| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
"A", Ldª, demandou APDR - Associação Portuguesa Para o Desenvolvimento Rural pedindo que seja proferida sentença a reconhecer e declarar a obra definitivamente recebida em 5 de Dezembro de 1998 e, consequentemente, a R. condenada a libertar, entregando à A., a garantia bancária prestada em garantia da boa execução da obra e a pagar-lhe a indemnização moratória de 572.090$00, acrescida, a partir da data da instauração da acção e até à entrega daquela garantia, da indemnização diária de 582$00, resultante da aplicação da taxa de 4,5% sobre o capital da garantia e, ainda, a quantia de 327.600$00, acrescida de juros moratórios de 12%, contados a partir da data da citação e até efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, que celebraram entre si um contrato de empreitada mediante o qual a A. se obrigou a construir a obra para a "Casa Escola Agrícola Alzira de Sousa Duarte", e, tendo havido entrega provisória da obra, após respectiva conclusão, decorreu o prazo legal sem que a ré marcasse a vistoria, após pedido da autora, o que tem por efeito considerar-se a obra definitivamente entregue.
Acrescentou que, não obstante esse efeito e ter pago o preço ajustado, a R. tem-se negado a libertar a garantia bancária prestada pela A. à boa execução da obra e se fez pagar, por força de tal garantia bancária, de 327.600$00, por alegadas obras, efectuadas por terceiro, à revelia da A., para eliminar pretensos defeitos por esta deixados na obra.
Na sentença da 1ª instância decidiu-se declarar que a obra foi definitivamente recebida em 5 de Dezembro de 1998 e, em consequência, condenar a R. a libertar, entregando-a à A., a garantia bancária prestada, em garantia da boa execução da obra, por esta, acrescida dos juros sobre o montante da mesma - 4.720.534$00 - à taxa de 4,5% desde a referida data de 5 de Dezembro de 1998 e até efectiva entrega da mesma, ascendendo tais juros à data da propositura da acção à quantia de 2.853,57 euros (572.090$00) e, ainda, condenar a mesma R. a pagar à A. a quantia de 1.634,06 euros (327.600$00 ), acrescida de juros moratórios desde a citação e até integral pagamento, á taxa de 12%.
Apelou a R. para a Relação de Coimbra que julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença.
Recorre agora a R. de revista, formulando as seguintes
Conclusões:
1ª- A obra de construção da "Casa-Escola Agrícola Alzira de Sousa Duarte" é, por sua natureza, um edifício destinado a longa duração;
2ª- Como tal está sujeito ao regime do artº 1225º do Código Civil;
3ª- A cláusula 13ª do contrato é nula e de nenhum efeito;
4ª- O Decreto-Lei nº 235/86 de Agosto regula as empreitadas de obras públicas (artº 1º);
5ª- Não as empreitadas particulares;
6ª- Estas vêm reguladas no Capítulo XII do Código Civil;
7ª- O artº 1225º do Código Civil estabelece para os imóveis destinados, por natureza a longa duração, o prazo de cinco anos de garantia (corpo do artigo);
8ª- E para denunciar os defeitos da obra estabelece o prazo de um ano (nº 2 do mesmo artigo);
9ª- Portanto a denúncia dos defeitos da obra foi feita dentro do prazo;
10ª- A A. na reparação das anomalias não fez obra capaz;
11ª- Em 29 de Dezembro de 1999 o fiscal ainda encontrou algumas anomalias na obra;
12ª- Concluiu a R. que a A. não tinha capacidade para as reparar;
13ª- Pelo que encarregou outra firma de construção civil de proceder à reparação;
14ª- A prestação tanto pode ser feita pelo devedor como por terceiro (artº 768º do Código Civil);
15ª- Nessa hipótese o terceiro fica subrogado nos direitos do credor (artº 592º do Código Civil);
16ª- Isto é, a construtora que a R. encarregou de reparar as anomalias que a A. não foi capaz de corrigir poderia exigir o preço à A.;
17ª- Como, porém, a R. dispunha de garantia bancária, pagou-lhe, solicitando a importância ao garante - o Banco Espírito Santo;
18ª- Para a A. era indiferente;
19ª- O acórdão recorrido violou os artigos 592º, 768º e o 1225º (corpo do artigo e n.º2) do Código Civil, devendo ser revogado e a R. absolvida do pedido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos.
Apreciando e decidindo.
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos, que a Relação não alterou:
1) A A. dedica-se à actividade de construção civil e obras públicas;
2) A R. dedica-se à execução de projectos de desenvolvimento rural;
3) No desenvolvimento das actividades referidas em 1. e 2., a A. e a R. celebraram, no dia 26 de Novembro de 1991, um acordo, cujos termos se encontram descritos no documento junto a fIs. 13 a 16, mediante o qual a primeira se obrigou a realizar a construção da "Casa Escola Agrícola Alzira de Sousa Duarte", em Campo de Besteiros;
4) Para assegurar a boa execução do acordo referido em 3., a A. prestou garantia bancária no montante de 4.720.534$00, emitida sob o nº 53.246 pelo Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, S.A., em 23 de Março de 1994, constando cópia do respectivo documento a fIs. 17 destes autos;
5) A consignação dos trabalhos apenas foi realizada no dia 23 de Março de 1994;
6) A obra referida em 3., bem como a dos "arranjos exteriores ", foi executada pela A.;
7) A A. enviou à R, sob registo, a carta cuja cópia consta de fls. 20 destes autos, recebida no dia 16 de Fevereiro de 1996, na qual pediu a recepção definitiva da obra;
8) A R. enviou à A. a carta junta a fls. 22 destes autos, datada de 22 de Abril de 1996, manifestando toda a disponibilidade para a realização da recepção definitiva da empreitada, apenas a condicionando à imperiosa e urgente substituição do linóleo deteriorado no r/c;
9) Em 22 de Abril de 1996 permanecia por liquidar um crédito da A. de 6.736.884$00, representativo de parte de factura emitida em 30 de Outubro de 1994;
10) O ilustre mandatário da A. enviou à R., sob registo de 3 de Maio de 1996, a carta cuja cópia consta de fls. 23 e 24 destes autos, comunicando que a obra se considerava recebida em 18 de Março de 1996, uma vez que, tendo sido pedida a recepção definitiva por carta recebida pela R. em 16 de Fevereiro de 1996, não foi a vistoria realizada dentro dos 30 dias posteriores a essa data, cumprindo à R. proceder à libertação das garantias prestadas ;
11) A R. liquidou o seu débito, mas não libertou a garantia bancária referida em 4.;
12) O Eng. B, fiscal da obra nomeado pela R., realizou uma vistoria à obra referida em 3., elaborando, em consequência o relatório junto aos autos a fls. 52 a 61, em Dezembro de 1997, no qual aponta as anomalias encontradas na obra;
13) A R. enviou à A. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 62, de 17 de Fevereiro de 1998;
14) A A. enviou à R. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 63, recebida em 19 de Fevereiro de 1998;
15) A A. enviou à R. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 64, recebida em 25 de Maio de 1998, na qual aceitou reparar as anomalias;
16) A R. enviou à A. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 28 e 65, datada de 6 de Novembro de 1998, dando a conhecer que o fiscal não esteve presente aquando de tais reparações e que por isso não podia dar a obra por concluída e que continuavam a existir ainda algumas patologias a corrigir na presença do fiscal, o qual para tanto deveria ser contactado pela A.;
17) A A. enviou à R. a carta junta a fls. 29, recebida em 13 de Novembro de 1998, dando a saber que a data para a marcação da vistoria e comparência do fiscal da dona da obra incumbe legalmente à R., ficando a aguardar pela marcação da data para a vistoria, nos termos legais;
18) O ilustre mandatário da A. enviou à R. a carta cuja cópia consta de fls. 30 destes autos, datada de 16 de Dezembro de 1998, dando a saber que, tendo sido reparadas as anomalias detectadas e requerida a realização da vistoria definitiva da obra que não teve lugar nos 30 dias subsequentes a tal pedido por não ter sido marcada pela R., a A. considerava a obra definitivamente recebida;
19) A R. enviou à A. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 67, datada de 21 de Dezembro de 1998, informando estar marcada, de acordo com o fiscal da obra, Eng. B, a data de 29 de Dezembro, pelas 15 horas, para a realização da vistoria;
20) Por carta datada de 19 de Janeiro de 2001, cuja cópia consta de fls. 31 destes autos, a R. exigiu do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. S.A. a quantia de 327.600$00, no âmbito da garantia aludida em 4.;
21) O Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. S.A. entregou a quantia referida em 20. à R., debitando-a posteriormente à A.;
22) A obra referida em 3. foi recebida provisoriamente;
23) Em data não concretamente apurada, mas anterior à referida em 12., a Casa Escola referida em 3. apresentava infiltrações de água;
24) As infiltrações referidas em 23. afectavam o comportamento dos pavimentos;
25) Em 22 de Abril de 1996, as paredes exteriores do edifício referido em 3. apresentavam fendas;
26) Em 22 de Abril de 1996, os pavimentos do edifício referido em 3. apresentavam anomalias;
27) A A. procedeu à reparação de, pelo menos, algumas das anomalias referidas no relatório aludido em 12.;
28) A A. enviou à R., sob registo, a carta cuja cópia consta de fls. 26 destes autos, recebida em 4 de Novembro de 1998, nela dando conta de ter procedido às reparações das patologias e pedindo a recepção definitiva da obra;
29) Na vistoria efectuada em 29 de Dezembro de 1998, o fiscal encontrou ainda algumas anomalias na construção;
30) A R. encarregou outra firma de construção civil de reparar algumas das anomalias referidas em 29.;
31) A reparação referida em 30. importou para a R. o dispêndio de quantia não concretamente apurada.
Não se afigura que o ajuizado contrato de empreitada seja de obra pública.
A razão está do lado da recorrente, ao sustentar que se trata de uma empreitada de obra particular.
O DL 235/86, de 18/8, legislação especial que reformulou o regime jurídico do contrato de empreitada de obras públicas, indica no artº 1º, como âmbito de aplicação, as obras que corram total ou parcialmente por conta do Estado, de associação pública ou de instituto público, e aquelas que, nas condições específicas referidas nos seus nºs 2 e 3, corram por conta das autarquias locais, empresas públicas, empresas de economia mista ou concessionárias do Estado ou de outras entidades públicas.
Ora, embora a R. seja uma associação que se dedica à execução de projectos de desenvolvimento rural, a verdade que a própria A. reconheceu no artigo 2º da petição inicial que aquela, sendo uma associação a quem se reconhece utilidade pública, mantém natureza privada, sendo a sua actividade regida pelo direito privado.
E a R. aceitou o teor desse artigo 2º da p.i., no artigo 1º da contestação.
Ficou pois pacífico nos articulados, atento o posicionamento das partes, que a R. é uma associação de natureza particular.
Não se afigura assim que deva ser considerada uma associação pública, para, por força do nº 1 do artº 1º do DL 235/86, se considerar que foi parte de um contrato de empreitada de obra pública.
Por outro lado, a A., trabalhando embora em obras públicas, também se dedica à comum construção civil (ponto 1 da matéria de facto).
Todavia, o desfecho que as instâncias deram ao litígio resultou da subsunção do quadro factual provado ao regime legal estatuído por aquele diploma legal, não porque tivessem encarado a empreitada como de obra pública, mas devido à cláusula 13ª do "CONTRATO DE ADJUDICAÇÃO" de fls. 13 a 16, a que se reporta o ponto 3. dos factos provados, em que as partes acordaram em que:
"Tudo o que não se encontrar expressamente previsto neste contrato ou em qualquer das peças do projecto, será regulado de acordo com o disposto no DL 235/86 de 18 de Agosto".
Sustenta a recorrente que à empreitada particular em causa, por ser relativa a um edifício destinado a longa duração, não pode ser aplicado o regime daquele Decreto-Lei, e que a cláusula 13ª em referência é nula e de nenhum efeito, sendo aplicável ao caso vertente o artº 1225º do Código Civil, pelo que a denúncia dos defeitos foi feita dentro do prazo legal.
Ocorre pois indagar se a 13ª cláusula em referência foi validamente aplicada, ao abrigo do artº 405º, nº 1 do Código Civil, ou se, ao invés, deve ser considerada nula e de nenhum efeito, inaplicável na decisão de mérito da acção.
O artº 405º nº 1 do Código Civil determina que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos nesse código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
Impõe, porém, que tal se processe dentro dos limites da lei.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 355), o princípio da liberdade contratual é uma aplicação da regra da liberdade negocial, sendo ambos eles corolário do princípio da autonomia privada, só limitado, em termos gerais, nas disposições dos artigos 280º e seguintes e, em termos especiais, na regulamentação de alguns contratos.
Há que perscrutar se no domínio do contrato civil de empreitada particular a lei substantiva impõe limitações à autonomia privada mediante a formulação de normas de natureza imperativa, ou se obstaculiza, em suma, a aplicabilidade, in casu, do referido DL 235/86, de 18/8 como foi feita nas instâncias.
Nos normativos que regem o contrato de empreitada (artºs 1207º e seguintes do Código Civil), constata-se que o legislador consagrou normas supletivas, como v.g. a do artº 1210º, nºs 1 (... salvo convenção ou uso em contrário) e 2 (No silêncio do contrato...) e a do artº 1211º, nº 2 (... não havendo cláusula ou uso em contrário...).
Assim, quanto ao fornecimento de materiais e utensílios e ao pagamento do preço, o legislador entendeu por bem estabelecer um regime meramente supletivo, susceptível de ser substituído por outro, por mútuo consenso das partes.
Não viu aí necessidade de preservar qualquer interesse público e de proteger a parte normalmente mais fraca nesse tipo de contrato, mediante a criação de normas imperativas.
E que dizer do artº 1225º do Código Civil, em que a recorrente se abriga?
Vaz Serra, na RLJ, ano 106º, pág. 301, pondera que sendo consentido no nº 1 daquele artigo convencionar um prazo de garantia para o dono da obra superior ao de 5 anos nele indicado, é duvidoso que seja possível convencionar um prazo inferior a esse prazo legal de caducidade se à responsabilidade quinquenal do empreiteiro se atribuir o fim de salvaguardar o interesse público na solidez dos edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração, bem como o interesse do dono da obra que pode ser vítima da sua inexperiência, não descobrindo os vícios em prazo curto.
Caso se entenda que o escopo visado pelo legislador foi o acabado de referir - prossegue Vaz Serra - não poderá considerar-se válida uma cláusula que reduza o prazo de cinco anos, até porque poderiam tornar-se usuais ou de estilo cláusulas de redução do prazo...
Vaz Serra, interrogando-se sobre se a norma que obriga o empreiteiro a executar a obra sem defeitos graves e sem perigo de ruína (artº 1225º) não deverá ser havida como de ordem pública, termina dizendo que quando muito, poderia entender-se que pode ser convencionado um prazo inferior ao legal, contanto que a responsabilidade se mantenha pelo tempo mínimo necessário para o dono da obra se aperceber dos vícios e efectivar essa responsabilidade.
Também Pedro Romano Martinez (Contrato de Empreitada, pág. 201 e 202), revelando-se embora contra a natureza imperativa do artº 1225º do CC, expende que, podendo os prazos de caducidade ser aumentados por via convencional, pelo menos quanto ao prazo estabelecido no nº 1 do artº 1225º, é dificilmente admissível a sua redução, pois nas obras destinadas a longa duração, cinco anos a contar da entrega constitui, na grande maioria das situações, um prazo demasiadamente curto para detectar os vícios da construção, pelo que abreviá-lo, pode tornar excessivamente difícil o exercício dos direitos do dono da obra e, em tais casos, é inadmissível.
Retenha-se pois esta doutrina que se subscreve inteiramente: nos contratos de empreitada particular não será legalmente admissível reduzir, substancialmente, a responsabilidade quinquenal do empreiteiro, mesmo que tenha existido acordo do empreiteiro e do dono da obra nesse sentido.
Isto posto, considerou-se na sentença - para cuja fundamentação remeteu o acórdão recorrido, ao abrigo do artº 713º, nº 5 do CPC - que assiste razão à A. ao pretender que se reconheça que a obra foi definitivamente recebida em 5 de Dezembro de 1998, por se mostrarem nessa data decorridos os 30 dias sobre o pedido de recepção definitiva feito pela A., sem que a R., nesse prazo, tivesse marcado a vistoria para esse efeito.
Na verdade - diz-se na sentença - vindo provado que, depois de reparadas pela A. pelo menos parte das anomalias referidas no relatório do fiscal da obra, a A. enviou à R. a carta de fls. 26 - recebida pela destinatária em 4 de Novembro de 1998 - a dar conta de ter procedido às reparações das patologias apontadas naquele relatório e a pedir a recepção definitiva da obra, e como a R. deu resposta a tal pedido de marcação da vistoria para efeitos de recepção definitiva da obra apenas por carta de 21 de Dezembro de 1998, através da qual marcava a data da vistoria para 29 do mesmo mês, já estava esgotado o prazo de 30 dias previsto para o efeito pelo artº 194º, nº 4, ex vi artº 204º, nº 3 do DL 235/86, de 18/8.
Vejamos.
O artº 204º do DL 235/86, de 18/8 diz no nº 1 que findo o prazo de garantia..., a pedido do empreiteiro, proceder-se-á a nova vistoria das obras da empreitada.
Acrescenta no nº 2 que se pela vistoria se verificar que as obras não apresentam deficiências..., proceder-se-á à recepção definitiva.
E no nº 3 determina que são aplicáveis à vistoria e ao auto de recepção definitiva os preceitos correspondentes da recepção provisória.
O artº 194º do mesmo diploma, relativo à recepção provisória, determina no nº 4 que se o dono da obra não proceder à vistoria nos 30 dias subsequentes ao pedido do empreiteiro... e não for impedido de a fazer por causa de força maior ou em virtude da própria natureza e extensão da obra, considerar-se-á esta, para todos os efeitos, recebida no termo desse prazo.
Atenta a matéria de facto provada e os dispositivos legais supra, poder-se-ia concluir, primo conspectu, pela a bondade da decisão recorrida.
Crê-se, porém, que não pode proceder o pedido de reconhecimento e declaração de que a obra foi definitivamente recebida em 5.12.1998, e de condenação em juros sobre o montante da garantia desde essa data até efectiva entrega.
É que o citado artº 204º, concernente à vistoria para recepção definitiva da obra, só é aplicável findo o prazo de garantia, como se respiga do segmento inicial do seu nº 1.
Ora, como se vê de fls. 15, o prazo de garantia da empreitada que as partes estipularam no "CONTRATO DE ADJUDICAÇÃO" foi de apenas dois anos, e a responsabilidade do empreiteiro nas empreitadas particulares é, como se viu, em princípio, quinquenal.
É certo que o artº 1225º, nº 1 do CC não proíbe expressamente que as partes estipulem um prazo inferior aos 5 anos de garantia findo os quais se dá a caducidade do direito, pois, admitindo no seu texto que elas convencionem um prazo de garantia diferente, não diz expressamente que esse prazo não possa ser inferior ao supletivo de 5 anos.
Considera-se, todavia, que é legalmente inadmissível a responsabilidade apenas bienal da A. empreiteira, fixada no caso vertente pelas partes, por se tratar da construção de um imóvel destinado a longa duração, e aquele prazo ser inferior a metade do supletivamente indicado no normativo em referência.
Conclui-se por conseguinte pela indevida aplicação pelas instâncias do artº 204º do DL 235/86, de 18/8, que estava dependente de se encontrar findo o prazo de garantia, pressuposto que aqui se não pode ter por verificado uma vez que o prazo de garantia de dois anos ajustado pelas partes é de todo em todo inaceitável.
Estava ainda a correr, aquando do envio da última carta da A. para a R., o prazo de garantia de 5 anos supletivamente consignado no nº 1 do artº 1225º do CC.
Na vistoria efectuada em 29 de Dezembro de 1998 - depois de expirado o aludido prazo de 30 dias referido na sentença - o fiscal encontrou ainda algumas anomalias na construção.
Atento o disposto nos nºs 1, 2 e 3 do artº 1225º do CC, sendo quinquenal, a partir da entrega, a responsabilidade da A. empreiteira pela eliminação dos defeitos previstos no artigo 1221º, o caminho a seguir pela R., dona da obra, era proceder à denúncia de tais defeitos dentro do prazo de um ano após o seu conhecimento, e exigir a sua eliminação no ano seguinte à denúncia.
O artº 1221º diz que se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação e que se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção.
Esta norma não é supletiva, como se decidiu em recente acórdão tirado por este mesmo colectivo, no recurso nº 2334/04-1, e se decidiu também no ac. da Rel. do Porto, de 17.11.1992 (CJ 1992, V, 220 e segs.) .
Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a esse preceito, salientam que só em execução se pode pedir que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor, supondo a lei uma condenação prévia do empreiteiro, na sequência da qual o dono pode exigir a eliminação de defeito ou nova construção por terceiro, à custa do devedor, ou a indemnização pelos danos sofridos.
A R. não podia portanto exigir do Banco Espírito Santo os 327.600$00, no âmbito da garantia prestada pela A. empreiteira, já que, para eliminação dos vícios encontrados na obra, não podia contratar um terceiro, tendo, isso sim, de seguir o atrás mencionado procedimento legal.
Improcedem por isso as 12ª a 18ª conclusões recursórias, naufragando a 19ª também quanto à violação dos artºs 592º e 768º, que se inverifica.
Finalmente, tendo já decorrido o prazo de garantia de 5 anos, não há razão para que a R não entregue à A. a garantia bancária por esta prestada.
Nestes termos, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido apenas quanto à condenação da Ré a libertar, entregando-a à A., a garantia bancária, e a pagar a esta a quantia de 1.634,06 euros (327.600$00), acrescida de juros moratórios à taxa anual de 12%, contados desde a citação até efectivo pagamento, revogando-se o demais decidido, com a respectiva absolvição da R. do pedido, nessa parte, assim se concedendo em parte a revista, com custas pelas partes, na proporção dos respectivos decaimentos.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004
Faria Antunes
Moreira Alves
Alves Velho |