Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B634
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: SJ20080410006342
Data do Acordão: 04/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – Para que uma sentença proferida por um Tribunal da EU possa ser executada em Portugal, da respectiva certidão deve constar a sua parte decisória, a sua exequibilidade, não sendo necessário uma reprodução gráfica nem sequer literal de tal sentença. II – A livre circulação das decisões judiciais no espaço da União baseia-se na confiança mútua dos sistemas judiciais que a integram. Não havendo que sindicar a bondade processual de cada sistema.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
C…… P…. veio requerer a declaração de executoriedade da sentença proferida pelo tribunal de Birmingham County Court no âmbito duma acção por ela intentada contra I….. – H….. E T…. SA, datada de 25.08.04, na qual esta foi condenada a pagar-lhe a quantia de 75.269,14 libras, acrescida de custos no montante de 28.179,07 libras e juros no montante diário de 16,49 libras, contados desde 25.08.04.
O tribunal declarou a requerida executoriedade, ao abrigo dos artºs 38º, 39º, 40º nº 3, 53º, 54º e 41º do Regulamento da União Europeia nº 44/2001 de 22.11.
Apelou a ré, mas sem êxito.
Recorreu esta para este STJ, tendo sido determinado que os autos baixassem á Relação, a fim de se proceder à discriminação da matéria de facto, julgando-se de novo a causa.
A nova decisão da 2ª instância manteve a improcedência do recurso.
Recorre novamente a ré, a qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões:

1 A sentença emitida num Estado Membro da UE, para ser valer num outro dessses Estados tem de ser integralmente reproduzida no respectivo processo de confirmação, sendo certo que dos autos apenas consta uma certidão, da autoria exclusiva de um funcionário judicial, no qual se descreve e resume os trâmites de uma acção e se refere uma sentença que não se transcreve, o que não está de acordo com as exigências do formulário uniforme do Regulamento da União Europeia.
2 Com efeito, este exige a transcrição integral da sentença e a junção do seu texto original.
3 Sem estas transcrição e junção não se pode saber se o decidido viola a ordem pública portuguesa, ou sea decisão entrou por matérias da competência exclusiva dos tribunais portugueses.
4 Coloca-se assim a questão de saber se se se pode confirmar e dar força executiva a uma sentença desconhecida.
5 Estamos, por isso, perante um caso de dúvida que compete ao Tribunal de Justiça das Comunidades esclarecer.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II
Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos dados por assentes pelas instâncias remetendo para o que consta de fls. 223 a 225.

III
Apreciando

1 Trata-se de saber se existe nos autos uma certidão válida da sentença condenatória que um tribunal inglês terá proferido contra a recorrente em acção proposta pela recorrida.
Dos autos consta documento em que um funcionário atesta que tal acção foi efectivamente movida pela a aqui autora contra a aqui ré, pedindo o pagamento de importância de prejuízos superior a 50.000,00 libras; que a ré foi notificada do pedido; que a autora obteve sentença contra a ré para o pagamento de 75,269,14 libras, juntamente com a importância de 28.179,07 e juros a 16,49 libras/dia; que esta sentença é exequível – pontos 4 a 9 dos factos provados
A relevância executiva duma sentença, de acordo com o direito interno, respeita apenas à sua parte decisória e ao seu trânsito em julgado, certificados por entidade competente. Não se torna necessário uma reprodução gráfica, nem sequer literal de tal sentença. O que é preciso é que haja segurança quanto ao conteúdo do que se pretende executar. Deste modo, face ao direito português, temos, ao contrário do que sustenta a recorrente realmente uma sentença e certificada.

2 A questão levantada pela recorrente é a de que os documentos referidos em 1, não preenchem os requisitos do Regulamento da União que ordena a forma como as decisões proferidas num estado membro são exequíveis num dos outros seus Estados.
Segundo ela, necessário seria uma transcrição integral da sentença e a junção do seu texto original, conforme os artºs 53º e 54º do referido Regulamento.
Em relação à dita transcrição integral, o que o artº 53º exige é que a transcrição “satisfaça os necessários requisitos de autenticidade”. Portanto, não se trata de reproduzir ipsis verbis a sentença, mas de exigir que o documento certificativo contenha os elementos necessários dos quais se possa inferir com segurança a decisão. Ora, pelo que consignámos em 1, o documento em causa é perfeitamente suficiente.
Em relação à junção do original, exigida pelo artº 54º, esquece a recorrente que o artº 55º, permite que o tribunal a dispense se se julgar suficientemente esclarecido. E no caso não vemos qual a utilidade de saber mais num caso de condenção no pagamento da dívida, em que se respeitou o princípio do contraditório, não houve recurso e, de acordo com o direito local, a decisão é exequível, ou seja, em que foram respeitados os princípos básicos da ordem pública processual portuguesa.
Recorde-se ainda, como faz o acórdão em apreço, que a confirmação não pode nunca ser de mérito, pelo que não releva a fundamentação e que a livre circulação das decisões judiciais no espaço da União, baseia-se na confiança mútua dos diversos sistema jurisdicionais que a integram, pelo que a confirmação, não se traduz numa sindicância à bondade processual do sistema donde emana a sentença. O seu objectivo é unicamente ter a certeza do decidido. E no caso dos autos não restam dúvidas a esse respeito.

3 Finalmente, a recorrente suscita a questão de estarmos perante uma dúvida a esclarecer pelo Tribunal de Justiça das Comunidades. Precisa que a dúvida consiste em saber se é possível executar uma sentença desconhecida.
Como indica a recorrida, a jurisprudência do Tribunal de Justiça é clara no sentido de que a obrigação do reenvio não se coloca quando a interpretação da norma não deixa lugar a qualquer dúvida razoável. E no caso é claro que a interpretação atrás feita dos artºs 53º, 54º e 55º do Regulamento é uma interpretação meramente literal dos ditos preceitos. Aliás a dúvida da recorrente baseia-se na sua ideia do desconhecimento da sentença, o que, como vimos, não é sustentada pelos factos.
Pelo não se coloca a questão da necessidade do reenvio.

Termos em que improcede o recurso, não merecendo, pois, censura, a decisão impugnada.

Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 10 de Abril de 2008

Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos