Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
61/11.7YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: AUDIÇÃO PRÉVIA DAS PARTES
DIREITOS DE DEFESA
DECISÃO SURPRESA
CONSTITUCIONALIDADE
CLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL
INSPECÇÃO
RELATÓRIO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 09/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO ADMINISTRATIVO - INSPECÇÕES - PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Legislação Nacional: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 267.º, N.º5
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 95.º, N.º2.
CÓDIGO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 8.º, 100.º, N.º1, 101.º
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 33.º, 34.º, 37.º, NºS 1 E 2, 65.º.
REGULAMENTO DE INSPECÇÕES JUDICIAIS (RIJ): - ARTIGOS 13.º, 15.º, 16.º, 18.º, N.º6
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO, DE 8 DE JULHO DE 2003, PROCESSO Nº. 385/01.
Sumário :

I - O direito de audiência consubstancia-se no direito do interessado a conhecer, previamente à decisão, o sentido provável desta, e a poder expor sobre ele o seu ponto de vista, direito que tem apoio no art. 267.º, n.º 5, da CRP.
II - Para poder exercer o seu direito, o interessado deverá ser notificado dos “elementos de facto e de direito relevantes para a decisão”, pois sem esses elementos seria impossível ao interessado apresentar os seus argumentos.
III - Tal não significa, porém, que a administração tenha de comunicar ao interessado a fundamentação de facto e de direito do sentido provável da decisão, como pretendido pela recorrente. No fundo, a recorrente pretende é ter acesso ao projecto de decisão, para lhe opor as suas razões.
IV - Esta sua pretensão excede manifestamente o teor e o sentido da lei, que somente quis evitar a prolação de decisões surpresa para o interessado, atribuindo-lhe o direito de se pronunciar, previamente à decisão, sobre o sentido que a Administração considera provável (e que, aliás, não vincula a própria Administração).
V - O conhecimento do sentido provável da decisão constitui já um notável reforço das garantias dos administrados, permitindo-lhes intervir antes da decisão, de forma a poder influenciá-la. Porém, o conhecimento (e o direito de impugnação) da fundamentação da decisão a proferir envolveria uma verdadeira intromissão do interessado no próprio processo de decisão, o que descaracterizaria o poder decisório da Administração e excederia as garantias constitucionais (citado art. 267.º, n.º 5).
VI - O direito de audiência, no entendimento da recorrente, constituiria uma impugnação antecipada de uma decisão ainda não proferida, o que seria insólito e ultrapassa manifestamente o sentido da lei.
VII - O direito de impugnação da fundamentação da decisão só tem sentido depois de proferida, em sede de recurso contencioso. Aliás, o recurso contencioso (a possibilidade de impugnar o acto administrativo junto de uma entidade independente, os tribunais) é a garantia central e suprema dos administrados.
VIII - No caso dos autos, a recorrente, que fora notificada pelo Sr. Inspector da proposta de classificação de Suficiente, foi posteriormente notificada, nos termos dos arts. 100.º, n.º 1, e 101.º do CPA, pelo órgão decisor, o CSM, de que aquela proposta poderia não ser homologada e ser-lhe consequentemente atribuída notação inferior (que só poderia ser Medíocre), sendo-lhe dado o prazo de 10 dias para dizer o que tivesse por conveniente.
IX - A recorrente tinha todos os elementos de facto e de direito, constantes do relatório de inspecção, para contestar o “sentido provável” de decisão do CSM, indicado naquela notificação, ou seja, a atribuição da nota de Medíocre, para rebater essa opção e defender que prevalecesse a classificação proposta; assim, é manifesto que foi dado cumprimento ao direito de audiência, tal como vem previsto nos arts. 100.º e 101.º do CPA.
X - O serviço prestado pelo magistrado deve ser avaliado segundo parâmetros objectivos exaustivamente discriminados no art. 13.º do RIJ; por sua vez, o art. 15.º do RIJ manda atender, além do “passado” do inspeccionado, às “circunstâncias em que decorreu o exercício de funções”, ou seja, às condições objectivas em que se processou esse exercício: condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício da função, grau de experiência na judicatura, acumulação com outros tribunais, etc.
XI - É em face de todo esse circunstancialismo que deve ser avaliada a prestação do magistrado inspeccionado, ponderando-se se era exigível objectivamente um desempenho funcional mais positivo.
XII - Na inspecção ao serviço não se indaga, ao contrário do que sucede no processo disciplinar, a culpa do magistrado. Um exercício insuficiente pode ser, ou não, culposo. Um exercício insuficiente não culposo não deixa de ser insuficiente e, como tal, deve ser classificado.
XIII - No processo de inspecção trata-se somente de apurar a prestação funcional do magistrado, na sua objectividade, enquadrado no circunstancialismo objectivo que o rodeou, independentemente da existência de culpa do magistrado no desempenho negativo que se constatar.
XIV - Numa ponderação global, o CSM entendeu que o desempenho da recorrente foi insuficiente. Essa conclusão é perfeitamente coerente com as circunstâncias de facto apuradas, circunstanciadamente referidas no relatório de inspecção junto aos autos, em especial com os atrasos e a fraca produtividade revelada pela recorrente, demonstrando uma má adaptação ao serviço, “que ficou muito aquém do exigível a qualquer juiz”; nenhuma violação de lei foi, pois, cometida pelo CSM, nomeadamente a imputada pela recorrente, de preterição dos critérios de avaliação.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. RELATÓRIO

A Lic. AA, Juíza de Direito, vem interpor recurso contencioso do acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 5.4.2011, que, em resultado da Inspecção Extraordinária nº 291/2010, lhe atribuiu a classificação de “Medíocre”. Fá-lo nos seguintes termos:

I - OBJECTO DO RECURSO E PRESSUPOSTOS
1º O acto recorrido é, como se disse, o douto Acórdão do Plenário do CSM, de 5 de Abril de 2011, que, em resultado da Inspecção Extraordinária n.° 291/2010, atribuiu à Recorrente a classificação final de "Medíocre" - de que se junta fotocópia como doc. 1 e se dá por integralmente reproduzido, como por reproduzidos se dão todos os documentos de ora referidos neste recurso.
2º A Recorrente é directamente visada e lesada pelo douto Acórdão recorrido, pelo que tem legitimidade.
3º A Recorrente foi notificada pessoalmente do acto recorrido em 26 de Abril de 2011, pelo que está em tempo - artigo 169.° do EMJ.
4º O Tribunal é competente, nos termos do artigo 168.°, n.° 1, do referido EMJ.
II - DOS FACTOS
5º O serviço prestado pela Recorrente no 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do F..., no período compreendido entre 30 de Maio de 2007 a 15 de Setembro de 2010, foi objecto de inspecção extraordinária.
6º No final da mesma, o Senhor Inspector elaborou Relatório propondo a classificação de "Suficiente", cfr. doc. 2 que se junta.
7º Classificação com a qual a Recorrente não discordou, não tendo, por essa razão, apresentado resposta nos termos do art. 100.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
8º Porém, por ofício datado de 27 de Janeiro n.° 009773, que ora se junta como doc. 3, foi a Recorrente notificada para se pronunciar previamente tendo em conta "que na sessão do Conselho Permanente deste Órgão, realizada em 14-12-2010, foi deliberado determinar que os autos vão à DISTRIBUIÇÃO (...) uma vez que, face ao teor do relatório de inspecção, pode ser ponderada a hipótese de não homologação - e consequente atribuição de nota inferior - da nota proposta pelo Exmo. Inspector."
9º Em resposta ao referido ofício, apresentou a Recorrente o requerimento, que ora se junta como doc. 4, com o seguinte teor:
1. Quanto à deliberação que determinou a remessa dos autos à distribuição, e tendo em conta que a decisão já foi tomada, está a Inspeccionada impedida de se pronunciar previamente.
2. De qualquer forma, porque apenas notificada da decisão e não da fundamentação de facto e de direito da mesma, como determina o art. 101°, n.° 2, do CPA, também não estaria em condições de o fazer.
3. De referir, ainda, que a respeito da finalidade da distribuição, já decidida - ou seja, a ponderação da hipótese de não homologação da nota proposta pelo Senhor Inspector -, só depois de tal ponderação ter lugar é que se poderá pronunciar, nos termos dos arts. 100° e 101° do CPA, após notificação do sentido provável da decisão e da fundamentação de facto e de direito para tanto invocada.
4. Ainda assim, sublinha-se desde já que - no entender da Inspeccionada - o próprio Relatório da Inspecção, quer em si quer para a nota que propõe, não tem em conta os graves problemas de saúde que a têm afectado nos últimos anos, com reflexos directos no exercício das suas funções - e que infelizmente ainda se mantêm, com se pode ver do atestado médico que se junta por fotocópia como doc. 1.
10° A Recorrente não recebeu mais nenhuma notificação para além da que continha o douto Acórdão impugnado, já junta como doc. 1.
11° O referido douto Acórdão reproduz na íntegra o relatório elaborado pelo Sr. Inspector Judicial, págs. 3 a 50, acrescentando o seu entendimento quanto à não verificação do vício de falta de audiência prévia invocado pela Recorrente no requerimento já junto como doc. 4, bem como o ponto IV do mesmo, respeitante à apreciação do referido Relatório.
12° Apreciação essa, como resulta da factualidade exposta, não notificada previamente à Recorrente. (cfr. doc. 1 já junto)
13° À Recorrente foi diagnosticado um quadro clínico de Depressão Grave, conforme atestado junto ao doc. 4 como doc. 1, depressão esta que teve reflexos directos no exercício das suas funções - e que infelizmente ainda se mantêm.
III - DO DIREITO
A) DO VÍCIO DE FORMA POR FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
14° Como se referiu em sede factual, a ora Recorrente arguiu o vício de forma por falta de audiência prévia, conforme doc. 4 já junto.
15° Refere o douto Acórdão recorrido, como fundamento para a improcedência do referido vício, que:
«(...) Aquilo que a lei determina é que, concluída a instrução, os interessados sejam ouvidos antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (cfr. art. 100°, n.° 1, do CPA). Foi precisamente isso que o Conselho Superior da Magistratura fez: determinação a audição da Sra. Juíza a respeito da classificação a atribuir-lhe, informando-a sobre a provável atribuição de uma notação inferior à proposta pelo Inspector Judicial, ou seja, sobre a provável atribuição de "Medíocre". Era sobre isto que a Sra. Juíza tinha o direito de se pronunciar previamente à decisão, tendo-lhe sido assegurado o exercício desse direito.»
16° Porém, salvo o devido respeito, que é muito, não se pode considerar que seja este o entendimento do direito de audiência prévia, pois o sentido provável da decisão não poderá deixar de conter a fundamentação da mesma.
17° Veja-se, a este respeito, o entendimento de José Manuel dos Santos Botelho et alii, Código de Procedimento Administrativo Anotado - Comentado - Jurisprudência, 3.ª edição actualizada e aumentada, Almedina, 1996, Coimbra, p. 351, que refere "(...) se se optou pela audiência escrita o órgão instrutor terá de oferecer com a notificação, os elementos previstos no n.° 2 do artigo 101°, ou seja, os necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito."
18° No caso, tendo em conta que não houve alteração da factualidade subjacente, deveria ter a Recorrente sido notificada da diferente apreciação de tal factualidade que motivou a alteração da notação, só assim sendo possível que a mesma ficasse a conhecer previamente todos os aspectos relevantes para a decisão.
19° Conclui-se, desta forma, que tendo em conta que o mesmo está ferido do vício de falta de audiência prévia, e por isso é anulável, nos termos do art. 135.° do CPA.
B) DO VÍCIO DE ILEGALIDADE DO ACTO POR VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI
20° Para além do vício de falta de audiência prévia invocado, a Recorrente considera, ainda, salvo o devido respeito, que é muito, que o douto Acórdão recorrido incorre em vício de violação de lei quando refere:
"Na resposta que apresentou, a Sra. Juíza alertou para os graves problemas de saúde que a têm afectado nos últimos anos, com reflexos directos no exercício das suas funções, e que infelizmente ainda se mantêm, como resulta do atestado médico que junta.
Simplesmente, em matéria de classificação de serviço, o desempenho funcional é analisado na sua objectividade. Não está aí em causa, como sucede na apreciação disciplinar, a averiguação da culpa do magistrado no seu desempenho negativo.
O desempenho será insuficiente, independentemente de ser ou não culposo. (...)
Do que fica dito não resulta que o Conselho Superior da Magistratura não deva ser sensível às situações de carácter pontual ou excepcional que possam estar na origem da insuficiência da prestação funcional de um juiz num determinado período temporal. (...)."
21° Porém, tal entendimento, salvo melhor opinião, não é compatível com os arts. 13.° e 15.° do Regulamento de Inspecções Judiciais, aprovado pela Deliberação n.° 55/2003, do Conselho Superior da Magistratura, publicada no Diário da República, II Série, de 15 de Janeiro de 2003 (RIJ).
22° Assim, se por um lado o art. 13.° manda atender a critérios como a dedicação do Magistrado (alínea b) do n.° 3), o art. 15.°, n.° 2, refere que "São ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizados." (o sublinhado é nosso)
23° Ou seja, é o próprio RIJ que manda atender a critérios subjectivos, directamente relacionados com as circunstâncias nas quais o Magistrado exerceu as suas funções.
24° Termos em que o vício de violação de lei, que no caso em apreço se verifica, inquina a douta deliberação recorrida de anulabilidade, nos termos e para os efeitos do art. 135.° do CPA, o que desde já se invoca.
D) DO VÍCIO DE PROCEDIMENTO POR DEFICIENTE INSTRUÇÃO
25° Para além do vício de violação de lei, considera-se, ainda, que o douto Acórdão incorre no vício de procedimento por deficiente instrução do processo inspectivo.
26° De facto, tendo a Recorrente apresentado documento no sentido de lhe ter sido diagnosticada doença com necessário impacto nos exercícios das funções, cabia ao Conselho a averiguação para perceber a dimensão deste mesmo impacto.
27° Assim também já o decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, de que é exemplo o seu douto Acórdão de 1 de Fevereiro de 2011, referente ao processo n.° 0505/10, dizendo para o efeito que:
"Com efeito, na apreciação realizada, a incapacidade invocada foi menosprezada meramente por uma alegada falta de conexão entre o ano do enfarte e o ano de 2006, mas não existiu qualquer análise crítica da eventual ligação entre a concreta incapacidade e as concretas funções.
E não se trata, necessariamente, de um problema de apreciação de produtividade.
Aparentemente, a deliberação impugnada desconsiderou aquela incapacidade apenas em atenção a essa vertente.
Todavia, há que ter presentes os critérios de avaliação, conforme o artigo 13° do Regulamento de Inspecções Judiciais aprovado pelo Conselho Superior da Magistratura (Deliberação n.° 55/2003 do CSM, em DR, 2ª série, de 15 de Janeiro de 2007, Regulamento republicado com a Deliberação n.° 1083/2007, em DR, 2ª série, de 9 de Junho de 2007) aplicável por força do artigo 37° do Regulamento do CSTAF (em DR, 2ª série, de 22 de Junho de 2007). (...)
Trata-se, portanto, de uma apreciação que envolve um conjunto alargado de vertentes.
Ora, não será difícil concluir que, por exemplo, na vertente "dedicação" se possa dar importância ao facto de um magistrado, apesar das dificuldades resultantes de certa doença com influência directa no exercício concreto da suas funções, não tenha esmorecido, e a esse serviço se tenha continuado a dedicar com intensidade, ainda que com muito maior sacrifício do que aqueles que se encontram em condições normais de saúde. (...)
Mas não é indiferente, ainda nesse plano, que não tenha existido qualquer aprofundamento ou verificação da alegação do autor, no seu memorando, de que dera conta por mais de uma vez à Presidente do TAFL das dificuldades que estava a sentir. Impunha-se a verificação dessa matéria, que poderia trazer melhor luz sobre as efectivas condições de trabalho do autor.
É à entidade que pratica o acto que incumbe munir-se dos elementos necessários à classificação, para, depois, os analisar criticamente, pois é ela que está obrigada à apreciação das condições de trabalho prestado e a fundamentar essa apreciação.
Temos, assim, que a sustentação realizada no que à incapacidade do autor diz respeito é meramente externa, não contendo qualquer análise da específica doença e das suas implicações no exercício de funções: e tudo advém de uma deficiência de instrução que faz com que, perante os únicos dados recolhidos a propósito, seria impossível compreender se a desconsideração se justifica." (o sublinhado é nosso)
28° Ora é precisamente o que sucede no caso em apreço - a inspeccionada, ora Recorrente padece de uma doença cujas implicações no exercício das funções não podem deixar de ser ponderadas, e não só em eventual processo disciplinar (embora aí adquira uma importância acrescida), mas também no âmbito de inspecção para avaliação do seu desempenho.
29° Entendimento diverso no sentido de não ser necessário proceder-se às diligências adequadas para perceber esse impacto não pode deixar de constituir deficiente instrução do procedimento inspectivo, cominando a douta deliberação com a sanção de anulabilidade, nos termos do art. 135.° do CPA.
D) DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
30° Finalmente, a douta deliberação impugnada incorre em violação do princípio da igualdade na medida em que revela, salvo o devido respeito, que o Conselho Superior da Magistratura adopta diferentes critérios de avaliação, em diferentes processos inspectivos, alguns quase simultâneos.
31° Análise, aliás, já detectada por JOÃO PAULO DIAS, O Mundo dos Magistrados -A evolução da organização e do auto-governo judiciário, Almedina, Coimbra, 2004, p.195, que refere “A falta de critérios para a realização de inspecções que assegurem alguma regularidade e harmonização, ao longo dos anos, permite criar algum grau de incerteza nos magistrados, provocando, como se apurou, comportamentos "adaptados" às inspecções, quer em termos de preferir "despachar" a quantidade, quer no aumento de produtividade em determinados períodos, que posteriormente não regista continuidades."
32° Assim, e a título de exemplo, refira-se a douta resposta apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura, no âmbito do processo n.° 35/11.8YFLSB da Secção de Contencioso que corre termos neste Supremo Tribunal, na qual se refere, no artigo 42.°, que "não fosse essa prestação, aliada à situação de infortúnio que atingiu o defunto esposo da reclamante, não teria sido possível atribuir a nota de "suficiente" à senhora Juíza de Direito. Na verdade, além da sobredita benevolência, são a média calculada do tempo de serviço prestado em B...e em B... e a valorização do panorama negativo que se abateu sobre a vida pessoal e familiar da recorrente que autorizam a concessão de uma nota superior à de "Medíocre", (cfr. resposta junta àquele processo de que, caso este Supremo Tribunal assim o entenda, se juntará certidão para os devidos e legais efeitos).
33° Ou, ainda, no mesmo sentido, os artigos 46.°, 47.° e 49.° da douta resposta, frisando a necessidade de ponderação da situação subjectiva (note-se, prolongada no tempo) da aí recorrente.
34° Esta aplicação casuística de critérios, diametralmente opostos, não pode deixar de consubstanciar uma violação do princípio da igualdade nos termos do art. 13.° da CRP e art. 5.° do CPA, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
IV - DO PEDIDO
35° Pelas razões referidas, a douta deliberação impugnada é ilegal pelo que a mesma deve ser anulada, tudo com as devidas e legais consequências.
36° Além do mais, tendo em conta os vícios de violação de lei, deficiente instrução e do princípio da igualdade apontados, deverá condenar-se o Recorrido a averiguar o impacto da situação de doença da Recorrente no exercício das suas funções e a ponderar a sua situação, tudo com as devidas e legais consequências.
Termos em que ao presente recurso deve ser dado provimento e, em consequência, o douto Acórdão recorrido anulado, com as legais consequências.
Além do mais, tendo em conta os vícios de violação de lei, de deficiente instrução do procedimento e de violação do princípio da igualdade apontados, deverá condenar-se o Recorrido a averiguar o impacto da situação de doença da Recorrente no exercício das suas funções e ponderar a sua situação com as devidas e legais consequências.

Notificado nos termos do art. 174º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), o CSM respondeu, dizendo:

1) A Sra. Juíza Dra. AA veio interpor recurso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, tomada na sequência da inspecção extraordinária ao serviço prestado pela recorrente no 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do F..., no período compreendido entre 30.05.2007 e 15.09.2010, que lhe atribuiu a classificação de "Medíocre".
2) Invocou, para tanto, «vício de forma por falta de audiência prévia», «vício por ilegalidade do acto por vício de violação de lei», «vício de procedimento por deficiente instrução» e «violação do princípio da igualdade».
3) No que concerne à audiência prévia, concordamos inteiramente com a recorrente quando afirma, citando José Manuel dos Santos Botelho e outros, que «o órgão instrutor terá de oferecer com a notificação, os elementos previstos no n.° 2 do artigo 101.°, ou seja, os necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito».
4) Mas foi, precisamente, o que o CSM fez no presente caso, como já afirmámos no acórdão recorrido, ao comunicar à Sra. Juíza o sentido provável da sua decisão e os fundamentos de facto e de direito da mesma.
5) Na verdade, na notificação que efectuada afirma-se que, face ao teor do relatório de inspecção, pode ser ponderada a hipótese da não homologação - e consequente atribuição de nota inferior - da nota proposta pelo Exmo. Inspector. Ora, daquele relatório constam todos os factos necessários à decisão e são citadas as normas que a devem enformar. Perante este relatório e a informação de que o Conselho Permanente entendia que a apreciação dos factos nele descritos e a aplicação das normas nele citadas poderia conduzir à atribuição da classificação de "Medíocre", menor do que a proposta pelo Sr. Inspector Judicial, a Sra. Juíza ficou na posse dos elementos necessários a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, conforme preceituado na norma por si invocada.
6) O que a lei não exigia - e continua a não exigir - é que o Conselho Superior tivesse remetido à inspeccionada um projecto de decisão, como parece ser o entendimento desta.
7) Neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra, Almedina, 2010, 2.ª edição, p. 458: «Face a uma disposição destas [o art. 101.° do CPA], reforçada ainda por cima pela do art. 105.°, ficamos na dúvida sobre as razões em que se sustentam os Autores do Projecto do CPA para defender que o instrutor tem o dever de apresentar aos interessados, para estes efeitos, um projecto de decisão. Por nós, entendemos que não, que o órgão instrutor nem deveria ter que fazer opções oficiais (que até podiam ser diversas das da instância decisória) sobre a decisão para que os factos apurados e as normas tidas como aplicáveis apontam - sem embargo, naturalmente, de o seu sentido poder estar aí implícito -, quanto mais ter que elaborar um projecto de decisão».
8) Não existe, portanto, qualquer ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis que justifique a anulação da deliberação recorrida.
9) Também não assiste razão à recorrente quando afirma ocorrer vício de violação da lei.
10) Reiterando aqui o que julgamos ter afirmado com clareza na deliberação recorrida, ao contrário do que sucede no apuramento da violação de deveres profissionais para efeitos disciplinares, o reconhecimento da insuficiência da prestação funcional de um juiz, para efeitos de classificação de serviço, não depende da imputação subjectiva dessa insuficiência ao inspeccionado, a título de dolo ou negligência.
11) Esta afirmação não é minimamente beliscada pela circunstância de o RIJ mandar ponderar, na classificação dos juízes, «as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizadas», pois esta ponderação não compreende qualquer juízo de culpabilidade.
12) Será à luz destas circunstâncias que o CSM aferirá se o desempenho funcional do juiz foi negativo ou positivo; se concluir que foi negativo, mesmo depois de sopesado o contexto em que ocorreu, não poderá deixar de reflectir essa conclusão na classificação de serviço, ainda que tal não decorra de uma atitude culposa do inspeccionado.
13) No presente caso, como também julgamos ter dito claramente no acórdão recorrido, sem prejuízo de a doença da Sra. juíza poder excluir ou atenuar a sua culpa na produção dos maus resultados da sua prestação funcional - ponderação que não fizemos, por não ser esta a sede própria -, resulta inequívoco do relatório inspectivo que a mesma não permite considerar positiva a referida prestação.
14) Desde logo porque a mencionada insuficiência não se apresenta como o resultado da interferência de circunstâncias anómalas, excepcionais ou mesmo conjunturais, susceptíveis de truncar a imagem da qualidade do desempenho da Sra. Juíza, mas antes como uma constante na prestação funcional desta.
15) Mas também porque o relatório é claro ao afirmar que a morosidade processual e a reduzida produtividade, que caracterizam o desempenho da Sra. Juíza e o tornam insuficiente, decorreram da falta de organização e de método de trabalho da mesma, bem como da descoordenação da sua agenda, não sendo minimamente justificados pelo volume processual ou pela complexidade do serviço.
16) Em suma, todas as circunstâncias pertinentes foram ponderadas, não existindo qualquer vício por violação da lei, não cabendo ao STJ a sindicância do juízo de mérito levado a cabo por este CSM, pois estamos perante um recurso de mera legalidade.
17) Invoca ainda a recorrente o vício de procedimento por deficiente instrução do processo inspectivo, alegando que «tendo a recorrente apresentado documento no sentido de lhe ter sido diagnosticada doença com necessário impacto nos exercícios das funções, cabia ao Conselho a averiguação para perceber a dimensão desse mesmo impacto».
18) A este respeito importa começar por referir que a inspeccionada foi notificado do relatório da inspecção, para os fins previstos no art. 18.°, n.° 6, do RIJ, ou seja, para usar do seu direito de resposta, juntar elementos e requerer as diligências que tivesse por convenientes; porém, nada alegou, nada juntou e nada requereu no momento próprio, não obstante o relatório inspectivo imputar os maus resultados obtidos à sua falta de organização e método e à descoordenação da agenda.
19) Acresce que, mesmo depois de notificada para os efeitos dos artigos 100.° e 101.° do CPA e de advertida para a possibilidade de atribuição de uma nota negativa, limitou-se a juntar aos autos um atestado médico, onde se diz que em 31.01.2011 -já depois de decorrido o período abrangido pela presente inspecção - se encontrava doente, com um quadro clínico de depressão grave, e incapacitada para o trabalho por um período previsível de 30 dias, nada mais requerendo.
20) De todo o modo, perante os elementos constantes dos autos - mormente o referido atestado médico, o relatório desta inspecção e o relatório da inspecção anterior - o CSM entendeu - e continua a entender - que nada mais se impunha averiguar para efeitos de classificação de serviço.
21) Do que ficou exposto na deliberação recorrida (e na presente resposta) decorre que a prestação funcional da Sra. Juíza foi claramente negativa ao longo de todo o período inspectivo, porque a Sra. Juíza revelou uma persistente falta de organização e de método de trabalho, situação já detectada em anteriores inspecções, mas que se agudizou ao longo do tempo.
22) Mesmo dando como certo que a doença prolongada da Sra. Juíza contribuiu para estes maus resultados, não é possível classificar de forma positiva o seu trabalho, impondo-se antes indagar o grau de responsabilidade da Sra. Juíza e a reversibilidade ou irreversibilidade desta situação.
23) Mas esta indagação não tem lugar em sede de avaliação do mérito, mas sim no âmbito do inquérito decorrente da notação atribuída.
24) Invoca, por fim, a recorrente, a violação do princípio da igualdade.
25) Mas não faz qualquer demonstração da alegada adopção de diferentes critérios de avaliação.
26) Tal não decorre, nem podia decorrer, da citação que faz da obra de João Paulo Dias.
27) Mas também não resulta da resposta apresentada pelo CSM no âmbito do processo n.° 35/11.8YFLSB - de que apenas cita um pequeno excerto.
28) Ao contrário do que a Dra. AA pretende fazer crer, o «panorama negativo que se abateu sobre a vida pessoal e familiar da [Sra. Juíza aí] recorrente» inscreve-se num período temporal específico, tendo afectado o desempenho funcional desta nesse período, configurando assim uma situação meramente conjuntural no percurso da mesma.
29) E foi, precisamente, a ponderação desta difícil conjuntura e da prestação funcional da Sra. Juíza no tribunal onde esteve colocada anteriormente, substancialmente melhor que a verificada no período temporal antes referido, que determinaram a decisão do CSM de classificar a aí inspeccionada com "Suficiente", e não com "Medíocre" como vinha proposto pelo Sr. Inspector Judicial,
30) Já no caso da ora recorrente, o que se constata é algo totalmente diverso - a persistência de um desempenho negativo durante todo o período inspectivo, no seguimento do que já havia sido detectado na anterior inspecção, não obstante todo o apoio entretanto concedido pelo CSM, mormente a colocação de juízes auxiliares, num tribunal cuja pendência não justificava essa medida, e as sucessivas redistribuições dos processos entre a inspeccionada e os juízes que a auxiliaram.
31) As situações em comparação são bem diversas, pelo que mereceram decisões diversas por parte do CSM, sendo certo que os fundamentos da decisão recorrida em nada contrariam o que ficou dito na resposta que este Conselho apresentou no âmbito do processo agora invocado pela recorrente.
32) A respeito do que vimos dizendo - em especial sobre a alegação dos vícios de violação da lei e de violação do princípio da igualdade, tem inteira pertinência citar aqui o acórdão do STJ, de 10.07.2008, disponível em www.dgsi.pt. Processo 07S1520:
«1. O recurso interposto para o STJ da deliberação do CSM que atribuiu determinada classificação a um magistrado judicial é um recurso de mera legalidade. 2. O juízo valorativo formulado pelo CSM relativamente ao mérito do magistrado não é sindicável pelo Supremo, salvo se o mesmo enfermar de erro manifesto, crasso ou grosseiro, ou se os critérios utilizados na avaliação forem ostensivamente desajustados. (...) 6. Na avaliação e classificação dos juízes o CSM está vinculado aos princípios de igualdade e de justiça, mas na indagação da eventual violação daqueles princípios o Supremo Tribunal de Justiça não pode entrar na análise detalhada dos casos em confronto, sob pena de cair na apreciação do mérito da decisão, o que o princípio da separação de poderes não consente. 7. A sua apreciação, nessa matéria, deve cingir-se à questão de saber se os critérios utilizados em cada caso foram os mesmos».
Em conclusão, entende o Conselho Superior da Magistratura que o recurso interposto pela Exma. Sra. Dra. AA deve ser julgado improcedente.

De seguida foram as partes notificadas para produzir alegações. A recorrente fê-lo da seguinte forma:

Foi a presente Acção intentada impugnando o douto Acórdão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 5 de Abril de 2011, que, em resultado da Inspecção Extraordinária n.° 291/2010, atribuiu à A. a classificação de "Medíocre".
Salvo o muito e devido respeito, pensa-se que o douto Acórdão impugnado é ilegal, como de seguida se procurará demonstrar. Para tanto, (I) fazem-se breves considerações de direito e (II) termina-se com as conclusões:
I. CONSIDERAÇÕES DE DIREITO
Tendo em conta a factualidade subjacente aos autos, que as partes não colocam em causa, considera a A. que, salvo o devido respeito, não podem proceder os argumentos invocados pelo R., pelas razões que se passam a explanar:
A) DO VÍCIO DE FORMA POR FALTA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
A ora A., em sede de reclamação para o Conselho Plenário do CSM, arguiu o vício de forma por falta de audiência prévia. Em resposta, refere o douto Acórdão impugnado, como fundamento para a improcedência do referido vício, que:
«(...) Aquilo que a lei determina é que, concluída a instrução, os interessados sejam ouvidos antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (cfr. art. 100°, n.° 1, do CPA). Foi precisamente isso que o Conselho Superior da Magistratura fez: determinação a audição da Sra. Juíza a respeito da classificação a atribuir-lhe, informando-a sobre a provável atribuição de uma notação inferior à proposta pelo Inspector Judicial, ou seja, sobre a provável atribuição de "Medíocre". Era sobre isto que a Sra. Juíza tinha o direito de se pronunciar previamente à decisão, tendo-lhe sido assegurado o exercício desse direito.»
Porém, salvo o devido respeito, que é muito, não se pode considerar que seja este o regime do direito de audiência prévia, pois o sentido provável da decisão não poderá deixar de conter a fundamentação da mesma - como expressamente estabelece o n° 2 do mesmo art. 101° do CPA que regula o conteúdo da notificação a ser feita para o exercício da audiência.
Veja-se, a este respeito, o entendimento de José Manuel dos Santos Botelho et alii, Código de Procedimento Administrativo Anotado - Comentado - Jurisprudência, 3.ª edição actualizada e aumentada, Almedina, 1996, Coimbra, p. 351, que refere "(...) se se optou pela audiência escrita o órgão instrutor terá de oferecer com a notificação, os elementos previstos no n.° 2 do artigo 101.°, ou seja, os necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito."
No caso, tendo em conta que não houve alteração da factualidade subjacente, deveria ter a A. sido notificada da diferente apreciação de tal factualidade que motivou a alteração da notação, só assim sendo possível que a mesma ficasse a conhecer previamente todos os aspectos relevantes para a decisão.
Vem o R., em sede de resposta, sustentar que não era obrigado por lei a remeter à inspeccionada um projecto de decisão, referindo, para o efeito, o entendimento de Mário Esteves de Oliveira e outros. Sem discutir agora (por parecer inútil) tal entendimento, o certo é que o que está em causa não é saber se devia ou não ter sido comunicado o projecto de decisão. A questão é, sim, a de saber se devia ou não ter sido comunicado o sentido provável da decisão e os elementos relevantes para a mesma nas matérias de facto e de direito. A resposta a dar a tal questão não pode deixar de ser positiva, face ao disposto na parte final do n° 1 do art. 100° do CPA (sentido provável da decisão) e n° 2 do art. 101° do mesmo Código (todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito). Tal entendimento é, que se saiba, perfeitamente pacífico na Doutrina e na Jurisprudência.
Ora, tais razões (de facto e de direito) não constam da notificação da ora A. para audiência prévia e, nessa medida, se conclui que a douta deliberação impugnada está ferida do vício de falta de audiência prévia, e por isso é anulável, nos termos do art. 135.° do CPA.
B) DO VÍCIO DE ILEGALIDADE DO ACTO POR VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI
Para além do vício de falta de audiência prévia invocado, a A. considera, ainda, salvo o devido respeito, que é muito, que o douto Acórdão impugnado incorre em vício de violação de lei quando refere:
"Na resposta que apresentou, a Sra. Juíza alertou para os graves problemas de saúde que a têm afectado nos últimos anos, com reflexos directos no exercício das suas funções, e que infelizmente ainda se mantêm, como resulta do atestado médico que junta.
Simplesmente, em matéria de classificação de serviço, o desempenho funcional é analisado na sua objectividade. Não está aí em causa, como sucede na apreciação disciplinar, a averiguação da culpa do magistrado no seu desempenho negativo.
O desempenho será insuficiente, independentemente de ser ou não culposo. (...)
Do que fica dito não resulta que o Conselho Superior da Magistratura não deva ser sensível às situações de carácter pontual ou excepcional que possam estar na origem da insuficiência da prestação funcional de um juiz num determinado período temporal. (...)."
Na verdade, tal entendimento, salvo melhor opinião, não é compatível com os arts. 13.° e 15.° do Regulamento de Inspecções Judiciais, aprovado pela Deliberação n.° 55/2003, do Conselho Superior da Magistratura, publicada no Diário da República, II Série, de 15 de Janeiro de 2003 (RIJ).
Assim, se por um lado o art. 13.° manda atender a critérios como a dedicação do Magistrado [alínea b) do n.° 3], o art. 15.°, n.° 2, refere que "São ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício de função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizados." (o sublinhado é nosso)
Ou seja, é o próprio RIJ que manda atender a critérios subjectivos, directamente relacionados com as circunstâncias em que o Magistrado exerceu as suas funções.
Note-se que, ao contrário do que refere o R., em sede de resposta, a violação não se consubstancia na não consideração da culpa para efeitos de atribuição da classificação, que, como também entendemos, se encontra reservada ao processo disciplinar.
No entanto, tal não implica que, em sede de inspecção, não se devam ter em conta as circunstâncias em que ocorreu o exercício de funções, e que foi o que verdadeiramente não sucedeu com a douta deliberação impugnada. É esse o sentido das referidas normas do RIJ.
Termos em que o vício de violação de lei, que no caso em apreço se verifica, inquina a douta deliberação recorrida de anulabilidade, nos termos e para os efeitos do art. 135.° do CPA, o que desde já se invoca.
C) DO VÍCIO DE PROCEDIMENTO POR DEFICIENTE INSTRUÇÃO
Para além do vício de violação de lei, considera-se, ainda, que o douto Acórdão impugnado incorre no vício de procedimento por deficiente instrução do processo inspectivo.
De facto, tendo a A. apresentado documento comprovativo de lhe ter sido diagnosticada doença com necessário impacto nos exercícios das funções, cabia ao Conselho a averiguação para perceber a dimensão deste mesmo impacto.
Assim também já o decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, de que é exemplo o seu douto Acórdão de 1 de Fevereiro de 2011, referente ao processo n.° 0505/10, dizendo para o efeito que:
"Com efeito, na apreciação realizada, a incapacidade invocada foi menosprezada meramente por uma alegada falta de conexão entre o ano do enfarte e o ano de 2006, mas não existiu qualquer análise crítica da eventual ligação entre a concreta incapacidade e as concretas funções.
E não se trata, necessariamente, de um problema de apreciação de produtividade.
Aparentemente, a deliberação impugnada desconsiderou aquela incapacidade apenas em atenção a essa vertente.
Todavia, há que ter presentes os critérios de avaliação, conforme o artigo 13.° do Regulamento de Inspecções Judiciais aprovado pelo Conselho Superior da Magistratura (Deliberação n.° 55/2003 do CSM, em DR, 2ª série, de 15 de Janeiro de 2007, Regulamento republicado com a Deliberação n.° 1083/2007, em DR, 2ª série, de 9 de Junho de 2007) aplicável por força do artigo 37° do Regulamento do CSTAF (em DR, 2ª série, de 22 de Junho de 2007). (...)
Trata-se, portanto, de uma apreciação que envolve um conjunto alargado de vertentes.
Ora, não será difícil concluir que, por exemplo, na vertente "dedicação" se possa dar importância ao facto de um magistrado, apesar das dificuldades resultantes de certa doença com influência directa no exercício concreto da suas funções, não tenha esmorecido, e a esse serviço se tenha continuado a dedicar com intensidade, ainda que com muito maior sacrifício do que aqueles que se encontram em condições normais de saúde. (...)
Mas não é indiferente, ainda nesse plano, que não tenha existido qualquer aprofundamento ou verificação da alegação do autor, no seu memorando, de que dera conta por mais de uma vez à Presidente do TAFL das dificuldades que estava a sentir. Impunha-se a verificação dessa matéria, que poderia trazer melhor luz sobre as efectivas condições de trabalho do autor.
É à entidade que pratica o acto que incumbe munir-se dos elementos necessários à classificação, para, depois, os analisar criticamente, pois é ela que está obrigada à apreciação das condições de trabalho prestado e a fundamentar essa apreciação.
Temos, assim, que a sustentação realizada no que à incapacidade do autor diz respeito é meramente externa, não contendo qualquer análise da específica doença e das suas implicações no exercício de funções; e tudo advém de uma deficiência de instrução que faz com que, perante os únicos dados recolhidos a propósito, seja impossível compreender se a desconsideração se justifica." (o sublinhado é nosso)
Ora é precisamente o que sucede no caso em apreço - a inspeccionada, ora A. padece de uma doença cujas implicações no exercício das funções não podem deixar de ser ponderadas, e não só em eventual processo disciplinar (embora aí adquira uma importância acrescida), mas também no âmbito de inspecção para avaliação do seu desempenho.
Entendimento diverso, no sentido de não ser necessário proceder-se às diligências adequadas para perceber esse impacto, não pode deixar de constituir deficiente instrução do procedimento inspectivo, cominando a douta deliberação com a sanção de anulabilidade, nos termos do art. 135.° do CPA.
D) DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Finalmente, a douta deliberação impugnada incorre em violação do princípio da igualdade na medida em que revela, salvo o devido respeito, que o Conselho Superior da Magistratura adopta diferentes critérios de avaliação, em diferentes processos inspectivos, alguns quase simultâneos.
Análise, aliás, já detectada por JOÃO PAULO DIAS, O Mundo dos Magistrados - A evolução da organização e do auto-governo judiciário, Almedina, Coimbra, 2004, p. 195, que refere "A falta de critérios para a realização de inspecções que assegurem alguma regularidade e harmonização, ao longo dos anos, permite criar algum grau de incerteza nos magistrados, provocando, como se apurou, comportamentos "adaptados" às inspecções, quer em termos de preferir "despachar" a quantidade, quer no aumento de produtividade em determinados períodos, que posteriormente não regista continuidades."
Assim, e a título de exemplo, refira-se a douta resposta apresentada pelo Conselho Superior da Magistratura, no âmbito do processo n.° 35/11.8YFLSB da Secção de Contencioso que corre termos neste Supremo Tribunal, na qual se refere, no artigo 42.°, que "não fosse essa prestação, aliada à situação de infortúnio que atingiu o defunto esposo da reclamante, não teria sido possível atribuir a nota de "suficiente" à senhora Juíza de Direito. Na verdade, além da sobredita benevolência, são a média calculada do tempo de serviço prestado em B...e em B... e a valorização do panorama negativo que se abateu sobre a vida pessoal e familiar da recorrente que autorizam a concessão de uma nota superior à de "Medíocre", (cfr. resposta junta àquele processo de que, caso este Supremo Tribunal assim o entenda, se juntará certidão para os devidos e legais efeitos).
Ou, ainda, no mesmo sentido, os artigos 46.°, 47.° e 49.° da douta resposta, frisando a necessidade de ponderação da situação subjectiva (note-se, prolongada no tempo) da aí recorrente.
Esta aplicação casuística de critérios, diametralmente opostos, não pode deixar de consubstanciar uma violação do princípio da igualdade nos termos do art. 13.° da CRP e art. 5.° do CPA, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
II. CONCLUSÕES
I. A notificação para o exercício do direito de audição prévia da A. a par do sentido provável da decisão não continha a fundamentação da mesma, nomeadamente as razões que motivaram a não homologação da notação de 'Suficiente' e a ponderação de notação inferior e por essa razão a douta deliberação recorrida padece do vício de falta de fundamentação;
II. A douta deliberação recorrida, porque não teve em conta as circunstâncias em que a A. prestou funções no período inspeccionado, salvo o devido respeito e melhor opinião, violou, o art. 13.°, n.° 3, alínea b), art. 15.°, n.° 2, do RIJ que manda atender a critérios subjectivos, directamente relacionados com as circunstâncias em que o Magistrado exerceu as suas funções;
III. O douto Acórdão impugnado incorre no vício de procedimento por deficiente instrução do processo inspectivo na medida em que, tendo a A. apresentado documento comprovativo de lhe ter sido diagnosticada doença com necessário impacto nos exercícios das funções, cabia ao Conselho a averiguação para perceber a dimensão deste mesmo impacto - veja-se, neste sentido, o douto Acórdão de 1 de Fevereiro de 2011, referente ao processo n.° 0505/10, do Supremo Tribunal Administrativo;
IV. A douta deliberação impugnada incorre, salvo melhor opinião, em violação do princípio da igualdade na medida em que revela, salvo o devido respeito, que o Conselho Superior da Magistratura adopta diferentes critérios de avaliação, em diferentes processos inspectivos, alguns quase simultâneos.
Termos em que deve a presente Acção ser julgada procedente e provada e, em consequência ser a douta deliberação impugnada anulada, com as devidas e legais consequências, com o que V. Exas., Venerandos Conselheiros, farão JUSTIÇA!

O CSM apresentou as seguintes alegações:

1) A Sra. Juíza Dra. AA veio interpor recurso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, tomada na sequência da inspecção extraordinária ao serviço prestado pela recorrente no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do F..., no período compreendido entre 30.05.2007 e 15.09.2010, que lhe atribuiu a classificação de "Medíocre".
2) Nas suas alegações, a Sra. Juíza ora recorrente nada acrescentou, tendo apenas voltado a manifestar a sua discordância em relação aos fundamentos da deliberação recorrida, designadamente repostos à luz da resposta ao recurso que, entretanto, produzimos.
3) Cremos, assim, ser despiciendo repetir agora tais argumentos.
4) Interpretando e aplicando a lei nos termos em que o fez, o Conselho Superior da Magistratura entende não ter violado quaisquer princípios de legalidade ou igualdade, realizando, pelo contrário, os objectivos do regime legal.
Em conclusão, entende o Conselho Superior da Magistratura que o recurso interposto pela Exma. Sra. Dra. AA deve ser julgado improcedente.

Dada vista ao Ministério Público, o sr. Procurador-Geral Adjunto tomou a seguinte posição:

I. OBJECTO E TERMOS DO RECURSO
1. A Dra. AA, Juíza de Direito, recorre contenciosamente da deliberação do plenário do Conselho Superior de Magistratura (CSM), de 5 de Abril de 2011, que lhe atribuiu a classificação de Medíocre - cópia da deliberação junta, a fls. 13/40.
2. A recorrente pede a anulação do acto por (i) «vício de falta de fundamentação», motivado por insuficiência da audiência prévia, (ii) violação dos arts. 13°, n° 3, alínea b) e 15°, n° 2 do RIJ, (iii) «vício de procedimento por deficiente instrução do processo inspectivo» e (iv) violação do princípio da igualdade - conclusões da alegação, a fls. 118/9.
3. A entidade recorrida sustenta a deliberação impugnada e conclui pela improcedência do recurso (resposta, a fls. 103/9; alegação, a fls. 121/2).
II. OS FACTOS (REMISSÃO PARA A DELIBERAÇÃO IMPUGNADA)
1. A notação em causa, apurada na sequência de processo de inspecção ordinária, reporta-se à avaliação do desempenho funcional da recorrente no 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca do F..., no período compreendido entre 30 de Maio de 2007 e 15 de Setembro de 2010.
A deliberação impugnada não homologou a proposta de classificação de «Suficiente», constante do relatório de inspecção, tendo sido precedida de notificação à interessada, para os efeitos dos arts.110°, n° 1 e 101° do CPA, nos termos constantes do ofício, a fls. 93.
2. A deliberação assenta na matéria apurada no decurso do procedimento inspectivo, tal como vem estabelecida no relatório respectivo, cujo teor reproduz na parte A de OS FACTOS, de fls. 14 a 37,v. - matéria não objecto de impugnação pela inspeccionada e pela ora recorrente -, que aqui se dá por integralmente transcrita.
III. DAS CAUSAS DE INVALIDADE INVOCADAS PELA RECORRENTE
Deve o Tribunal pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas, excepto da por invalidantemente insuficiente indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas (art. 95°, n° 2 do CPTA).
1. «Vício de falta de fundamentação», motivado por insuficiência da audiência prévia (Conclusão I da alegação da recorrente, a fls. 118).
1.1. A recorrente, no corpo da alegação respectiva, sob a alínea A), a fls. 112/4 - reiterando o que deixara inicialmente expresso na petição de recurso -, conformara o vício de forma imputado ao acto como de falta de audiência prévia.
É sob essa primeira perspectiva - falta de audiência prévia, tida por invalidantemente insuficiente a efectuada, por não constar da notificação à interessada «o sentido provável da decisão e os elementos relevantes para a mesma nas matérias de facto e de direito» (fls. 113) - que importa examinar a alegada causa de invalidade.
Não, obviamente, como «vício de falta de fundamentação» transferido para a própria deliberação final classificativa e a esta imputado, vício que não vem explicado e não se descortina.
1.2. A audiência dos interessados, figura geral do procedimento administrativo decisório de 1º grau, decorre da directiva constitucional em matéria de «participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (art. 267°, n° 5 da CRP).
Tem consagração genérica expressa no art. 8º do CPA - estabelece, relativamente à Administração, o dever de «assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código», audiência essa regulada nos arts. 100° e ss.
Visa-se, com o estabelecimento de tal dever e com o confronto de posições que possibilita, contribuir para o acerto das decisões administrativas, nele incluída a faculdade de controlo preventivo por parte dos interessados.
1.3. No que ao presente procedimento inspectivo respeita e com referência ao relatório respectivo, o direito de audiência acha-se especialmente previsto no art. 37°, n° 2 do EMJ (numeração da Lei 143/99), bem como no art. 18°, n° 6 do RIJ.
À inspeccionada, ora recorrente, fora procedimentalmente garantido o direito de audiência, nos termos das citadas disposições do EMJ e do RIJ.
A notificação, ulteriormente ordenada, em vista a evitar que a interessada fosse confrontada com uma decisão-surpresa, nos termos constantes do documento de fls. 93, remete para o teor do relatório da inspecção, entendido este como contendo «os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito» (art. 101°, n° 2 do CPA) e informa que, com base nos mesmos, «pode ser ponderada a hipótese da ... atribuição de notação inferior».
Tal notificação enquadra-se, pois, no disposto no art. 101°, n° 1 do CPA e realizou o fim pretendido pela lei, ao facultar o confronto de posições e o controlo preventivo da decisão por parte da interessada (supra, 1.2).
Como se deixou consignado na própria deliberação, agora impugnada (passo, a fls.13,v/14): «..., o Conselho Superior da Magistratura comunicou à Sra. Juíza o sentido provável da sua decisão e os fundamentos de facto e de direito da mesma, tendo aguardado que a Sra. Juíza se pronunciasse, para ponderar a notação a atribuir, com base naqueles factos e naquelas normas, mas também à luz do que a inspeccionada viesse acrescentar. O que a lei não exige - nem faria sentido - é que o Conselho Superior profira decisão e, só após, ouça a inspeccionada».
Ou, como agora vem escrito no n° 6 da resposta, a fls.104: «O que a lei não exigia - e continua a não exigir - é que o Conselho Superior tivesse remetido à inspeccionada um projecto de decisão».
1.4. Não se verificou, em suma, a alegada falta (insuficiência invalidante, àquela equivalente) de audiência prévia.
2. Violação dos arts. 13°, n° 3, alínea b) e 15°, n° 2 do RIJ.
2.1. Em causa a ponderação dos «graves problemas de saúde», tal como invocados pela inspeccionada na parte final da resposta à notificação que lhe fora feita pelo CSM, para os efeitos dos arts. 100°, n° 1 e 101° do CPA (supra, 1.3; docs. a fls. 94/6), em matéria de avaliação do desempenho funcional e classificação de serviço, nos termos constantes da deliberação impugnada, passo a fls. 39,v/40, parcialmente transcritos na alegação da recorrente, a fls. 114.
No entender da recorrente, a concepção objectivista expressa no citado passo da deliberação mostrar-se-ia violadora das invocadas disposições regulamentares.
Desenvolvem tais disposições o que se encontra preceituado nos arts. 34° e 37°, n° 1 do EMJ.
2.2. Entre «as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções», que o n° 2 do art. 15° do RIJ determina que deverão ser ponderadas, destaca a recorrente «as condições de trabalho» e «particulares dificuldades do exercício de função».
Segmentos, com o devido respeito, que ao invés apontarão, dominantemente, para uma interpretação objectivista dos mesmos.
Diferentemente no que respeita a todos os factores discriminados nas diversas alíneas dos sucessivos números do art. 13° do RIJ, respeitantes à «capacidade humana para o exercício da função», à «adaptação ao serviço» e à «preparação técnica».
2.3. A deliberação impugnada, na sua parte IV (fls. 37,v/40), quadra expressamente a classificação de serviço a atribuir à recorrente no âmbito dos arts. 33°, 34°, n° 1 e 37°, n° 1 do EMJ, bem como dos arts. 13°, 15° e 16° do RIJ, anotando, nos termos do art. 16°, n° 1, alínea e) deste último diploma, que «a notação de Medíocre ... equivale ao reconhecimento de que o juiz teve um desempenho funcional aquém do satisfatório».
Examinaram-se os diversos parâmetros contidos nos n°s. 1 a 3 do art. 13° do RIJ, quantificando-se os movimentos processuais, os actos agendados, as acumulações e atrasos processuais («muitos e longos atrasos em que incorreu ao longo do período inspectivo, à semelhança do que já havia sucedido anteriormente, como atesta o relatório da anterior inspecção a que foi sujeita .. atrasos, que chegam a ultrapassar os quatro anos, e a fraca produtividade mantiveram-se no período em avaliação na presente inspecção»), precisando-se ou exemplificando-se a «falta de organização e de método de trabalho, bem como uma descoordenação da agenda».
A situação de doença da inspeccionada não foi ignorado, não estando a deliberação viciada na matéria, por erro sobre os pressupostos de facto.
No relatório de inspecção haviam já sido ponderados «alguns problemas de saúde e perturbação psíquica e emocional que a vem afectando [a inspeccionada] há alguns anos» (passo a fls. 91).
Na deliberação final do CSM, ora impugnada, evidenciou-se que «no caso da Dra. AA ...já não estamos perante uma situação meramente pontual ou excepcional. A insuficiência da sua prestação manteve-se, apesar da colocação de um juiz auxiliar» (passo a fls. 39,v).
2.4. O «reconhecimento de que o juiz teve um desempenho funcional aquém do satisfatório» resultou, em suma, fundada e globalmente, da observância das citadas disposições legais e regulamentares, maxime não se verificando violação dos invocados arts. 13°, n° 3, alínea b) e 15°, n° 2 do RIJ.
É, precisamente, a atribuição da classificação de Medíocre - a mais baixa da escala -, que determina, nos termos dos arts. 34°, n° 2 do EMJ e 16°, n° 5 do RIJ, que o magistrado seja suspenso e seja instaurado um inquérito por inaptidão para o exercício do cargo. Inquérito esse que se destina a apurar as razões ou as causas da classificação negativa, podendo conduzir à instauração de processo disciplinar, ou, como se escreveu na deliberação impugnada, no caso de diminuição ou entorpecimento das faculdades físicas ou mentais, à aposentação prevista no art. 65° do EMJ.
3. Vício de procedimento por deficiente instrução do processo inspectivo.
Remete-se para o acima exposto, sob os n°s. 2.3 e 2.4: procedimentalmente fundado, nos termos legais e regulamentares, o «reconhecimento de que o juiz teve um desempenho funcional aquém do satisfatório».
O apuramento das razões ou das causas da classificação negativa, designadamente se deverão, no todo ou em parte, reconduzir-se aos problemas de saúde sofridos pela magistrada, terá a sua sede no inquérito subsequente a que necessariamente haverá lugar, nos termos previstos nos arts. 34°, n° 2 do EMJ e 16°, n° 5 do RIJ.
Improcede, em suma, o alegado vício.
4. Violação do princípio da igualdade.
Invoca a recorrente a violação do princípio da igualdade, com referência à avaliação do desempenho de um outro determinado magistrado judicial, cujo recurso se encontra pendente no STJ.
Com o devido respeito, trata-se de alegação manifestamente insuficiente para se poder dar como adquirida a igualdade de situações pressuposta à invocada violação: à recorrente, que imputava à deliberação o vício de violação do princípio da igualdade, cabia a prova dos respectivos pressupostos.
Ademais, da singela transcrição processual que é pela recorrente produzida parece, diferentemente do caso presente e neste expressamente arredada, tratar-se de situação pontual ou excepcional (supra, 2.3).
5. A avaliação, tal como vem manifestada, pese em sentido contrário a posição defendida pela recorrente, integrada no domínio da denominada Justiça administrativa por parte da entidade recorrida, não exibe erro grosseiro, nem se apresenta violadora das citadas disposições normativas ou dos princípios, designadamente da igualdade e da Justiça, de modo a determinar a sua invalidade.
Escreve-se, a este respeito, no acórdão da Secção do Contencioso, de 8 de Julho de 2003, Proc. 385/01: «Torna-se pois impossível a censura pelo Supremo dos critérios quantitativos ou qualitativos relativos à produtividade e ao mérito ou demérito, em termos absolutos ou relativos, do inspeccionado ora recorrente, utilizados pela entidade recorrida (Conselho Superior da Magistratura) até porque nada indicia que tais critérios se perfilem como flagrante ou ostensivamente desajustados ou como violadores do princípio da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade consagrados nos arts. 266°, n° 2 da CRP e 5° e 6° do CPA91».
6. Não se identificam causas de invalidade do acto impugnado, diversas das alegadas.
IV. CONCLUSÃO
Conclui-se do exposto pela improcedência dos vícios invocados e, não se tendo identificado causa de invalidade do acto, pela negação de provimento ao recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Analisemos as diversas questões colocadas pela recorrente, pela ordem por ela apresentada.

Vício de forma por falta de audiência prévia

Considera a recorrente que a decisão recorrida incorre no vício de falta de audiência prévia, vício que tornaria a decisão anulável, nos termos do art. 135º do Código de Procedimento Administrativo (CPA). Invoca, para tanto, as razões constantes dos nºs 14 a 19 da petição de recurso.
Analisando os autos, constata-se que o sr. Inspector propôs, no final do relatório de inspecção, que a ora recorrente fosse classificada de “Suficiente” (fls. 92).
Na sessão do Conselho Permanente de 14.12.2010, deliberou-se mandar o processo à distribuição e ordenar a notificação da inspeccionada, nos termos dos arts. 100º, nº 1, e 101º do CPA, de que “face ao teor do relatório de inspecção, pode ser ponderada a hipótese de não homologação - e consequente atribuição de notação inferior - da nota proposta pelo Exmo Inspector”, sendo-lhe dado o prazo de 10 dias para dizer o que tivesse por conveniente (fls. 93).
A recorrente respondeu dizendo o seguinte:

1. Quanto à deliberação que determinou a remessa dos autos à distribuição, e tendo em conta que a decisão já foi tomada, está a Inspeccionada impedida de se pronunciar previamente.
2. De qualquer forma, porque apenas notificada da decisão e não da fundamentação de facto e de direito da mesma, como determina o art. 101.°, n.° 2, do CPA, também não estaria em condições de o fazer.
3. De referir, ainda, que a respeito da finalidade da distribuição, já decidida – ou seja, a ponderação da hipótese de não homologação da nota proposta pelo Senhor Inspector -, só depois de tal ponderação ter lugar é que se poderá pronunciar, nos termos dos arts. 100° e 101° do CPA, após notificação do sentido provável da decisão e da fundamentação de facto e de direito para tanto invocada.
4. Ainda assim, sublinha-se desde já que – no entender da Inspeccionada – o próprio Relatório da Inspecção, quer em si quer para a nota que propõe, não tem em conta os graves problemas de saúde que a têm afectado nos últimos anos, com reflexos directos no exercício das suas funções – e que infelizmente ainda se mantêm, com se pode ver do atestado médico que se junta por fotocóopia como doc. 1.

Por acórdão do Plenário do CSM de 5.4.2011, foi-lhe atribuída a classificação de “Medíocre”, sendo esta a decisão ora impugnada.
Nessa decisão foi apreciada a questão da falta de audiência prévia suscitada pela recorrente, que assim foi decidida:

No articulado que apresentou, na sequência da notificação efectuada ao abrigo do disposto nos artigos 100.°, n.° 1, e 101.°, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), a Sra. Juíza começou por afirmar o seguinte: «Quanto à deliberação que determinou a remessa dos autos à distribuição, e tendo em conta que a decisão já foi tomada, está a Inspeccionada impedida de se pronunciar previamente». Contudo, a Sra. Juíza não foi notificada para se pronunciar sobre aquela deliberação - que, como refere, já foi tomada – e nem tinha que o ser. Aquilo que a lei determina é que, concluída a instrução, os interessados sejam ouvidos antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta (cfr. art. 100.°, n.° 1, do CPA). Foi precisamente isso que o Conselho Superior da Magistratura fez: determinou a audição da Sra. Juíza a respeito da classificação a atribuir-lhe, informando-a sobre a provável atribuição de uma notação inferior à proposta pelo Inspector Judicial, ou seja, sobre a provável atribuição de “medíocre”. Era sobre isto que a Sra. Juíza tinha o direito de se pronunciar previamente à decisão, tendo-lhe sido assegurado o exercício desse direito.
A Sra. Juíza inspeccionada alegou ainda o seguinte: «De qualquer forma, porque apenas notificada da decisão e não da fundamentação de facto e de direito da mesma, como determina o art. 101°, n.° 2, do CPA, também não estaria em condições de o fazer». Mas, mais uma vez, não lhe assiste razão. Na notificação que lhe foi feita afirma-se que, face ao teor do relatório de inspecção, pode ser ponderada a hipótese da não homologação – e consequente atribuição de nota inferior – da nota proposta pelo Exmo. Inspector». Ora, daquele relatório constam todos os factos necessários à decisão e são citadas as normas que a devem enformar. Perante este relatório e a informação de que o Conselho Permanente entende que a apreciação dos factos nele descritos e a aplicação das normas nele citadas pode conduzir à atribuição da classificação de “Medíocre”, menor do que a proposta pelo Sr. Inspector Judicial, a Sra. Juíza ficou na posse dos elementos necessários a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, conforme preceituado na norma por si invocada.
Mas se assim é, também não lhe assiste razão quando afirma o seguinte: «a respeito da finalidade da distribuição, já decidida – ou seja, a ponderação da hipótese de não homologação da nota proposta pelo Sr. Inspector Judicial -, só depois de tal ponderação ter lugar é que se poderá pronunciar, nos termos dos arts. 100.° e 101.° do CPA, após notificação do sentido provável da decisão e da fundamentação de facto e de direito para tanto invocada». Como já dissemos, o Conselho Superior Magistratura comunicou à Sra. Juíza o sentido provável da sua decisão e os fundamentos de facto e de direito da mesma, tendo aguardado que a Sra. Juíza se pronunciasse, para ponderar a notação a atribuir, com base naqueles factos e naquelas normas, mas também à luz do que a inspeccionada viesse acrescentar. O que a lei não exige – nem faria sentido – é que o Conselho Superior profira decisão e, só após, ouça a inspeccionada.
Em conclusão, o direito de audição prévia foi assegurado nos termos legalmente previstos, nada obstando à prolação da decisão.

Ponderemos os argumentos apresentados.
Estabelece o art. 100º, nº 1, do CPA que “concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.°, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”. Por sua vez, o art. 101º determina que, quando a audiência for escrita, “a notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito”.
O direito de audiência consubstancia-se, pois, no direito do interessado a conhecer, previamente à decisão, o sentido provável desta, e a poder expor sobre ele o seu ponto de vista, direito que tem apoio no nº 5 do art. 267º da Constituição (que estabelece o direito de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”).
Para poder exercer o seu direito, o interessado deverá ser notificado dos “elementos de facto e de direito relevantes para a decisão”, pois sem esses elementos seria impossível ao interessado apresentar os seus argumentos.
Tal não significa, porém, que a administração tenha de comunicar ao interessado a fundamentação de facto e de direito do sentido provável da decisão, como a recorrente pretende. No fundo, a sua pretensão é a de ter acesso ao projecto de decisão, para lhe opor as suas razões.
Mas tal pretensão excede manifestamente o teor e o sentido da lei, que somente quis evitar a prolação de “decisões-surpresa” para o interessado, atribuindo-lhe o direito de se pronunciar, previamente à decisão, sobre o sentido que a Administração considera provável (e que aliás não vincula a própria Administração). Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., pp. 455 e 458.
O conhecimento do sentido provável da decisão constitui já um notável reforço das garantias dos administrados, permitindo-lhes intervir antes da decisão, de forma a poder influenciá-la.
Porém, o conhecimento (e o direito de impugnação) da fundamentação da decisão a proferir envolveria uma verdadeira intromissão do interessado no próprio processo de decisão, o que descaracterizaria o poder decisório da Administração e excederia as garantias constitucionais (o já citado art. 267, nº 5, da Constituição).
O direito de audiência, no entendimento da recorrente, constituiria uma impugnação antecipada de uma decisão ainda não proferida, o que seria insólito e ultrapassa manifestamente, como já se referiu, o sentido da lei.
O direito de impugnação da fundamentação da decisão só tem sentido depois de proferida, em sede de recurso contencioso. Aliás, o recurso contencioso (a possibilidade de impugnar o acto administrativo junto de uma entidade independente, os tribunais) é a garantia central e suprema dos administrados.
No caso dos autos, a recorrente, que fora notificada pelo sr. Inspector de uma proposta de classificação de “Suficiente”, foi posteriormente notificada, nos termos dos arts. 100º, nº 1, e 101º, do CPA, pelo órgão decisor, o CSM, de que aquela proposta poderia não ser homologada e ser-lhe consequentemente atribuída notação inferior (que só poderia ser “Medíocre”), sendo-lhe dado o prazo de 10 dias para dizer o que tivesse por conveniente.
Tinha a recorrente todos os elementos de facto e de direito, constantes do relatório de inspecção, para contestar o “sentido provável” de decisão do CSM, indicado naquela notificação, ou seja, a atribuição da nota de “Medíocre”, para rebater essa opção e defender que prevalecesse a classificação proposta.
Assim, é manifesto que foi dado cumprimento ao direito de audiência tal como vem previsto nos arts. 100º e 101º do CPA.

Vício de ilegalidade por violação de lei (arts. 13º, nº 3, b), e 15º, nº 2 do Regulamento das Inspecções Judiciais)

Referem-se a esta questão os nºs 20 a 24 da petição de recurso.
Considera a recorrente, citando algumas passagens finais (aliás truncadas) do acórdão recorrido, que o CSM violou as disposições citadas, por não ter atendido a critérios de avaliação, como a dedicação do magistrado, e às circunstâncias em que decorreu o exercício de funções.
Comecemos por citar integralmente o texto do acórdão na parte respectiva:

Na resposta que apresentou, a Sra. Juíza alertou para os graves problemas de saúde que a têm afectado nos últimos anos, com reflexos directos no exercício das suas funções, e que infelizmente ainda se mantém, como resulta do atestado médico que junta.
Simplesmente, em matéria de classificação de serviço, o desempenho funcional é analisado na sua objectividade. Não está aí em causa, como sucede na apreciação disciplinar, a averiguação da culpa do magistrado no seu desempenho negativo.
O desempenho será insuficiente, independentemente de ser ou não culposo. Sendo insuficiente, seguir-se-á um inquérito para apurar se há ou não inaptidão para o exercício da função. Tratando-se de um desempenho insuficiente por razões conjunturais, pode obviamente não haver inaptidão. Mas se essa insuficiência for irreversível, ao ponto de comprometer de uma forma seria as possibilidades de exercício da função, então terá de se considerar existir essa inaptidão. A inaptidão pode, contudo, ser culposa ou não. Se for culposa, deverá gerar responsabilidade disciplinar. Não sendo culposa e ficando a dever-se a diminuição ou entorpecimento, das faculdades físicas ou mentais, então haverá lugar à aposentação a que se refere o art. 65.° do EMJ.
Do que fica dito não resulta que o Conselho Superior da Magistratura não deva ser sensível às situações de carácter pontual ou excepcional que possam estar na origem da insuficiência da prestação funcional de um juiz num determinado período temporal. Pelo contrário, a referida excepcionalidade deverá ser ponderada e poderá justificar a não atribuição de uma nota negativa e o ulterior acompanhamento da situação, na expectativa de que as insuficiências sejam ultrapassadas a curto prazo. Mas no caso da Dra. AA, podemos afirmá-lo neste momento, já não estamos perante uma situação meramente pontual ou excepcional. A insuficiência da sua prestação manteve-se, apesar da colocação de um juiz auxiliar determinada pelo Conselho Superior da Magistratura.
Face a tudo quanto ficou exposto, não restam muitas dúvidas de que, do ponto de vista objectivo, a apreciação global do desempenho da Sra. Juíza AA aponta nitidamente no sentido de uma classificação aquém do suficiente.
É certo que a Sra. Juíza revela capacidades pessoais e técnicas adequadas ao exercício da profissão. Mas essas capacidades pouco relevam perante a sua má adaptação ao serviço, que ficou muito aquém do exigível a qualquer juiz. Por melhor que seja a sua compreensão das questões que tem que apreciar e por mais apurada que seja a sua técnica jurídica, estes atributos de pouco servem se as suas decisões são preferidas muitos meses ou muitos anos depois do prazo legalmente previsto. A tempestividade das decisões judiciais não é alheia á sua qualidade, pois uma justiça tardia não pode considerar-se boa.
Em suma, a prestação da Sra. Juíza foi, objectivamente, insuficiente.

É contra esta interpretação “objectivista” dos critérios de classificação que a recorrente se insurge.
Mas sem razão. Vejamos.
O nº 1 do art. 13º do Regulamento das Inspecções Judiciais (RIJ) estabelece os “critérios de avaliação”, mandando atender às “capacidades humanas”, à “adaptação ao tribunal” e à “preparação técnica”, segundo factores discriminados nos números seguintes do mesmo artigo.
O art. 15º indica “outros elementos de avaliação”, nos seguintes termos:

1. Na classificação dos magistrados judiciais, além do relatório elaborado sobre a inspecção respectiva, são sempre considerados os resultados das inspecções anteriores, bem como inquéritos, sindicâncias ou processos disciplinares, relatórios, informações e quaisquer elementos complementares, referentes ao tempo e lugar a que a inspecção respeita e que estejam na posse do Conselho Superior da Magistratura.
2. São ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções, designadamente as condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício da função, grau de experiência na judicatura compaginado com a classificação e complexidade do tribunal, acumulação de comarcas ou juízos, participação como vogal de tribunal colectivo e o exercício de outras funções legalmente previstas ou autorizadas.

Este quadro normativo não sustenta, antes pelo contrário, a posição da recorrente.
Na verdade, o serviço prestado pelo magistrado deve ser avaliado segundo parâmetros objectivos exaustivamente discriminados no art. 13º.
Por sua vez, o art. 15º manda atender, além do “passado” do inspeccionado, às “circunstâncias em que decorreu o exercício de funções”, ou seja, às condições objectivas em que se processou esse exercício: condições de trabalho, volume de serviço, particulares dificuldades do exercício da função, grau de experiência na judicatura, acumulação com outros tribunais, etc.
É em face de todo esse circunstancialismo que deve ser avaliada a prestação do magistrado inspeccionado, ponderando-se se era exigível objectivamente um desempenho funcional mais positivo.
Na inspecção ao serviço não se indaga, ao contrário do que sucede no processo disciplinar, a culpa do magistrado. Um exercício insuficiente pode ser, ou não, culposo. Um exercício insuficiente não culposo não deixa de ser insuficiente e como tal deve ser classificado.
A averiguação da culpa constitui tarefa do processo disciplinar que se segue à classificação de “Medíocre”. Aí, sim, se irá apurar se o magistrado classificado com notação de insuficiência agiu com culpa e, como tal, deve ser sancionado.
Mas no processo de inspecção, insiste-se, trata-se somente de apurar a prestação funcional do magistrado, na sua objectividade, enquadrado no circunstancialismo objectivo que o rodeou, independentemente da existência de culpa do magistrado no desempenho negativo que se constatar.
Foi esse o procedimento seguido pelo CSM na decisão recorrida, de que a transcrição acima feita dá suficiente mostra. Todos os critérios referidos no art. 13º do RIJ foram considerados. Também o foram as circunstâncias indicadas no art. 15º do mesmo diploma.
Numa ponderação global, o CSM entendeu que o desempenho da recorrente foi insuficiente. Essa conclusão é perfeitamente coerente com as circunstâncias de facto apuradas, circunstanciadamente referidas no relatório de inspecção junto aos autos, em especial com os atrasos e a fraca produtividade revelada pela recorrente, demonstrando uma má adaptação ao serviço, “que ficou muito aquém do exigível a qualquer juiz”.
Nenhuma violação de lei foi, pois, cometida pelo CSM, nomeadamente a imputada pela recorrente.

Vício de procedimento por deficiente instrução

Referem-se a esta questão os nºs 25º a 29º da petição de recurso.
Entende a recorrente que existe deficiente instrução do processo inspectivo, porque, tendo apresentado documento médico que diagnostica doença com impacto no exercício das funções, não se procedeu a qualquer averiguação para determinar as implicações da doença nesse exercício.
Não procede minimamente esta argumentação. Na verdade, conforme atrás se frisou, no processo de inspecção há apenas que apurar e avaliar o serviço prestado pelo inspeccionado, mas já não a existência de culpa do magistrado, no caso de o serviço ter sido classificado como insuficiente.
No caso dos autos, mesmo que constatada a doença invocada pela recorrente, tal facto não teria influência na classificação do serviço.
A averiguação da existência da doença e das suas consequências em termos de atenuação da culpa constitui matéria do processo disciplinar que se seguirá ao trânsito da decisão recorrida.
Conclui-se, pois, que não ocorre nenhuma deficiência de instrução do processo de inspecção.
Violação do princípio da igualdade

A este vício de referem os nºs 30º a 34º da petição de recurso.
Imputa a recorrente ao CSM a violação do princípio da igualdade, ao adoptar critérios de avaliação diferentes em diferentes processos inspectivos, alguns quase simultâneos. Para tanto, faz uma citação de um livro de João Paulo Dias (O Mundo dos Magistrados – A evolução da organização e do auto-governo judiciário, Almedina, Coimbra, 2004) e extrai uma passagem de um acórdão proferido pelo CSM no proc. nº 35/11.8YFLSB desta Secção de Contencioso.
A citação do livro é perfeitamente irrelevante, já que se trata de uma afirmação genérica, imprecisa, não fundamentada e desactualizada (atenta a data de publicação do livro). “A falta de critérios para a realização de inspecções que assegurem alguma regularidade e harmonização, ao longo dos anos, permite criar algum grau de incerteza nos magistrados, provocando, como se apurou, comportamentos “adaptados” às inspecções, quer em termos de preferir “despachar” a quantidade, quer no aumento de produtividade em determinados períodos, que posteriormente não regista continuidades.”
Quanto ao processo referido, selecciona a recorrente a seguinte passagem:

“(…) não fosse essa prestação, aliada à situação de infortúnio que atingiu o defunto esposo da reclamante, não teria sido possível atribuir a nota de “suficiente” à senhora Juíza de Direito. Na verdade, além da sobredita benevolência, são a média calculada do tempo de serviço prestado em B...e em B... e a valorização do panorama negativo que se abateu sobre a vida pessoal e familiar da recorrente que autorizam a concessão de uma nota superior a de “Medíocre”.

Esta simples citação é manifestamente insuficiente para concluir por uma desigualdade de critérios na aplicação da lei.
Caberia à recorrente provar que o circunstancialismo fáctico era de tal forma idêntico nos dois processos que a solução de direito teria que ser a mesma.
Mas daquela citação tal não resulta minimamente, antes se indiciando que a situação nela referida terá sido excepcional ou conjuntural, contrariamente ao que sucedeu com a recorrente, pois o desempenho negativo desta foi persistente ao longo de todo o período de serviço inspeccionado, aliás na continuação do constatado em anteriores inspecções.
Não sendo as situações comparáveis, nenhuma violação do princípio da igualdade é possível detectar.
Improcede, pois, também esta questão.

III. DECISÃO

Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.
Vai a recorrente condenada em 8 (oito) UC de taxa de justiça.

Lisboa, 27 de Setembro de 2011

Maia Costa (relator) **
Maria dos Prazeres Beleza
Isabel Pais Martins
Fonseca Ramos
Fernandes da Silva
Henriques Gaspar