Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
361/18.5T9VPV-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
PROVA PERICIAL
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Constitui jurisprudência pacífica que o recurso de revisão, como meio de reacção processual excepcional, visa reagir contra manifestos e intoleráveis erros judiciários; será a evidência de erro que permitirá sacrificar os valores da segurança do direito e do caso julgado, de modo a fazer prevalecer o princípio da justiça material, numa solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a reparação de decisões que seria chocante manter.

II. O CPP disciplina no art. 449.º os casos taxativos em que a revisão é admissível; no que respeita à al. d) invocada, exige-se que haja novos factos ou novos meios de prova e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, requisitos cumulativos e convergentes quanto à intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação.

III. Assim, os factos e as provas têm de ser novos, no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação da prova em julgamento; e a dúvida sobre a justiça da condenação tem de ser séria e consistente.

IV. Inexiste surpresa na ora apodada “descoberta de prova nova”, quando esta consiste em parecer elaborado sobre a valia de perícia efectuada em fase de inquérito.

V. Nada tendo o arguido requerido no decurso da marcha normal do processo quanto à eventual (in)competência ou (in)experiência forense para a realização dessa perícia, mormente solicitando esclarecimentos à perícia realizada, requerendo a realização de nova perícia, suscitando o problema em julgamento ou no recurso ordinário, tudo procedimentos que nunca adoptou, não pode agora pretender a revisão, pois a prova em causa não se encontra em condições de perfazer o primeiro segmento da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP.

VI. O recurso extraordinário de revisão não serve para corrigir estratégias inconsequentes da defesa.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. Relatório

1.1. No proc. n.º 361/18.5T9VPV, do Juízo Central Civil e Criminal de ... - J 2, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, a 31.01.2022 foi proferido acórdão a condenar o arguido AA como autor de 10 crimes de abuso sexual de crianças em trato sucessivo, respectivamente nas penas de 4 anos e 1 mês de prisão, 3 anos e 7 meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão, 3 anos de prisão e mais 3 anos de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 7 meses de prisão.

Desse acórdão interpôs recurso o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou integralmente o acórdão condenatório por acórdão de 29.06.2022, transitado em julgado.

Vem o arguido interpor o presente recurso extraordinário de revisão, apresentando as seguintes conclusões:

“a) O recurso extraordinário de revisão, previsto no n.º 6 do art. 29.º da Constituição da República Portuguesa e nos arts. 449.º e segs. do CPP, uma vez autorizado, possibilita, não um reexame do anterior julgado, mas sim um novo julgamento da causa e a obtenção de uma nova decisão judicial que se substitua a uma outra já transitada em julgado, afastando portanto o caso julgado e excepcionando o princípio do ne bis in idem (previsto no n.º 5 daquele art. 29.º).

b) Nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

c) A al. d), do n.º 1, do art. 449.º do CPP, ao exigir que se descubram novos factos ou meios de prova, pressupõe o desconhecimento, à data da sentença, desses mesmos factos ou meios de prova, apresentados como fundamento do pedido de revisão.

d) A questão que se tem debatido é a de saber se o desconhecimento, relevante para efeitos de revisão, é apenas o do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a considerar é também o do próprio arguido, no momento em que o julgamento se realizou.

e) E tem-se entendido que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado.

f) Ora, o arguido, à data do julgamento a quo, desconhecia a falta de habilitações das técnicas psicólogas (Dr.ª BB e Dr.ª CC) em apreço para elaborarem a perícia.

g) Com efeito, o arguido desconhecia que os testes psicológicos, que sustentaram a condenação foram realizados aos menores melhor identificados nos autos, não eram válidos nem adequados para fazer a prova forense sub judice.

h) Segundo o disposto na Lei n.º 45/2004 de 19 de agosto (atualizada pelo Decreto-Lei n.º 53/2021, de 16 de julho), que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses, as perícias médico-legais são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

Excepcionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias referidas poderão ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto, sendo dada preferência, em circunstâncias equivalentes, a serviços públicos ou integrados no Serviço Nacional de Saúde.

I) Lamentável é que, por vezes, as perícias sejam realizadas por profissionais sem a devida e necessária formação especializada de âmbito forense, independentemente do grau de profissionalismo e conhecimentos que demonstram para as atividades de âmbito clínico que realizam no seu quotidiano, como sucede no caso concreto. Por conseguinte, os clínicos sem preparação para as questões éticas e legais, especificamente colocadas pela própria avaliação forense, deveriam evitar responsabilizar-se por trabalho forense, na medida em que a prática pericial requer conhecimentos específicos e competências mais especializadas do que as fornecidas pelo treino geral para profissionais de saúde mental, que as psicólogas aqui visadas claramente não possuem.

J) Acresce ainda que o arguido desconhecia que uma das psicólogas (Dr.ª CC), que elaborou o seu relatório pericial, integrava os órgãos regionais de prevenção e combate ao abuso sexual infantil - funções que, dificilmente, permitiriam àquela técnica a isenção e imparcialidade exigíveis para efectuar uma perícia desta natureza.

K) A justificação que foi dada para o recurso àquelas técnicas é manifestamente contrária à Lei.

L) Contudo, não podemos aceitar que os meios de apuramento da verdade material, que lhe permitiriam ser absolvido, não estivessem à disposição do Tribunal de 1.ª Instância, apenas pela malograda circunstância de se ser arguido num processo que correu termos numa comarca da Região Autónoma dos Açores.

M) Face ao teor do novo parecer técnico e da avaliação ao arguido ora juntos, estamos, inequivocamente, perante novas provas, que permitem aferir a incompetência das técnicas para subsumirem as conclusões que retiraram das perícias efectuadas, bem como da inadequação dos meios de perícia (testes) efectuados para o caso concreto.

N) Com efeito, pondo este relatório em crise os relatórios que sustentaram a condenação do arguido, estamos perante uma nova prova, que deverá ser apreciada e valorada pelo Tribunal, justificando-se, por essa via, o presente recurso de revisão.

Pelo que se requer a reinquirição das técnicas psicólogas, nos termos do artigo. 451.º CPP, formulando-lhes as seguintes questões: (…).”

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:

“1 - Vem a revisão requerida ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal, assente na afirmação de que, só após a condenação e do inicio do cumprimento da pena de cinco (5) anos e sete (7) meses de prisão, se apercebeu de que as psicólogas que procederam aos exames periciais às vítimas não teriam competência como peritas forenses, pretendendo, com isso, que as perícias realizadas sejam declaradas nulas e, em consequência, a condenação do recorrente assentou em prova inválida.

2 - Pretende o recorrente fazer crer que o “parecer técnico” que agora apresentou é “prova nova” para efeitos do disposto na alínea d), do n.º 1, do artigo 494.º, do Código de Processo Penal.

3 - Em boa verdade, a “novidade” da prova resulta, única e exclusivamente, da circunstância de só agora ter pedido a realização do referido “parecer técnico” e de só agora ele ter sido produzida por ele.

4 - Não se trata de prova que só agora tivesse sido descoberta ou de que só agora a tivesse tido conhecimento.

5 - Com efeito, visa o “parecer técnico” perorar sobre prova recolhida no inquérito e conhecida do condenado, pelo menos, desde que foi notificado da acusação contra ele deduzida.

6 - Nenhum entrave houve a que a “prova” que o condenado agora faz juntar, houvesse sido apresentada em sede própria, nomeadamente, em sede de contestação. Com efeito, já antes do julgamento dispunha o condenado do conhecimento da realização da perícia objecto, agora, de “apreciação técnica”, e já nessa altura poderia ter requerido a prova que agora juntou.

7 - “Prova nova”, para efeitos da alínea em questão, haverá que ser prova que resulte de um conhecimento, totalmente, inovador, de algo totalmente desconhecido à data do julgamento e que, por isso, não pode ser apresentada à apreciação judicial. O que, como se disse, não é o caso da prova ora junta pelo condenado, que mais não é do que uma apreciação, diferida e conveniente, de prova já apreciada.

8 - Sente sentido parece apontar a doutrina do STJ, quando refere que «… a existência de factos ou meios de prova novos tem de ser entendida no sentido de que, à data do julgamento, deles o condenado não tinha conhecimento ou não os podia apresentar …», Ac. STJ de 09-04-2008, Proc. n.º 675/08 - 3.ª, disponível in www.dgsi.pt.

9 - No mesmo sentido, «… apenas são novos os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão. Se, ao invés, o recorrente conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, tais factos e meios de prova não relevam para efeitos de revisão de sentença …», Ac. STJ de 5-01-2011 (mencionado em anotação ao artigo 449.º, do Código de Processo Penal, in https://www.pgdlisboa.pt; e, Ac. STJ de 26-10-2011, sumário retirado da CJ (STJ), 2011, T.III, pág.196).

10 - Ora, em concreto, o recorrente limita-se a questionar a validade probatória ou valoração de provas já existentes à data da decisão recorrida.

11 - Com efeito, encapotadamente, vem agora o condenado, sob a alegação de que só agora soube da incapacidade das peritas, invocar a nulidade de prova produzida no processo, no caso, a prova pericial.

12 - Desde já se diga que a prova posta em causa pelo recorrente, não é proibida, nem foi obtida por recurso a métodos proibidos (cfr. Artigo 126.º, do Código de Processo Penal).

13 - A padecer de vício (que não padece), tratar-se-á de mera irregularidade, a ser invocada nos termos e no prazo previsto no artigo 123.º, do Código de Processo Penal.

Com efeito,

14 - A perícia foi ordenada por quem tinha competência para a determinar.

15 - A perícia foi realizada por quem tinha competência para a realizar, nos termos 152.º, do Código de Processo Penal.

16 - À competência das Senhoras peritas vem agora o recorrente opor um suposto “parecer técnico” sobre o trabalho elaborado por elas, assente, apenas e tão só, em considerações e sugestões desprestigiosas, infundadas e sem concretização, acerca das referidas Senhoras Peritas.

17 - Tem-se, assim, que qualquer questão relacionada com o referido meio de prova se mostra, já definitivamente julgada. Sem condescender,

18 - As questões que o recorrente pretende, agora, ver respondidas pelas Sras. Peritas, não são novas.

19 - Dispunha o recorrente dos conhecimentos necessária a que, em seu devido tempo, pudesse ver respondido, pelas Sras. Peritas, os esclarecimentos que agora pretender ver prestados por ela, quer solicitando esclarecimentos à perícia realizada, quer requerendo a realização e nova perícia, nos termos do que lhe era permitido pelo artigo 158.º, do Código de Processo Penal.

20 - Também nada disso o recorrente fez em tempo próprio, pelo que não caberá, nem poderá agora, fazê-lo.

21 - Quanto à questão da inadmissibilidade da produção de prova ora requerida, parecem-nos por demais avisadas as considerações tecidas pelo STJ no seu Acórdão de 14/02/2013, no Proc. n.º 859/10.3JDLSB-A.SL, disponível em www.dgsi.pt, e a concordância com elas dispensa-nos de maiores considerações para além da sua transcrição: «… o art.º 453.º do CPP dispõe que se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas (n.º 1), mas o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (n.º 2). A leitura que se tem feito desta norma é a de que o recorrente, no recurso de revisão que tenha como fundamento a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º, pode indicar como testemunhas: As já anteriormente ouvidas no processo, mas, nesse caso, como não constituem «novos meios de prova», terão de depor sobre «novos factos» de que se tenha tomado conhecimento posteriormente; As que antes não foram ouvidas no processo, mesmo sobre os factos já apreciados no julgamento, mas, nessecaso, só se o recorrente justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram então impossibilitadas de depor. Na situação em apreço, o recorrente apresentou para deporem como testemunhas no recurso de revisão duas pessoas já inquiridas no julgamento, pelo que os seus depoimentos só seriam admissíveis se viessem depor sobre novos factos. Todavia, o «facto novo», para efeito de revisão de sentença, é aquele que nunca foi ponderado anteriormente no julgamento e não o que, tendo aí sido escalpelizado, foi julgado de uma determinada maneira e, posteriormente, com base nos mesmos meios de prova, se pretende que venha a ser julgado em sentido diverso …».

22 - Quanto à pretendida suspensão da execução da pena de prisão e aplicação de medidas de coacção, poderia haver lugar ao pretendido, se do requerimento do recorrente resultasse, de forma clara e evidente, a injustiça na sua condenação, o que, como se disse, não é o caso dos autos.”

1.2. A informação judicial a que alude o art. 454.º do CPP foi a seguinte:

“INFORMAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 454º DO CPP

I - RELATÓRIO.

O arguido AA, veio interpor recurso extraordinário de revisão porquanto, foi condenado como autor material, na forma consumada e em concurso real da prática de 10 crimes de abuso sexual de crianças, em trato sucessivo, p. e p. no artigo 171º/1, do CP, em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 7 meses de prisão, decisão esta já transitada em julgado, pelo que nos termos do artigo 449º/1-d) do CPP, possui um parecer técnico de autoria de DD e de EE em que se aponta a falha, o erro de relativamente às perícias psicológicas feitas às vítimas menores de idade, não foram utilizados os protocolos de entrevistas forenses quer nos interrogatórios da policia judiciária, quer porque as senhoras duas psicólogas a quem foram distribuídas as avaliações periciais utilizaram por sua vez entrevistas clínicas o que não deviam ter feito mas sim utilizado as entrevistas forenses, o que não lhes dá a competência para realizarem estas entrevistas e as subsequentes avaliações periciais dado que não possuem a especialização de peritas forenses mas sim são simples psicólogas, sendo que uma delas possui uma especialização em neuropsicologia e psicoterapia, o que não lhes dá as competências necessárias para realizarem estas perícias avaliativas às vítimas de abuso sexual relativamente ao arguido.

E é este facto novo, o desconhecimento pelo arguido à data em que aquelas avaliações foram realizadas, que as senhoras psicólogas que procederam à elaboração das perícias psicológicas aos menores em causa, não tinham qualquer habilitação para fazerem tais perícias, o que as torna incompetentes para as realizarem além de que uma delas até exercia funções como terapeuta da estratégia regional de prevenção e combate ao abuso sexual infantil e como também há essa incompatibilidade de funções com a de perita que exerceu nos autos, tudo confere incompetência às referidas senhoras técnicas para realizarem as perícias que fizerem e para tirarem as conclusões que tiraram, sendo que foi com base em tais perícias que o tribunal condenou o arguido e depois estamos perante uma nova prova que põe em causa as provas que sustentaram a condenação do arguido, como tal se incluí na justificativa dos novos factos ou novos meios de prova do artigo 449º do CPP, capaz de se concluir por graves dúvidas que levaram à condenação.

Junta o dito parecer técnico e apresenta um conjunto de perguntas a serem colocadas às testemunhas e psicólogas que elaboraram as ditas perícias psicológicas: Dra. FF e Dra. CC.

Notificado respondeu o Ministério Público alegando em síntese que, a “novidade” deste parecer técnico, é apenas que só agora é que o mandou elaborar e não é prova que só agora descobriu ou só agora tomou conhecimento quando na verdade sempre o arguido a conheceu porque junta aos autos há muito tempo e por isso querendo apresentar este parecer técnico nada o impedia que o tivesse junto aquando da apresentação da sua contestação, dado que aí já conhecia muito bem o nome das senhores técnicas que fizeram as perícias, logo nada há de novo nesta alegação.

O que o arguido/condenado pretende agora é encapotadamente arguir a nulidade das avaliações psicológicas, desde logo por não ser proibida nos termos do artigo 126º do CPP e quando muito será irregular e deve ser invocada nos prazos e termos do artigo 123º do CPP, dado que a perícia foi ordenada por quem tinha competência para tal e executada por quem tinha competência para a realizar, o que tudo esta definitivamente julgado e as questões que se pretende que as senhoras psicólogas venham responder não são novas, sendo que em tempo oportuno podia ter pedido os esclarecimentos que pretendia ou mesmo ter pedido a realização se uma segunda perícia caso tal se justificasse.

O que não fez em tempo oportuno.

Pelo que a suspensão da execução da pena de prisão e a aplicação de medidas de coação, poderia haver lugar se do requerimento em causa resultasse de forma clara e inequívoca a injustiça da condenação, o que não é o caso dos autos.

Pelo que, termina pedindo o indeferimento quanto à audição das senhoras peritas e à suspensão da execução da pena de prisão e a final, a revista ser negada.

O processo é o próprio e o tribunal é competente; as partes são dotadas de legitimidade e de capacidade judiciária.

Não existem outras nulidades, questões prévias ou excepções que importe conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Impõe-se resolver a seguinte questão nesta Informação:

- existe incompetência das senhoras psicólogas, as senhoras Dras. FF e CC, para elaborarem as entrevistas e apresentarem os relatórios periciais quanto às avaliações psicológicas realizadas nas pessoas dos menores vítimas de abuso sexual, tal como o fizeram nos autos, o que é atestado agora pelo parecer técnico que o condenado juntou aos autos, configurando tal novos factos ou novos meios de prova que se incluem no artigo 449º/1-d) do CPP?

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

FACTOS PROVADOS.

Com interesse para a informação, resultaram provados os seguintes factos:

1. O arguido/condenado AA, foi condenado nos autos principais a que este se encontra apenso, nº 361/18.5T9VPV, do Juízo Central Civil e Criminal de ... J 2 do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, em acórdão proferido em 31.01.2022, na apena de 10 crimes de abuso sexual de crianças em trato sucessivo, respectivamente de 4 anos e 1 mês de prisão, 3 anos e 7 meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão, 3 anos de prisão e mais 3 anos de prisão, tudo em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 7 meses de prisão;

2. Deste acórdão consta designadamente que, na parte da sua motivação à fundamentação da matéria de facto e para além do mais que, a convicção do tribunal assentou nos documentos compostos de relatórios periciais de avaliação psicológica realizadas nas pessoas dos menores vítimas do abusos sexuais cometidos pelo arguido e que são o GG, o HH, o II, o JJ, o KK, que foram realizadas pelas senhores peritas e psicólogas CC e FF, os quais foram juntos aos autos antes do julgamento;

3. Consta ainda nessa fundamentação quanto aos factos nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, que o tribunal também assentou a sua convicção na audição das testemunhas ouvidas em julgamento e que ali se menciona especificamente, e ainda nas declarações para memória futura dos menores;

4. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 12, 13, 14, 15;

5. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24;

6. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 25, 26, 27;

7. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 28, 29, 30, 31, 32, 33;

8. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 34, 35;

9. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 36, 37, 38;

10. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 39, 40, 41, 42, 43;

11. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nºs 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50;

12. O mesmo se passando com a justificação da fundamentação de facto nº 51.

Com interesse para a presente informação, não existem factos não provados.

Motivação - O tribunal assenta esta sua informação não só com base nos requerimentos e respostas juntas ao presente recurso bem como, na análise do parecer técnico junto aos autos pelo arguido a fls. 30 e ss., e avaliação clínica psicológica para fins forenses do condenado de fls. 52 e ss., e na certidão do acórdão proferido pela 1ª instância a fls. 61 e ss., e pelo acórdão proferido pela 2ª instância de fls. 87 e ss..

Assentou ainda a sua convicção para assim declarar os factos como provados supra na reanálise do acórdão proferido pela 1ª instância, dado que como dali ressalta é que, a convicção do tribunal assentou não são só na conjugação de toda a prova que lhe foi presente na audiência de julgamento, assim na audição das testemunhas, na análise dos relatórios periciais os de natureza psicológica elaborados pelas senhoras peritas e psicólogas CC e FF.

Como dali melhor consta a convicção do tribunal nesse julgamento não assentou apenas na análise dos relatórios periciais em causa, mas num conjunto maior de provas.

III - DO DIREITO.

Nos termos do artigo 449º/1-d) do CPP dispõe que a revisão de sentença transitada em julgado e admissível quando se descobrirem nos factos ou novos meios de prova que, per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Portanto esta é uma norma excepcional que prevê a quebra do caso julgado e portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito.

A noção de que uma sentença é definitiva, assenta no esgotamento das várias vias de esgotamento de recurso ordinário ou no decurso do prazo para o efeito.

Assim, só circunstâncias substantivas imperiosas, permitem a quebra do caso julgado, de modo que este recurso extraordinário se não transforme numa outra apelação disfarçada.

Pelo que de acordo com Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª Edição actualizada da Universidade Católica Editora, págs., 1205 e ss., o que acompanhamos, factos ou meios de prova podem ser causa de revisão da sentença por si sós ou em conjugação com os que foram apreciados no processo e suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

O que abrange ainda os meios de obtenção da prova.

Factos ou meios de prova novos, são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste.

Assim, se o arguido (ou o Ministério Público em seu benefício) conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento, e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova.

Mais, a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa, ou como refere aquele ilustre professor por referência ao acórdão do Tribunal Constitucional do TC nº 376/2000 “No nosso processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário se acaso tivessem sido necessárias.”, em Obra citada fls. 1208, o que seguimos.

Visto os factos dados como provados supra e socorrendo-nos da decisão já transitada em julgado, desde logo se verifica as perícias psicológicas elaboradas nas pessoas dos menores e pelas senhoras psicólogas CC e FF, foram juntas aos autos antes do julgamento.

Aliás e como muito bem o diz o Ministério Público, já existiam nos autos antes da apresentação da defesa do condenado.

O nome das senhoras técnicas, os métodos de entrevistas usado, a justificação das suas conclusões.

E mais, foram ordenadas pelo tribunal e foi o Instituto de Medicina legal que nomeou aquelas senhoras peritas.

Tudo no respeito da lei e de acordo com os formalismos legais.

Nada o arguido requereu.

Nada o arguido arguiu como sendo incompetentes e não possuindo experiência forense para as fazer, ou outro vício que fosse.

Por outro lado, ainda que importantes tais perícias, não foram os únicos elementos de prova que levaram a que o tribunal condenasse o arguido como o fez.

Assentou como resulta dos factos dados como provados supra, da conjugação da audição das testemunhas ouvidas em julgamento e dos vários elementos documentais carreados para os autos.

Tudo isso, é que determinou a convicção do tribunal.

Por isso aqueles relatórios periciais não são os únicos a relevar na condenação do arguido.

Também contribuíram para tal.

Pelo que, mostra-se totalmente desnecessários ouvir as senhoras psicólogas CC e FF, às questões apresentadas pelo condenado: desde logo porque não são novas e também porque em nada conduzem à alteração da condenação do arguido.

Logo, teremos de concluir que não nos encontramos perante o funcionamento do disposto no artigo 449º/1-d) do CPP, ou seja, não há qualquer meio de prova novo, capaz de levar a colocar dúvidas graves sobre a justiça da condenação do arguido.

O que não se vai ouvir as senhoras psicólogas CC e FF, por desnecessário.

Indeferindo-se as mesmas questões.

IV - DECISÃO/INFORMAÇÃO.

Concluindo-se e face a tudo o supra exposto, no nosso modesto entendimento (ressalvando-se melhores outros), não existe in casu, qualquer fundamento para que seja decretada a revisão extraordinária da sentença condenatória relativamente ao arguido AA, nos termos do artigo 449º/1-d) do CPP, sendo esta a informação sobre o mérito do pedido, que nos oferece dizer.”

No Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido seguinte:

“Vem o arguido – em longa motivação, na qual faz inúmeras referências a doutrina e jurisprudência muito relevante para o caso - interpor o presente recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório, entretanto transitado em julgado, invocando o disposto no artº 449º, nº 1, al. d) do CPP.

Concretamente (pontos 74º e seguintes da sua peça processual, sendo os diretamente relevantes para o pedido de revisão os constantes nos pontos 83º e seguintes), funda o pedido num parecer técnico elaborado por Professor catedrático da Universidade de Aveiro e por Psicólogo Forense (cujas qualificações profissionais e currículo profissional refere), parecer no qual é criticada a investigação realizada nos autos, a tomada de declarações para memória futura e o julgamento, ali se concluindo, entre o mais que:

«na sequência da avaliação realizada, análise dos relatos de AA e a confrontação com os dados das peças processuais, ressaltam contradições entre visados, entre visados e pais, entre pais dos visados, perícias inválidas, relatórios clínicos que convergem para a nossa avaliação, depoimentos contrários que não foram valorizados ou credibilizados, interrogatórios que não respeitaram a evidência técnica e científica sobre a formulação de questões, quer ao nível da Polícia Judiciária, quer ao nível das Declarações Para Memória Futura, bem como o facto de as crianças poderem mentir, deliberadamente, a partir dos 4 anos de idade (Newton et al., 2000).» [ponto 3.86 do parecer em questão]

Daqui que o recorrente, invocando o que qualifica como «omissões técnicas e metodológicas identificadas nos relatórios (pseudo) periciais das crianças analisadas e aqui sistematizadas invalidam as conclusões que tais documentos dizem alcançar.» pede a revisão, passando por prévia audição das duas Senhoras Psicólogas que tiveram intervenção no processo (relativamente às quais são, no parecer que junta, efetuadas diversas críticas, chegando ao ponto de ali se referir o que disseram em sede de audiência e inseridos ‘print screens’ retirados do Diretório da Ordem dos Psicólogos), logo manifestando a opinião de que as mesmas não tinham qualquer habilitação para fazerem tais perícias, o que as torna incompetentes para as realizarem, além de que uma delas até exercia funções como terapeuta da estratégia regional de prevenção e combate ao abuso sexual infantil e como também havendo, por esse motivo, incompatibilidade de funções com a de perita que exerceu nos autos.

São estas, assim, as «novas provas» que, no entender do recorrente, «permitem aferir a incompetência das técnicas para subsumirem as conclusões que retiraram das perícias efectuadas, bem como da inadquação dos meios de perícia (testes) efectuados para o caso concreto», pois que «[…] pondo este relatório em crise os relatórios que sustentaram a condenação do arguido, estamos perante uma nova prova, que deverá ser apreciada e valorada pelo Tribunal […]».

O Ministério Público junto do Tribunal da Condenação respondeu ao pedido, entendendo pela sua improcedência, referindo que a “novidade” da prova resulta, única e exclusivamente, da circunstância de só agora ter pedido a realização do referido “parecer técnico” e de só agora ele ter sido produzida por ele, não se estando perante prova que só agora tivesse sido descoberta ou de que só agora a tivesse tido conhecimento, porquanto acaba por versar o «parecer» acerca de prova recolhida no inquérito (incluindo-se aqui a perícia), conhecida do condenado, pelo menos, desde que foi notificado da acusação contra ele deduzida, podendo a invocada “prova” que o condenado agora faz juntar, tê-lo sido em sede de contestação.

Referiu ainda, na resposta, que a prova posta em causa pelo recorrente, não é proibida, nem foi obtida por recurso a métodos proibidos (cfr. Artigo 126.º, do Código de Processo Penal) e que, mesmo se padecesse de algum vício, este limitar-se-ia a irregularidade, a ser invocada nos termos e no prazo previsto no artigo 123.º, do Código de Processo Penal, o que não sucedeu, pelo que qualquer questão relacionada com o referido meio de prova se mostra, já definitivamente julgada, sendo ainda que as questões que o recorrente pretende ver respondidas pelas Sras. Peritas, não são novas, podendo tê-las oportunamente formulado, assim como poderia ter requerido a realização de nova perícia, nos termos do que lhe era permitido pelo artigo 158.º, do Código de Processo Penal.

Também a Senhora juíza do processo, na informação que prestou nos termos do artº 454º do CPP se pronunciou no sentido da não admissão do recurso.

Para tanto, lembrou que só circunstâncias substantivas imperiosas permitem a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário se não transforme numa outra apelação disfarçada, sendo que no caso dos autos o nome das senhoras técnicas, os métodos de entrevistas usados, a justificação das suas conclusões constava nos autos, que as perícias foram ordenadas pelo tribunal e foi o Instituto de Medicina legal que nomeou aquelas senhoras peritas, tudo no respeito da lei e de acordo com os formalismos legais, nada tendo o arguido requerido, nem arguiu como sendo incompetentes e não possuindo experiência forense para as fazer, ou outro vício que fosse, e que, embora importantes, tais perícias não foram os únicos elementos de prova que levaram a que o tribunal condenasse o arguido como o fez (antes tendo sido da conjugação da audição das testemunhas ouvidas em julgamento e dos vários elementos documentais carreados para os autos que se formou a convicção do tribunal).

Acompanha o Ministério Público, no presente parecer, a posição das senhoras magistradas do MP e judicial que se pronunciaram no tribunal da condenação, entendendo igualmente inexistirem razões para deferir o pedido formulado pelo recorrente.

Na verdade, se bem que se compreenda a tentativa que faz para se eximir à responsabilidade criminal e cumprimento da correspondente pena em que foi condenado, certo é que de «novo» nada consegue trazer ao processo.

Como observado pelas senhoras magistradas:

- As perícias que são criticadas no parecer ora junto não determinaram, por si só, a condenação; antes o conjunto da prova produzida;

- Foram conhecidas logo no decurso do processo, mesmo antes da acusação, pelo que poderiam ter sido objeto de contestação atempada;

- Poderiam até ter sido, pela defesa, pedidas novas perícias nos termos do artº 158º, nº 1, al. b) do CPP;

- E pedidos esclarecimentos às peritas, em sede de audiência;

- Contestada poderia ter sido a competência das peritas e suas habilitações; e

- Até poderia ter servido a desconformidade de entendimentos com o conteúdo das perícias como fundamento do recurso interposto da decisão.

O recorrente juntou, ao invés, após trânsito em julgado da decisão, um parecer que – lido na sua totalidade – contém, não apenas uma crítica às Senhoras peritas nomeadas e ao seu trabalho – mas igualmente uma verdadeira crítica à forma como foi conduzido o processo, desde o inquérito a cargo da Polícia Judiciária, até à audiência de julgamento, presidido pelo Tribunal coletivo, passando pelo Senhor juiz de Instrução.

Na verdade, vejam-se as seguintes passagens (que se indicam como meros exemplos):

- Quanto à Polícia Judiciária:

3.14 - Nos interrogatórios da Polícia Judiciária, bem como nas (pseudo)perícias psicológicas realizadas aos menores, não existe a indicação de ter sido usado um procedimento adequado para crianças suspeitas de serem vítimas de abuso, nomeadamente o protocolo do National Institute of Child Health and Human Development (NICHD) (Peixoto, Ribeiro, Fernandes & Almeida, 2015). Esclareça-se que o referido protocolo de entrevista forense foi elaborado com base em investigação científica conduzida ao longo das últimas décadas e tem como principal objetivo contribuir para melhorar a obtenção de informações relevantes, do ponto de vista forense, no decorrer da abordagem a testemunhas vulneráveis.

[…]

3.20 - Lê-se, então, no que foi escrito pelo Inspetor LL (Polícia Judiciária), dirigido ao Coordenador de Investigação Criminal, Remessa datada de 30 de março de 2020 que há «(...) elementos probatórios muito sólidos, na medida em que todas as vítimas referiram-se aos abusos que sofreram de forma muito clara e objetiva, verificando-se uma perfeita simetria entre todos os depoimentos, desde o modus operandi do agressor aos pormenores dos abusos sexuais».

3.20 - Com a máxima objetividade possível, afigura-se difícil reconhecer uma simetria perfeita, tendo em conta as já referidas contradições entre relatos de cada um dos visados em momentos e contextos diferentes, e entre os visados (e.g., nuns havia beijos noutros não, uns na boca com a língua, noutro não).

3.21 - A admitir-se uma simetria nos interrogatórios da Polícia Judiciária, a mesma seria expectável pelo tipo de interrogatório igualmente simétrico (i.e., a mesma estrutura) e sem recurso a procedimentos necessários para apurar da veracidade e credibilidade, como por exemplo, inverter a sequência dos relatos, retomar num determinado segmento intermédio e contar de um determinado ponto de vista, mesmo físico (Fisher & Geiselman, 1992).

- Quanto ao Senhor juiz de Instrução:

3.61 - As declarações para memória futura, que se encontram gravadas, enfermam de questões sugestivas, consideradas proibidas, do ponto de vista científico e técnico. A título de exemplo, «Portanto, ele disse II despe os calções que eu quero mexer na tua pila! Foi isto?» ou «Os outros monitores estavam com os outros meninos, e ele estava sozinho encarregue de outros meninos, é isso?». Só deverão ser usadas questões abertas, específicas (para obter informação nova sem indução/sugestão) e fechadas (sim/não, mas a partir de informação obtida previamente) (Fisher & Geiselman, 1992).»

- E, quanto à audiência de julgamento, não pode deixar de se referir que, no fundo, o arguido critica o facto de o coletivo não ter averiguado da capacidade das Senhoras peritas, tanto mais quando pretende que agora se lhes formule questões que ali no seu entender, deveriam ter sido formuladas (mas que também, ao que resulta, a defesa não formulou…).

Ou seja, o ‘parecer’ ora junto acaba por criticar toda a atividade levada a cabo no processo, não apenas versando acerca da atividade das Senhoras peritas, mais parecendo a tentativa de criação de uma nova instância de recurso, o que não é admissível.

Especificamente no que se refere ao fundamento para o pedido de revisão, não se pode qualificar o ‘parecer’ junto como «nova prova» para efeitos do disposto no artº 449º, nº 1, al. d), do CPP – é, antes, uma prova tardiamente junta pelo arguido, pois que a poderia ter apresentado no decurso do processo, dado que se reporta a situações ocorridas antes da instauração deste (factos pelos quais o arguido acabou por ser condenado) e no seu decurso (efetivação de diligências de prova).

O não ter junto o parecer, ou mesmo alegado o que neste se refere (quer quanto ao modo como foram conduzidos os atos processuais, quer quanto à competência das Senhoras peritas), tem a sua responsabilidade radicada na defesa, que não terá atempadamente enveredado pela estratégia que ora pretende utilizar.

E – para que não se diga que se dá prevalência ‘cega’ ao trânsito em julgado sobre a verdade – certo é que, do alegado e constante no ‘parecer’ ora junto, não pode deixar de se concluir que inexistem elementos que levantem fundadas dúvidas quanto à justiça da decisão condenatória: estamos meramente face uma outra abordagem da prova produzida no processo, contrária à formada pelos coletivos da 1ª instância e da Relação, prova que não se cingiu, nem se reconduz apenas, à prova em que as Senhoras peritas (tão duramente criticadas no parecer) levaram a cabo em colaboração com o Tribunal.

- Assim, sem necessidade de maiores considerações (fazemos nossas as referências doutrinárias e jurisprudenciais indicadas pelo recorrente, embora com conclusão oposta à que o mesmo pretende), é nosso parecer que deverá ser, de acordo com o disposto no artº 456º do Código de Processo Penal, negado o pedido de revisão formulado pelo arguido condenado AA.”

Teve lugar a conferência.

2. Fundamentação

O recurso de revisão consubstancia na lei ordinária a garantia constitucional assegurada pelo art. 29.º, n.º 6, da CRP.

Preceitua a norma constitucional que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”.

Também a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Protocolo 7, art. 4.º, refere que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.

O Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, disciplina no art. 449.º os casos (taxativos) em que este recurso extraordinário (respeitante a decisões transitadas em julgado) é admissível.

Fá-lo do modo seguinte:

“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”

2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”

Trata-se, assim, de um modo de superação de “eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir”, pois “não se pode impedir a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar” (Pereira Madeira, CPP Comentado, António Henriques Gaspar e Outros, 2014, p. 1609).

E constitui jurisprudência pacífica que o recurso de revisão, como meio de reacção processual excepcional, visa reagir contra manifestos e intoleráveis erros judiciários. Será esta evidência de erro que permitirá sacrificar os valores da segurança do direito e do caso julgado, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material.

Trata-se de uma solução de compromisso entre a segurança que o caso julgado assegura e a reparação de decisões que seria chocante manter.

Assim o tem vindo a reiterar, desde há muito, o Supremo Tribunal de Justiça, indicando-se a título de exemplo o acórdão do STJ de 24.02.2021 (Rel. Nuno Gonçalves), em cujo sumário pode ler-se:

“I - O instituto do caso julgado é orientado pela ideia de conseguir maior segurança e paz nas relações jurídicas, bem como maior prestígio e rendimento da atividade dos tribunais, evitando a contradição de decisões.

II - Embora o princípio da intangibilidade do caso julgado não esteja previsto, expressis verbis, na Constituição, ele decorre de vários preceitos (arts. 29.º, n.º 4 e 282.º, n.º 3) e é considerado um subprincípio inerente ao princípio do Estado de direito na sua dimensão de princípio garantidor de certeza jurídica.

III - As exceções ao caso julgado deverão ter, por isso, um fundamento material inequívoco.

IV - Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica.

V - A expressão “descobrirem novos” pressupõe que os factos ou elementos de prova foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente foram descobertos depois.

VI - A novidade dos factos e meios de prova afere-se pelo conhecimento do condenado. Omitindo o dever de contribuir, ativa e lealmente para a sua defesa não pode, depois de condenado por sentença firme, servir-se do recurso extraordinário de revisão para corrigir deficiências ou estratégias inconsequentes.

VII - No recurso de revisão com fundamento em novos factos ou meios de prova deve estar em causa, fundamentalmente, a antinomia entre condenação e absolvição. Grave e intoleravelmente injusta é a decisão que condenou o arguido quando deveria ter sido absolvido.

VIII - O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra:”

Quanto à necessidade e consistência desta justificação especial e acrescida – justificação, pelo recorrente, das razões pelas quais não pôde apresentar as provas cuja existência afinal já conheceria ao tempo da decisão – reitera-se que o Supremo tem sempre frisado que o recurso extraordinário de revisão não serve “para corrigir deficiências ou estratégias inconsequentes”.

No presente caso, o recorrente age inequivocamente (e exclusivamente) ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP - “d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. Assim o afirma expressamente, e assim decorre de toda a motivação do seu recurso.

Como se disse, e como resulta da lei na interpretação que pacificamente lhe vem sendo dada, no que respeita a este fundamento legal exige-se, por um lado, que haja novos factos ou novos meios de prova e, simultaneamente, que deles decorra uma dúvida grave sobre a justiça da condenação. Trata-se de dois requisitos cumulativos e convergentes no que respeita a uma intensidade elevada do grau de dúvida sobre a justiça da condenação.

Assim, os factos e/ou as provas têm de ser novos. Novos no sentido de desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, derivando a sua não apresentação oportuna desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação da prova em causa em julgamento. Por outro lado, a dúvida sobre a justiça da condenação tem de ser séria e consistente.

Para concluir, “o recurso de revisão, enquanto recurso extraordinário, não visa uma revisão do julgado, mas um julgado novo sobre novos elementos de facto” (acórdão do STJ de 19-11-2020, Rel. Francisco Caetano).

Do cotejo da argumentação desenvolvida no recurso com o que se deixa dito sobre a natureza e a operância prática do recurso de revisão, na visão consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, repete-se, resulta evidente que a pretensão do arguido não é de atender.

Desde logo, a existência, em concreto, de novas provas - novas provas no único sentido admissível em recurso extraordinário de revisão -, que tenham ficado fora da discussão da audiência de julgamento por razões de desconhecimento ou de incapacidade do arguido para as apresentar, exige sempre uma acrescida e sólida justificação sobre a invocação tardia.

No presente caso, como a Senhora Juíza bem refere na informação que prestou (e também o Ministério Público, na resposta ao recurso e no parecer), as perícias psicológicas elaboradas nas pessoas dos menores pelas senhoras psicólogas CC e FF foram juntas aos autos antes do julgamento; já existiam nos autos antes da apresentação da defesa do condenado, bem como o nome das senhoras técnicas, os métodos de entrevistas usado, a justificação das suas conclusões; mais foram tais perícias ordenadas pelo tribunal, tendo sido o Instituto de Medicina legal a nomear aquelas senhoras peritas, tudo no respeito da lei e de acordo com os formalismos legais.

E mais uma vez como se diz na informação judicial, sempre em consonância com a realidade do processo e do processado, nada o arguido requereu, nada o arguido arguiu relativamente à (in)competência ou (in)experiência forense para a realização das perícias. Sendo certo que o podia ter feito, e, logo, o devia ter feito, de acordo com a estratégia de defesa que agora pretende apresentar. Podia ter solicitado esclarecimentos à perícia realizada ou mesmo ter requerido a realização de nova perícia (art. 158.º do CPP).

Inexiste qualquer surpresa na descoberta desta prova, sendo certo que “o recurso extraordinário de revisão não pode servir de mecanismo destinado a corrigir deficiências ou erros que, a terem existido, são exclusivamente imputáveis à estratégia de defesa que o condenado entendeu adoptar” (acórdão do STJ de 07-04-2021, Rel. Nuno Gonçalves).

Mas mesmo que a prova em causa se encontrasse em condições de perfazer o primeiro segmento da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP - “a descoberta de um novo meio de prova” -, o que não sucede, sempre ficaria por realizar o segundo – “que suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

Como a Senhora Juíza referiu também na informação, “ainda que importantes tais perícias, não foram os únicos elementos de prova que levaram a que o tribunal condenasse o arguido como o fez. Assentou da conjugação da audição das testemunhas ouvidas em julgamento e dos vários elementos documentais carreados para os autos. Tudo isso é que determinou a convicção do tribunal. Por isso aqueles relatórios periciais não são os únicos a relevar na condenação do arguido.” E mais se demonstra depois, na informação judicial, facto a facto e prova a prova, a verdade processual desta afirmação.

Tudo para dizer que a prova agora apresentada, no contexto geral de todas as provas, não tem o peso e consistência, nem adquire o significado, que o recorrente lhe pretenderia ver atribuído.

E é este o segundo aspecto que cumpre referir. De acordo com o acórdão condenatório, transitado em julgado após confirmação pelo Tribunal da Relação, as provas que conduziram, em julgamento, à demonstração dos factos sobre a culpabilidade do arguido foram suficientemente consistentes, e a prova produzida e examinada em julgamento excedeu em muito a prova que se pretenderia agora desacreditar.

De tudo resulta que, por um lado, inexistem novas factos provas a ponderar; pelo outro, a prova apresentada, nem de per si, nem muito menos quando combinada com todas as restantes que foram apreciadas no processo, suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Assim, apresenta-se infundado o pedido de revisão formulado.

3. Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Negar a revisão – art. 456.º do CPP;

b) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC – arts. 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP.

Lisboa, 06.03.2024

Ana Barata Brito, relatora

Antero Luís, adjunto Teresa Féria de Almeida, adjunta

Nuno Gonçalves, Presidente da Secção