. Gomes, in "Arrendamentos Para Habitação", Almedina, pág. 199 e Ac. TRL de 31.05.2007, Ac. TRL de 24/10/2000, e Ac. TRL de 6/04/2006).

R) Como decorre dos supra referidos Acórdãos, a nulidade da cláusula de prazo de duração inicial de contrato, por ir contra a disposição legal imperativa do artigo 98.º n.º 2 do RAU, que impõe a duração mínima de cinco anos, não determina a invalidade de todo o negócio celebrado, havendo então que proceder à redução do negócio (contrato de arrendamento) celebrado, devendo considerar-se ampliado esse prazo inicial para os cinco anos previstos na lei.

S) Em conclusão, as partes celebraram um contrato de arrendamento de duração limitada, sujeito ao regime específico do artigo 98.º e seguintes do RAU, pelo que a oposição à renovação levada a cabo pela Autora tem de se ter como válida e eficaz.

T) O acórdão em recurso violou o disposto nos artigos 98.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 do RAU, bem como nos artigos 236.º, 238.º e 405.º do Código Civil.”

U) Pelo que deve esse acórdão ser revogado, mantendo-se a decisão de condenação nos termos em que foi proferida pelo Tribunal de 1ª. Instância.”


Nas contra alegações a ré defende a confirmação da decisão recorrida e a improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

 Fundamentação

Está julgada como provada a seguinte matéria de facto:

 A. Mostra-se registada a aquisição a favor da A. da fração autónoma designada pelas letras BS, composta pelo Quinto andar D do prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...50 da freguesia ... e ..., ... e ..., pela AP. ...4 de 1981/07/10.

B. Por documento particular datado de 1/03/2004, cfr. documento 2 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, outorgado pela A., na qualidade de senhoria, e pela R., na qualidade de arrendatária, estas declararam, designadamente, que:

2.ª 1 – Pelo presente contrato, a Senhoria dá de arrendamento à arrendatária a fração autónoma identificada na cláusula 1.ª. (…)

3.ª O arrendamento é feito pelo prazo de seis meses, renovando-se automaticamente nos termos do disposto no n.º 1 do art. 1054.º do Código Civil e tem o seu início em 1 de março de 2004. (…)

5.ª O local arrendado destina-se exclusivamente a habitação, não sendo permitido à arrendatária dar-lhe outro destino sem consentimento expresso da senhoria. (…)

C. Mediante comunicação através de agente de execução recebida pela R. em 17/03/2018, junta como doc. 3 e 4 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a A. declarou que:

Na qualidade de proprietária e senhoria da fração autónoma designada pelas letras BS correspondente ao 5° andar D do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, sito na Rua ..., ..., ... ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo atual ...50 - ..., da União das Freguesias ... e ..., ... e ... (antigo artigo matricial ... da extinta freguesia ...), e com a licença de utilização nº. ...63, emitida em 11/12/1992 pela Câmara Municipal ..., do qual V.Exª. é arrendatária, venho, ao abrigo dos artigos 1096.º, n.° 3 e 1097.º do CC, e representada neste ato pelos legais representantes, opor-me à renovação automática do respetivo contrato de arrendamento para fim habitacional firmado entre esta sociedade e V. Exª. em 01 de março de 2004, com prazo certo de 6 meses, iniciado igualmente em 01/03/2004.

Nestes termos, respeitando a antecedência mínima de 60 (sessenta dias) exigida pela alínea c) do n°. 1 do artigo 1097 do CC, o arrendamento cessará no próximo dia 31 de agosto de 2018, data em que o imóvel deverá ser entregue livre de pessoas e bens e no estado de conservação limpeza em que se encontrava à data da celebração do contrato e se fará a entrega das respetivas chaves.

Mais informo que V.exa. pagará, a título de indemnização, por cada mês ou fracção que decorrer até à restituição do locado, o dobro da renda estipulada, bem como as despesas judiciais e/ou extrajudiciais decorrentes desse incumprimento. (…)

D. Mediante missiva datada de 20 de março de 2018 enviada pela R. e recebida pela A., junta como doc. 5 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, aquela comunicou, designadamente, que: (…) Que fique claro que não aceito tal denúncia do contrato. (…) Não têm, pois, direito a denunciar o meu contrato de arrendamento. (…)

E. Mediante missiva datada de 26 de Abril de 2018 enviada pela A. e recebida pela R., aquela comunicou, cfr. doc. 6 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente, que: (…) Deste modo, em face do supra exposto, e com o devido respeito, parece-nos que estará V. Ex.ª a interpretar erradamente as disposições legais invocadas e equivocada quanto aos argumentos que apresente para não aceitar a oposição à renovação do contrato de arrendamento, pelo que tendo sido cumprido o prazo de antecedência mínimo, e reiterando que não se está na presença de um contrato celebrado com duração indeterminada, e por isso com carácter vinculístico, temos direito a denunciar assim o contrato de arrendamento com efeitos a 31/08/2018. Pelo que se agradece a V. Ex.ª que nessa data proceda à entrega do imóvel devoluto de pessoas e bens.

F. A R. não entregou a fração referida em A) até à presente data.

G. A renda tem o valor atual de € 66,00 que a Ré deposita mensalmente.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

A questão a conhecer é, como a própria recorrente a enuncia, exclusivamente, a de saber se o contrato de arrendamento em causa é um contrato de arrendamento de duração limitada ou um contrato de arrendamento habitacional vinculístico (sem duração limitada).

… …

O contrato em discussão nos autos e sobre cuja qualificação as partes não divergem é de arrendamento e para habitação, uma vez que a autora concedeu á ré o gozo de um imóvel para habitação contra a obrigação do pagamento de certa renda mensal como contrapartida da concessão desse gozo - arts. 1022º do Código Civil e 1º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo decreto-lei nº 321-B/90, de 15 de outubro).

O contrato de arrendamento urbano celebrado no domínio do Regime do Arrendamento Urbano é formal uma vez que deve ser reduzido a escrito (artigo 7º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano), formalidade apenas suprível, pela exibição de recibo de renda (artigo 7º, nº 3, do Regime do Arrendamento Urbano), sendo que esta natureza formal do contrato de arrendamento urbano determina que a declaração que nele se faça constar não possa  valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil). Assim, atenta a data da celebração do contrato é aplicável no caso o Regime do Arrendamento Urbano.

Pela sua própria natureza e definição o contrato de arrendamento é um contrato temporário (vejam-se os arts. 1025º e 1026º, ambos do Código Civil), estando o prazo supletivo no contrato de arrendamento urbano fixado em seis meses pelo art. 10 do Regime do Arrendamento Urbano, que, por sua vez, introduziu a figura dos contratos de duração limitada estipulando o art. 98 nº1, relativamente aos contratos de arrendamento urbano para habitação que as partes podiam estipular um prazo para a duração efetiva do arrendamento, desde que a respetiva cláusula fosse inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes. E o nº 2 desse preceito acrescentou que o prazo de duração efetiva não podia ser inferior a cinco anos renovando-se automaticamente os contratos de duração limitada por períodos mínimos de três anos, se outro não estivesse especialmente previsto, quando não fossem denunciados por qualquer das partes (artigo 100º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano).

Do exposto conclui-se que o designado “regime vinculístico” continuava a ser a regra no RAU, sendo o contrato de duração limitada a exceção, isto é a previsão através da qual o legislador pretendeu revitalizar o mercado “habitacional”.

É pacífico na interpretação destes normativos que a celebração do um arrendamento para habitação de duração limitada exige o estabelecimento de um prazo para a duração efetiva desse arrendamento e que essa cláusula seja inserida no texto escrito do contrato assinado pelas partes. Neste sentido interpretativo do art. 98 nº 1, do RAU Januário Gomes advertia que “o simples facto de o arrendamento ser celebrado por cinco anos, de per si, não sujeita o contrato ao regime dos contratos de duração limitada: é necessário que as partes acordem no sentido dessa sujeição e insiram o acordo no texto escrito do contrato (artº 8º, nº 2, alínea i) do R.A.U.), assinado pelas partes.” - in Arrendamentos para Habitação, 2ª edição, Almedina 1996, página 209.

Na concretização desta exigência legal, a jurisprudência publicada e citada pela recorrente, tem vindo a sustentar não ser exigível o recurso a uma qualquer fórmula tabelar para que se entenda que as partes pretenderam sujeitar um certo contrato de arrendamento urbano ao regime dos contratos de duração limitada, exigindo-se, contudo, que do texto contratual decorra que as partes, direta ou indiretamente, quiseram submeter o contrato ao regime da duração limitada.

Importa, no entanto, analisar com a devida atenção essa jurisprudência como exemplarmente faz no ac. da RP de 26-6-2017 no proc. 397416.6YLPRT.P1, onde se sinaliza que a estipulação do prazo de cinco anos pode conduzir e até bastar, aparentemente, para a conclusão de se tratar de um contrato de duração limitada Porém, se é isto que parece decidir-se no ac. do STJ de 12 de maio de 2005 no processo nº 05B081, in dgsi.pt. não é seguro fazer-se essa leitura tão segura uma vez que não se tem na base de dados acesso aos factos que foram apurados pelas instâncias (no acórdão há uma remissão em bloco para os factos apurados pelas instâncias), sendo certo que a natureza jurídica da senhoria, conjugada com o disposto no artigo 8º do decreto-lei nº 321-B/90 de 15 de outubro, pode ser um indicador de que há uma possibilidade de que se trate de contrato de arrendamento de duração limitada.

 Já no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 20 de janeiro de 2010, no processo nº 4125/06.0TVLSB.L1.S1, in dgsi.pt, a qualificação dos contratos como de duração limitada apoiou-se em cláusulas com o seguinte teor:“O presente arrendamento é celebrado pelo prazo de três anos, com início a 01 de Maio de 2000, sendo automaticamente renovável por iguais períodos, quando não for denunciado por qualquer das partes, por carta registada com aviso de receção, com uma antecedência mínima de noventa dias em relação ao termo do prazo inicial ou de qualquer das suas renovações.”

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de outubro de 2000 no processo 0051971, sustentou-se, tanto quanto se pode retirar do sumário, que a circunstância de ter sido estipulado um prazo de dois anos não obstava à qualificação do arrendamento como de duração limitada uma vez que as partes acordaram no sentido da sujeição do contrato a tal regime jurídico.

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08 de julho de 2004, no processo nº 4968/2004-1, qualificou-se o contrato como de duração limitada essencialmente por duas razões: a primeira, o facto do prazo inicial ser de cinco anos e a segunda, em virtude do prazo de renovação contratual ser diferente do prazo inicial. Dos factos provados neste acórdão destaca-se o seguinte: “8º E que «o contrato é celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 1/6/97, renovável sucessiva. por períodos de dois anos, salvo denúncia de qualquer das partes com a antecedência mínima de 180 dias relativamente ao fim do prazo ou de qualquer das renovações”.

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de maio de 2007, no processo nº 3931/2007-8, qualifica-se como de duração limitada um contrato de arrendamento em que as partes fixaram um prazo de duração de um ano renovável de comum acordo, estando também provado que “1º - No dia 12 de Outubro de 2000 exequente e executada acordaram celebrar entre si contrato de arrendamento para habitação, de duração limitada e no regime de renda livre, ao abrigo e nos termos do artigo 98º do R.A.U., aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90 de 15 de Outubro – cláusula primeira.” Neste caso, o Tribunal da Relação, considerou nula a estipulação de prazo inferior a cinco anos, substituindo essa cláusula nula pela previsão imperativa do nº 2, do artigo 98º do Regime do Arrendamento Urbano.

Do mesmo modo e com ambiente fáctico similar já havia decidido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06 de abril de 2006, no processo nº 11765/2005-6.

Finalmente, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de junho de 2009 no processo nº 1510/07,4TVLSB.L1-6, inferiu do estabelecimento de um prazo inicial quinquenal de duração do contrato que se tratava de arrendamento de duração limitada.” – ac. RP de 26-6-2017 no proc. 397416.6YLPRT.P1

No caso em decisão nesta revista, ao invés do que ocorreu em alguns dos acórdãos citados, não existe no texto do contrato qualquer indicação de que as partes pretenderam que o contrato de arrendamento que celebraram pudesse ser denunciado livremente pelo senhorio, findo que fosse certo prazo, e muito menos é classificado o arrendamento como de duração limitada ou como sujeito a prazo certo e final e tão pouco se inseriu a alusão a um prazo de cinco anos. A indicação do prazo que consta do contrato de arrendamento (seis meses) constitui uma formulação habitual nos contratos de arrendamento de duração indeterminada, não se ajustando sequer esse prazo, muito longe disso, ao mínimo legalmente estabelecido para os contratos de duração limitada e que é de cinco anos.

O acordo das partes no contrato objeto destes autos no sentido da renovação do arrendamento por prazos iguais ao inicial aponta no sentido de se tratar de um contrato de arrendamento urbano sujeito ao regime geral e não ao regime dos arrendamentos de duração limitada (veja-se o nº 2, do artigo 1054º do Código Civil e confronte-se com o artigo 100º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano), pois que no regime dos arrendamentos de duração limitada, as renovações são trienais, no mínimo como neste sentido se pronuncia Januário Gomes in Arrendamentos para Habitação, 2ª edição, Almedina 1996, páginas 216 a 217 – ainda que em posição oposto possa ler-se António Pais de Sousa, - Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano (R.A.U.), 4ª edição atualizada, Rei dos Livros, página 271 anotação 1.

Em apreensão do exposto, se  o estabelecimento do prazo de cinco anos no contrato pode ser um indicador seguro de que se pretendeu uma duração limitada, na falta de uma indicação que não desautorize esta conclusão (v.g. dizer-se expressamente que o contrato era de duração ilimitada), desde que não conste em cláusula este prazo de 5 anos e as partes não tenha inequivocamente estipulado que pretendiam uma duração limitada, a fixação de qualquer outro prazo concreto (de seis meses como no caso se verifica) não pode ter-se à luz das regra da boa interpretação enunciadas antes como indicador de um contrato de duração limitada. Porque os contratos de arrendamentos são “ontologicamente” temporários (a lei fixa-lhes um prazo máximo) por oposição a vitalícios, a circunstância de neles se indicar um período de vigência preenche a vontade das partes de fazerem figurar esse elemento indicativo tendo a lei previsto prazos supletivos quando a indicação não ocorra. Contudo, essa indicação expressa não permite que baste para a decisão de um contrato ser de duração limitada ou ilimitada nos termos da RAU que se tenha feito constar um prazo, seja ele qual seja. Nestes casos a quase totalidade dos contratos de arrendamento seria de duração limitada, transformando-se um regime especial num regime regra e impondo a adoção de formulação muito exigente para que o regime aplicável fosse o vinculístico, invertendo-se a exigência legal quanto à forma por que se deve manifestar a cláusula relativa ao estabelecimento de um prazo efetivo (veja-se o já citado artigo 98º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano). Veja-se que no caso dos autos seria transformar a alusão a um prazo de vigência de seis meses (o mais curto nas previsões habituais em contratos de arrendamento) num contrato de duração limitada quando o mínimo exigível para essa limitação era de 5 anos.

Assim, face a quanto precede, na falta de indicação no texto contratual de qualquer acordo das partes no sentido do mesmo poder ser livremente denunciado pelo senhorio findo certo prazo, ou de se poder opor livremente à renovação do contrato, há que concluir, como justamente concluiu a decisão recorrida, que o contrato ajuizado é vinculístico, sendo-lhe na atualidade aplicável o regime dos contratos de duração indeterminada, com algumas especialidades, como resulta do disposto no artigo 26º, nº 4, da Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro. Por isso, não tinha a recorrente o direito a denunciar o contrato de arrendamento, nos termos em que o fez sendo de julgar improcedente o procedimento especial de despejo.

… …

Síntese conclusiva

O contrato de arrendamento urbano celebrado no domínio do Regime do Arrendamento Urbano é formal e esta natureza formal determina que a declaração nele constante não possa valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil).

No que respeita ao arrendamento urbano para habitação, o nº 1, do artigo 98º do Regime do Arrendamento Urbano, inserido na subsecção I relativa ao contratos de duração limitada, da secção VI, do Capítulo II, previa que as partes podiam estipular um prazo para a duração efetiva do arrendamento urbano para habitação, desde que a respetiva cláusula fosse inserida no texto escrito do contrato, assinado pelas partes.


Não é exigível o recurso a uma qualquer fórmula convencional  para que se entenda que as partes pretenderam sujeitar um certo contrato de arrendamento urbano ao regime dos contratos de duração limitada, exigindo-se contudo que do texto contratual decorra que as partes, direta ou indiretamente, quiseram submeter o contrato ao regime da duração limitada.

… …

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida,

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 13 de janeiro de 2023


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Nunes da Silva

2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves