Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
047414
Nº Convencional: JSTJ00025061
Relator: PEDRO MARÇAL
Descritores: BURLA
PRESSUPOSTOS
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: SJ199503010474143
Data do Acordão: 03/01/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJSTJ 1995 ANOIII TI PAG225
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO COMPETÊNCIA.
Decisão: DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMÓNIO.
Legislação Nacional: DL 28/84 DE 1984/01/20 ARTIGO 36 ARTIGO 37 ARTIGO 39.
CPP29 ARTIGO 45 ARTIGO 55 ARTIGO 56.
CP82 ARTIGO 313.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1990/04/18 IN BMJ N396 PAG250.
Sumário : I - A "fraude na obtenção de subsídio" que o Decreto-Lei 28/84, de 20 de Janeiro prevê e pune no artigo 36, é uma espécie de burla que se desenvolve em várias etapas e actos, desde a apresentação e instrução do requerimento até à concessão e entrega de uma verba.
II - Sendo, na burla, a entrega indirecta, o crime consuma-se quando o defraudado largar mão da coisa, de modo a perder o respectivo domínio, possibilitando que ela entre na esfera de disponibilidade do agente, ainda que, por qualquer razão, acabe por não chegar lá.
III - Compete ao Tribunal do lugar da emissão ou expedição conhecer do crime.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. O Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto nesta
Secção Criminal veio requerer a resolução do conflito negativo de competência suscitado entre o Tribunal
Judicial de Guimarães e o 2. Juízo do Tribunal de
Instrução Criminal de Lisboa, em vista de ambos eles se atribuírem mutuamente competência, recusando a própria, para a instrução preparatória de um processo em que são arguidos Estamparte - Estamparia Limitada e outros, tendo transitado em julgado os despachos que assim decidiram.
Os Magistrados em conflito foram solicitados a responder, mas nada acrescentaram. E, facultadas as pertinentes alegações, apenas o Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser declarado competente o TIC de Lisboa, por entender que nesta cidade se terão consumado os ilícitos em causa.
Cumpridos que foram os vistos legais, cabe agora apreciar e decidir.
2. Este Supremo Tribunal é competente para resolver o conflito e o requerente possui legitimidade, nada obstando a que se conheça do pedido.
Trata-se dos autos de instrução preparatória n.
1427/Maio de 1992 do 2. juízo daquele TIC, baseados em certidão extraída doutro processo e destinada a procedimento criminal contra Estamparte - Estamparia
Limitada, de Vila do Conde, bem como contra José
Eugénio Alves Calado e Álvaro Fernandes de Castro, legais representantes do G.I.F.T. (Gabinete de
Intervenção e Formação Técnica Limitada), da Póvoa de
Varzim, por conluio em fraude na obtenção de subsídio e em desvio dele - crimes dos artigos 36 e 37 do
Decreto-Lei n. 28/84 de 20 de Janeiro - figurando como lesado o D.A.F.S.E. (Departamento para os Assuntos do
Fundo Social Europeu), sediado em Lisboa.
Este organismo oficial, uma vez deferida a petição de subsídio, teria emitido ordem de pagamento, por transferência bancária, a favor de Joaquim Fernandes &
Fortunato Limitada, de Guimarães, empresa "leader" ou intermediária na obtenção e distribuição do benefício, mas que não é arguida no processo, a qual, por sua vez, teria tratado de enviar a quota destinada à Estamparte para a conta desta, em Vila Nova de Famalicão.

3. Estamos no domínio do Código de Processo Penal de
1929, correndo a instrução preparatória em relação aos dois apontados crimes, que se indiciam subjectiva e objectivamente conexos.
Assim, é quanto ao crime do artigo 36, por ser o mais grave, que importa definir a competência, já que a relativa ao outro se lhe subordinará (artigos 55 e 56 daquele Código).
Para o efeito, rege o artigo 45 do mesmo diploma processual, que considera determinante o lugar onde a infracção se consumou.
A "fraude na obtenção de subsídio", que o Decreto-Lei n. 28/84 prevê e pune no artigo 36, é uma espécie de burla, que se desenvolve em várias etapas e actos, desde a apresentação e instrução do requerimento até à concessão e entrega duma verba. Põe em causa a economia nacional, através da incorrecta aplicação de dinheiros públicos destinados às actividades produtivas, mas cuja atribuição se alcança mediante processo enganoso. Um processo, afinal, semelhante ao que na burla propriamente dita é usado, visando ilegítimo benefício e causando a outrem prejuízo patrimonial (artigo 313 do
Código Penal).
Em ambos estes crimes se vicia a vontade alheia, como meio de conseguir defraudar, sem que seja indispensável um efectivo recebimento do benefício, para se consumarem, bastando que os valores tenham saído do poder do defraudado, pois a partir daí fica produzido resultado típico.
Este entendimento assume especial importância nos casos de entrega por via indirecta, como foi aquele que está em análise, em que o subsídio pago passou pela conta bancária do intermediário, aparentemente não comprometido na fraude.
Referindo-se à burla, o Conselheiro Maia Gonçalves defende precisamente que, sendo a entrega indirecta, o crime se consuma quando o defraudado larga mão da coisa, de modo a perder o respectivo domínio, possibilitando que ela entre na esfera de disponibilidade do agente, ainda que, por qualquer razão, acabe por não chegar lá (Código de Processo
Penal Anotado - 6. edição, 86). Consequentemente, competirá ao Tribunal do lugar da emissão ou expedição conhecer do crime (Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça de 18 de Abril de 1990 - Boletim 396, 250 - de que foi relator aquele Magistrado).

A mesma doutrina parece de estender à "fraude na obtenção de subsídio", pelo paralelismo das situações, que acima ficou exposto. E a letra do citado artigo 36
- incriminando "quem obtiver subsídios" - não constitui obstáculo, pois, em várias passagens, esse artigo até põe a tónica na "concessão" do subsídio, como escopo e efeito relevante da fraude, harmonizando-se desse modo com a ideia de que o crime se consuma com a entrega ou envio da prestação, independentemente de vir a ser efectivamente embaloada pelo destinatário. Sem prejuízo, é claro, de haver obrigação de restituir as verbas eventualmente recebidas, como prevê o artigo 39.
Conforme também notou o Excelentíssimo Procurador Geral
Adjunto no seu parecer, o que revela é a cessação da disponibilidade, por parte da entidade que, através da ordem e prévia autorização de pagamento, disponibilizou o dinheiro a favor dos arguidos, com isso se tendo preenchido o "iter criminis".

4. Nesta conformidade, entende-se que, no caso ora em apreço, o indiciado crime de fraude na obtenção de subsídio se consumou quando, deferida a respectiva petição, foi expedida a ordem de pagamento, o que aconteceu na sede do D.A.F.S.E., em Lisboa.
Decide-se, por isso, declarar competente para os termos do processo o 2. Juízo do Tribunal de Instrução
Criminal desta cidade.
Não há lugar a tributação.
Lisboa, 1 de Março de 1995.
Pedro Marçal.
Silva Reis.
Teixeira do Carmo.
Decisões impugnadas:
Despacho de 7 de Fevereiro de 1994 do Tribunal Judicial de Guimarães;
Despacho de 17 de Novembro de 1993 do Tribunal de
Instrução Criminal de Lisboa.