Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1477/21.6T8VCD.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
DIREITO DE VISITA
FILHO MENOR
PROGENITOR
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário :
I — O artigo 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil determina que não é admissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas no âmbito de processos de jurisdição voluntária segundo critérios de conveniência ou de oportunidade.

II — Entre os casos típicos de decisões proferidas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade estão aquelas em que sejam ou em que devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão sobre o regime de residência alternada ou sobre o regime de visitas dos pais.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: AA

Recorrida: BB

I. — RELATÓRIO

1. Na presente acção de alteração de regulação das responsabilidades parentais, AA veio requerer contra BB a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores e comuns CC (nascida em ... de ... de 2010) e DD (nascido a ... de ... de 2015), pedindo que se fixasse a residência alternada semanal dos menores.

2. A Requerida respondeu, pugnando pela não alteração do regime.

3. O Tribunal de 1.º instância proferiu sentença julgando improcedente o pedido formulado pelo Requerente.

4. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:

“Por todo o exposto, julgo totalmente improcedente, por não provada, a ação que AA intentou contra BB e, em consequência, mantém-se o regime fixado.

Custas pelo Requerente atento o total decaimento”.

5. Inconformado, o Requerente AA interpõs recurso de apelação.

6. O Tribunal da Relação proferiu acórdão, julgando parcialmente procedente o recurso.

7. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é do seguinte teor.

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar, em parte, procedente a apelação e nessa conformidade:

— julgar, em parte, procedente a impugnação da decisão de facto, passando a constar da sentença as alterações acima enunciadas;

— revogar, em parte, a sentença e alterar o regime estabelecido quanto ao exercício das responsabilidades parentais, em relação ao regime de visitas – cláusula d) – passando a constar com a seguinte redação:

d) O pai poderá estar com os menores quinzenalmente entre as 09.00 horas de quinta-feira e as 19.30 horas de segunda-feira.

Custas:

— na 1ª instância, pelo requerente e requerida, na mesma proporção, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao requerente;

— na apelação, pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3 e 1/3, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao requerente.

8. Inconformado, o Requerente AA interpõs recurso de revista.

9. Finalizou a sua alegação com as conclusões seguintes:

1.ª O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pela ....ª Secção do Tribunal da Relação do Porto que, julgando, em parte, procedente a impugnação da decisão de facto, revogou, em parte, a sentença proferida pelo Juiz 1 do Juízo de Família e Menores de ... e alterou o regime estabelecido quanto ao exercício das responsabilidades parentais, em relação ao regime de visitas aos menores CC,.../.../2010, e DD, nascido em .../.../2015.

2.ª O Recorrente não se conforma com esta decisão uma vez que entende que o Tribunal a quo, atenta a matéria de facto dada como provada e não provada, deveria ter proferido acórdão no sentido de alterar o regime em vigor para o de guarda partilhada com residência alternada, como aliás é a posição defendida pela Veneranda Desembargadora com voto de vencido, por estarem reunidos todas as condições para que tal regime vigore.

3.ª Em alternativa, comovem sendo aposição assumida pelo Recorrente, sempre deveria o regime de guarda partilhada com residência alternada ser aplicado quanto ao menor DD e o alargamento de visitas fixado pela Tribunal da Relação do Porto manter-se quanto à menor CC.

4.ª Qualquer uma das duas soluções apontadas são as que melhor salvaguardam o superior interesse dos menores CC e DD.

5.ª Violou, por isso, o douto Acórdão da Relação do Porto o disposto no artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC (no respeitante ao alcance do “superior interesse da criança”), nos artigos 2.º, 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, 111.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição e ainda dos artigos 3.º, 5.º, 8.º e 18.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças.

6.ª Em face da factualidade fixada pelo Tribunal da Relação do Porto, deveria ter sido julgada procedente a apelação e, em consequência, alterado o regime relativo aos menores CC e DD para o de guarda partilhada com residência alternada, como era, aliás, posição assumida pela Exma. Sra. Juiz Desembargadora relatora.

7.ª No caso dos autos, ficou demonstrado que ambos os progenitores reúnem condições morais, psicológicas, sociais, familiares, económicas e afetivas para cuidar e proteger os menores CC e DD.

8.ª Está provado que ambos os progenitores “revelam competências parentais e ambos os menores gostam de estar com os dois progenitores. Ambos os menores gostam do pai e descreveram a convivência com ele como harmoniosa. O pai e a mãe moram a menos de 6 km de distância um do outro e das escolas que frequentam os menores. A mãe admitiu que o Recorrente é um bom progenitor sendo capaz de prestar os cuidados aos seus filhos e apenas não conseguindo acompanhar os estudos – como resulta da conferência de pais de 02/12/2021. O pai tem condições de habitabilidade na sua casa que permitem que cada menor tenha o seu próprio quarto.”

9.ª Como bem se apontou no voto de vencido, “A dificuldade que o estabelecimento de duas residências apresenta ao nível das deslocações e das questões de logística bem como as dificuldades decorrentes da falta de acordo de um dos progenitores foram pelo legislador ponderadas e a solução legal reflete uma opção clara por atribuir maior peso à ponderação de outras preocupações e valores como sejam os da criação de vínculos afetivos com ambos os progenitores, de exposição dos menores em crescimento à riqueza e complexidade que diferentes formas de viver e educar lhe podem aportar e de igualdade entre progenitores.”

10.ª É inequívoco que, ao decidir manter a residência com a mãe e alargando os convívios do pai em apenas mais dois dias de quinze em quinze dias, o Tribunal a quo continua a violar o superior interesse dos menores.

11.ª Isto porque, no caso dos autos, em que não se verificam quaisquer incapacidades educativas por parte dos progenitores, em que estes mantêm com os menores uma ligação de afeto, a fixação de uma guarda partilhada com alternância da residência dos menores justifica-se atendendo a que: i) as responsabilidades parentais são exercidas no interesse dos menores; ii) o objetivo final é obter o contacto, tão próximo quanto possível, dos menores com os seus progenitores, de modo a que os menores possam usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará.

12.ª Pelo que, a observância do superior interesse da CC e do DD implica decisão diferente da que consta do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, devendo, por isso, ser fixada a guarda partilhada com residência alternada.

Sem prescindir,

13.ª Mesmo que se entendesse ser adequado o alargamento do regime de visitas à CC, considerando a sua expressa vontade, sempre se concluiria que, não colide, com o critério do Superior Interesse da CC e do DD a alteração do regime da CC no sentido de alargar o período de visitas ao progenitor e aplicar o regime de guarda partilhada com residência alternada a favor do DD.

14.ª Aliás, por um lado, sempre se consideraria mitigado o período de afastamento dos irmãos pelo regime de convívios já fixado no acórdão recorrido (de 5.ª a 2.ª de 15 em 15 dias e jantar às 5.ªs) e, por outro, a adoção de regimes diferentes seria largamente compensado pela evidente vantagem de se manter os menores à guarda do progenitor com quem tem mais forte ligação e de quem mais necessita nesta fase da sua vida.

15.ª Entende, por isso, o Recorrente que qualquer uma das duas soluções acima referidas [(i) guarda partilhada com residência alternada da CC e do DD ou ii) guarda partilhada com residência alternada do DD e guarda conjunta, residência com a mãe e alargamento de visitas da CC ao pai] salvaguarda o superior interesse da CC e do DD.

TERMOS EM QUE, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER DETERMINADA A ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS DA CC E DO DD COMO REQUERIDO, NO SUPERIOR INTERESSE DOS MENORES, COM O QUE SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA!

10. A Requerida BB e o Ministério Público contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

11. Em 21 de Dezembro de 2023, foi proferido o despacho previsto no artigo 655.º do Código de Processo Civil.

12. O Requerente AA respondeu ao despacho proferido em 21 de Dezembro de 2023 dizendo que,

“não obstante estarmos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, em que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade, nos termos do artigoº 988.º do CPC, o certo é que, no caso, o Recorrente invocou violação de lei, especialmente do disposto no artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC (no respeitante ao alcance do “superior interesse da criança”), nos artigos 2.º, 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, 111.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição e ainda dos artigos 3.º, 5.º, 8.º e 18.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças.

Nessa medida, com a devida vénia, entende-se que deverá este Supremo Tribunal de Justiça tomar conhecimento do objeto da revista”.

13. A Requerida BB não respondeu ao despacho proferido em 21 de Dezembro de 2023.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

14. Entrando na apreciação da admissibilidade do recurso, dir-se-á o seguinte:

15. A regulação do exercício das responsabilidades parentais é expressamente qualificada como uma providência tutelar civil 1 e as providências tutelares cíveis têm, processualmente a natureza de jurisdição voluntária 2.

16. O artigo 32.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível é do seguinte teor.

1. — Salvo disposição expressa, cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis.

2. — Sem prejuízo do disposto no artigo 63.º, podem recorrer o Ministério Público e as partes, os pais, o representante legal e quem tiver a guarda de facto da criança.

3. — Os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias.

4. — Os recursos têm efeito meramente devolutivo, excepto se o tribunal lhes fixar outro efeito.

17. A remissão do artigo 32.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível para o regime geral dos recursos em matéria cível determina que deva averiguar-se duas coisas:

—se estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, designadamente dos requisitos relacionados com o conteúdo da decisão recorrida (artigo 671.º, n.º 1), com a alçada e com a sucumbência (artigo 629.º, n.º 1), com a legitimidade dos recorrentes (artigo 631.º) e com a tempestividade do recurso (artigo 638.º do Código de Processo Civil 3);

— se estão preenchidos os requisitos específicos de admissibilidade do recurso de revista em processos de jurisdição voluntária — artigo 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

18. O artigo 988.º, n.º 2, do Código de Processo Civil determina que não é admissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas no âmbito de processos de jurisdição voluntária segundo critérios de conveniência ou de oportunidade 4.

19. O Recorrente admite implicitamente que a decisão teve por fim a prossecução do superior interesse dos menores e por critério a maior ou menor adequação das providências cautelares cíveis à sua realização.

20. Ora, desde que a decisão impugnada tenha por critério o interesse dos menores, o concreto conteúdo da decisão será (deverá ser) subtraído do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, “porquanto nos situamos já no campo da sua conveniência (melhor satisfação do interesse protegido) ou oportunidade (maior adequação à satisfação do interesse protegido)” 5.

21. Entre os casos típicos de decisões proferidas de acordo com critérios de conveniência ou de oportunidade estão aquelas em que sejam ou em que devam ser ponderadas as circunstâncias concretas da vida de um menor ou da vida dos seus progenitores para que seja tomada uma decisão sobre o regime de residência alternada 6 ou sobre o regime de visitas dos pais 7.

22. O presente recurso pretende precisamente que sejam ponderadas as circunstâncias concretas da vida dos menores, para que seja tomada uma decisão sobre o regime de residência alternada.

23. Estando em causa uma decisão proferida segundo critérios de conveniência ou de oportunidade, não é admissível o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

24. O Recorrentes alega agora ter invocado violação de lei,

“especialmente do disposto no artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC (no respeitante ao alcance do ‘superior interesse da criança’), nos artigos 2.º, 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, 111.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição e ainda dos artigos 3.º, 5.º, 8.º e 18.º da Convenção sobre os Direitos das Crianças”.

25. O problema está em que o facto de se alegar que foi violado um conjunto de disposições legais, sem especificar as razões de facto e de direito por que teriam sido violadas, não significa que sejam suscitadas questões de legalidade e, em todo o caso, nunca transformaria questões de conveniência ou de oportunidade em questões de legalidade 8.

26. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2012 — processo n.º 78/18.0T8SXL.L1.S1 — dir-se-á que,

“[p]orque proferida num processo de jurisdição voluntária, como é o processo tutelar cível, a decisão que, num juízo de conveniência e na ponderação do superior interesse da criança, determina que a menor fica a residir com a mãe e não em residência alternada, não admite recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 988º, nº2 do CPC)”

III. — DECISÃO

Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso de revista.

Custas pelo Recorrente AA.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Lino Ribeiro

Nuno Ataide das Neves

____


1. Cf. artigo 3.º, alínea c), do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC)

2. Cf. artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

3. Vide, p. ex., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1 — e de 26 de Novembro de 2019 — processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.

4. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Novembro de 2009, no processo n.º 1735/06.OTMPRT.S1, de 24 de Setembro de 2015, no processo n.º 202/08.1TMLSB.L1.S1 , de 14 de Julho de 2016, no processo n.º 8605/13.3TBCSC.L1.S1, de 25 de Maio de 2017, no processo n.º 1041/13.3TBCLD.C1.S1, ou de 30 de Novembro de 2017, no processo n.º 579/11.1TBVCD-E.P1.S1.

5. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2021 — processo n.º 4661/16.0T8VIS-R.C1.S1.

6. Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 2018 — processo n.º 1729/15.4T8BRR.L1.S1 —, de 6 de Junho de 2019 — processo n.º 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1 — ou de 15 de Dezembro de 2022 — processo n.º 78/18.0T8SXL.L1.S1.

7. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 2021 — processo n.º 4797/15.5T8BRG-E.G1.S1 —, em que expressamente se diz: “… julgamos não se oferecerem dúvidas quanto a uma decisão concreta, sobre o montante da pensão de alimentos, a guarda e o regime de visitas, como componentes da regulação das responsabilidades parentais, uma vez obtida a prova, ser presidida por critérios de conveniência e oportunidade no sentido de tomar a criança como centro dessa conveniência e oportunidade. Não há regras de determinação legal vinculativa quanto ao modo de estabelecer o montante de uma pensão de alimentos, um regime de visitas ou uma guarda e, por isso, a decisão a proferir molda-se sobre princípios de ampla disponibilidade que, como antes referimos, por essa razão, apenas são sindicáveis até ao Tribunal da Relação. artigoº 988º, n.º 2 do Código Processo Civil”.

8. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2017 — processo n.º 212/15.2T8BRG-A.G1.S2 —, em cujo sumário se escreve: “… se, em concreto, o recorrente se limitar a invocar preceitos pretensamente violados sem substanciar em que consiste essa violação […], […] o STJ [encontra-se] impedido de sindicar tais juízos (cfr. artigo 988.º, n.º 2, do CPC)”