Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
123/07.5TBMIR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: FORO ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
COMPETÊNCIA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
PROPOSITURA DA ACÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
MATÉRIA DE FACTO
DEPOIMENTO DE PARTE
CONFISSÃO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCESSO ADMINISTRATIVO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / PROVAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - TRIBUNAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO / COMPETÊNCIA E GARANTIAS DA IMPARCIALIDADE / COMPETÊNCIA INTERNA EM RAZÃO DA MATÉRIA / CONFLITOS DE JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / SENTENÇA / RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ORGANIZAÇÃO E COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS / SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Volume III, 2:ª edição, 2000, pp. 298/299.
- Amâncio Ferreira, Manual…, 7ª ed., 2006, 244/5.
- Jónatas Machado, “Breves Considerações em torno do Âmbito da Justiça Administrativa”, in Reforma Administrativa, 2005, 93.
- Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pp.109/110.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, II, 2010, 566.
- M. Andrade, Noções…, 1993, 241.
- Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, 2010, pp. 845/846.
- Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4.ª edição, p. 330.
- Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, “ Código de Processo nos Tribunais Administrativos”/ “Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais” – Anotados, Volume I, 2006, p. 20.
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3.ª edição, 2000, p. 177.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 344.º, N.º2, 349.º, 350.º, 351.º, 352.º, 353.º, N.º 2, 356.º, N.º2, 361.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 66.º, 115.º, N.ºS 1 A 3, 390.º, 519.º, N.º2, 653.º, N.º 2, 655.º, N.º1, 659.º, N.ºS 2 E 3, 664.º, 690.º-A, 712.º, 722.º, N.ºS 2 E 3, 729.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 374.º, 417.º, N.º2, 674.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 112.º, N.º 1, 113.º, N.º 1, 126.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 210.º, N.º5, 211.º, N.º1, 212.º, N.º3.
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF), APROVADO PELA LEI N.º 13/2002, DE 19-02: - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 4.º.
LEI N.º 3/99, DE 13-01 (LOFTJ): - ARTIGO 22.º, N.º 1, 26.º.
LEI N.º 52/2008, DE 28-08 (NLOFTJ): - ARTIGOS 24.º, N.º 1, 33.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE DE 14-06-2011, PROC. N.º 3222/05.4TBVCT.S2, IN HTTP://WWW.DGSI.PT;
-15-01-2013 (PROC. N.º 6090/06.5TBLRA.C1.S1), DE 26-02-2013 (PROC. N.º 24/08.0TBPTM.E1.S1), E DE 22-10-2013 (PROC. N.º 272/2001.G1.S1).
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DOS CONFLITOS:
-N.ºS 01/13, DE 04-06-2013, E 018/13, DE 18-12-2013.
Sumário :
I - Inexiste no ETAF qualquer norma, mormente no art. 4.º, que permita enquadrar na competência dos tribunais administrativos a incumbência para ajuizar das acções indemnizatórias subsumíveis no art. 126.º do CPTA, resultantes de danos derivados de procedimentos cautelares instaurados em sede de foro administrativo.

II - A indemnização prevista no art. 126.º do CPTA tem de ser requerida através de acção autónoma, a propor nos tribunais judiciais, não existindo qualquer elemento de conexão que permita incluir o correspondente litígio no âmbito da jurisdição administrativa.

III - O STJ não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar as presunções judiciais, na medida em que tais ilações não são mais do que matéria de facto, salvo se ocorrer ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova.

IV - Quando tal não suceda, o STJ deve acatar a decisão das instâncias, por esta se situar ainda no âmbito da matéria de facto, que, por regra, é imodificável.

V - A confissão e o depoimento de parte são realidades distintas, sendo este mais abrangente do que aquela: pode haver depoimento sem haver confissão, do mesmo modo que pode haver reconhecimento da realidade de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária, a que não possa atribuir-se eficácia confessória específica, valendo, então, como meio probatório que o tribunal apreciará livremente – cf. art. 361.º do CC.

VI - Tendo o réu faltado à audiência final, para prestar depoimento de parte, mas sendo prescindido esse meio de prova, pela parte que o requereu, não se pode recorrer ao mecanismo de inversão do ónus de prova previsto nos arts. 519.º, n.º 2, do CPC – cf. art. 417.º, n.º 2, do NCPC (2013) – e 344.º, n.º 2, do CC.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I.

AA, Supermercados, Lda., intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB e mulher CC, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 125 951,76, a título de lucros cessantes e de € 125 907,72, a título de danos emergentes, acrescendo a estes montantes juros legais desde a citação.

Argumentou a autora, para tanto e em síntese: que se dedica à exploração de uma unidade comercial, sob a insígnia DD, no lugar de ..., em Mira, cuja abertura estava prevista para Junho de 2005, mas não conseguiu fazê-lo nessa data devido à intervenção de um tal EE, que não existe em Portugal como cidadão nacional, nem como estrangeiro; com efeito, esse EE veio invocar na Câmara Municipal a caducidade do procedimento de licenciamento de obras, por atraso na entrega do projecto de especialidades, o que era falso; depois, em 17-06-2004, o EE deu entrada no Tribunal Judicial de Mira de uma acção que visava obter a propriedade do terreno, onde seria construído aquele estabelecimento, baseando-se num contrato-promessa falso; que em 14-10-2004, com recurso a fotografias de 12-10-2004, o mesmo EE alegou falsamente, junto da Câmara, que não tinham sido realizadas quaisquer obras até ao dia 26-06-2004; que com todas estas intervenções o dito EE logrou atrasar a abertura do DD de Junho de 2005 para Setembro de 2005; que os réus interpuseram, em Julho de 2005, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, uma providência cautelar para suspender aquela obra, até ao trânsito em julgado da acção a propor – que não foi instaurada –, mas a referida providência foi indeferida em 19-12-2005; que naquela providência, instaurada por mandatário colega de escritório do dito EE, os réus utilizaram os mesmos argumentos empregues pelo tal EE junto da Câmara e no Tribunal de Mira e anexaram as mesmas fotos apresentadas pelo EE no procedimento de licenciamento junto da Câmara, sendo todo o aduzido absolutamente falso e gerador de responsabilidade pelos danos causados à requerida e ora autora, nos termos do art. 390.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC); que o EE foi inventado ou pelos réus ou pelos seus mandatários; que a intenção dos réus não era obter vencimento de causa mas apenas a de, dolosamente, atrasar a abertura da UCDR (unidade comercial de dimensão relevante), o que conseguiram e em 10 meses; que o conjunto de comportamentos dos réus obstou a que o DD tivesse iniciado o seu funcionamento, primeiro, em Junho de 2005 e depois em Setembro de 2005, fazendo com que o estabelecimento fosse apenas inaugurado em 5 de Abril de 2006; os obstáculos colocados pelo alter-ego EE tornaram improvável a abertura do estabelecimento em Junho, passando a estar prevista para Setembro de 2005; que, em razão da conduta dos réus, a autora deixou de auferir os lucros que aponta de 1 de Julho de 2005 a 5 de Abril de 2006 e efectuou o conjunto de despesas (danos emergentes) de 1 de Setembro de 2005 a 31 de Março de 2006, que realizou na expectativa da abertura do estabelecimento em Setembro, ascendendo os prejuízos ao montante acima mencionado.

O réu marido contestou, impugnando a matéria da petição e alegando que a autora apenas se quer locupletar à custa dele, que nada sabe, nem tem de saber, sobre o dito EE, rejeitando as insinuações sobre o patrocínio do cidadão em causa, concluindo pela improcedência da acção.

Realizada audiência preliminar, não foi possível obter a conciliação das partes, pelo que foi elaborado despacho saneador, seguido de fixação da matéria assente e da base instrutória. Foi efectuada prova pericial.

Após audiência de discussão e julgamento, que culminou com a resposta à matéria de facto, sem reclamação, e apresentadas as alegações de direito pelos réus, foi proferida sentença na qual se epilogou:

“Termos em que julgo parcialmente provada e procedente a presente acção, pelo que condeno os Réus, BB e mulher CC, a pagar à Autora, AA, Supermercados, Ld.ª, a indemnização global de duzentos e vinte e oito mil quinhentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e um cêntimos (€ 228.552,51), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo reembolso.

Custas pela Autora e pelos Réus, na proporção das sucumbências.

Registe e notifique.”

Não se resignando com esta decisão, dela recorreram os réus, para o Tribunal da Relação de Coimbra que julgou a apelação procedente e, consequentemente, decidiu:

“a) revogar a sentença, na parte em que condena os réus a pagarem à autora a indemnização (no montante de € 27 989,28) correspondente aos lucros cessantes no período de 1 de Julho de 2005 a 1 de Setembro de 2005, absolvendo os réus dos pedidos, nessa parte;

b) julgar o tribunal comum incompetente em razão da matéria para apreciar o pedido de indemnização por danos causados pela providência cautelar, revogar a sentença na parte em que condena os réus a pagarem à autora indemnização (no montante de € 200.563,23), correspondente aos danos emergentes e lucros cessantes do período de 1 Setembro de 2005 a 6 de Abril de 2006 e, nos termos dos art. 105º, 288º e 493º, todos do CPC, absolver os réus da instância relativamente aos pedidos subjacentes a tal condenação”.

Novamente inconformada com esta decisão, veio a autora interpor o presente recurso de revista, concluindo sua alegação, nos seguintes termos:

 “1.ª Existe coincidência com o decidido quanto ao âmbito da norma do art. 4.º, 1 do ETAF, por si, ou conjugada com a norma do art. 1.º, 1 do mesmo Estatuto, art. 2.º CPTA, ou ainda com a do art. 212.°, 3 CRP, nos termos dos quais o litígio entre particulares é expressamente afastado da jurisdição administrativa.

2.ª A interpretação da norma do art. 126.° CPTA há-de reflectir não só o seu carácter excepcional, como o seu correcto alcance.

3.ª Ora, enquanto o n.° 1 mais não é que a concretização da tutela jurisdicional efectiva prometida constitucionalmente no art. 20.° CRP, consagrando, outrossim, o princípio geral da responsabilidade civil, com o acrescento de exigir, na mera culpa, que a negligência seja grosseira.

4.ª Já o n° 2 refere que os lesados podem solicitar no processo a indemnização que lhes seja devida ao abrigo do disposto no número anterior. Ora, sendo a norma uma excepção às regras de competência dos tribunais administrativos, a verdade é que a conjugação verbal podem solicitar, parece, salvo melhor opinião, transmitir muito mais a ideia de uma faculdade concedida às partes (por comodidade e economia processual) do que uma obrigação. De facto, se o legislador quisesse obrigar as partes a serem ressarcidas nesses autos teria empregue formas verbais imperativas como devem peticionar ou devem pedir.

5.ª Acresce que se alguma dúvida restasse, veja-se a consequência estatuída no n.° 3 para o esgotamento do prazo definido no n.° 2 do mesmo artigo:

“Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido pedida qualquer indemnização, é autorizado o levantamento da garantia, quando exista”.

Ou seja, nem mesmo em matéria de tempo parece o legislador ter pretendido alterar os efeitos e regime típicos da prescrição da responsabilidade civil em geral. O não cumprimento do prazo apenas dá lugar ao levantamento da garantia, quando exista.

6.ª A própria jurisprudência, nomeadamente administrativa, admite que a responsabilidade civil decorrente de interposição de providência cautelar administrativa infundada pode ser apurada em acção de responsabilidade civil diversa dos autos que dão causa aos danos produzidos.

7.ª A norma do art. 126.° CPTA não só não obsta a que os lesados particulares (quando o lesante também o seja) possam peticionar o ressarcimento dos seus danos na jurisdição comum, como, com referência ao regime geral da responsabilidade civil, apenas se exige acrescida medida quanto à negligência.

8.ª Inexiste, pois, qualquer incompetência em razão da matéria dos tribunais comuns para apreciarem a questão dos autos, de onde decorre que a norma do art. 101.° CPC foi violada por indevida aplicação.

9.ª Pese a interposição de recurso em matéria de facto pelos ora recorridos, nos termos do disposto no art. 690.°-A CPC (que ainda regula o processo atenta a data da sua entrada em juízo), a análise concretamente efectuada no acórdão de que se recorre foi, nas suas extensão e abordagem, em tudo semelhante àquela que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça pode exercer, ex vi o disposto na última parte do n.° 3 do artigo 722.° CPC (cfr. também art. 729.° 1 e 2 CPC). Ou seja, no douto acórdão recorrido efectuou-se o julgamento da presunção judicial extraída pelo Tribunal de 1.ª instância quanto à matéria dos quesitos 7.º e 8.º (na parte coincidente com o âmbito do questionado no referido quesito 7.º), censurando, em termos de pura apreciação lógica, o resultado alcançado pela referida 1.ª instância.

10.ª Não existe, pois, qualquer discordância entre as instâncias quanto ao material probatório sobre que ambas discorreram. A divergência apenas surge quando o Venerando Tribunal recorrido exerceu censura quanto aos factos que a 1.ª instância deu como provados em resultado de presunção judicial (cfr. art. 351.° CC). E tal percurso intelectual tendente à verificação da correcção do método discursivo de raciocínio, é precisamente aquele que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça se encontra legalmente autorizado a, também ele operar (ex vi o disposto na última parte do n.°3 do artigo 722.° CPC como anteriormente se expôs).

11.ª Pelo que, a questão que aqui será colocada resume-se a apurar, em 1.ª linha se a censura exercida no douto acórdão recorrido ao uso da presunção judicial que logrou associar o ente EE aos recorridos efectuada pelo Mm.° Juiz de 1.ª instância foi adequada, ou não. Na 2.ª linha; se o raciocínio lógico material que substitui, revogando, o primeiro é ele mesmo discursivamente correcto. Sempre com salvaguarda do devido respeito e em jeito de antecipação, dir-se-á que não só o referido método discursivo de raciocínio empregue pelo Mm.° Juiz de 1.ª instância é correcto, como aquele que o substitui o não é, por apresentar uma dúvida apenas enquadrável nas correntes filosóficas do nihilismo ou cepticismo.

12.ª O percurso lógico seguido pelo Mm.º Juiz de 1.ª instância foi o seguinte:

1. Os documentos e depoimentos provam a inexistência de EE, em Portugal seja como cidadão nacional, seja como estrangeiro residente.

2. Os documentos e depoimentos provam que o cidadão da República de São Tomé e Príncipe EE, não esteve em Portugal antes, durante, ou depois das suas pretensas intervenções seja conferindo procuração à sua mandatária, seja residindo em Mira, seja dirigindo pretensões à Câmara Municipal de Mira, seja interpondo a acção judicial 236/04.5TBMIR que correu os seus termos no Tribunal judicial de Mira.

3. Os documentos e depoimentos provam que o referido ente, EE, em tais intervenções e no mesmo lapso temporal da intervenção ilícita e intencionalmente danosa directamente protagonizada pelos RR., fez uso das mesmas fotografias, dos mesmos argumentos e do mesmo escritório de Advogados que estes.

4. A contestação apresentada pela Ré na acção judicial 236/04.5TBMIR, anterior dona de um dos terrenos vendidos para a construção do supermercado em causa, nega a existência de qualquer contrato com o ente, EE, questionando a sua existência.

5. Os réus faltaram ao início da audiência, sendo então apresentado atestado médico em francês do estado de saúde do marido e declaração do seu ilustre Advogado de que a ré se sentiu mal e fora a uma consulta médica, o que impediu a realização dos seus depoimentos de parte.

6. A ré mulher veio a prestar posteriormente o seu depoimento, mostrando-se agastada com a situação e o marido nunca compareceu para depor, apresentando sucessivos documentos médicos para justificar as suas faltas à audiência de julgamento, apesar de lhe terem sido dadas várias oportunidades para o prestar.

7. Não obstante se declarasse doente, constata-se nos autos que viajou entre França e Portugal no mesmo período, pelo que se entende ter-se esquivado ao depoimento de parte – se podia viajar de e para França, presume-se que poderia depor durante cerca de meia hora ou uma hora no nosso Tribunal.

8. Assim, a atitude do réu permite que o Tribunal a interprete livremente para efeitos probatórios, não implicando a inversão do ónus da prova relativamente aos quesitos a que deveria ter respondido, estatuída no n° 2 do art. 519.°, que remete para o n.° 2 do art. 344.° do Código Civil, porque a ré mulher prestou o respectivo depoimento. Portanto, só se esquivando os dois réus haveria inversão do dito ónus e como não a houve de ambos, a conduta do réu marido é apreciada livremente pelo julgador, relativamente aos quesitos 7.º, 8.º e 9.°, aos quais se restringiu o requerido depoimento de parte, conforme consta da acta a fls. 890.

9. Ouvidas as testemunhas da autora e feita a demais prova, conclui-se que o réu marido quis furtar-se à confissão dos factos constantes dos quesitos 7.° a 9.º, que se dão como provados.

13.ª Aqui chegados urge concluir que seja a livre apreciação efectuada pelo julgador de 1.ª instância na análise da matéria dos quesitos 7.º a 9.º, seja a presunção judicial extraída e que conduziu à prova de tal matéria, além de possuírem respaldo legal (arts. 519.°, 2 CPC e 351.° CC), correspondem ao correcto método discursivo de raciocínio, com absoluto acolhimento nas regras da lógica e da experiência comum.

14.ª Sempre com salvaguarda do devido respeito, à censura exercida no douto acórdão recorrido é que falta o amparo da lógica e da experiência comum. De facto, as invulgares coincidências que os autos espelham, o carácter unívoco das condutas e a inexistência de um dos sujeitos, EE, apenas apontam para a conclusão extraída pelo Mm.° Juiz de primeira instância: o EE surgiu como «testa-de-ferro» ou «homem-de palha» dos réus.

15.ª Assim, além de se deverem ter como violadas as normas dos arts. 519.°, 2 CPC e 351.° CC, deve a resposta dada pela 1.ª instância aos quesitos 7.° a 9.° ser repristinada, dando-se os mesmos como provados, nos termos que decorrem do disposto no art. 722.°, 3 CPC (ex vi o disposto no art. 729.°, 2 CPC).

Termos em que deve o douto acórdão recorrido ser revogado e, em seu lugar, produzida decisão que:

a) Reconheça a competência da jurisdição comum para apreciação da totalidade do pedido;

b) Repristine a resposta dada pela 1.ª instância aos quesitos 7.° a 9.°.

c) Confirme integralmente a condenação dos recorridos produzida em primeira instância.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.

A.

Das instâncias vem considerada provada a seguinte matéria de facto, atendendo, já, à matéria fixada pela Relação:

 “A) A sociedade ITM entreprises promove e dirige o agrupamento internacional denominado agrupamento ITM, constituído por sociedades controladas por comerciantes independentes que exercem a sua actividade comercial dentro e fora de França no sector económico da distribuição de produtos, por intermédio de pontos de venda, explorados em diversos países sob as insígnias DD, E..., B..., V..., L…, S…, R…, N…, E… e outras que diferem consoante o tipo de actividade e produtos comercializados.

B) O agrupamento ITM baseia-se numa rede de distribuição estruturada e flexível criada por comerciantes independentes através da renúncia a uma parte da sua autonomia, sem prejuízo da sua iniciativa individual, que procuram em conjunto proporcionar um maior bem estar a um maior número de pessoas, através da oferta de produtos ao mais baixo preço possível.

C) Os princípios que regem o agrupamento ITM, e o estado de espírito que rege todo o seu funcionamento, encontram-se estipulados na “Carta dos FF”, do qual se extrai que as Unidades Comerciais de Dimensão Relevante que funcionam sob a insígnia DD devem utilizar os serviços do agrupamento ITM em geral e, em especial, os das afiliadas ou subafiliadas da ITM entreprises, a fim de que o custo da criação de tais serviços e afiliadas seja rentabilizado e amortizado.

D) Os pontos de venda, não obstante deverem recorrer prioritariamente aos serviços e afiliadas do agrupamento ITM, não devem contrair perante estas uma obrigação de aprovisionamento exclusivo, visto que tal atitude iria contra o princípio da livre iniciativa e a noção de “comércio independente”, devendo portanto optar por uma justa solução intermédia que, conservando as possibilidades de escolha e a liberdade de opção do empresário aderente franqueado, não prejudique ou entrave a acção do agrupamento ITM.

E) As sociedades de exploração do aderente franqueado representam uma sociedade privada autónoma, cujo único objecto é a exploração directa de uma unidade comercial de dimensão relevante, sita no local contratado com o agrupamento.

F) A transmissão do “know how” e concretização dos apoios realizam-se de forma a evitar que, em qualquer circunstância, a concorrência venha a obter algum benefício directo ou indirecto, pelo que é proibido às sociedades franqueadas aderir ou por alguma forma estabelecer relações de qualquer tipo, com grupos de distribuição ou empresas similares, bem como está vedado abrir ou explorar pontos de venda com objecto idêntico ou similar e ficam obrigados a não ceder, alienar ou de qualquer modo onerar, durante a vigência do contrato, os seus activos e/ou estabelecimento comercial ou local de implantação.

G) O agrupamento ITM fica detentor de uma participação de 10% no capital social das sociedades franqueadas, constituindo a favor destas o usufruto sobre 80% dessa participação, pelo que o aderente detém, individualmente ou em conjunto com o seu cônjuge, concubino ou outro, em propriedade plena, uma participação de 90% no capital social da sociedade franqueada, possuindo aquele uma participação de 2% em plena propriedade e 8% em nua propriedade.

H) O objectivo primordial dos aderentes ao agrupamento ITM e deste em si mesmo é reunir as condições necessárias à criação e exploração por cada sociedade franqueada de um estabelecimento comercial criado e administrado sob a sua exclusiva responsabilidade, embora respeitando as indicações do agrupamento ITM, de forma a maximizar os resultados, no interesse das partes e sempre na base de uma estreita colaboração e confiança mútua.

I) A autora tem como objecto a realização de todas as operações inerentes à exploração comercial de supermercados, à distribuição de produtos alimentares e não alimentares, exploração de postos de combustíveis, bem como à gestão de centros comerciais, dedicando-se à exploração de uma unidade comercial de dimensão relevante – UCDR – sob a insígnia “DD”, sita no lugar de ..., Mira.

J) Tal exploração foi atribuída à autora pela sociedade GG – Portugal – Supermercados, S.A., em 25-05-2004.

L) A unidade comercial referida em I) encontra-se implantada no prédio urbano, com área de 9984 m2, sito em ..., Mira, inscrito na matriz sob o art.º … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mira sob o n.º ….

M) Em 14-10-2004, EE, em requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Mira, aduziu, com recurso a fotografias datadas de 12-10-2004, que o licenciamento tinha caducado, porque conforme despacho n.º 624/2001/SEPMECS, de 26 de Junho de 2001, não teriam sido realizadas quaisquer obras até ao dia 26-06-2004.

N) Em Julho de 2005 os réus interpuseram junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra uma providência cautelar, que correu os seus termos com o n.º 396/05.8BECBR, mediante a qual pretendiam que fosse decretada a suspensão da obra titulada pelo alvará de obras de construção n.º 18/2005 – Construção do Supermercado DD de Mira – até ao trânsito em julgado da acção principal que diziam pretender interpor.

O) Para tanto alegaram que:

- No processo de licenciamento de obras n.º … requerido pela HH a DGCC, actualmente Direcção Geral da Empresa, notificou aquela, em 28-06-2001, do despacho de deferimento;

- Que tal despacho era válido por 2 anos, tendo ainda sido pedida prorrogação por mais 1 ano;

- A validade da licença expirava em 18-06-2004;

- Em 22-04-2004 foi solicitada autorização para execução de trabalhos de escavação e contenção da periferia, que viria a ser concedida;

- Tais obras em Outubro de 2004 ainda não haviam sido iniciadas e quando se iniciaram já estava caducada a autorização da DGCC;

- As referidas obras não são de instalação de unidade comercial;

- O licenciamento ocorreu em 07-10-2004;

- O alvará foi emitido em 11-03-2005;

- A Câmara Municipal de Mira quando o licenciou não o podia fazer por já estar caducada a licença emitida pela DGCC;

- Aquando da emissão do alvará de construção, em 11-03-2005, pendia sobre o prédio em causa um registo provisório por natureza de uma acção, efectuado em 07-06-2004, relativo à acção ordinária n.º 236/04.5TBMIR, a correr termos no Tribunal Judicial de Mira, em que terceiro reclama direito de propriedade sobre tal prédio;

- Em 17 de Junho de 2004, deu entrada na Câmara Municipal um ofício da mandatária do referido terceiro comunicando a interposição da referida acção, colocando em causa a legitimidade da requerente do processo de obras em causa;

- Durante o procedimento não conferiu a autarquia da legitimidade da requerente;

- A decisão final acerca do licenciamento depende da decisão do Tribunal Judicial relativa ao processo supra referido, em que o aqui requerente invoca o direito de propriedade sobre o terreno em causa, pelo que deveria o Presidente da Câmara ter suspenso o procedimento até que o Tribunal em causa se pronunciasse, conforme teor de documento de fls. 119 e seg. e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

P) Em 19-12-2005 o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra indeferiu a providência, tendo dado como provado que foram executados trabalhos de escavação e remoção de terras no prédio n.º …, no mês de Junho de 2004 e não foi interposta a respectiva acção principal.

Q) Os réus são emigrantes em França, embora residam habitualmente em Mira, em moradia situada ao lado da UCDR “DD”.

1.º Com o propósito de colocar em funcionamento a UCDR aludida em I) a sociedade HH, …, S.A. e II, …, S.A., pertencentes ao agrupamento ITM, deram início e conduziram quer o procedimento de autorização para a sua abertura junto da Direcção Geral do Comércio e da Concorrência – DGCC – quer junto da Câmara Municipal de Mira, no que respeita ao licenciamento da obra de construção do edifício destinado a albergar a referida UCDR.

2.º Após os procedimentos referidos em 1.º estarem concluídos o agrupamento ITM previa que a autora abrisse a UCDR aludida em Junho de 2005.

3.º A data prevista para a abertura da UCDR não se concretizou devido à intervenção de um indivíduo que se identificava como EE, que não existe em Portugal como cidadão nacional, nem como estrangeiro residente, que alegou que residia na Rua …, em Mira e que invocou (em requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Mira) a caducidade do procedimento de licenciamento de obras por atraso na entrega do projecto de especialidades.

4.º Em 17-06-2004 o mesmo EE, em requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Mira, deu conta da entrada no Tribunal de Mira, no Proc. n.º 236/04.5TBMIR de uma acção que visava obter a propriedade do terreno em que foi edificada a UCDR referida em I), baseando-se num contrato-promessa inexistente, e que ainda se encontra pendente.

5.º e 6.º Face ao referido em M), 3.º e 4.º e sendo falso o alegado, acarretou que a UCDR, unidade comercial referida em I), apenas fosse inaugurada em 5 de Abril de 2006.

(7.º Eliminado)

8.º Os réus com a conduta descrita em N), O) e P) pretendiam atrasar a inauguração da UCDR, causando, assim, prejuízo à autora e ao agrupamento ITM e não obter vencimento de causa.

9.º Os factos alegados em juízo pelos réus em N), O) e P) não correspondem à realidade.

10.º Entre 1 de Julho de 2005 e 5 de Abril de 2006 a autora deixou de obter resultados antes de impostos no montante estimado de € 102 645,20.

11.º Na expectativa de a autora abrir a UCDR em Setembro de 2005, efectuou despesas em fornecimentos e serviços externos, impostos, custos com pessoal, custos e perdas financeiras e custos e perdas extraordinárias, entre 1 de Setembro de 2005 e 31 de Dezembro de 2005, no valor de € 88 228,59 e entre 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Março de 2006, no valor de € 37 678,72.

B. As conclusões da recorrente, delimitando, de forma exemplar (diga-se), o objecto do recurso, sem prejuízo da eventual apreciação de questões de estrito conhecimento oficioso – cf. arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC, no regime anterior ao introduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24-08, aqui aplicável[1] -, suscitam a análise e decisão das sequentes duas questões:

1. Competência material dos tribunais comuns para apreciar o pedido de indemnização formulado ao abrigo do art. 126.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) – conclusões 1.ª a 8.ª.

2. Repristinação das respostas dadas pela 1.ª instância aos quesitos 7.° a 9.°, por terem sido violadas, pelo Tribunal da Relação, as normas dos arts. 519.°, n.º 2, do CPC, e 351.° do CC, nos termos que decorrem do disposto no art. 722.°, n.º 3, do CPC ex vi do disposto no art. 729.°, n.º 2 deste último Código – conclusões 9.ª a 15.ª.

Far-se-á, de seguida, a análise crítica de cada uma destas questões, iniciando-se pela segunda, atendendo, fundamentalmente, às consequências processuais que da solução jurídica da mesma decorrerá.

B1. Quanto à matéria de facto provada – e não provada – neste processo, notadamente no que tange às respostas aos arts. 7.º a 9.º da base instrutória, sustenta a autora/recorrente a repristinação das respostas dadas pela 1.ª instância àqueles pontos de facto, por entender terem sido violadas, por banda do tribunal de 2.ª Instância, as normas insertas nos arts. 519.°, n.º 2, do CPC, e 351.° do CC, defendendo, curialmente, que os factos ali questionados têm de ser dados como provados, segundo verte o art. 722.°, n.º 3, do CPC, ex vi do disposto no art. 729.°, n.º 2, deste último Código.

Antes de adentrarmos no exame desta questão, urge reproduzir o que se escreveu no aresto recorrido a propósito da análise crítica das provas que conduziram às respostas aos arts. 7.º a 9.º da base instrutória: “Impugnação de facto: O quesito 7.º tinha a seguinte redacção: «Foram os réus que actuaram a coberto da identidade de EE, por si, ou por interposta pessoa, no que concerne ao referido em M), 3.º e 4.º?»./ O quesito 8.º era, por sua vez, do seguinte teor: «Os réus com a conduta descrita em M), N), O), P), 3º e 4º pretendiam atrasar a inauguração da UCDR, causando, assim, prejuízo à autora e ao agrupamento ITM e não obter vencimento de causa?»./ A resposta foi, a ambos os quesitos, a de «provado», decisão agora impugnada pelos réus/apelantes, que pugnam pela resposta negativa./ Para tanto, invocam os depoimentos de JJ, KK e do filho dos réus LL, para sublinhar que nenhuma das testemunhas ouvidas manifestou ter conhecimento de que os réus tivessem actuado a coberto da identidade de EE, por si ou por interposta pessoa./E, na verdade, o referido JJ apenas referiu que ninguém era capaz de dizer quem era o EE, mas não foi ao ponto de referir que os réus tivessem actuado a coberto do EE. O KK referiu apenas que os anteriores donos do terreno negaram existir qualquer contrato promessa com o EE e que não o conseguiram identificar. E o filho dos réus, LL, negou qualquer ligação entre os pais e o referido EE./Não obstante, o Sr. Juiz tirou ilações./ Assim, a partir da afirmação da testemunha LL de que, apesar de haver mais moradores, vizinhos dos pais, ninguém queria avançar, concluiu que o EE surgiu como testa de ferro ou homem de palha dos réus. Que o EE serviu de escudo protector dos réus, concluiu também com base no facto de os réus, representados por colega de escritório da mandatária do EE, terem utilizado na providência fotos e argumentos que foram também utilizados pela mandatária do EE junto da Câmara e na acção no tribunal de Mira./ No entanto, o facto de as fotos serem as mesmas e o facto de o mandatário dos réus ter recorrido a argumentação do EE podem indiciar apenas o conhecimento recíproco de dossiers por advogados que são do mesmo escritório. Não provam de forma segura que os réus estavam por detrás da figura do EE, que actuaram a coberto da identidade deste ou que mandataram qualquer dos advogados (ou os dois) para o fazer./ Isto é, se é possível que os réus tenham actuado a coberto do tal EE, também é possível que não o tenham feito./Parece, pois, arriscado fazer recair sobre eles a autoria da ideia de fazer requerimentos junto da Câmara a coberto da identidade do referido EE, sobretudo quando se sabe que assumiram a sua identidade na providência cautelar”.

E, seguidamente, acrescentou-se: “Para a resposta afirmativa concorreu, ainda, a circunstância de o réu se ter eximido ao depoimento de parte, tendo o Sr. Juiz interpretado tal conduta, nos termos do art. 519.º, n.º 2 do CPC, no sentido de que o mesmo se quis furtar à confissão dos factos constantes dos quesitos 7.º a 9.º./Referem os recorrentes que essa conclusão não pode ser tirada uma vez que foi a própria autora que prescindiu do depoimento de parte do réu. Mas não é assim: o que se verifica é que a autora só prescindiu do depoimento de parte porque o réu não compareceu. A autora prescindiu não antes mas depois de verificada, mais uma vez, a falta (injustificada) do réu, e para não protelar o julgamento./ Cremos, no entanto, que a não comparência do réu para prestar o depoimento de parte não deve implicar a prova do facto de que os réus actuaram a coberto da identidade do EE./ Em primeiro lugar, não se pode dizer, sem mais, que o réu se quis furtar à confissão. O réu marido faltou apenas ao depoimento de parte. Embora vise provocar a confissão judicial (art. 356.º, n.º 2 do CC e 552.º do CPC), nem sempre o depoimento de parte conduz à confissão./ É certo que, nos termos do art. 357.º, n.º 2 do CC, se for ordenado o depoimento de parte, mas esta não comparecer, o tribunal apreciará livremente o valor da conduta para efeitos probatórios./ Todavia, isso não significa que o tribunal deva inferir daí, sempre e em qualquer circunstância, factos desfavoráveis para a parte. O tribunal, dentro do princípio da livre apreciação, não está dispensado de apreciar a conduta do réu segundo a sua experiência, prudência e bom senso (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, volume I, 3ª edição, pág. 338)./ Ora, compaginando os depoimentos das testemunhas (manifestamente insuficientes), com os elementos documentais (pouco concludentes) e com o depoimento de parte da mulher (que não confessou qualquer facto desfavorável), entendemos que, não sendo de inferir que o réu receava seriamente a confissão ou o reconhecimento de factos desfavoráveis, não deve a ausência do mesmo ser valorada em termos de implicar a prova do facto referido em 7.º. / Como assim, dá-se o quesito 7.º como não provado./ Não se dando como provado que tenham estado por detrás do EE em M), 3.º e 4.º, não se pode afirmar que, mediante estes comportamentos, os réus pretendessem apenas atrasar a inauguração e causar prejuízo à autora e ao agrupamento ITM./ Tendo-se este Tribunal declarado incompetente para apreciar o pedido de indemnização por danos relacionados com a providência, prejudicada fica a impugnação na parte relacionada com a conduta dos réus descrita em N), O) e P) (embora não se veja bem como é que se pode, sobretudo, a partir da ausência do réu, presumir que os réus apenas pretendiam atrasar e causar prejuízo à autora e não obter vencimento de causa)./ A resposta ao quesito 8.º fica, assim, reduzida à seguinte: provado que os réus com a conduta descrita em N), O) e P) pretendiam atrasar a inauguração da UCDR, causando, assim, prejuízo à autora e ao agrupamento ITM e não obter vencimento de causa./ Por último, deve transcrever-se a resposta integral ao quesito 3.º, corrigir-se a al. M), a resposta ao quesito 4º – em termos de se deixar esclarecido que o EE actuou quer em 14.10.2004, quer em 17.6.2004, através de requerimentos dirigidos ao Presidente da Câmara de Mira – e, atendendo a que os documentos não são factos, mas meros meios de prova, erradicar das alíneas a expressão “conforme teor de documento de fls. ... e cujo teor se dá por integramente reproduzido” (sic).

Vista a posição assumida pela Relação, no exercício dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto, resta ver em que medida o STJ aqui pode agir, sendo basicamente dois os aspectos que importa realçar: em primeiro lugar, a problemática da apreciação das presunções judiciais, em segundo lugar, a valoração da falta do depoente de parte (co-réu) à audiência final.

Em sede de reapreciação da prova, ao abrigo do preceituado nos arts. 690.º-A e 712.º do CPC, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas como suporte da impugnação – quer a testemunhal, quer a documental –, conjugando-as entre si, contextualizando-as, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a que a 2.ª instância forme a sua própria e autónoma convicção, que deve ser devidamente estribada, não se cingindo à procura da convicção alcançada na 1.ª instância.

O exame crítico das provas afere-se em função da fundamentação do julgamento da matéria de facto, a qual é exigida por lei, como promana, especialmente, do estatuído nos arts. 653.º, n.º 2, e 659.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, e existe para se compreenderem as razões em que se baseou o juiz ao julgar os factos da forma como os julgou: a motivação da decisão constitui, por um lado, a justificação da resolução adoptada para que possa ser escrutinada do exterior, e, por outro lado, um imperativo de autoconsciência do juiz relativamente ao processo de formação da sua convicção.

É às instâncias – seja na Comarca, seja na Relação – que compete operar aquele julgamento de facto, sabido que o STJ não controla a matéria de facto, nem revoga por erro no seu apuramento, competindo-lhe, antes, fiscalizar a aplicação do direito aos factos seleccionados pelos tribunais de instância – cf. arts. 722.°, n.º 2, e 729.°, n.ºs l e 2, ambos do CPC.

Com efeito, o STJ é um tribunal de revista e não um tribunal de 3.ª instância – cf. art. 210.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa - cfr Amâncio Ferreira, Manual…, 7ª ed., 2006, 244/5 - motivo pelo qual, na apreciação dos recursos, o STJ só conhece de questões de direito – cf. art. 26.º da Lei n.º 3/99, de 13-01 (LOFTJ), e art. 33.º da Lei n.º 52/2008, de 28-08 (NLOFTJ).

Competindo às instâncias a fixação da matéria de facto, ao Supremo cabe apenas aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fincados pelo tribunal recorrido – art. 729.º, n.º 1, do CPC –, não lhe incumbindo censurar a apreciação factual ali executada, fora dos apertados limites legais delimitados pelo n.º 2 do art. 722.º do CPC (após a revisão operada pelo DL n.º 303/2007, de 24-08 – n.º 3 do art. 722.º), atinente às situações limite de violação de regras de direito probatório material/prova vinculada.

Apenas se ocorrer ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova, pode, excepcionalmente, o STJ apreciar o erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa, cometido pela Relação – cf. arts. 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do CPC.

Quer isto dizer que só pode conhecer do juízo formado pela Relação, a propósito da matéria de facto, quando ela tenha dado como demonstrado algum facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico; já o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada em meios probatórios livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista – art. 655.º, n.º 1, do CPC.

Quanto às presunções judiciais:

dispõe o art. 349.º do CC que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador extrai de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, distinguindo-se as presunções legais das judiciais – cf. arts. 350.º e 351.º do CC –, clarificando a lei civil que o segundo género de presunções, as judiciais, só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.

É incontestável que, por se tratar de uma ilação que a lei ou o julgador tira de facto conhecido para firmar facto desconhecido, a presunção situa-se, portanto, no domínio do facto. Dito isto, é apodíctico que não cabe no âmbito dos poderes deste Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, ocupar-se da matéria de facto, nomeadamente aquela que lhe advenha do recurso a presunções judiciais – cf. arts. 349.º a 352.º do CC.

Assim, relativamente às ilações extraídas pelas instâncias, em sede de matéria de facto, tendo por sustentáculo o recurso a presunções judiciais, apenas competirá ao STJ indagar se as ditas presunções exuberam do âmbito dos factos provados ou deturpam o sentido normal daqueles de que foram extraídas.

Portanto, ao não caber ao STJ usar, ele próprio, as presunções judiciais, o que o poderá é censurar a decisão da Relação que, no que respeita a conclusões ou ilações de facto, infrinja o apontado limite, designadamente quando o uso de tais presunções houver conduzido à violação de normas legais, i.e., decidir se, no caso concreto, era ou não permitido o uso de tais presunções. 

Quando tal não suceda, o tribunal de revista deve acatar a decisão das instâncias, por esta se situar ainda no âmbito da matéria de facto, que por regra é imodificável ex vi dos já assinalados arts. 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 1, do CPC – cf., neste mesmíssimo sentido, os Acórdãos do STJ, de 15-01-2013 (Proc. n.º 6090/06.5TBLRA.C1.S1), de 26-02-2013 (Proc. n.º 24/08.0TBPTM.E1.S1), e de 22-10-2013 (Proc. n.º 272/2001.G1.S1) – os dois primeiros inéditos.

Por conseguinte, só se essas ilações não forem a decorrência lógica dos factos provados ou se implicarem a prova de factos que contrariem as respostas afirmativas ou negativas aos pontos da base instrutória ou a prova de factos nem sequer alegados, então, poderá o STJ apreciá-las e censurá-las, por se estar perante alteração não contemplada no art. 712.º, n.º 1, ou perante matéria de facto não alegada pelas partes, em violação da parte final do art. 664.º, ambos do CPC.

Em resumo, o STJ, salvo se ocorrer a situação prevista na última parte do n.º 2 do art. 722.º do CPC – cf., agora, art. 674.º, n.º 3, do NCPC (2013),  não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar a presunção, na medida em que tais ilações não são mais do que matéria de facto, salvo se ocorrer a situação prevista na última parte do n.º 2 do art. 722.º do CPC – cf., agora, art. 674.º, n.º 3, do NCPC (2013).

Assim sendo, constituindo os pontos controvertidos, insertos nos arts. 7.º a 9.º da base instrutória, factos de prova livre – não estando pois sujeitos a qualquer tipo de prova legalmente taxada –, era às instâncias que incumbia, como aconteceu, a respectiva fixação, sem qualquer interferência por banda deste tribunal, não se vislumbrando que a valoração probatória operada em 2.ª instância tenha violado quaisquer regras processuais ou de lógica, porquanto a Relação se cingiu a procurar, segundo padrões de normalidade e plausibilidade, os factos provados e aqueles que quedaram por ficar demonstrados.

Acresce, aliás, que a convicção da Relação, como expressamente consta do acórdão sindicado, foi obtida de forma complexa “compaginando os depoimentos das testemunhas (manifestamente insuficientes), com os elementos documentais (pouco concludentes) e com o depoimento de parte da mulher (que não confessou qualquer facto desfavorável)” (sic), e não se cingiu ao uso de meras presunções judiciais, como parece querer inculcar a recorrente no seu recurso.

Nada, pois, a censurar ao raciocínio vertido no aresto recorrido, para fundamentar a sua convicção e as respostas dadas aos sobreditos artigos da base instrutória, em alteração do juízo formulado na 1.ª instância.

E que dizer da falta do réu à audiência final para prestação do depoimento de parte? A confissão, enquanto meio de prova, é definida pela lei substantiva como “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” – art. 352.º do CC. Tem forçosamente que incidir sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis à parte contrária, constituindo prova, não a favor de quem a emite, mas a favor da parte contrária; portanto, recai necessariamente sobre factos desfavoráveis ao confitente e favoráveis ao seu adversário - Cf. Acórdão do STJ, de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT.S2 , subscrito pelo relator e 1.º adjunto e que aqui acompanhamos em grande medida, in http://www.dgsi.pt, como os demais arestos mencionados de ora em diante sem referência adicional.

O depoimento de parte, por sua vez, é o meio processual que a lei adjectiva põe ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial, como expressamente previsto no art. 356.º, n.º 2, do CC (adoptando o CPC a epígrafe “Prova por Confissão das Partes”, na Secção III, relativa a este meio probatório, aí regulado nos arts. 552.º a 567.º). Nesta precisa medida se compreende que o depoimento só possa ser exigido quando esteja em causa o reconhecimento pelo depoente de factos “cujas consequências jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à parte contrária, nos termos do art. 342.º do Código Civil”- M. Andrade, Noções…, 1993, 241.

Em caso de litisconsórcio, estabelece o art. 353.º, n.º 2, do CC, que “a confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário”. Destarte, “se os efeitos que o facto confessado é idóneo a produzir forem contrários ao interesse de uma pluralidade de sujeitos e subjectivamente incindíveis, a legitimidade para confessar radicará, em consequência, nessa pluralidade, não podendo um desses sujeitos isoladamente produzir uma confissão que se traduziria no reconhecimento da realidade dum facto que a todos é desfavorável; mas se, embora o interesse seja comum a vários sujeitos, os efeitos do facto são subjectivamente cindíveis, por forma a poderem ser dados como verificados apenas relativamente a algum dos sujeitos, já a confissão isolada dum deles é admissível, visto que, realizada a cisão, só o seu interesse resulta afectado em face duma situação consequente ao facto confessado que, representado este, na sua parte relevante e ainda que por efeito da aplicação da norma sobre a redução dos actos jurídicos, como se o acto só a ele dissesse respeito, é amputada dos efeitos que o facto seria idóneo a produzir em outras direcções. É o que, respectivamente, acontece nos casos de litisconsórcio necessário e de litisconsórcio voluntário” – cfr. Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório,p.109/110.

Isto dito, no caso vertente regista-se que a autora/recorrente, através do seu mandatário judicial, acabaria por prescindir do depoimento de parte do réu BB, conforme se alcança da acta referente à sessão de julgamento ocorrida em 25-02-2011 .

Por isso mesmo, apenas foi tomado o depoimento de parte da co-ré MM, conforme acta da sessão de julgamento registada em 20-01-2011 – cf. fls. 891/892 –, não tendo ela prestado qualquer declaração confessória.

Do exposto se infere que não é pelo facto do réu ter faltado à audiência final para prestar o seu depoimento, para mais prescindido pela parte que o requereu, que se pode recorrer ao mecanismo de inversão do ónus da prova previsto nos arts. 519.º, n.º 2, do CPC, e n.º 2 do 344.º do CC.

Conclui-se, deste modo, pelo infundado das conclusões 9.ª a 15.ª, sendo, pois, de manter in totum as respostas (alteradas) da Relação aos sobreditos arts. 7.º a 9.º da base instrutória.

B2 – Resta proceder à análise da questão atinente à competência material para apreciação do pedido indemnizatório emergente do procedimento cautelar.

Discorreu-se no acórdão recorrido, no tocante à competência material do tribunal para aquilatar do pedido indemnizatório deduzido ex vi do art. 126.º do CPTA[2]: “(…) [A]nalisando a petição, verifica-se que a autora invoca duas fontes para a obrigação de indemnização por parte dos réus./ Assim, invoca determinados comportamentos por parte dos réus junto da Câmara Municipal, a coberto da identidade de um tal EE, (art. 28, 32) que obstaram a que a UCDR DD de Mira pudesse iniciar o seu funcionamento em Junho de 2005, passando a abertura a ficar prevista para Setembro de 2005 (cfr. art. 25, 28, 32 a 35, 79, 82 a 84 da petição)./ Depois, invoca a providência cautelar de suspensão da obra de Julho de 2005, interposta no TAFC que culminou com o indeferimento de 19.12.2005, que impediu a abertura da UCDR na data prevista de Setembro de 2005 e que fez com que só fosse inaugurada em 5 de Abril de 2006 (art. 36, 37, 79 a 84 da petição)”. Seguidamente, após concluir pela competência material dos tribunais comuns para ajuizar do primeiro daqueles pedidos, consignou-se, quanto à segunda fonte de responsabilidade: “Já o mesmo não se passa com a indemnização relacionada com a reparação dos danos causados pela providência cautelar, a partir de Setembro de 2005 (danos exclusivamente causados pela providência cautelar instaurada em Julho de 2005)./ É que, embora seja difícil enquadrar a causa na previsão de qualquer alínea do n.º 1 do art. 4.º do ETAF, designadamente na al. a) (na medida em que a autora não é um particular), sempre se nos deparará o disposto no art. 126.º do CPTA./ Com efeito, nos termos do art. 126.º, n.º 2 do CPTA “quando as providências cessem por causa diferente da execução de decisão do processo principal favorável ao requerente, a Administração ou os terceiros lesados pela sua adopção podem solicitar a indemnização que lhes seja devida ao abrigo do disposto no número anterior, no prazo de um ano a contar da notificação prevista no n.º 1 do artigo anterior”, sendo que o n.º 1 dispõe que “ o requerente responde pelos danos que, com dolo ou negligência grosseira, tenha causado ao requerido e aos contra-interessados.”/ Portanto, só neste âmbito, assiste à autora direito à indemnização por danos causados pela providência cautelar. A responsabilidade dos réus pelos danos causados pela providência cautelar apenas pode derivar, não do invocado art. 390.º do CPC, que se aplica apenas às providências cautelares do processo civil, mas do disposto no art. 126.º do CPTA, que se aplica às providências cautelares do foro administrativo./ E para este efeito, para apuramento da responsabilidade dos réus, não pode o tribunal administrativo deixar de ser competente, o que, também, resulta do disposto no art. 1.º, n.º 1 do ETAF, do art. 2.º, al. a) e do art. 37.º, n.º 2, al. a), ambos do CPTA./ Em resumo, verifica-se que o tribunal comum é apenas competente para apreciar a indemnização por danos emergentes e lucros cessantes a que a autora tem direito de 1 de Julho de 2005 até 1 de Setembro de 2005 (causados pela actividade que lhes é imputada junto da Câmara Municipal de Mira), sendo incompetente, em razão da matéria, para apreciar a indemnização pelos danos causados pela providência cautelar desde Setembro de 2005 até 6 de Abril de 2006./ Pensamos, ainda, que tendo em atenção as diferentes causas de pedir e a cindibilidade do pedido – e à semelhança do que se passa com a cumulação de pedidos, como se pode ver em Temas da Reforma…, de Abrantes Geraldes, I vol., 2.ª ed., a pág. 136 e 137 – nada obstará ao proferimento da decisão de absolvição da instância relativamente à segunda parte do pedido de indemnização, relacionada com os danos causados pela providência cautelar desde Setembro de 2005 até 6 de Abril de 2006, prosseguindo a instância para apreciação do mérito da 1ª parte do pedido, relativa à indemnização por danos emergentes e lucros cessantes causados pela actividade imputada aos réus junto da Câmara Municipal de Mira (e verificados de 1 de Julho de 2005 até 1 de Setembro de 2005)” (sic).

Diversamente, na 1.ª Instância, ainda que de forma genérica, declarou-se que o tribunal era competente em razão da matéria para ajuizar ambas as fontes de responsabilidade, tendo-se sentenciado, a final, em conformidade com tal entendimento.

O poder jurisdicional encontra-se repartido por diversas categorias de tribunais, segundo a natureza das matérias das causas suscitadas perante eles - cf. arts. 209.º e segs. da Constituição da República Portuguesa (CRP) – consagrando a CRP a existência, de uma dualidade de jurisdições: a jurisdição comum e a jurisdição administrativa. A existência de categorias distintas de tribunais implica a definição de um critério objectivo de repartição de competência entre eles, segundo a natureza das questões em razão da matéria, podendo, por isso mesmo, gerar-se conflitos de jurisdição, mormente negativos (artº115º, 1 a 3 do CPC.

A demarcação das jurisdições, correspondente aos tribunais judiciais, por um lado, e aos tribunais administrativos e fiscais, por outro lado, implica a apreciação das concernentes áreas de competência, constituindo um pressuposto processual que deve ser apreciado antes da questão (ou questões) de mérito, aferindo-se pela forma como o autor configura a acção, e definindo-se pelo pedido, pela causa de pedir e pela natureza das partes.

A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente – art. 22.º, n.º 1, da LOFTJ, e art. 24.º, n.º 1, da NLOFTJ.

Ter-se-á de ponderar, para esse efeito, os termos em que foi proposta a acção, seja quanto aos seus elementos objectivos – natureza da providência solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto de onde teria resultado esse direito, etc. –, seja quanto aos seus elementos subjectivos – identidade das partes – cfr., entre outros os Acórdãos do Tribunal dos Conflitos n.ºs 01/13, de 04-06-2013, e 18/13, de 18 .

Por conseguinte, o estabelecimento da competência material do tribunal determina-se olhando a petição ou o requerimento inicial e sopesando, por um lado, a pretensão formulada ou a medida jurisdicional requerida, e, por outro, a relação jurídica ou situação factual descrita nessa peça processual.

O art. 212.º, n.º 3, da CRP estabelece que: “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Por seu turno, de acordo com o art. 211.º, n.º 1, da CRP: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”. Consagra-se, na última parte deste preceito constitucional, o princípio da competência genérica ou residual dos tribunais comuns(artº66º do CPC).

No art. 212.º, n.º 3, da CRP, “estão em causa apenas os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (ou fiscais) (n.º 3, in fine). Esta qualificação transporta duas dimensões caracterizadoras: (1) as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público (especialmente da administração); (2) as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal (cfr. ETAF, art. 4.º)”- CRP Anotada, II, 566, ed 2010, de Gomes Canotilho e V. Moreira.

Infere-se do exposto que a atribuição de competência ao tribunal de jurisdição comum pressupõe a inexistência de norma específica que atribua essa competência a uma jurisdição especial para resolver determinado litígio, tal como o autor o configura.

Observando a data da instauração da acção (02-05-2007), há que atender ao consignado no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF ], aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02,[3] cujo art. 1.º, n.º 1, prescreve que: “Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.[4]

A competência dos tribunais administrativos, como se sublinhou, implica dilucidar o que se deve entender por litígios emergentes de relações jurídicas administrativas. Contrariamente ao regime pretérito – cf. redacção original do ETAF, aprovado pelo DL n.º 129/84, de 27-04 –, em face do novo ETAF, não há que chamar à colação a distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada como critério para a determinação da competência material dos tribunais administrativos, centrando-se a delimitação do raio de acção do foro administrativo no conceito de relação jurídica administrativa (e de função administrativa).

O art. 4.º do actual ETAF define o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos (e fiscais), adoptando um critério misto para a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, mediante o recurso a uma cláusula geral e a uma enumeração especificada, positiva e negativa, o que é, em si mesmo, uma rotura com o sistema adoptado até então, em que uma cláusula geral era acompanhada de um enumeração puramente negativa – Jónatas Machado, Breves Considerações em torno do Âmbito da Justiça Administrativa, in Reforma Administrativa, 2005, 93.

Revertendo ao caso apreciado, verteu-se no acórdão recorrido, como acima se alinhavou, que, no que tange à responsabilidade decorrente do procedimento cautelar, a que alude o art. 126.º do CPTA, “para apuramento da responsabilidade dos réus, não pode o tribunal administrativo deixar de ser competente, o que, também, resulta do disposto no art. 1.º, n.º 1 do ETAF, do art. 2.º, al. a) e do art. 37.º, n.º 2, al. a), ambos do CPTA” (sic).

Adiantamos, porém, que não se vislumbra que assim seja.

 De facto, inexiste no ETAF qualquer norma, mormente no art. 4.º, que permita enquadrar na competência dos tribunais administrativos a incumbência para ajuizar das acções indemnizatórias subsumíveis no art. 126.º do CPTA, resultantes de danos derivados de procedimentos cautelares instaurados em sede de foro administrativo.

As providências cautelares, como se sabe, destinam-se a obter uma regulação provisória dos interesses envolvidos num determinado litígio, podendo traduzir-se na manutenção, a título provisório, de uma situação já existente, até que seja definida a título definitivo no processo principal – providências conservatórias –, ou na antecipação, igualmente provisória, de uma situação jurídica nova, cuja constituição se visa alcançar, a título definitivo, no processo principal – providências antecipatórias. Tanto num caso como no outro, essa regulação provisória deve ter natureza instrumental, ou seja, deve traduzir-se na adopção de procedimentos preventivos que se mostrem adequados a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, evitando o chamado periculum in mora, de tal modo que não poderá conceber-se a tutela cautelar sem esta vinculação objectiva, e subsidiária, relativa à tutela jurisdicional definitiva a obter no processo principal – cf. os arts. 112.º, n.º 1, e 113.º, n.º 1, ambos do CPTA.[5]

Relativamente à responsabilidade civil do requerente de uma providência cautelar, no âmbito do foro administrativo, cumpre atender ao estatuído no art. 126.º do CPTA, sob a epígrafe “Indemnização”:

“1. O requerente responde pelos danos que, com dolo ou negligência grosseira, tenha causado ao requerido e aos contra-interessados.

2. Quando as providências cessem por causa diferente da execução de decisão do processo principal favorável ao requerente, a Administração ou os terceiros lesados pela sua adopção podem solicitar a indemnização que lhe seja devida ao abrigo do disposto no número anterior, no prazo de um ano a contar da notificação prevista no n.º 1 do artigo anterior.

3. Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido pedida qualquer indemnização, é autorizado o levantamento da garantia, quando exista”.
Nas palavras de Mário Aroso de Almeida, o regime do art. 126.º do CPTA “visa proteger a Administração e os contra-interessados contra os danos resultantes do abuso da tutela cautelar por parte de quem, com dolo ou negligência grosseira, tenha feito valer pretensões infundadas” (O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4.ª edição, p. 330).

Esta norma, de certa forma, é paralela à contida no CPC, no art. 390.º (374º no NCPC), titulada “Responsabilidade do requerente”, em cujo n.º 1 se refere: “Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando este não tenha agido com a prudência normal”.
Não oferece quaisquer dúvidas de que, quer numa situação, quer na outra – isto é seja na circunstância do art. 126.º do CPTA, seja na condição do art. 390.º do CPC –, a responsabilidade civil do requerente é apreciada nos termos gerais do art. 483.º e seguintes do Código Civil (CC), implicando: a) falta de justificação ou caducidade da providência; b) imputação ao requerente; c) actuação dolosa do requerente ou fora das regras de prudência normal; e, d) verificação de danos causalmente associados à providência requerida (em sentido análogo, cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3.ª edição, 2000, p. 177, e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Volume III, 2:ª edição, 2000, pp. 298/299.

Acompanhando a lição de Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, em anotação ao indicado art. 126.º do CPTA: “[A] indemnização deve ser requerida através de acção autónoma, a propor nos tribunais judiciais. Na verdade, tal como sucede no processo civil, por efeito do disposto no artigo 390.º do CPC, o direito indemnizatório só nasce na esfera jurídica do lesado quando a providência cautelar tiver sido considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, e, por conseguinte, apenas quando o processo cautelar se encontre findo por decisão transitada em julgado. O processo não poderá, portanto, ser reaberto para prosseguir como processo principal, para o efeito de ser arbitrada a indemnização, nem seria justificável que num processo cautelar, por sua natureza urgente, se enxertasse um pedido indemnizatório que necessariamente implica uma morosa indagação quanto à existência dos requisitos da responsabilidade civil”.

E, continuam os mesmos autores: “Além disso, a acção de indemnização tem de ser intentada nos tribunais judiciais, visto que não existe qualquer elemento de conexão que permita incluir o correspondente litígio no âmbito da jurisdição administrativa (cfr. artigo 4.º, n.º 1, alíneas g), h) e i), do ETAF). Com efeito, o direito de indemnização radica na conduta processual do requerente e, portanto, numa típica relação de direito privado que cabe aos tribunais judiciais dirimir”.

Por fim, acrescentam (em rodapé): “Pela mesma razão, não será possível à Administração ou ao requerido particular deduzirem, no processo principal que venha a ser intentado na sequência da providência cautelar, um pedido reconvencional referente à ndemnização a que se reporta este artigo 126.º” - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição revista, 2010, pp. 845/846.

Em sentido análogo, Abrantes Geraldes escreve, ao analisar o regime processual civil, que: “A norma do art. 390.º, n.º 1, deve ser encarada fundamentalmente como norma de direito substantivo, contendo uma das formas de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito ou aquiliana. Por isso se compreende a ausência de referências ao modo de exercício do direito de crédito./ É indubitável que a correspondente pretensão não cabe no procedimento cautelar ou mesmo no incidente de oposição. Julgamos até que nem sequer a acção de que o procedimento depende tem a estrutura exigida para a suportar./ O procedimento e acção servirão, porventura, para apurar factos que respeitem à qualificação da actuação do requerente como ilícita e culposa. Já os restantes elementos integradores da responsabilidade civil (maxime os danos e o nexo de causalidade) devem ser apurados no âmbito da acção autonomamente instaurada” obra citada, p.298.

Retomando o em apreço, reconsideram-se os seguintes aspectos: (i) por força do disposto no art. 212.º, n.º 3, da CRP, os tribunais administrativos têm competência para a apreciação da responsabilidade civil extracontratual dos titulares de órgãos, funcionários, agentes e demais servidores públicos, desde que a prática do acto ilícito esteja dentro de uma relação jurídico–administrativa; (ii) a relação material controvertida, tal como a mesma é gizada pela autora/recorrente – i.e., responsabilidade civil decorrente do art. 126.º do CPTA –, não configura uma relação jurídico-administrativa que a coloque sob a jurisdição administrativa; (iii) trata-se de uma relação material controvertida de natureza privada e jurídico civil, regulada pelos arts. 483.º e segs. e 562.º e segs. do CC.

Por conseguinte, não restam quaisquer tipo de dúvidas de que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, cabe, também, à Jurisdição Comum a competência para aferir da indemnização aduzida ao abrigo do art. 126.º do CPTA, in casu, consubstanciada no pedido indemnizatório pelos danos decorrentes do procedimento cautelar, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sob o n.º 396/05.8BECBR, alegadamente sofridos pela autora/recorrente, desde Setembro de 2005 até 6 de Abril de 2006.

Nessa estrita medida, ter-se-á de revogar a decisão proferida pela Relação de Coimbra, de incompetência material, constante da alínea b), do segmento decisório do acórdão recorrido, declarando-se o tribunal comum materialmente competente para julgar aquele pedido e, concomitantemente, ordenar a baixa dos autos à Relação para novo julgamento, pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, estrito àquele assunto.

C. Concluindo:

- Inexiste no ETAF qualquer norma, mormente no art. 4.º, que permita enquadrar na competência dos tribunais administrativos a incumbência para ajuizar das acções indemnizatórias subsumíveis no art. 126.º do CPTA, resultantes de danos derivados de procedimentos cautelares instaurados em sede de foro administrativo.

- A indemnização prevista no art. 126.º do CPTA tem de ser requerida através de acção autónoma, a propor nos tribunais judiciais, não existindo qualquer elemento de conexão que permita incluir o correspondente litígio no âmbito da jurisdição administrativa.

- O STJ não pode sindicar o juízo de facto formulado pela Relação para operar as presunções judiciais, na medida em que tais ilações não são mais do que matéria de facto, salvo se ocorrer se ocorrer ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova.

- Quando tal não suceda, o STJ deve acatar a decisão das instâncias, por esta se situar ainda no âmbito da matéria de facto, que por regra é imodificável.

- A confissão e o depoimento de parte são realidades distintas, sendo este mais abrangente do que aquela: pode haver depoimento sem haver confissão, do mesmo modo que pode haver reconhecimento da realidade de factos desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária, a que não possa atribuir-se eficácia confessória específica, valendo, então, como meio probatório que o tribunal apreciará livremente – cf. art. 361.º do CC.

- Tendo o réu faltado à audiência final, para prestar depoimento de parte, mas sendo prescindido esse meio de prova, pela parte que o requereu, não se pode recorrer ao mecanismo de inversão do ónus de prova previsto nos arts. 519.º, n.º 2, do CPC – cf. art. 417.º, n.º 2, do NCPC (2013) – e 344.º, n.º 2, do CC.

III.

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em:

1. Julgar improcedente a revista no que tange à repristinação das respostas dadas aos arts. 7.º a 9.º da base instrutória, mantendo, nessa parte, o teor do acórdão recorrido.

2. Julgar parcialmente procedente a revista, declarando-se o tribunal comum competente, em razão da matéria, para julgar o pedido de indemnização pelos danos causados à autora/recorrente pela providência cautelar que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, sob o n.º 396/05.8BECB.

3. Revogar a deliberação vertida na alínea b) do segmento decisório do acórdão recorrido, ordenando o reenvio dos autos à Relação, para que proceda, pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, à apreciação e julgamento do pedido correspondente aos danos emergentes e lucros cessantes, advenientes daquela providência cautelar, no período de 1 Setembro de 2005 a 6 de Abril de 2006, como peticionado.

Custas da revista pela autora/recorrente, na proporção do decaimento, relegando-se para final a responsabilidade pelas custas referentes ao ponto 2 desta decisão.

                             Lisboa, 27 de Maio de 2014

                                   

                                 

MARTINS DE SOUSA (Relator)                                  

GABRIEL CATARINO

MARIA CLARA SOTTOMAYOR

___________________________
[1] A acção foi instaurada e distribuída em 02-05-2007, antes da entrada em vigor do DL n.º 303/2007, que veio alterar o CPC – o que ocorreu a 01-01-2008 –, que por isso não se aplica aos processos pendentes por força do art. 11.º, n.º 1, do mesmo diploma.
[2] Aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-02, com a Declaração de Rectificação n.º 17/2002, de 06-04, e alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19-02, e pela Lei n.º 59/2008, de 11-09.
[3] Com as alterações introduzidas pelas Declarações de Rectificação n.ºs 14/2002, de 20-03 e 18/2002, de 12-04, pelas Leis n.ºs 4-A/2003, de 19-02, 107-D/2003, de 31-12 (e, já depois da instauração desta acção, pelas Leis n.ºs 1/2008, de 14-01, 2/2008, de 14-01, 26/2008, de 27-06, 52/2008, de 28-08, 59/2008, de 11-09, pelo DL n.º 166/2009, de 31-07, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, e pela Lei n.º 20/2012, de 14-05).
[4] Explicam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira: “O ETAF tem como objecto a disciplina e funcionamento dos tribunais administrativos (e dos fiscais …). Não se trata portanto de uma lei processual, que cuide da instauração, do desenvolvimento e da extinção da instância administrativa, mas de uma lei judiciária que delimita as causas cujo julgamento cabe aos tribunais administrativos e estabelece como estes se organizam e funcionam para tal” – cf. Código de Processo nos Tribunais Administrativos/ Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – Anotados, Volume I, 2006, p. 20.
[5] Segundo o CPTA, o processo cautelar depende do processo principal, podendo ser intentado como preliminar ou como incidente do mesmo – art. 113.º, n.º 1 –, devendo o requerente indicar a acção principal de que o processo cautelar depende ou irá depender, sob pena de eventual rejeição liminar – arts. 114.º, n.º 3, al. e), e 116.º, n.º 2, al. a), do CPTA. Por seu turno, as providências cautelares caducam, nomeadamente, quando transite em julgado a decisão que ponha termo ao processo principal, caso seja desfavorável ao requerente, caducidade que pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – art. 123.º, n.ºs 1, al. f), e 3 do CPTA. A caducidade da providência cautelar, se decretada, produz, incontestavelmente, a impossibilidade superveniente da respectiva lide, conduzindo à extinção da instância, nos termos do art. 287.º, al. e), do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.